O REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE AGÊNCIA: UM DIÁLOGO ENTRE OS DIREITOS PORTUGUÊS E BRASILEIRO
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx
O REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE AGÊNCIA: UM DIÁLOGO ENTRE OS DIREITOS PORTUGUÊS E BRASILEIRO
Trabalho apresentado como requisito de obtenção de nota na disciplina “Seminário Geral” – Menção em Ciências Jurídico- Processuais da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Professor Doutor Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx
Coimbra, janeiro de 2019.
ÍNDICE
Notas introdutórias 3
1. Enquadramento legal 4
2. Conceituação 4
3. Os elementos essenciais 6
4. Os sujeitos envolvidos 10
5. A forma do contrato 11
6. O agente exclusivo 11
7. Os direitos e deveres dos contraentes 14
8. A proteção de terceiros 18
9. As formas de cessação contratual 20
10. A indenização de clientela 28
Conclusão 33
Bibliografia 34
Endereços Web 36
Jurisprudência 37
Notas introdutórias
O incremento do volume da produção e da comercialização, a denotar uma constante e acelerada evolução econômico-social, passou a exigir um escoamento eficaz da distribuição dos produtos, culminando com o surgimento de métodos dinâmicos de disponibilização de bens e serviços no mercado.
O quadro pessoal dos produtores e fornecedores - formado por trabalhadores ou empregados - tornou-se, por consequência, insuficiente ao atendimento das demandas suplicadas pela sociedade, sendo inconveniente para aqueles – especialmente no âmbito econômico-financeiro - a criação de novas estruturas organizadas (filiais ou sucursais), em aditamento às suas sedes, a fim de atender outras localidades e dissipar as suas atividades empresariais.
Para tanto, preferiu-se a utilização de pessoas lotadas nas mais diversas zonas, aproveitando-se, destarte, de suas organizações, capacidades e, principalmente, credibilidade no seio das comunidades em que viviam.
Eis que emerge, nesse contexto de “necessidade”, o fenômeno da agência, mediante o qual se suprime do produtor ou fornecedor o comando integral do processo, mormente em função da dependência da intermediação de agentes – com organização e direção empresarial próprias – para o alcance de seus respectivos objetos sociais.
O presente trabalho, longe de objetivar o exaurimento da instigante matéria sob apreço, apreciará algumas questões reflexivas e controvertidas sobre o regime jurídico do contrato de agência, tecendo considerações críticas sobre o seu enquadramento legal, a sua conceituação, os seus elementos essenciais, os sujeitos envolvidos, a exclusividade do agente, os direitos e deveres dos contraentes, a proteção de terceiros, as formas de cessação contratual e a indenização de clientela no âmbito dos direitos português e brasileiro.
In fine, como ápice do estudo ora empreendido, tal trilhar permitirá a identificação, em sede de direito comparado, das similitudes e diferenças entre as molduras legais do contrato de agência utilizadas por ambos países, tendo por escopo o enfrentamento dos desafios que se descortinam, no presente e no futuro, nos dois lados do Atlântico.
1. Enquadramento legal
O direito português disciplina, de forma expressa, o contrato de agência no Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho1, razão pela qual o mesmo se encontra revestido de tipicidade no âmbito interno, sem prejuízo do respeito às linhas gerais recomendadas na Directiva nº 86/653/CEE, de 18 de Dezembro de 19862.
No tocante ao ordenamento jurídico brasileiro, a disciplina do contrato de agência está insculpida nos artigos 710 a 721 da Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, o Código Civil Brasileiro3. Todavia, o artigo 721 ressalva, de forma expressa, que devem ser aplicadas, no que for pertinente, as regras constantes de lei especial, pelo que também merecem relevo, na seara do enquadramento legal tupiniquim - ainda que tal duplicidade provoque verdadeira confusão junto ao intérprete -, as regras insertas na Lei nº 4.886, de 09 de Dezembro de 19654, que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos, “especialmente no tocante às indenizações asseguradas”5.
Deflui-se, assim, que também se trata de um contrato típico no sistema jurídico brasileiro.
2. Conceituação
Em Portugal, entende-se por contrato de agência, à luz do artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 178/86, “(...) o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por
1 O texto integral do Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, encontra-se disponível em xxxxx://xxx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxx/000000 (07.01.2019).
2 O conteúdo da Directiva nº 86/653/CEE, de 18 de Dezembro de 1986, pode ser obtido em xxxxx://xxx- xxx.xxxxxx.xx/xxxxx-xxxxxxx/XX/XXX/?xxxxXXXXX:00000X0000 (07.01.2019).
3 A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, encontra-se disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/XXXX/0000/X00000.xxx (07.01.2019).
4 A integralidade do texto legal pode ser obtida em xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/XXXX/X0000.xxx (07.01.2019).
5 XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXX, “Do contrato de agência e distribuição no novo código civil”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2002, p. 136, disponível em xxxxx://xxx.xxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxx/xxxxx.xxx/xxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0000/0000 (07.01.2019). O doutrinador também sustenta que “Todas as regras especiais, que a Lei nº 4.886 traçou para disciplinar a profissão e os direitos e deveres do representante comercial, em princípio, continuam em vigor, porque o Código Civil traçou apenas normas gerais acerca do contrato de agência (Lei de Introdução, art. 2º, § 2º). (...) De tal sorte, apenas quando alguma norma do Código estiver conflitando com preceito da Lei nº 4.886 é que terá ocorrido derrogação parcial desta” (p. 134).
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conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes”.
Noutro giro, o artigo 710 do Diploma Material Civil brasileiro estatui que “Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada”.
Outrossim, prescreve o artigo 1º da Lei nº 4886/65 que “Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprêgo, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmití-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios”. Ademais, como complemento conceitual, o artigo 2º estabelece que “É obrigatório o registro dos que exerçam a representação comercial autônoma nos Conselhos Regionais criados pelo art. 6º desta Lei”6.
Da análise dos mencionados diplomas brasileiros, depreende-se que, ao serem cotejados os dois conceitos legais existentes, a despeito de o primeiro se referir ao “contrato de agência” e o segundo ao “representante comercial” (antigo nomen iuris), “não se encontra contradição maior que possa incompatibilizar um com o outro”7.
O fato é que a construção do conceito legal do contrato de agência deriva, em ambos ordenamentos jurídicos, do sufrágio de elementos tidos como essenciais por parte do legislador lusitano e brasileiro, de cuja análise específica e circunstanciada se fará logo a seguir.
6 XXXX XXXXXXX, Contratos e obrigações comerciais, 6.ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1981, p. 337, define o contrato de agência como aquele “em que uma parte se obriga, mediante remuneração, a realizar negócios mercantis, em caráter não eventual, em favor de outra”.
