Contratos de locação durante a pandemia: impressões sobre a legislação emergencial e transitória e a prevalência da negociação entre as partes
Contratos de locação durante a pandemia: impressões sobre a legislação emergencial e transitória e a prevalência da negociação entre as partes
Em meio às inúmeras proposições, projetos de lei e medidas provisórias sobre os mais diversos assuntos, é de grande importância o debate do tema que causa inúmeras discussões a respeito dos contratos de locação e as respectivas ações de despejo nesse momento de pandemia.
O tema surgiu da preocupação do próprio Poder Judiciário aliado à grande parte da comunidade jurídica do ramo do direito civil que, com razão, receiam uma avalanche de processos judiciais e conflitos fundamentados na teoria da imprevisão, na onerosidade excessiva, no instituto da força maior, dentre outras medidas fundadas na situação excepcional acarretada ao ambiente de negócios das locações em meio à pandemia do Covid-19.
Apesar da preocupação real diante da situação das pessoas físicas e jurídicas que foram e estão sendo diretamente atingidas pelas consequências do desemprego, suspensão de contratos de trabalho, redução de carga horária, imposição de fechamento temporário de estabelecimentos ou mesmo a redução das atividades empresariais por ato impositivo do poder público, é certo que não poderá haver supressão abrupta do direito dos contratantes – locador e locatário
- nem tampouco evento surpresa que inviabilize os contratos, seja pela própria legislação emergencial ou por ato das partes envolvidas.
Dessa maneira, o tema dos contratos de locação em se tratando de relação jurídica de direito privado, e por essa mesma razão tendo como essência a autonomia da vontade, haverá de prevalecer a livre negociação entre as partes envolvidas, objetivando a preservação do contrato, evidentemente, mantendo-se a função social e o equilíbrio econômico financeiro, respeitadas as disposições aplicáveis da lei do inquilinato e do próprio Código Civil.
Nessa linha de raciocínio, a depender do caso concreto não parece razoável a criação de disposição legislativa que pretenda legislar a tal ponto no âmbito das relações privadas envolvendo contratos de locação, impondo ainda que transitoriamente mediante lei, a suspensão total ou parcial do pagamento de alugueis, da maneira como havia sido proposta inicialmente no PL n. 1.179/2020.
Por outro lado, tratamento cuidadoso e detalhado também o Congresso Nacional deverá observar com relação às alterações temporárias que tratam dos direitos do contratante em ações do locador para retomada do imóvel, a fim de não promover o engessamento do sistema e/ou uma previsão legal
muito ampla e genérica para todas as decisões liminares em ações de despejo, referente às ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020.
A esse respeito, é de se acrescentar que poderá contribuir positivamente para as relações jurídicas contratuais locatícias se locatário tiver de comprovar a impossibilidade parcial ou total de cumprir o contrato, a fim de evitar oportunismos com a pandemia ao mesmo tempo em que resguardado estará o nexo causal para se vedar liminar de despejo até 30 de outubro de 2020, conforme bem objetiva a proposta legislativa do Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET) no que toca ao tema das locações.
Entretanto, a legislação vigente já prevê a possibilidade de que as partes contratantes busquem soluções alternativas para tratar de uma situação momentânea de desequilíbrio contratual (negociação de descontos, prazos, prorrogações, isenções, juros, multas, e até resolução contratual), tal como a presente situação concreta imposta pela pandemia do Coronavírus.
É certo que, caso não seja possível a negociação através das mais variadas ferramentas consensuais entre locador e locatário para continuidade da relação contratual locatícia - que certamente deverá ocorrer de forma flexível e trilhada pelo bom senso, boa-fé e sem se distanciar dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade – à parte interessada/prejudicada restará buscar a proteção de seus direitos através das medidas judiciais competentes.
Por essa mesma razão, há de se concordar que inovações legislativas nesse momento certamente não serão capazes de solucionar através de um texto legal situações e conflitos entre particulares – locador e locatário – tal como ocorre em contratos de locação, podendo, sem dúvidas, contribuir como parâmetro a ser seguido e estimulando soluções mais pacíficas entre as partes, assim como frear o aumento de processos judiciais durante e após a pandemia e, inclusive, conter a propagação de um caos judicial.
