Humberto Ávila
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Imposto sobre a Prestação de Serviços de Qualquer Natureza. Contrato de Leasing Financeiro. Decisão do Supremo Tribunal Federal. Local da Prestação e Base de Cálculo
Xxxxxxxx Xxxxx
1. A Consulta
1.1. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o núcleo da operação de leasing financeiro não seria uma obriga- ção de dar, mas sim uma de fazer, concernente ao financiamento. Em razão disso, o Tribunal decidiu pela incidência do imposto sobre a prestação de serviço de qualquer natureza - ISS sobre a operação de leasing.1
1.2. Definida a questão constitucional, no sentido de que a exigência pelos Municípios do ISS sobre as operações de arrenda- mento mercantil financeiro não contraria o artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, restaram pendentes dúvidas relativas ao sujeito ativo e à base de cálculo da exação.
1.3. Diante desse quadro, honra-me a Consulente com pedido de parecer jurídico enfocando, especificamente, qual o Município competente para instituir e cobrar o ISS e qual a sua base de cál- culo. É o que se passa a examinar.
2. O Parecer
2.1. Introdução
2.1.1. Em 2 de dezembro de 2009, o Supremo Tribunal Fede- ral julgou o Recurso Extraordinário n. 592.905/SC e decidiu que “o arrendamento mercantil compreende três modalidades, (i) o leasing operacional, (ii) o leasing financeiro e (iii) o chamado lease back. No primeiro caso, há locação; nos outros dois, servi- ço”,2 inclusive para o fim disposto no artigo 156, III, da Constitui- ção. O acórdão restou assim ementado:
“Ementa: Recurso Extraordinário. Direito Tributário. ISS. Arrenda- mento Mercantil. Operação de Leasing Financeiro. Xxxxxx 000, XXX, xx Xxxxxxxxxxxx xx Xxxxxx. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, (i) o leasing operacional, (ii) o leasing financei- ro e (iii) o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é servi- ço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da
1 Recurso Extraordinário n. 592.905/SC, Tribunal Pleno, Relator Ministro Xxxx Xxxx, julgado em 02/12/2009, publicado no DJe em 05/03/2010. No mesmo sentido, o Recurso Extraordinário n. 547.245, Tribunal Pleno, Relator Ministro Xxxx Xxxx, julgado em 02/12/2009, publicado no DJe em 05/03/2010.
2 Recurso Extraordinário n. 592.905/SC, Tribunal Pleno, Relator Ministro Xxxx Xxxx, julgado em 02/12/2009, publicado no DJe em 05/03/2010, p. 1.000.
Xxxxxxxx Xxxxx
é Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Livre-docente em Direito Tributário pela Universidade
de São Paulo, Doutor em Direito pela Universidade de Munique - Alemanha, Advogado e Parecerista.
Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financia- mento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma com- pra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (Recurso Extraordinário n. 592.905/SC, Tribunal Pleno, Relator Ministro Xxxx Xxxx, julgado em 02/12/2009, publicado no DJe em 05/03/2010)
2.1.2. Na oportunidade, o Relator, Ministro Xxxx Xxxx, primeiramente explicou que, na modalidade de leasing financeiro, operação especificamente objeto daquele recurso, “a ar- rendadora adquire bens de um fabricante ou fornecedor e entrega seu uso e gozo ao arren- datário, mediante pagamento de uma contraprestação periódica, ao final da locação abrin- do-se a este a possibilidade de devolver o bem à arrendadora, renovar a locação ou adquiri- lo pelo preço residual combinado no contrato”. Por isso, “no leasing financeiro prepondera o caráter de financiamento e nele a arrendadora, que desempenha a função de locadora, sur- ge como intermediária entre o fornecedor e o arrendatário”.3
2.1.3. Concluiu pela incidência do imposto sobre serviços sobre a operação de arrenda- mento mercantil porque a principal atividade praticada nesse negócio é a de financiamento, e “financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir”. Asseverou, ainda, ser irrele- vante no leasing financeiro existir uma compra, já “que toda e qualquer prestação de servi- ço envolve, em intensidades distintas, a utilização de algum bem”.4
2.1.4. Em seu voto, foi seguido pelos demais Ministros, à exceção do Ministro Xxxxx Xxxxxxx, vencido no julgamento.
2.1.5. A questão, contudo, não está concluída, porquanto, embora se saiba devido o ISS sobre as operações de leasing financeiro, ainda é preciso definir o Município competente para instituir o tributo e qual a sua respectiva base de cálculo. Sobre o tema, ressalvou expressa- mente o Ministro Xxxx Xxxx: “Outro tema, distinto do que nestes autos é debatido, é o ati- nente à base de cálculo do tributo, que há de corresponder ao preço do serviço prestado. Isso não se discute, contudo, nestes autos.”5
2.1.6. E essas questões, a serem decididas pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, constituem justamente o objeto deste parecer.
2.2. Operação de leasing financeiro
2.2.1. O leasing financeiro pode ser conceituado como a operação segundo a qual al- guém, querendo usar determinado bem, aluga-o de uma instituição financeira com o direito de optar, ao final, pela continuidade da locação, pela devolução ou pela compra por valor residual.6
2.2.2. A Lei n. 6.099/74, em seu artigo 1º, parágrafo único, considera arrendamento mercantil o “negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrenda- mento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta”.