7 XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 141. Acrescenta o autor, na mesma página, que “A circunstância de o Código não usar as expressões ‘representante comercial’ ou ‘negócios mercantis’ prende-se à circunstância de ter sido unificado o direito das obrigações, de maneira que os contratos nele disciplinados, em princípio, tanto servem para as atividades civis como para as mercantis. No entanto, muito difícil será imaginar o caso em que um contrato de agência se configurará fora das relações mercantis. Ademais, se isto eventualmente acontecer, ficará o negócio fora do alcance da Lei nº 4.886/95, visto que esta se aplica especificamente aos agentes que servem, profissionalmente, à intermediação de negócios mercantis”.
3. Os elementos essenciais
Ao apreciar o contrato de agência à luz do direito português, o ilustre Professor Doutor XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, autor do Anteprojeto do Decreto-Lei nº 178/86, leciona que “São elementos essenciais, de acordo com o art. 1º, a obrigação, a cargo do agente, de promover a celebração de contratos, por conta do principal, com autonomia e estabilidade e mediante retribuição”8.
Deflui-se, portanto, que são cinco os elementos essenciais do contrato de agência, todos relacionados ao agente, a saber: (i) a promoção de negócios, (ii) a atuação por conta de outrem, (iii) a autonomia, (iv) a estabilidade e (v) a retribuição. A relevância da matéria impõe uma análise, de per si, de cada um dos aludidos elementos essenciais.
O agente tem a obrigação fundamental de promover a celebração de contratos, como resultado de uma complexa e multifacetada atividade material, de prospecção do mercado, de angariação de clientes, de difusão dos produtos e serviços, de negociação, etc., que antecede e prepara a conclusão dos contratos9.
A própria jurisprudência lusitana perfilha desse entendimento, trazendo-se à colação, no particular, decisum exarado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, da lavra de XXXXXXX XXXXXX, mediante o qual restou assentado que “É essencial para a caracterização de um contrato como de agência que seja desenvolvida actividade tendente à conquista ou desenvolvimento do mercado do principal pelo suposto agente”10.
Daí porque compete ao agente servir de elo de ligação entre o principal e os clientes! Xxxx assinalar, porém, que o mesmo, a priori, não dispõe de poderes de representação, à luz do quanto disposto no artigo 2º, nº 1, da lei sob comento. Assim sendo, não se lhe atribui, em regra, o poder de celebrar contratos.
Noutro giro, convém frisar que é a contraparte quem detém a palavra final acerca da conveniência – ou não – na concretização de determinada contratação, mesmo nas situações em que o agente disponha de poderes de representação.
8 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, “Revisitando a lei da agência 30 anos depois”, in Actas do Colóquio Distribuição Comercial nos 30 anos da Lei do Contrato de Agência, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 55.
9 Id., Contrato de agência, 8.ª ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 56.
10 Acórdão disponível em xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/00x00x000x0x0xx0000000xx000x0000/x000x00 46d22e9758025740c0050170d?OpenDocument (08.01.2019).
A atividade do agente, por sua vez, deve ser desenvolvida por conta do principal. Isso quer significar que “os efeitos dos actos que pratica se destinam ao principal, se repercutem ou projectam na esfera jurídica deste”11.
Nesse sentido, é inquestionável que o agente, no cumprimento do seu mister, prossegue os interesses do principal e deve zelar, portanto, pela defesa dos referidos interesses12, como expressamente preceitua o artigo 6º da Lei do Contrato de Agência, em consonância com o artigo 3º da Directiva 86/653/CEE. Essa a razão, inclusive, pela qual o contrato de agência deve ser caracterizado como “um contrato de gestão de interesses alheios”13.
O terceiro elemento essencial do contrato de agência é a autonomia do agente. É exatamente esse elemento que permite a distinção entre o contrato de agência e o contrato de trabalho, posto que “à prestação autodeterminada de serviços”, própria da agência, contrapõe-se a “heterodeterminação” típica do contrato de trabalho14.
À guisa de evidência da importância da autonomia como elemento essencial do contrato, a lei assegura ao agente (i) a possibilidade do recurso a subagentes, como prevê o artigo 5º, além de (ii) ser responsável diretamente, ao menos a princípio, sobre as despesas decorrentes do exercício normal da sua atividade, em face do que reza o artigo 20º. O fato é que, ainda que o agente não recorra a subagentes ou que convencione, com o principal, a respeito do reembolso, por parte deste, das despesas que venha a realizar, não haverá alteração da natureza do contrato.
Contudo, mister se faz observar que o agente não usufrui de autonomia absoluta perante o principal, especialmente porque é necessário que (i) acate as orientações recebidas, bem como (ii) se subsuma à política econômica da empresa, sem prejuízo de ter que (iii) prestar contas de suas atividades15, balanço que está consubstanciado na própria
11 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 60.
12 Ibid., p. 61.
13 Conforme XXXXX XXXXXXX apud XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contratos de distribuição comercial, 3ª Reimpressão, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 88.
14 XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, Manual de direito do trabalho, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 525.
15 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 62.
lei que rege a matéria16. O certo é que o que fazer e como fazer sempre estarão na órbita de disposição do agente.
A estabilidade também é uma característica marcante do contrato de agência. A esse respeito e com proficiência ímpar, assevera XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX que “Tal como o simples empregado, sem autonomia, o agente é um colaborador da empresa (rectius, do principal, podendo ser um não-empresário a socorrer-se de agentes) e exerce a sua atividade de modo estável, tendo em vista, não uma operação isolada, antes um número indefinido de operações”17.
A existência desse elemento é fundamental para a promoção de negócios, objetivo maior de tal espécie contratual, mormente porque será justamente através da reiteração de atividades que logrará o agente a elevação de sua clientela e, principalmente, “desenvolver as actividades adequadas à realização plena do fim contratual”, elencada no artigo 6º do diploma invocado.
A estabilidade da relação contratual perpassa, necessariamente, pela análise de questões concernentes à duração do contrato de agência. O artigo 27º da Lei do Contrato de Agência permite que os contratos possam ser celebrados por tempo determinado, indeterminado ou mesmo determinável. À luz do referido artigo, a estabilidade contratual avilta em importância em razão de duas características que fazem com que o contrato se presuma (presunção iuris tantum, admitindo-se, pois, prova em sentido contrário) ter sido celebrado por prazo indeterminado, quais sejam: (i) a falta de convenção expressa quanto à duração do contrato, e (ii) a regra estampada no número 2, a determinar a transformação do contrato por tempo determinado em indeterminado, quando o prazo contratual for ultimado e as partes contraentes continuarem normalmente as suas atividades.
Por fim – e não menos importante -, tem-se a retribuição como um elemento igualmente essencial ao contrato de agência, do que se depreende tratar-se de contrato oneroso, tendo o legislador dedicado os artigos 15º a 18º para disciplinar exclusivamente a matéria. O multicitado Professor Doutor XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX ressalta, in casu, que “Esta determina-se, fundamentalmente, com base no volume de negócios conseguido pelo agente, assumindo, pois, um carácter variável, sob a forma de comissão ou percentagem
16 Artigo 7º, alínea a): “O agente é obrigado, designadamente: a) A respeitar as instruções da outra parte que não ponham em causa a sua autonomia.”