É o caso do inquilino que aluga imóvel para sua residência e foi demitido ou teve substancialmente modificado seu contrato de trabalho, das empresas dos mais variados ramos, shoppings centers, entre outros, cujos estabelecimentos comerciais tiveram de cumprir a suspensão de suas atividades, ou seja, que sofreram direta e substancial modificação na sua capacidade de cumprimento normal do contrato de locação.
Para tais situações, tanto a Lei do Inquilinato como a legislação civil ordinária (Código Civil) prevê vários direitos, possibilidades e providências que poderão ser tomadas pelo contratante para possibilitar seja assegurada a continuidade do contrato de forma equilibrada, seja através de um acordo mútuo entre as partes de forma transitória e/ou parcial, seja por meio de medida judicial para revisão ou suspensão de cláusula ou mesmo a resolução do contrato, nesta última hipótese havendo motivo jurídico relevante, a depender do caso concreto.
Em todo caso haverá de ser demonstrado o impacto direto no cumprimento das obrigações contratuais, o nexo causal entre o fato superveniente, imprevisível e que impede a continuidade da relação da forma
contratada com a modificação daquilo que se pretende inserir no contrato para continuidade ou, em último caso a resolução do instrumento contratual.
Nesse contexto, com ou sem a nova proposta legislativa que tramita a respeito do assunto aqui tratado, fato é que a exemplo da teoria da imprevisão – aplicável nas relações contratuais privadas – diante de uma situação concreta de imprevisibilidade e desproporção, poderá o contratante se valer do disposto no artigo 317 do Código Civil que assegura:
“Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”
Por outro lado, em situações extremas poderá o contratante – inquilino – ingressar em juízo requerendo a resolução do contrato fundamentando seu pleito na denominada onerosidade excessiva que encontra amparo legal no artigo 478 do Código Civil, a saber:
“Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”
É evidente que tais medidas por parte do contratante que se vê afetado por consequência da situação excepcional, seja lhe prejudicando pessoalmente numa locação residencial ou mesmo em uma locação comercial que inviabilize ou provoque uma drástica redução de capacidade financeira de maneira temporária – deve ser precedida da tentativa de preservar o contrato o máximo possível por todos os interessados, com sacrifícios pessoais e econômicos, mas, sobretudo, com boa-fé e coerência negocial.
É momento de se utilizar de forma ainda incisiva das diversas e eficazes maneiras de solução de conflitos através da conciliação e mediação nas relações que tratam de direitos disponíveis como é o caso das locações, reservando ao Poder Judiciário somente casos não solucionados pelas partes envolvidas, em prol do bem comum e do bem-estar de todos, sob pena desse contágio atingir as relações sociais e jurídicas de tamanha amplitude e também ensejar numa pandemia de difícil ou impossível reparação.
Portanto, dada a urgência para solução das inúmeras situações que já afetam diversos contratos de locação residencial ou comercial, as novas regras emergenciais e transitórias de direito privado no tocante às locações virão acrescentar e facilitar os mecanismos já disponíveis no arcabouço legal existe,
em forma de um bônus legislativo e de parâmetros legais aos interessados, objetivando conferir maior e mais ampla segurança jurídica.
Neste cenário, a principal perspectiva de solução para a presente crise trazida pela pandemia certamente encontra-se distante de apenas inserir novos textos normativos na legislação sobre as locações - importantes, mas não suficientes – pois sem sombra de dúvidas as diversas ferramentas legais postas à disposição dos contratantes - desde que assistidos por profissionais especializados e de confiança - é o caminho mais adequado, célere e eficaz, vez que que se bem utilizadas certamente retornarão de forma benéfica para todos os interessados direta ou indiretamente, sejam locadores, locatários ou não!
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Advogado inscrito na OAB/MS 14.400. Graduado em Ciências Jurídicas pela UCDB/MS. Especialista em Direito Civil e Processo Civil, UCDB/MS. Pós- graduando em Direito Tributário – IBET/MS. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/MS e Defensor Dativo junto ao Tribunal de Ética e Disciplina, TED/OABMS. xxxx://xxxxxx.xxxx.xx/0000000000000000
E-mail: xxxxx_xxxxxx@xxxxxxx.xxx ou xxxxxxxxxxxxxxxxxxx@xxxxx.xxx