2.2.3. Para que uma operação de leasing seja contratada, devem ocorrer, a rigor, as se- guintes etapas, nesta cronologia: (1) indicação do cliente (cliente escolhe o veículo, opta por contratar a operação de leasing e escolhe a instituição; a concessionária indica o cliente para empresa de leasing); (2) obtenção dos dados do cliente para a proposta e envio das infor-
3 Ibidem, p. 1.002.
4 Ibidem, pp. 1.003-1.004.
5 Ibidem, p. 1.007.
6 XXXX, Xxxxxx. “Introdução do Leasing no Brasil”. Revista dos Tribunais nº 415, p. 10.
mações à empresa de leasing; (3) conferência dos dados, análise e aprovação do crédito pela empresa de leasing; (4) formalização da proposta; (5) liberação do pagamento do bem; (6) formalização do contrato; (7) o instrumento contratual é remetido ao proponente que, ato contínuo, o assina e o devolve à sede da arrendadora; (8) gestão do contrato (controle de re- cebimento do valor dos arrendamentos e do valor residual garantido; gestão da cobrança dos valores em atraso; arrecadação de tributos; controle e gestão de fraude; gestão de multas e IPVA não quitados pelo arrendatário; gestão da carteira: valores recebidos, a receber, capta- ção, veículos, inadimplência; gestão da qualidade do atendimento ao cliente e melhoria do produto, bem como relacionamento com concessionárias); e (9) liquidação do contrato, em que pode ocorrer uma das seguintes situações: (a) rescisão por atraso no pagamento; (b) exercício da opção de compra do bem, caso em que a empresa de leasing emitirá recibo de venda e endossará o certificado de registro do veículo; (c) não exercício da opção de com- pra do bem, com a devolução do veículo, que ficará na sede para sua alienação a terceiro; e
(d) renovação do contrato, situação em que a empresa de leasing procederá à confecção de novo instrumento contratual.
2.2.4. A decomposição das etapas de formalização e execução do contrato de leasing permite verificar que, mesmo sendo um contrato autônomo, e não misto, ele envolve uma operação complexa abrangendo características de financiamento, locação e compra e ven- da, caso haja opção final pela compra do veículo. Financiamento porque a arrendadora faz a captação de recursos financeiros para a formação de um fundo; locação porque o arrenda- tário usa o veículo de propriedade da arrendadora mediante pagamento de prestação; e com- pra e venda porque o arrendatário pode comprar o veículo pelo valor residual.
2.2.5. O Supremo Tribunal Federal decidiu que, dentre elas, prepondera a atividade de financiamento, razão pela qual o arrendamento mercantil pode ser tributado pelo ISS. O acerto dessa decisão foge do objeto deste parecer, que se limita a examinar as suas conse- quências.
2.3. Competência para instituir e cobrar o imposto sobre prestação de serviço no caso de
leasing financeiro
2.3.1. Ante a decisão do Supremo Tribunal Federal, é preciso verificar quais das ativi- dades expostas são as mais relevantes quantitativa e qualitativamente, bem como em que local são desenvolvidas, a fim de, em cotejo com as previsões legislativas e com o entendimento jurisprudencial, indicar qual o Município competente para exigir o imposto sobre serviço de qualquer natureza.
2.3.2. Nesse aspecto, é preciso enfatizar que o tributo é devido no local da sede da em- presa arrendadora. Há razões legislativas e fáticas para esse entendimento.
2.3.3. Quanto às razões legislativas, tanto o mandamento legal anterior quanto o vigen- te são no sentido de que o imposto deve ser recolhido no local do estabelecimento sede. Com efeito, o artigo 12 do Decreto-lei n. 406/68 considerava como local da prestação do serviço o do estabelecimento prestador. A Lei Complementar n. 116/03 não alterou essa situação, na medida em que estabeleceu, no seu artigo 3º, que o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador, considerando-se esse, pelo artigo 4º, o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário.
2.3.4. Sabe-se, porém, que o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido no sentido de que o imposto é devido onde o serviço é prestado.7 Essas decisões foram
7 Agravo Regimental na Petição n. 6.561/MG, Primeira Seção, Relator Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx, julgado em 09/09/2009, publicado no DJe em 18/09/2009.
prolatadas com a finalidade de afastar fraudes eventualmente praticadas por alguns contri- buintes que constituíam sedes fictícias em Municípios com tributação favorecida.
2.3.5. Independentemente disso, a posição do Superior Tribunal de Justiça só gera difi- culdades quando o estabelecimento prestador esteja localizado num município e o serviço seja prestado noutro. Ademais, o próprio STJ decidiu que o arrendamento mercantil não está entre as exceções à regra geral de que o ISS é devido no local do estabelecimento do presta- dor, consoante seguinte julgado:
“Tributário. Processual Civil. Embargos Declaratórios. Omissão Configurada. ISS. Arrendamen- to Mercantil. Competência para Cobrança do Tributo. Fato Gerador. Município do Local da Prestação do Serviço.
1. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que competente para a cobrança do ISS é o município em que ocorre a prestação do serviço, ou seja, onde se concretiza o fato gerador.
2. Na hipótese, discutem-se fatos geradores posteriores à LC 116/2003, o que não altera a sor- te da demanda, pois a LC 116/2003 determina, em caso de arrendamento mercantil, que ‘o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador’ (art. 3º, caput, c/c o item 15.09 da lista anexa), a exemplo do que era previso pelo DL 406/1968 (art. 12, ‘a’).
3. Dito de outra forma, as exceções à regra geral prevista no caput do art. 3º da LC 116/2003 (ISS devido no local do estabelecimento prestador), apesar de mais numerosas e amplas que aquelas previstas no DL 406/1968 (art. 12, ‘b’ e ‘c’), não abarcam o arrendamento mercantil (art. 3º, incisos I a XII, da LC 116/2003).