17 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 62.
calculada sobre o valor dos negócios obtidos, podendo cumular-se, no entanto, com qualquer importância fixa acordada entre as partes”18.
O direito brasileiro também abraça, quase que de maneira idêntica, o rol de elementos essenciais consagrado na legislação lusitana. Algumas diferenças, porém, podem ser apontadas entre as duas legislações de regência.
A primeira delas consiste no fato de que o artigo 710 do Código Civil brasileiro inclui a determinação da zona em que o agente irá atuar como um desses elementos19. Desta forma, “a representação deve ser exercitada nos limites de uma zona determinada, ou seja, cabe ao agente praticar a intermediação dentro de um território estipulado pelo contrato, ou algo que a isso corresponda”20.
Outra característica nodal distintiva do regime brasileiro é a exigência de regulamentação profissional por parte do agente, como indicado no artigo 2º da Lei 4.886/65, transcrito alhures. Desta forma, “a LRC instituiu a sistemática dos Conselhos Regionais da profissão de Representante Comercial (artigo 6º da LRC) e assim se mantém desde então”, ou seja, para “exercer essa atividade, é obrigatório (...) fazer a inscrição profissional”, convindo ressaltar que a “falta de inscrição implica sanção administrativa e perda do direito às comissões (artigo 5º LRC)”21, o que não sói ocorrer no regime português.
Por fim, o sistema normativo brasileiro “inova” (ou confunde?) em outro peculiar aspecto. É que o Codex não se limita à referência ao “contrato de agência”, mencionando, em verdade, o “contrato de agência e distribuição”.
18 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 64.
19 Essa também era a redação constante do alterado artigo 1º da Lei do Contrato de Agência portuguesa, antes da edição do Decreto-Lei nº 118/93, ao exigir a “celebração de contratos em certa zona (...)” (destaques nossos). Hodiernamente, como visto no conceito legal trazido, o elemento zona passou a ser facultativo, a despeito de ser corriqueira, na prática, a sua utilização. Sobre a temática ora ofertada, XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 65, salienta que “A alteração deve-se à Directiva, que não inclui esse requisito entre os elementos essenciais da agência, apesar de recorrer a ele para a resolução de certos problemas (cfr. artigos 7º, nº 2 e 20º, nº 2, al. b), da Directiva). A posição do legislador comunitário não constitui propriamente uma surpresa (...) e não suscita especiais reparos ou dificuldades. Alarga-se, desta forma, o campo de aplicação do diploma.”
20 XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 138.
21 XXXXX XXXX XXXXX XXXXX XXXX, “A lei de agência de Portugal e a lei de representação comercial no Brasil: análise comparativa à luz da jurisprudência”, in Actas do Colóquio Distribuição Comercial nos 30 anos da Lei do Contrato de Agência, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 27-28.
Xxxx assinalar que, apesar da infelicidade terminológica invocada pelo diploma legal em tela, “Não são, porém, dois contratos distintos, mas o mesmo contrato de agência no qual se pode atribuir maior ou menor soma de funções ao preposto”22. Com efeito, o sentido atribuído ao termo “distribuição”, referido no artigo 710 do Código Civil brasileiro, não alberga a revenda da mercadoria por parte do agente - ainda vinculado à prestação de serviço da qual jamais se afasta -, posto que a sua primacial atribuição continua no campo da captação de clientela.
4. Os sujeitos envolvidos
Um ponto que merece destaque é o que se refere aos sujeitos envolvidos no contrato de agência, em especial à nomenclatura utilizada.
O legislador lusitano utiliza o termo principal para designar a contraparte do agente. Esclarece XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX que “Apesar de não ser um termo isento de reparos, outras designações, como as de ‘empresário’, ‘proponente’, ‘mandante’ ou ‘comitente’ apresentariam (...) maiores inconvenientes”, sendo este o “utilizado pela melhor doutrina”, além ser “familiar à jurisprudência”23.
O ordenamento jurídico brasileiro, por outro lado, preferiu utilizar a expressão proponente, a caracterizar a contraparte com quem o agente irá celebrar o contrato de agência, em consonância com a recomendação da antiga doutrina portuguesa24.
Tal terminologia, porém, mereceu críticas da mais abalizada doutrina, sob o argumento de que, nos contratos de prestação de serviços com subordinação jurídica, a tradição, no além-mar, é identificar o representado como preponente, e não como proponente25.
22 XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 131. Aduz o autor, ainda, que o agente atua, neste caso, “como depositário apenas da mercadoria do preponente, de maneira que, ao concluir a compra e venda e promover a entrega de produtos ao comprador, não age em nome próprio, mas o faz em nome e por conta da empresa que representa. Ao invés de atuar como vendedor, atua como mandatário do vendedor. Essas noções são muito importantes para que não se venha a confundir o contrato regulado pelo art. 710 – contrato de agência e distribuição – com o contrato de concessão comercial, este, sim, baseado na revenda de mercadorias e sujeito a princípios que nem sequer foram reduzidos a contrato típico pelo Código Civil.”
23 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 108.
24 XXXXXX XXXX, Contratos comerciais, Ediforum, Lisboa, 2002, p. 108.
25 XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 158. Prossegue o autor, aduzindo que “De fato, os léxicos nacionais não registram proponente com o sentido de denominar quem delega poderes de gestão a outrem; mas como aquele que ‘propõe algo’. É, outrossim, o designativo preponente que identifica ‘aquele que
Ora, independentemente da nomenclatura empregada, o que realmente merece relevo é o fato de que, na relação contratual sub examine, de um lado está aquele que possui bens e/ou serviços a inserir no mercado (principal, proponente, preponente, etc.) e, de outro, o agente, encarregado de difundir a promoção dos negócios daquele.
5. A forma do contrato
No tocante à forma, o ordenamento jurídico português consagra a liberdade da forma, insculpida no artigo 219º do Código Civil26. Cura gizar, porém, que o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 178/86 reza que, a qualquer das partes, resta assegurado “o direito, a que não pode renunciar, de exigir da outra um documento assinado que indique o conteúdo do contrato e de posteriores aditamentos ou modificações”. Trata-se, desta forma, de documento escrito no qual devem constar os direitos e obrigações assumidos e que está sujeito a registo na Conservatória de Registo Comercial.
No Brasil, “embora a Lei brasileira refira no artigo 27 a previsão de que o contrato de agência deve ser celebrado por escrito, a doutrina tem defendido que não se interpreta esta disposição de forma “a prejudicar o agente”, razão pela qual “Se há contrato, ainda que verbal, são devidos os direitos previstos na lei protetiva”27.