4. Embargos de Declaração acolhidos sem efeito infringente.” (EDcl no AgRg no Ag n. 1.019.143/SC, Rel. Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx, Segunda Turma, julgado em 13/10/2009, pu- blicado no DJe em 15/12/2009)
2.3.6. Não surge, portanto, nenhum problema no caso em pauta, pelo singelo motivo de que há coincidência entre local onde se situa o estabelecimento prestador e o local onde o serviço é prestado. Há razões de fato para esse entendimento.
2.3.7. As razões fáticas dizem respeito à verificação de que tanto qualitativa quanto quan- titativamente o serviço é prestado no local da sede da empresa arrendadora.
2.3.8. São realizadas no local da sede da arrendadora as etapas 3, 4, 5, 6, 8 e 9, acima descritas e abaixo reproduzidas:
(3) conferência dos dados, análise e aprovação do crédito pela empresa de leasing; (4) formalização da proposta; (5) liberação do pagamento do bem; (6) formalização do contrato; (8) gestão do contrato (controle de recebimento do valor dos arrendamentos e do valor residual garantido; gestão da cobrança dos valores em atraso; arrecadação de tributos; controle e gestão de fraude; gestão de multas e IPVA não quitados pelo arrendatário; gestão da carteira: valores recebidos, a receber, captação, veículos, inadimplência; gestão da qualidade do atendimento ao cliente e melhoria do produto, bem como relacionamento com concessionárias); e (9) liquidação do contrato, em que pode ocorrer uma das seguintes situações: (a) rescisão por atraso no pagamento; (b) exercício da opção de compra do bem, caso em que a empresa de leasing emitirá reci- bo de venda e endossará o certificado de registro do veículo; (c) não exercício da op- ção de compra do bem, com a em devolução o veículo, que ficará na sede para sua alie- nação a terceiro; e (d) renovação do contrato, situação em que a empresa de leasing procederá à confecção de novo instrumento contratual.
2.3.9. Fora do local da sede da arrendadora somente se procedem as etapas 1, 2 e 7, ou seja, a escolha do veículo pelo cliente; a indicação da empresa de leasing pela concessioná- ria ao cliente; a obtenção dos dados do proponente; o envio de seus documentos pessoais recolhidos pela revenda/concessionária à arrendadora; e a assinatura do instrumento contra- tual pelo proponente que, ato contínuo, é devolvido à sede da arrendadora.
2.3.10. Percebe-se, na verdade, que as atividades realizadas pela concessionária nem mesmo integram o negócio de arrendamento mercantil, apenas viabilizam sua contratação
à distância. Essas etapas integram a atividade de prospecção de clientes e são realizadas por terceiros mediante contrato de intermediação. Este contrato é autônomo em relação à ope- ração de leasing firmada entre a arrendadora e o arrendatário e também é tributado de for- ma autônoma (subitem 10.04 da lista de serviços anexa à LC n. 116/03).
2.3.11. E mesmo que não fosse assim, qualitativamente, os atos que viabilizam o arren- damento mercantil, considerado pelo Supremo Tribunal Federal como caracterizando um serviço, são praticados na sede da empresa arrendadora por seus funcionários: a formação do fundo, a análise do crédito, a elaboração do contrato, a liberação do veículo e a gestão do contrato.
2.3.12. Quantitativamente, dentre as nove etapas mencionadas, apenas três (a primeira, a segunda e a sétima) são realizadas fora do local da sede da arrendadora. Todas as demais - o exame e a aprovação da ficha cadastral, a análise do crédito, a proposta das condições contratuais, a aprovação do crédito, a formalização do contrato, o pagamento do veículo, a emissão do carnê de pagamento, a autorização de liberação do veículo, a gestão e o encer- ramento do contrato - são realizadas na sede da arrendadora por seus funcionários.
2.3.13. Assim, não é que o Município competente seja o da sede da empresa tão somen- te por ser este o local do estabelecimento do prestador - lugar em que a empresa de arrenda- mento mercantil mantém seus empregados para gerenciar o contrato de arrendamento -, mas também por ter ficado comprovado que os serviços são efetivamente prestados nesse local.
2.3.14. Ademais, os Ministros do STF, no julgamento citado, consideraram o desempe- nho da administração de um financiamento como apto a caracterizar o leasing financeiro como um serviço. Ora, a operação de financiamento é concebida e administrada pela em- presa arrendadora, que desenvolve tais atividades em sua sede.
2.3.15. A rigor, os atos, praticados fora do local da sede, insista-se, não fazem parte da prestação de serviço de leasing. Na verdade, são atos alheios ao contrato e praticados por terceiros, que não integram a relação jurídica de arrendamento mercantil. São, portanto, meros atos de conclusão de algo concebido no local da sede da arrendadora: preenchimento da ficha cadastral pelo interessado, envio de documentos, assinatura e remessa do instrumento contratual.
2.3.16. O local da assinatura do contrato ou da localização do usuário é irrelevante.8 O fato de o contrato ter sido assinado num local não impede que os serviços sejam prestados noutra localidade. O mesmo ocorre com o usuário: o fato de ele estar num Município não quer dizer que as obrigações de fazer não sejam realizadas noutro. Enfim, uma coisa não tem nada a ver com a outra.
2.3.17. Para fundamentar seu voto, acompanhando o Ministro Relator do RE n. 592.905, o Ministro Xxxx Xxxxxxx invocou - deixando-se de lado o acerto dessa afirmação - a produ- ção normativa do Conselho Monetário Nacional, através do Banco Central do Brasil, sobre o tema. O mesmo pode ser feito para corroborar o argumento aqui defendido. Isso é possí- vel porque a Resolução n. 2.309/96 daquele mesmo órgão, que disciplina e consolida as normas relativas às operações de arrendamento mercantil, prevê, em seu artigo 2º, que para a realização das operações as sociedades de arrendamento mercantil e as instituições finan- ceiras deverão manter “departamento técnico devidamente estruturado e supervisionado di- retamente por um de seus diretores”. Ou seja, é importante que a realização da operação de arrendamento mercantil se dê em local cuja estrutura seja adequada para tanto, o que, no caso, ocorre na própria sede da sociedade arrendadora.