6. O agente exclusivo
A regulamentação acerca do direito de exclusivo a favor do agente também apresenta distinções nos sistemas jurídicos português e brasileiro.
constitui um auxiliar direto para ocupar-se dos seus negócios, em seu nome, por sua conta e sob sua dependência’. Ademais, há um inconveniente de ordem prática. Na relação econômica desenvolvida pelo agente em prol do fornecedor, já há o cliente que, ao formular propostas endereçadas a este, também deverá ser identificado como proponente. Duas partes, portanto, em posições jurídicas diversas teriam titulação igual dentro do mesmo negócio. As confusões serão inevitáveis o que recomendaria o uso da designação preponente para o fornecedor. Dessa forma, melhor teria andado o legislador brasileiro se, a exemplo do Código italiano, tivesse nomeado de preponente o empresário que contrata a intermediação do agente. Malgrado a opção da lei, não estará incorrendo em censura alguma quem empregar o termo preponente em lugar de proponente, por ser lexicamente correto e, praticamente, mais expressivo”.
26 “Artigo 219º. A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir”. O conteúdo integral do Código Civil português está disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xx/xxxx/xxx_xxxxxx_xxxxxxxxxx.xxx?xxxxxx000&xxxxxx_xxx&xxxx000&xxxxxxx0&xxxxxx
=leis&nversao=&so_miolo= (09.01.2019).
27 XXXXX XXXX XXXXX XXXXX XXXX, op. cit., p. 31. No mesmo sentido, XXXXXX XX XXXXX XXXXXX, Direito civil
– contratos em espécie, vol. 3, 5.ª ed., Atlas, São Paulo, 2005, p. 552, xxxxxx, in verbis: “Ora, se a lei coloca elementos obrigatórios no contrato escrito, poder-se-ia concluir que, em sua falta, o contrato é nulo, o que não é verdadeiro”, visto que “a própria lei se encarrega de disciplinar a relação jurídica na falta dos elementos descritos. Ademais, seria ilógico e injusto entender a relação negocial como nula apenas porque ausente algum dos requisitos ditos obrigatórios, mormente levando-se em conta que o negócio pode ser concluído verbalmente.”
O artigo 4º do Decreto-Lei nº 178/86 preceitua que “Depende de acordo escrito das partes a concessão do direito de exclusivo a favor do agente”. Assim, há uma dependência do agente em relação ao principal, tendo em vista que, no silêncio do contrato, mesmo dentro da zona em que aquele atua ou no seio de seu círculo de clientes, poderá o principal valer-se de outros agentes para o exercício de atividades concorrentes28. A regra, porém, não se aplica no sentido inverso. Isso porque, omisso o contrato,
o agente fica obstado de exercer qualquer tipo de atividade concorrente daquela explorada pelo principal29.
Vindo a ser convencionada a exclusividade do direito do agente, impende observar que não ficará o principal impedido de utilizar outros agentes naquela territorialidade ou círculo de clientes, devendo, porém, tratar-se de atividade distinta daquela que foi pactuada com o primeiro.
De igual forma, mesmo à falta de avença específica quanto ao direito de exclusivo, também será lícito ao agente atuar em ramo distinto do explorado pelo principal. Além disso, “talvez lhe seja permitido mesmo exercer actividades concorrentes, desde que
o faça fora da zona ou do círculo de clientes que foi confiado (...) e isso não implicar uma violação do disposto ao artigo 6º”30.
Um aspecto digno de nota é o que concerne ao direito à comissão do agente exclusivo, previsto no nº 2 do artigo 16º. A análise deste dispositivo legal faz exsurgir o entendimento de que o agente fará jus à comissão mesmo que os negócios não tenham sido por ele diretamente captados, desde que celebrados, porém, na zona ou círculo de clientes no(s) qual(is) detém a exclusividade. Nesse sentido, XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX frisa que “da conjugação dos artigos 4º e 16º, nº 2 resulta nada obstar, em princípio, a que o principal, sem intervenção prévia do agente exclusivo, possa celebrar, em certos termos,
28 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 79.
29 Ibid., p. 80, destaca, com profunda acuidade, que “A lei não diz expressamente, ao contrário do que sucedia na sua redação primitiva, mas é o sentido que dela se extrai, desde logo, por argumento ‘a contrario sensu’: o direito de exclusivo a favor do principal – rectius, o direito deste a que seu agente não exerça actividades concorrentes – não está dependente de qualquer acordo, pelo que o agente carece, para o efeito, do consentimento prévio da outra parte É esta, além disso, e sobretudo, a posição que melhor se harmoniza com o disposto no artigo 6º, visto que o princípio da boa fé e a obrigação de o agente ter de ‘zelar pelos interesses da outra parte’ dificilmente tolerariam que aquele pudesse exercer atividades concorrentes sem o consentimento prévio do principal (...)”.
30 Ibid., p. 83.
contratos na zona reservada ao agente, ou com clientes pertencentes ao círculo que lhe foi confiado”31.
Aporta-se, agora, na contraditória disposição acerca da matéria, constante da legislação brasileira.
Para melhor compreensão do tema, faz-se mister invocar, inicialmente, o artigo 27 da Lei nº 4.886/65 que diz ser obrigatória a indicação, no contrato de agência, “da zona ou zonas em que será exercida a representação” (alínea d)) e a existência de “exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado” (alínea i)).
Por sua vez, o artigo 31, caput, da mesma lei, consigna que “Prevendo o contrato de representação a exclusividade de zona ou zonas, ou quando este for omisso, fará jus o representante à comissão pelos negócios aí realizados, ainda que diretamente pelo representado ou por intermédio de terceiros”.
Já o parágrafo único do mesmo artigo estatui que “A exclusividade de representação não se presume na ausência de ajustes expressos”.
Ora, a simples leitura dos citados comandos normativos demonstra que os mesmos são absolutamente conflitantes entre si! Do primeiro se extrai a presunção da exclusividade do agente, em havendo o silêncio contratual. No segundo, diz-se claramente que a multicitada exclusividade “não se presume”. Quid juris?
A flagrante confusão legal acima apontada redundou na necessidade de manifestação da doutrina sobre o tema. XXXXXX REQUIÃO entende que “o melhor sistema é a presunção da exclusividade de zona, em favor do representante, só afastada por disposição expressa do contrato escrito”. Acrescenta, ainda, que “Na disputa entre os dois dispositivos, deve-se entender que haverá exclusividade no contrato de representação comercial escrito, mas omisso, quanto à exclusividade”, não podendo, todavia, o contrato verbal ser “beneficiado pela exclusividade, visto que nessa forma contratual não pode haver cláusulas expressas”32.
31 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 83. E arremata o ilustre Professor Xxxxxx, na mesma página: “Mas esta possibilidade restringe-se aos contratos que os clientes lhe proponham diretamente e desde que se trate de uma actuação esporádica e ocasional”.
32 XXXXXX XXXXXXX XXXXXXX, Nova regulamentação da representação comercial autônoma, 3.ª ed., Saraiva, São Paulo, 2007, p. 109.
A jurisprudência brasileira também comunga desse entendimento, ao reconhecer que “haverá exclusividade quando houver expressa previsão em contrato escrito ou nas hipóteses em que, mesmo havendo instrumento escrito, o contrato for omisso quanto à atribuição de zona de atuação exclusiva”33.
Logo, a despeito do choque entre os dispositivos legais supratranscritos, dessume- se que tem sido vitorioso o entendimento de que a exclusividade do agente se presume quando existir contrato escrito e não houver qualquer disciplina específica sobre a matéria em sentido contrário.
A interpretação acima alinhavada é consentânea, ao menos quando o contrato for escrito, com a anterior redação do artigo 4º do Decreto-Lei nº 178/8634, que presumia o direito de exclusivo por parte do agente no direito português, solução apontada como sendo “mais justa e equilibrada”35.
7. Os direitos e deveres dos contraentes
A legislação lusitana dedica todo o Capítulo II do Decreto-Lei nº 178/86 à regulamentação dos direitos e obrigações das partes, contemplando duas seções sobre a matéria: (i) obrigações do agente (secção I) e (ii) direitos do agente (secção II). Outrossim, a análise dos direitos e obrigações do principal é feita de maneira recíproca nos respectivos enunciados legais.
Em consonância com os artigos 3º e 4º da Directiva 86/653/CEE36, as duas seções consagram, ab initio, um princípio geral pautado na boa fé, como se percebe da simples leitura dos artigos 6º e 12º da Lei do Contrato de Agência, tratando-se, pois, de verdadeira pedra de toque do sistema, além de “concretizações do artigo 762º/2, do Código Civil”37.
33 STJ – 3.ª T, REsp 1.634.077 SC, Min. Xxxxx Xxxxxxxx, x. 07.03.17, disponível em xxxxx://xx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxx/?xxxxxxxxxxxXXX&xxxxxxxxxxx00000000&xxx
_registro=201403439473&data=20170321&tipo=5&formato=PDF (10.01.2019).
34 “Artigo 4º. Dentro da mesma zona ou do mesmo círculo de clientes, nem o agente pode exercer actividades que estejam em concorrência com as da outra parte nem esta pode utilizar outros agentes para o respectivo ramo de atividade, excepto havendo convenção em contrário formulada por escrito.”
35 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 80.
36 Artigo 3º, nº 1: “O agente comercial deve, no exercício das suas actividades, zelar pelos interesses do comitente e agir lealmente e de boa fé”. Por outro lado, reza o artigo 4º, nº 1: “Nas suas relações com o agente comercial, o comitente deve agir lealmente e de boa fé”.
37 XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, “O contrato de agência e a boa fé”, in Actas do Colóquio Distribuição Comercial nos 30 anos da Lei do Contrato de Agência, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 8.
O trilhar dos artigos 6º a 20º permite a identificação dos direitos e obrigações das partes, cuja atuação, necessariamente, deverá estar lastreada na honestidade, lealdade e colaboração.
Dentre as obrigações do agente, elencadas apenas a título exemplificativo na lei, merecem destaque (i) o respeito às instruções da contraparte sem suprimir a sua autonomia (artigo 7º, alínea a)), (ii) o fornecimento de instruções acerca dos clientes, de modo a prevenir a inadimplência (artigo 7º, alínea b)), (iii) esclarecer sobre as condições e a evolução do mercado (artigo 7º, alínea c)), e (iv) prestar contas (artigo 7º, alínea d)).
Além disso, tem o agente obrigações de segredo (artigo 8º), de não concorrência
(artigo 9º) e de informação sobre sua eventual impossibilidade temporária (artigo11º).
Imprescindível, no particular, tecer algumas considerações sobre a chamada
convenção del credere, prevista no artigo 10º do mesmo diploma.
O Professor Doutor XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX salienta que “Através da convenção ‘del credere’ o agente assume a garantia, em face do principal, do cumprimento das obrigações do cliente”, pelo que “O principal passa a dispor de acção contra o agente, que fica, assim, responsável pelo não cumprimento do contrato, maxime em caso de falta de pagamento das prestações do cliente”38.
Contudo, para que o pacto ajustado seja válido, torna-se necessário o respeito aos requisitos insertos nos nºs 1 e 2 do artigo 10º, a saber: (i) ter sido celebrado através de documento escrito, (ii) o agente garantir o cumprimento de obrigações emergentes de contrato por si negociado ou concluído, e (iii) ter sido especificado o contrato ou individualizadas as pessoas garantidas.
Ressalte-se que, uma vez pactuada, a convenção del credere outorga ao agente o direito de receber a comissão especial indicada no artigo 13º, alínea f), da Lei do Contrato de Agência.
Doutrinadores de escol têm reconhecido que a aludida convenção tem natureza de “garantia, uma vez que o agente responderá pelo cumprimento das obrigações do cliente independentemente de culpa sua na angariação do mesmo”39.
Noutro giro, os direitos do agente estão, também de forma meramente exemplificativa, elencados no artigo 13º da mesma lei, dentre os quais (i) a obtenção, junto
38 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., x. 00.
00 Xxxx., x. 00.
à contraparte, de informações essenciais ao exercício da atividade (artigo 13º, alínea a)),
(ii) a informação, por parte do principal, acerca da aceitação ou recusa dos contratos por si negociados (artigo 13º, alínea b)), e, é claro, (iii) o recebimento das retribuições nos termos convencionados (artigo 13º, alínea e)).
No que concerne ao direito de recebimento da retribuição, verdadeiro elemento essencial do contrato, cura aduzir que a mesma é constituída, via de regra, à base de comissões, calculadas sobre os negócios promovidos ou celebrados pelo agente, podendo, porém, cumular-se com determinada remuneração fixa acordada entre as partes40.
Mas não é só! Ainda em sede de retribuição, nos termos da alínea f) do artigo 13º, o agente também fará jus a “receber comissões especiais, que podem cumular-se, relativas ao encargo de cobrança de créditos e à convenção del credere”. Ora, tratam-se de “funções e encargos que extravasam do quadro normal dos deveres do agente, pelo que, tendo-os assumido, o agente goza do direito a uma comissão extraordinária, por cada encargo suplementar”41.
Quanto ao direito à comissão por parte do agente, ressalte-se que não há vinculação ao cumprimento, pelo cliente, de sua obrigação de pagamento, conforme se depreende do artigo 18º, alínea b), do Decreto-Lei nº 178/86. Isso porque, havendo cumprimento do contrato por parte do principal – ou pelo menos se já tivesse que tê-lo cumprido -, nasce aí o direito às comissões por parte do agente, nos termos do artigo 18º, alínea a)42.
Ao contrário do que sói ocorrer no direito lusitano, o ordenamento jurídico brasileiro não sistematiza, de forma expressa e organizada, os direitos e obrigações dos contraentes.
Além da obrigação de (i) promover a realização de certos negócios por conta da outra parte, elemento essencial do contrato de agência (artigo 710 do Código Civil brasileiro), deve o agente (ii) agir com toda a diligência, atendo-se às instruções recebidas
40 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., pp. 100-101.