2.3.18. A “prestação de considerável parcela de serviços diversificados” realizada pe- los dirigentes, “prepostos, auxiliares e empregados da arrendadora”,9 que justificou a deci-
8 BARRETO, Aires. ISS na Constituição e na Lei. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2005, pp. 32 e 324.
9 Recurso Extraordinário n. 592.905/SC, Tribunal Pleno, Relator Ministro Xxxx Xxxx, julgado em 02/12/2009, publi- cado no DJe em 05/03/2010, pp. 1.006-1.007.
são do STF pela incidência do ISS sobre a operação de arrendamento mercantil, ocorre, pre- ponderantemente, tanto em número quanto em importância das atividades, na sede da em- presa arrendadora, por ser este o local que dispõe de estrutura adequada para bem desenvol- vê-las.
2.3.19. Isso significa dizer que toda a operação de leasing é concebida e desenvolvida pela arrendadora em seu estabelecimento e por seus empregados. E o financiamento, tido pelo STF como elemento preponderante e autorizador da cobrança do ISS, ocorre no local da sede da arrendadora, onde os serviços são efetivamente prestados. No local da revenda de veículos, o arrendatário somente entrega seus documentos e assina o contrato de leasing financeiro, atividades que sequer integram o negócio jurídico de arrendamento mercantil. Assim, quer pela ótica legislativa, quer pela concepção jurisprudencial, o imposto é devido no Município em que se situa a sede da empresa arrendadora.
2.4. Base de cálculo do ISS no caso de leasing financeiro
2.4.1. Como bem ressaltou o Ministro Xxxx Xxxx ao proferir seu voto no RE n. 592.905, outro tema relevante, mas não tratado naqueles autos, concerne à base de cálculo do ISS sobre o arrendamento mercantil, “que há de corresponder ao preço do serviço prestado”.
2.4.2. Em que pese a existência de diversas parcelas no contrato de arrendamento mer- cantil, nem todas elas podem fazer parte da base de cálculo do ISS, por dois motivos: pri- meiro porque a base de cálculo deve guardar relação com a materialidade tributária prevista na regra de competência; segundo porque esses valores servem como base de cálculo de outros tributos.
2.4.3. A base de cálculo tem papel fundamental na composição da hipótese tributária, devendo a sua escolha pelo legislador adequar-se à previsão constitucional da regra de com- petência. Assim, ou a base de cálculo corresponde à materialidade do fato gerador, ou será inconstitucional.
2.4.4. Em face de tamanha importância, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx chegou a afirmar que a base de cálculo é o núcleo da hipótese de incidência que estrutura a regra jurídica de tri- butação, consistindo no critério objetivo e jurídico capaz de determinar a natureza jurídica do tributo. Dessa forma, em se tratando de taxa, unicamente o valor do serviço estatal pode- rá ser tomado como base de cálculo. A aplicação da alíquota da taxa sobre o valor dos cami- nhões ou da carga transportada, por exemplo, desvirtuaria a própria natureza jurídica da taxa, convertendo-a num imposto de importação, pois a base de cálculo será o fato lícito material consistente na introdução do caminhão ou sua carga dentro de uma zona geográfica.10
2.4.5. A necessidade de que a base de cálculo, elemento de indiscutível importância para a configuração do tributo, guarde correspondência com o fato gerador já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça. A Corte também entendeu como violadora do dispositivo do Código Tributário Nacional a taxa cuja base de cálculo não estava vinculada à atuação esta- tal, conforme se extrai dos seguintes precedentes:
“Recurso Especial - Alíneas ‘a’ e ‘c’ - ICMS - Energia Elétrica - Cálculo por Dentro - Ofensa ao Princípio da não-cumulatividade - Alegada Ofensa ao[s] artigo[s] 2º, § 7º, do DL n. 406/68 e 49 do CTN - Ocorrência - Ausência de Violação do artigo 535, inciso II, do CPC - Divergência Jurisprudencial não-configurada - Recurso Especial Provido.
(...)
A base de cálculo, elemento de indiscutível importância para a configuração do tributo, há de guardar coerência com o fato gerador.
‘O que a lei nacional quis estabelecer é que a base de cálculo se integra com o imposto, vale dizer, que o preço da operação, que está registrado no efeito fiscal, inclui o valor tributário que dele
10 Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, pp. 338-349.
não se dissocia para uma cobrança, por exemplo, do valor da operação e mais do valor desta- cado do imposto e nem se pode diminuir o ICM, porque se considera nesse preço o valor da mer- cadoria mais o tributo’ (Fábio Fanucchi in ‘Curso de Direito Tributário Brasileiro’, 4ª edição, editora Resenha Tributária, 1986, vol. II, p. 155).
‘O valor decorrente da forma de cálculo merecedora de glosa mostra-se como um verdadeiro adicional de ICMS, no que parte o Estado para consideração de base de cálculo já integrado de uma percentagem do próprio tributo. À evidência, atua o fisco cobrando imposto sobre imposto a pagar, desconhecendo a regra que remete à capacidade econômica do contribuinte, já que este nada aufere, nada alcança, a ponto de ensejar a tributação. (...) Noto o menosprezo à norma con- figuradora de garantia constitucional que é a do inciso I do § 2º do referido artigo 155. Como preservar-se a não-cumulatividade se se chega ao cálculo englobado?’ (cf. o voto-vencido pro- ferido por Sua Excelência o Ministro Xxxxx Xxxxxxx no RE 212.636/SP).