41 Ibid., p. 98.
42 “Artigo 18.º Aquisição do direito à comissão: 1 - O agente adquire o direito à comissão logo e na medida em que se verifique uma das seguintes circunstâncias: a) O principal haja cumprido o contrato ou devesse tê- lo cumprido por força do acordo concluído com o terceiro”.
do proponente (artigo 712), e (iii) arcar com as despesas atinentes ao negócio, salvo convenção em contrário (artigo 713).
Por outro lado, segundo a Lei nº 4.886/65, (i) devem as partes, no contrato a ser celebrado, inserir as suas respectivas obrigações e responsabilidades (artigo 27, alínea h), além de o representante comercial ficar também obrigado a (ii) fornecer ao representado, informações detalhadas sobre o andamento dos negócios a seu cargo (artigo 28) e (iii) não conceder, salvo autorização expressa, abatimentos, descontos ou dilações (artigo 29).
Importa assinalar que o artigo 43 da Lei nº 4.886/6543 proíbe, de forma expressa, a cláusula del credere. Assim, a despeito de, de lege ferenda, receber críticas doutrinárias44, os agentes não podem assumir responsabilidade pela solvência dos clientes.
De referência aos direitos das partes, a legislação tupiniquim é ainda mais lacônica. O Código Civil se limita a trazer regramentos acerca da retribuição (artigo 710), remuneração (artigos 714, 717, 718 e 719) e direito de indenização do agente (artigo 715).
A Lei nº 4.886/65 trafega no mesmo sentido. Os artigos 27, alínea f) e 33 tratam do direito à remuneração pelo agente. Outrossim, os artigos 27, alínea j) e § 1.º, disciplinam o direito à indenização do agente, matéria que será objeto de aprofundamento posterior no presente estudo. Já os artigos 31 e 32 referem ao direito à comissão pela eventual exclusividade exercida pelo agente.
No Brasil, o momento de aquisição do direito à retribuição, por parte do agente, é distinto do que foi regulado em Portugal. Segundo o artigo 32 da Lei nº 4.886/65, este passa a existir “quando do pagamento dos pedidos ou propostas” pelos clientes.
Por sua vez, “remuneração fixa é indício de contrato de emprego”, razão pela qual as comissões “são por lei calculadas sobre os valores totais das vendas”45.
43 “Art. 43. É vedada no contrato de representação comercial a inclusão de cláusulas del credere”.
44 Essa é a posição de XXXXXX XXXXX XX XXXXXXXXX, “A lei de representação comercial brasileira e os obstáculos à autonomia e empresarialidade do representante comercial”, Conteúdo Jurídico, Brasília, 2012, disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx,x-xxx-xx-xxxxxxxxxxxxx-xxxxxxxxx-xxxxxxxxxx-x-xx- obstaculos-a-autonomia-e-empresarialidade-do-representante-co,36082.html (10.01.2019), ao afirmar que “(...) a vedação se caracteriza como grave entrave “ao desenvolvimento da autonomia e empresarialidade na atividade de representação comercial autônoma”, usurpando do representante “a possibilidade de ampliar seus negócios, impondo uma proteção que onera excessivamente o contrato e nega a essência da relação comercial”.
45 XXXXX XXXX XXXXX XXXXX XXXX, op. cit., p. 33.
8. A proteção de terceiros
O trabalho ora empreendido, como já assinalado, tem por escopo a análise, em sede de direito comparado, do regime jurídico do contrato de agência nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro.
Ocorre que, no tópico em epígrafe, não será possível realizar qualquer cotejamento entre os aludidos sistemas jurídicos, mormente porque, enquanto o direito português promove verdadeira inovação ao disciplinar tão importante matéria46, o direito brasileiro simplesmente se recolhe ao absoluto silêncio.
O tema está devidamente regulado em três artigos do Capítulo III da Lei do Contrato de Agência, os quais têm por objeto a apreciação, respectivamente, do dever de informação (artigo 21º), da representação sem poderes (artigo 22º) e, finalmente, da representação aparente (artigo 23º).
Os prejuízos que podem ser produzidos em desfavor dos terceiros decorrem, em grande parte, da celebração de contratos por agente desprovido de poderes, como prevê o artigo 2º, ou da cobrança de créditos, por parte do mesmo, sem a indispensável autorização, como exige o artigo 3º. Eis porque é fundamental, a fim de evitar possíveis e futuros danos, que o agente tenha a obrigatoriedade de informar os interessados (artigo 21º), através dos meios próprios, sobre quais poderes estão no âmbito de sua disponibilidade47.
Impende observar que o artigo 10º, alínea e), do Código de Registo Comercial também considera o contrato de agência, quando celebrado por escrito, sujeito a registo48, dispositivo legal que, em razão da publicidade exigida, inegavelmente robustece a defesa dos interesses dos clientes.
No tocante à representação sem poderes, estatui o artigo 22º do Decreto-Lei nº 178/86 que “o negócio que o agente sem poderes de representação celebre em nome da
46 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 111.
47 Ibid., p. 112.
48 O artigo 10º, alínea e), do Decreto-Lei nº 403/86, de 3 de Dezembro, preceitua que “Estão ainda sujeitos a registo: e) O contrato de agência ou representação comercial, quando celebrado por escrito, suas alterações e extinção;”. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xx/xxxx/xxx_xxxxxx_xxxxxxxxxx.xxx?xxxx000&xxxxxxxxxxx (12.01.2019).
outra parte tem os efeitos previstos no artigo 268º, nº 1, do Código Civil49”. Exige-se, em tais casos, a ratificação por parte do principal, sob pena de o negócio ficar inquinado de ineficácia.
Noutro giro, merece especial atenção a regra estampada no nº 2 do artigo 22º do mesmo diploma, ao exigir que o principal avise ao cliente, “logo que tenha conhecimento da sua celebração e do conteúdo essencial do mesmo”, de sua recusa em ratificar o negócio, devendo fazê-lo “no prazo de cinco dias a contar daquele conhecimento”. Olvidando-se o principal em assim proceder e desde que o cliente esteja a atuar de boa-fé, o negócio ter-se-á por ratificado.
A temática ora ofertada ganha maiores contornos de problematização quando aterra na chamada representação aparente, consubstanciada no artigo 23º da Lei do Contrato de Agência50. Prima facie, XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX assevera que a questão é resolvida “nos termos gerais dos artigos 268º, nº 1, e 770º do Código Civil, por força do disposto nos artigos 22º, nº 1, e 3º, nº 3, respectivamente, do presente diploma”, acrescentando, porém, que “a necessidade de tutelar a legítima confiança de terceiros poderá exigir, em certos casos, que se vá mais longe”51.
O fato é que a proteção erigida no citado dispositivo legal exige a conjugação de determinados requisitos objetivos e subjetivos52, conferindo-se ao tribunal, indubitavelmente, a prerrogativa de analisar a conduta perpetrada pelas partes.
49 “Artigo 268º, nº 1: “O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”.
50 “Artigo 23º. 1 - O negócio celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro. 2 - À cobrança de créditos por agente não autorizado aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior”.
51 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 115.
52 XXXXX XXXX XXXXX, “A representação aparente e a lei do contrato de agência – 30 anos depois”, in Actas do Colóquio Distribuição Comercial nos 30 anos da Lei do Contrato de Agência, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 142-144, entende que “Verifica-se que se exige uma situação fáctica de confiança objetivamente fundada – devem ter ‘existido razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente’. A lei remete para as circunstâncias do caso, havendo que ter em conta, em particular, elementos como a atuação prévia do agente (com celebração de contratos em representação do principal) e do principal (com ratificação desses negócios ou ausência de contestação da sua eficácia, mesmo que sem ratificação expressa), o enquadramento empresarial da atuação do agente (apresentação como representante do principal, uso da suas marcas ou outros sinais distintivos, etc.), as suas instalações, o emprego de sinais com papel timbrado e cartões do representado, ou de meios de comunicações que constituam normais modos de ‘apresentação’ do principal, que estavam afetos a este ou
De referência ao ónus da prova, faz-se mister invocar escólio de XXXXX XXXX XXXXX a respeito da matéria, ao gizar que “ele cabe, quanto aos factos que integram a situação de aparência (...) ao terceiro, tratando-se aqui de um facto constitutivo do seu direito face ao principal”. Por outro lado, prossegue o autor, “O terceiro tem também o seu onus probandi de que conhecia esses factos e de que esse conhecimento foi causal para a sua atuação”53.
Por fim, se a atuação do agente vier a se configurar como hipótese de abuso de representação, aplicar-se-á in casu, em favor do terceiro de boa-fé, a regra insculpida no artigo 269º do Codex Civil português54.
9. As formas de cessação contratual
Ingressa-se na seara de apreciação das formas de cessação do contrato de agência nos sistemas jurídicos dos dois lados do Atlântico.
Em Portugal, sustenta XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX que “os problemas que vamos analisar agora são comuns às várias espécies de contratos de distribuição”, razão pela qual se trata de “um dos pontos em que mais se justifica o estudo conjunto de tais problemas,
que este tem o dever de guardar. A estabilidade da presença do agente, numa determinada zona ou círculo habitual de clientes, e na área de atividade que lhe deu notoriedade (em que possa ter celebrado anteriormente contratos em nome do principal), são igualmente elementos relevantes, a atender na apreciação complexiva da situação de confiança objetivamente criada. O primeiro requisito subjetivo, que tem de se verificar do lado do terceiro, contraparte no negócio celebrado pelo agente, é a sua boa fé, traduzida pelo menos no desconhecimento da ausência de poderes de representação. Pensamos, porém, que há-de tratar-se de uma ignorância não culposa, segundo um padrão de um terceiro com diligência média, embora devendo esta ser apreciada em concreto, para ter em conta fatores como, por exemplo, a experiência comercial ou profissional do terceiro, etc. Apenas em caso de atuação dolosa ou intencional do principal ou do agente, no intuito de enganar o terceiro, poderá este merecer proteção ainda que tenha culpa no desconhecimento da falta de poderes de representação. Tal atuação dolosa ou intencional será, porém, rara e, em todo o caso, difícil de provar. Já no que se refere ao requisito subjetivo do lado do principal – a ‘contribuição para fundar a confiança do terceiro’ -, parece não se exigir qualquer atuação culposa, podendo bastar a causação da aparência mesmo que sem culpa”.
53 XXXXX XXXX XXXXX, op. cit., pp. 146-147. Acrescenta o doutrinador que “Já quanto à boa fé, provado que o terceiro conhecia os factos suscetíveis de fundar a sua confiança, parece ser de ponderar seriamente uma inversão do ónus da prova (pois caso contrário estar-se-ia a impor ao terceiro uma verdadeira probatio diabolica, de factos negativos). No que se refere aos factos que integram a ‘contribuição do principal para fundar a boa fé’, o ónus da prova pareceria também incumbir ao terceiro. No entanto, o tribunal deverá bastar-se aqui com uma prova não muito exigente, quanto a essa contribuição, já que a imputabilidade da aparência de representação radica na esfera do representado, sendo em regra mais fácil a este demonstrar que aquela lhe não é imputável, do que a terceiro mostrar essa imputação. O representado poderá, depois, perante a prova efetuada pelo terceiro, provar que ignorava a atuação do representante, e como estava relacionado institucional e pessoalmente com este”.
54 Cfr. XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 118.
pois o regime, no essencial, é o mesmo”55. Acrescenta o nobre autor que “Como em qualquer contrato, a cessação do mesmo é um tema de especial dificuldade, xxxxxx, como é o caso, quando se põe termo a uma relação contratual duradoura”, sem prejuízo do fato de que “reina, nesta matéria, alguma confusão, relativamente aos modos ou formas de cessação do contrato”56.
Torna-se indispensável, portanto, “analisar as diferentes modalidades, sistematizando-as, de molde a esboçar uma teoria geral do regime da cessação do vínculo, que tem de assentar predominantemente na referência às distintas modalidades de cessação dos contratos e, ao mesmo tempo, procurar compreender cada uma destas modalidades”57.
As formas de cessação do contrato de agência estão expressamente indicadas no artigo 24º do Decreto-Lei nº 178/86, a saber: a) acordo das partes; b) caducidade; c) denúncia; e d) resolução58.
Analisar-se-á, nas linhas abaixo tracejadas e de per si, cada uma dessas formas de extinção.
Em obediência ao poder emanado dos princípios gerais das relações contratuais, podem as partes, de maneira consensual, pôr fim ao enlace contratual por elas entabulado, através de um acordo59 que deve, nos termos do artigo 25º da Lei do Contrato de Agência “constar de documento escrito”. Cura destacar que o sobredito acordo poderá ser ultimado, em qualquer momento, tanto nas relações contratuais que possuem prazo determinado, quanto naqueloutras de prazo indeterminado.
Em face do que dispõe o artigo 26º, do mesmo diploma, ocorre a caducidade em face do decurso do prazo (alínea a)), verificação da condição resolutiva ou não verificação da condição suspensiva (alínea b)), ou pela morte do agente ou sua extinção, quando pessoa colectiva (alínea c)).
55 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contratos de distribuição ..., cit., p. 131.
56 Id., “Revisitando a lei da agência ...”, cit., p. 59.
57 XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Da cessação do contrato, 3.ª ed., Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 26.
58 XXXX XXXXXX TELES DE XXXXXXX XXXXXX, A indemnização de clientela no contrato de agência, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 35, aduz que “A estas causas deve acrescentar-se a oposição à renovação, que constitui aliás uma forma comum de as partes regularem a extinção do contrato de agência”. Todavia, como a mencionada forma não está expressamente prevista em lei, apesar da ressalva feita pelo insigne autor, deixaremos de proceder a uma abordagem aprofundada sobre a temática em tela.