Recurso especial provido.” (REsp n. 434.695/SP, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Cal- mon, Rel. p/ Acórdão Ministro Franciulli Netto, julgado em 26/11/2002, publicado no DJ em 04/10/2004 p. 230)
“Tributário. Taxas. Lei nº 6.989, de 1966, na Redação Dada pela lei nº 11.152, de 1991, do Município de São Paulo.
1. Taxa de Limpeza Urbana. A taxa de Limpeza Urbana, no modo como disciplinada no Muni- cípio de São Paulo, remunera - além dos serviços de ‘remoção de lixo domiciliar’ - outros que não aproveitam especificamente ao contribuinte (‘varrição, lavagem e capinação’; ‘desentupi- mento de boeiros e bocas-de-lobo’); ademais, a respectiva base de cálculo não está vinculada à atuação estatal, valorizando fatos incapazes de mensurar-lhe o custo (localização, utilização e metragem do imóvel) - tudo com afronta aos artigos 77, ‘caput’ e 79, inciso II, do Código Tributário Nacional.
2. Taxa de Conservação de Vias e Logradouros Públicos. A taxa de Conservação de Vias e Lo- gradouros Públicos, assim como instituída no Município de São Paulo, tem como fato gerador serviços que beneficiam toda a comunidade (de conservação do calçamento e dos leitos não pavimentados das ruas, praças e estradas do Município), insuscetíveis de utilização, separada- mente, por parte de cada um dos seus usuários, contrariando o disposto no artigo 79, inciso III, do Código Tributário Nacional.
Recurso especial conhecido e provido.” (REsp n. 104.959/SP, Segunda Turma, Relator Minis- tro Xxx Xxxxxxxxxx, julgado em 17/02/1998, publicado no DJ em 14/12/1998, p. 217)
2.4.6. Evidente a importância da determinação da base de cálculo, “pela circunstância de ser impossível que um tributo, sem se desnaturar, tenha por base imponível uma grande- za que não seja ínsita na materialidade de sua hipótese de incidência”.11
2.4.7. Com efeito, a base de cálculo de qualquer tributo deve sempre refletir o aspecto material da sua hipótese constitucional de incidência. Se, no caso em pauta, o imposto inci- de sobre a prestação de serviços de qualquer natureza, a sua base de cálculo deverá mensu- rar essa grandeza.
2.4.8. Legalmente, tanto o Decreto-lei n. 406/68 (artigo 9º) quanto a Lei Complemen- tar n. 116/03 (artigo 7º) estabelecem que a base de cálculo do imposto é o preço do serviço. Por preço do serviço entende-se “tudo o que for pago pelo tomador (destinatário utente, usuário) ao prestador, desde que provenha da prestação de serviços. Essa proveniência de- termina-se pela precisa identificação do negócio jurídico desencadeador das receitas.”12
11 XXXXXXX, Xxxxxxx. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 111. O autor segue dizendo: “Efetivamente, não é possível que um imposto sobre o patrimônio tenha por base imponível a renda do seu titular. Tal situação - essencialmente teratológica - configuraria um imposto sobre a renda e não sobre o patrimônio.” (pp. 111-112) Nesse sentido, é uníssona a doutrina: “a inadequação da base de cálculo pode representar uma distor- ção do fato gerador e, assim, desnaturar o tributo” (XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxxx. Fato Gerador da Obrigação Tri- butária. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 79).
12 BARRETO, Aires. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 380.
2.4.9. Por isso, faz-se necessário analisar, especificamente com relação ao arrendamen- to mercantil, tendo em vista os motivos que levaram o Supremo Tribunal Federal a reconhe- cer a incidência do ISS sobre ele, quais valores constantes no contrato remuneram especifi- camente a prestação de serviço.
2.4.10. A prestação de serviços nesse caso, conforme previsto na lista de serviços ane- xa à Lei Complementar n. 116/03, concerne ao “arrendamento mercantil (leasing) de quais- quer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, can- celamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercan- til (leasing)” (item 15.09).
2.4.11. Decidiu o STF que o ISS incide sobre o leasing financeiro porque “disponibili- zar crédito para a obtenção de um bem destinado a uso não é senão um ato de intermediar, ou seja, fazer uma intermediação, obrigação de fazer”, consistente na “administração de um financiamento”.13
2.4.12. Seguindo a lógica da referida decisão - e sem adentrar no mérito do seu acerto - trata-se de tributo cujo fato gerador é a prestação de serviços de intermediação, de aproxi- mação de interesses convergentes, que permite que o arrendatário utilize um bem adquirido conforme suas especificações pela arrendatária, sem que necessite comprá-lo, mas com pos- sibilidade de fazê-lo ao término do prazo contratual.
2.4.13. Ou seja, o serviço a ser remunerado pelo arrendatário - e daqui há de ser extraí- da a base de cálculo do imposto sobre serviços - será apenas o preço pago pela intermedia- ção, como ocorre nos casos de empresa prestadora de serviços de agenciamento de mão de obra temporária. Nesse caso, o STJ já decidiu que “a base de cálculo do ISS cobrado de pres- tadoras de serviço de agenciamento de mão-de-obra corresponde à comissão cobrada pela empresa”, e não todo o valor do contrato.14
2.4.14. O contrato de leasing envolve diferentes valores: o valor de compra do veículo pela arrendadora, o valor do financiamento, o Valor Residual Garantido (VRG) e os valores pagos pelo arrendatário para que a arrendadora organize e administre o financiamento, re- cuperando o custo do veículo e obtendo um retorno sobre os recursos investidos. Entretan- to, nem todos eles podem servir de base de cálculo ao ISS, porquanto o tributo somente pode incidir sobre a prestação de serviços.
2.4.15. É o que prevê o Anexo à Resolução n. 2.309/96 do Conselho Monetário Nacio- nal: na modalidade de arrendamento mercantil financeiro, as contraprestações e demais pa- gamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, são normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da opera- ção e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos (artigo 5º, I). Outra parcela prevista no contrato é o VRG, ou seja, o preço para o exercício da opção de compra, livremente pactuado entre as partes, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem ar- rendado (inciso III do mesmo dispositivo).
2.4.16. É possível, contudo, que o pagamento do VRG não se dê somente ao final do contrato, quando for exercida a opção de compra. A fim de garantir a liquidez da operação, pode a arrendadora exigir da arrendatária a diluição do Valor Residual Garantido em parce- las (antecipação do valor residual), a serem pagas juntamente com as contraprestações, não caracterizando o pagamento do Valor Residual Garantido o exercício da opção de compra (artigo 7º, VII, a, do Anexo à Resolução n. 2.309/96 do Conselho Monetário Nacional).
2.4.17. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu e sumulou o entendimento de que “a cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o con- trato de arrendamento mercantil” (Súmula n. 293 daquela Corte).
13 Voto do Ministro Xxxxxx Xxxxxx, RE n. 592.905/SC, p. 1.014.
14 Superior Tribunal de Justiça, Embargos de divergência em Recurso Especial n. 1.060.672/SP, Primeira Seção, Rela- tora Ministra Xxxxxx Xxxxxx, julgado em 09/12/2009, publicado no DJe em 18/12/2009.
2.4.18. Diante disso, fica claro que existem elementos estranhos à remuneração do com- portamento humano praticado, que não poderão servir de critério para o dimensionamento da base de cálculo do imposto.
2.4.19. Sendo assim, a receita do contrato de arrendamento mercantil, que pode servir de base de cálculo ao ISS, corresponde às contraprestações pagas pelo arrendatário a título de juros pelos recursos investidos e em virtude da imobilização e da depreciação do bem arrendado.
2.4.20. Convém ressaltar que, no julgamento dos Recursos Extraordinários ns. 547.245 e 592.905, os Ministros do Supremo Tribunal Federal afastaram-se da decisão anterior do Tribunal Pleno, no sentido de que o conceito de serviço seria aquele previsto no direito in- fraconstitucional pré-constitucional, qual seja, o conceito de obrigação de fazer previsto no Código Civil (esforço humano empreendido em benefício de outrem).15 Para tanto, explica- ram os motivos que os levaram a considerar a operação de arrendamento mercantil como prestação de serviço de qualquer natureza, conforme se extrai dos seguintes trechos:
“Há serviços, para os efeitos do inciso III do art. 156 da Constituição, que, por serem de qual- quer natureza, não consubstanciam típicas obrigações de fazer. (...) No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é contrato misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir.”16
“No arrendamento mercantil financeiro, há, por exemplo, a prestação de serviços de aproxima- ção entre quem tem a disponibilidade de recursos e quem deles necessita, não de forma geral como num empréstimo, mas com o objetivo específico de se garantir acesso ao uso de um bem. (...) A nota característica de aproximação de interesses convergentes (aquisição do direito de uso de um bem, segundo termos contratuais e regime tributário específico) caracteriza serviço de qualquer natureza.”17
2.4.21. Forte nesse entendimento jurisprudencial - cujo acerto, repita-se, é ora descon- siderado -, o leasing financeiro seria prestação de serviço de qualquer natureza por (i) nele prevalecer a atividade de financiamento, e (ii) haver serviço de aproximação entre quem tem a disponibilidade de recursos e quem deles necessita.
2.4.22. Diante disso, ainda que nos afastemos do conceito de prestação de serviço en- quanto esforço humano empreendido em benefício de outrem, em manifesta contradição aos intransponíveis limites conceituais previstos nas regras de competência, a base de cálculo do ISS só poderá envolver a remuneração da prestação de serviço de qualquer natureza que, no caso, corresponde à administração de um financiamento em que a arrendadora aproxima interesses convergentes do arrendatário, da arrendadora e da concessionária.
2.4.23. E isso não abrange nem o valor do financiamento, nem o valor residual garanti- do, nem mesmo o valor do veículo previsto em sua nota fiscal. A prestação de serviços con- cerne à organização da estrutura da arrendadora, que permite a concessão e administração do financiamento e a utilização do bem pelo arrendatário. E é unicamente essa parcela, dentre todas as pagas em virtude da operação de leasing financeiro, que poderá servir de base de cálculo ao ISS para que seja respeitada a regra de competência constitucional.
2.4.24. Em casos como o que se apresenta, “é preciso ter cautela: nem todo o montante pago em virtude da celebração de um contrato integra, sempre e necessariamente, a base de cálculo do ISS. Obviamente, o Município só pode exigir ISS sobre a receita que provenha de serviços”.18 O valor residual garantido pago antecipadamente, por exemplo, não obstan-
15 Recurso Extraordinário n. 116.121-3, Relator Ministro Xxxxxxx Xxxxxxxx, publicado no DJ em 25/05/2001.
16 Voto do Ministro Xxxx Xxxx, Recurso Extraordinário n. 592.905/SC, Tribunal Pleno, Relator Ministro Xxxx Xxxx, julgado em 02/12/2009, publicado no DJe em 05/03/2010, p. 1.007.
17 Voto do Ministro Xxxxxxx Xxxxxxx, Recurso Extraordinário n. 547.245, Tribunal Pleno, Relator Ministro Xxxx Xxxx, julgado em 02/12/2009, publicado no DJe em 05/03/2010, p. 878.
18 BARRETO, Aires. Op. cit., p. 356.
te faça parte do negócio jurídico, não remunera o serviço prestado, não podendo, por isso, compor a base de cálculo do ISS.
2.4.25. Da mesma forma, também não cabe dizer que o valor de aquisição do bem pela arrendadora, constante da nota fiscal, poderia integrar a base de cálculo do ISS sobre leasing. Não se trata de despesa incorporada pelo prestador ao preço do serviço. O bem não é matéria-prima nem insumo necessário à prestação, como ocorre com os salários dos fun- cionários que trabalham na empresa arrendadora. O bem arrendado faz parte do objeto da prestação, mas não se confunde com a prestação de serviço propriamente dita, sobretudo para fins tributários.
2.4.26. Esses valores, insista-se, não mantêm relação necessária com o valor do servi- ço. Com efeito, sendo o serviço o esforço humano, ele a rigor independe tanto do valor do veículo quanto do valor do financiamento. As mesmas atividades serão exercidas pela em- presa arrendadora no contrato de leasing financeiro cujo objeto seja um automóvel popular e naquele em que se arrende um navio transatlântico. Ou seja, pode-se afirmar que o esfor- ço humano é indiferente ao valor do bem ou do financiamento.
2.4.27. Foi o que denotou o Ministro Xxxx Xxxx ao considerar irrelevante no leasing fi- nanceiro existir uma compra, já “que toda e qualquer prestação de serviço envolve, em in- tensidades distintas, a utilização de algum bem”.19 Isso significa dizer que o valor do bem não importa à prestação de serviço. Essa afirmação pode ser exemplificada da seguinte for- ma: uma pessoa contrata um famoso pintor para pintar-lhe um quadro pelo valor de 50 mil reais. Trata-se notoriamente de prestação de serviço, mesmo que a contratação envolva a entrega de um bem, cujo valor é este, 50 mil reais. Se, depois de concluída a obra, ela for avaliada em 300 mil reais pelo mercado artístico, isso não afastará o fato de o serviço ter custado somente os 50 mil reais. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao leasing: inde- pendentemente do valor do bem arrendado, foi prestado um serviço de intermediação que permitiu ao arrendatário usufruir de um bem, sem a necessidade de adquiri-lo, através do pagamento de parcelas periódicas, em virtude da organização da arrendadora em captar re- cursos financeiros para formar um fundo, analisar o crédito, elaborar o contrato e liberar o veículo.
2.4.28. Muito embora o contrato de leasing envolva uma operação complexa contendo financiamento, locação e compra e venda, caso haja opção final pela compra do veículo, o STF considerou que preponderam as atividades de concepção e de administração da opera- ção de financiamento, caracterizando o leasing financeiro como prestação de serviço sujei- ta ao ISS. Portanto, a base de cálculo do tributo deve corresponder à remuneração paga pelo arrendatário para que o arrendador exerça as atividades de formação do fundo, análise do crédito, elaboração do contrato e disponibilização do veículo.
2.4.29. O segundo argumento diz respeito ao fato de que os valores do objeto arrenda- do e do financiamento já servem de base de cálculo para outros impostos, de competência de outros entes federados: o valor do veículo serve de base de cálculo do imposto sobre veí- culos automotores e do imposto sobre circulação de mercadorias; o valor do financiamento serve de base de cálculo do imposto sobre operações financeiras que poderia, em tese, ser instituído.
2.4.30. Ante o exposto - e seguindo a lógica da decisão questionável do Supremo Tri- bunal Federal -, conclui-se que, ao arrendar o veículo de sua propriedade ao arrendatário, a empresa arrendadora presta o serviço de conceder-lhe um financiamento e permitir-lhe o uso do bem. E é a remuneração dessa administração do financiamento e da indisponibilidade dos recursos financeiros e materiais que servirá de base de cálculo ao ISS. Assim, pode-se dizer
19 Ibidem, pp. 1.003-1.004.
que a base de cálculo do ISS sobre o leasing corresponde à receita do arrendamento mer- cantil propriamente dito, ou seja, ao valor das contraprestações pagas pelo arrendatário a título de juros e em virtude da depreciação do bem no período do contrato.
2.4.31. Outro ponto relevante concerne à impossibilidade de arbitramento para apurar o valor do serviço.
2.4.32. Isso porque o arbitramento só pode ser efetivado se preenchidos os requisitos legais, os quais, porém, não estão presentes no caso em pauta. O artigo 148 do Código Tri- butário Nacional permite o arbitramento somente quando o cálculo do tributo tenha por base o valor de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos e as informações ou documentos do su- jeito passivo sejam omissos ou não mereçam fé. Inexistindo omissão ou irregularidade nas informações prestadas, ausente a causa para o arbitramento.
2.4.33. Assim, quando - e somente quando - as informações ou documentos do sujeito passivo sejam omissos ou não mereçam fé é que poderá ser feito o arbitramento. Mas, sen- do ele cabível, deverá ser feito mediante a utilização de elementos que sejam adequados a dimensionar o esforço humano empreendido, e não a calcular qualquer outra realidade. In- sista-se nisto: o uso do arbitramento não pode desnaturar o imposto, transformando um im- posto sobre serviço em um imposto sobre o patrimônio ou sobre a renda; ele deve, isto sim, ser utilizado com o propósito exclusivo de dimensionar o valor do serviço. Arbitramento não é arbitrariedade. Isso significa que ainda que haja causa para o arbitramento, ele deverá ser baseado em elementos que mantenham uma relação razoável de correspondência com o es- forço humano empreendido.
2.4.34. Em face disso, fica claro que, se cabível fosse o arbitramento, ele necessariamente envolveria o valor do serviço (contraprestações devidas pelo arrendatário para a arrendado- ra recuperar o custo de depreciação do bem mais os custos do financiamento). E a lei, ao prever a competência da autoridade para arbitrar o valor ou o preço de bens, direitos, servi- ços ou atos jurídicos, obviamente não permite que o valor do serviço seja o valor dos bens, direitos ou atos jurídicos porventura existentes. Ora, quando o cálculo do tributo tenha por base o valor ou o preço de serviços, a autoridade lançadora, mediante processo regular, ar- bitrará o valor ou preço do serviço, é claro.
2.4.35. Ainda que o Fisco não disponha de outros elementos a não ser a nota fiscal do bem, não pode considerar nem este o valor da base de cálculo do ISS, nem o valor de mer- cado do bem arrendado, nem o Valor Residual Garantido. Conforme já foi dito, esses valo- res correspondem ao patrimônio da empresa de leasing, e não à receita do arrendamento mercantil. Ou seja, eles não mantêm relação razoável de correspondência com o esforço humano empreendido, afastando o critério utilizado para fixar a base de cálculo da materia- lidade tributária prevista na regra de competência. E ainda servem de base de cálculo a ou- tros tributos. Repita-se: apenas o valor pago pelo arrendatário como contraprestação para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos, pode servir de base de cálculo do ISS. Por isso, esse quantum poderia ser objeto de arbitramento pela fiscalização.
2.4.36. Ademais, a utilização de qualquer outro parâmetro, sem ser o do esforço huma- no empreendido, para dimensionar o valor do serviço violaria o postulado da razoabilida- de-equivalência: qualquer medida do poder público deve guardar uma relação de equivalên- cia entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.20 Cobrar o imposto sobre serviço sobre o valor do veículo é o mesmo que exigir taxa que ultrapasse o custo do serviço presta- do ou posto à disposição, hipótese afastada pelo Supremo Tribunal Federal por irrazoável.21
20 XXXXX, Xxxxxxxx. Teoria dos Princípios. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p 160.
21 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.551, Tribunal Pleno, Relator Ministro Xxxxx xx Xxxxx, julgado em 02/04/2003, publicado no DJ em 20/04/2006. Nesse julgamento, afirmou-se que “a taxa, enquanto contraprestação a uma ativi-
Qualquer que seja o critério de valoração do serviço, deverá ele ser representativo do esfor- ço humano empreendido, o que certamente não ocorre com o valor do veículo ou do finan- ciamento.
2.4.37. Essas considerações demonstram o descabimento do arbitramento no caso em pauta. Não sendo ele cabível, considerações a respeito de avaliações contraditórias são im- pertinentes. A avaliação contraditória só se torna relevante depois de admitido o uso do ar- bitramento, não antes. E mesmo admitido o arbitramento, pode ele ser contestado pela sua própria falta de razoabilidade, mesmo sem prova em contrário. A ausência manifesta de ra- zoabilidade independe de prova concreta.
3. Conclusões
3.1. Todas as considerações anteriores permitem chegar às seguintes conclusões a res- peito do caso posto neste parecer:
1) o Supremo Tribunal Federal decidiu que o imposto sobre serviços pode incidir nas operações de leasing financeiro porque nelas prepondera o caráter de financiamento, mas não definiu o local competente para a exigência do tributo, nem a base de cálcu- lo;
2) o ISS é devido no local da sede da empresa arrendadora: primeiro porque o manda- mento legal anterior (artigo 12 do Decreto-lei n. 406/68) e o vigente (artigo 3º da Lei Complementar n. 116/03) são no sentido de que o imposto deve ser recolhido no local do estabelecimento sede; segundo, e independentemente da previsão legal, porque toda a operação de leasing é concebida e desenvolvida pelos funcionários da arrendadora em seu estabelecimento - os atos que viabilizam o arrendamento mercantil, são prati- cados na sede, e os atos praticados fora do local da sede nem mesmo compõem o ne- gócio jurídico do leasing;
3) o tributo é devido sobre o valor do serviço prestado, não podendo os valores do fi- nanciamento, do aluguel, do veículo e do VRG servirem de critério para dimensioná- lo: primeiro porque eles não mantêm relação razoável de correspondência com o es- forço humano empreendido e a base de cálculo deve ser congruente com a materiali- dade tributária do imposto; segundo porque servem de critério para fixar a base de cálculo de tributos reservados à competência de outros entes federados;
4) a base de cálculo do ISS deve corresponder ao preço do serviço, sendo este com- posto pelos valores pagos pelo arrendatário como contraprestação para que a arrenda- dora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos;
5) é incabível o arbitramento para definir a base de cálculo do imposto sobre serviço: primeiro porque o arbitramento só pode ser efetivado quando o cálculo do tributo te- nha por base o valor de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos e as informações ou documentos do sujeito passivo sejam omissos ou não mereçam fé, o que não ocorre no caso em pauta; segundo porque, quando cabível, deve adotar critérios compatíveis para dimensionar o valor do serviço, o que não ocorre com a utilização dos valores do financiamento, do aluguel e do veículo, cuja falta de razoabilidade é patente e, pois, aferível sem prova concreta.
Este é o meu parecer, s.m.j.
dade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte”. Isso porque “o Po- der Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo”.