59 Ibid., p. 35, utiliza a expressão “revogação”, em substituição a “acordo”.
Inicialmente, deve-se frisar que tal forma de cessação se dá nos contratos de duração determinada (ou ao menos determinável), ao contrário da denúncia, cuja aplicabilidade incide sobre os contratos celebrados por prazo indeterminado, como se analisará mais à frente. Acresça-se ao quanto já dito que a caducidade opera de forma automática, ou seja, o simples advento de uma das causas insertas nas alíneas do artigo 28º faz com que o contrato seja extinto, independentemente de prévia manifestação – ou aceitação – das partes.
Por sua vez, os artigos 28º e 29º do Decreto-Lei 178/86 disciplinam a denúncia, conceituada como “modo de cessação dos efeitos contratuais por via de uma declaração unilateral, não fundada (portanto, ad nutum ou ad libitum), e com eficácia ex nunc, estando o seu fundamento genérico ligado à proibição de vínculos perpétuos e à consequente preservação da liberdade jurídica dos sujeitos”60. Requisito essencial para que a cessação produza os efeitos almejados, todavia, é o respeito a um dos prazos de antecedência mínimos, devidamente elencados nas alíneas a) a c) do nº 1 do artigo 28º61. Ademais, deflui-se, com clareza solar, que a denúncia é uma forma de cessação contratual que ratifica o comezinho princípio da proibição da vinculação perpétua.
A melhor doutrina tem sustentado o entendimento de que a denúncia somente pode ser utilizada nos contratos que vigorem por prazo indeterminado. Em verdade, naqueles casos em que a avença foi celebrada por prazo determinado, mas houve continuidade das atividades, o decurso do prazo, como visto, provoca a sua cessação por caducidade e, por consequência, a imediata gênese de um novo contrato, este sim por prazo indeterminado e passível de denúncia62.
O legislador, por razões de segurança jurídica, exige a utilização da forma escrita, qualificando-a como uma formalidade essencial ao ato de pôr fim ao contrato.
60 XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX, “Cessação dos contratos duradouros: regime específico e contrato de agência”, in Actas do Colóquio Distribuição Comercial nos 30 anos da Lei do Contrato de Agência, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 230.
61 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 126, critica os prazos exigidos na lei, ao destacar que “Esta era uma das normas que carecia de ser alterada, por força da Directiva, maxime no que respeita ao pré-aviso, visto que o artigo 15º estabeleceu prazos diversos – mais curtos – do que aqueles que a lei portuguesa (generosamente) consagra. Simplesmente, não foi nada feliz, a nosso ver, a atitude assumida pelo legislador nacional. Trata-se, desta vez, de uma divergência de fundo”.
62 Ibid., p. 131.
De referência ao pré-aviso, teve o legislador por escopo obstar o rompimento brusco, inesperado e que, eventualmente, venha a causar prejuízos à contraparte.
Ademais, também aqui se exige o respeito ao princípio da boa fé contratual, especialmente porque, através da observância aos lapsos temporais de pré-aviso, terá a contraparte que ser proporcionalmente informada sobre o efetivo fim do contrato, atentando-se, é claro, à duração do vínculo contratual.
Problema que se instaura é saber se, mesmo nos casos em que o prazo legal seja respeitado ou quiçá convencionado (em período maior do que o insculpido em lei), poderá a parte prejudicada suplicar uma indenização, nos termos gerais e por abuso de direito, com espeque no artigo 334º do Diploma Material Civil português. O eminente Professor Doutor XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX entende que sim, desde que configurados os seus respectivos pressupostos, citando como exemplo a situação em que o principal incentiva o agente a realizar vultosos investimentos e, embora tenha sido respeitado o pré-aviso, rompe o contrato sem que houvesse tempo hábil para que o agente pudesse recuperar, ao menos, o seu investimento63.
Um outro interessantíssimo aspecto diz respeito à possibilidade de modificação unilateral de alguma cláusula contratual, a exemplo de uma redução nos valores, imposta pelo principal, das comissões do agente. Para XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, se a outra parte não concordar com a alteração no contrato, haveria uma declaração tácita de denúncia, levando o contrato a se extinguir, salvo se a outra parte anuir com a alteração proposta64.
O nº 3 do artigo 28º da Lei do Contrato de Agência sufraga uma norma que defende, de forma clara, o agente. Isso porque faculta ao mesmo denunciar o contrato valendo-se de um prazo de pré-aviso inferior ao do principal, desde que respeite o acordo entre eles.
Além disso, o artigo 29º, do mesmo diploma, regula as consequências resultantes da falta de obediência aos prazos de pré-aviso discriminados no artigo anterior. De acordo com o nº 1, haverá a obrigatoriedade de o contraente transgressor indenizar o outro pelos danos causados, aqui albergados os emergentes e os lucros cessantes. Outrossim, o nº 2 consigna uma hipótese inteiramente aplicável ao agente, em substituição à indenização
63 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contratos de distribuição ..., cit., p. 139.
64 Id., Contrato de agência, cit., p. 131. Assevera o ilustre autor que “A hipótese configura, pois, uma denúncia-modificação”.
indicada no nº 1 e que se encontra no seu livre âmbito de escolha, qual seja, a exigência de “uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta; se o contrato durar há menos de um ano, atender-se-á à remuneração média mensal auferida na vigência do contrato”.
Por derradeiro, passa-se ao enfrentamento da resolução, última forma de cessação do contrato de agência consagrada na legislação de regência portuguesa, mais especificamente nos artigos 30º a 32º do Decreto-Lei nº 178/86.
O artigo 30º da mencionada lei fixa os fundamentos de resolução (incumprimento e alteração de circunstâncias), cabendo ao artigo 31º a disciplina acerca da sua forma e prazo (da declaração resolutiva) e ao artigo 32º a regulamentação das consequências indenizatórias que podem acompanhar a resolução.
A primeira observação, a merecer relevo, é que, diversamente do que sói ocorrer com a denúncia, “a resolução necessita de ser motivada, embora possa efectivar-se extrajudicialmente, mediante declaração à outra parte (...) nos termos gerais do artigo 436º do Código Civil”, além do que, presentes os respectivos fundamentos, “a resolução opera tanto nos contratos celebrados por tempo indeterminado, como nos restantes”65.
Insta salientar que a parte interessada em extinguir o contrato, mediante resolução, deverá valer-se de declaração escrita à outra parte, na qual deverão ser indicadas as razões em que se fundamenta, dentro do prazo de um mês após o conhecimento dos fatos que a justificam, conforme exige o artigo 31º da Lei do Contrato de Agência.
Pari passu, ocorrendo qualquer das situações estampadas nas alíneas a) e b) do artigo 30º, será possível à parte interessada invocar a resolução do contrato, sem a necessidade de qualquer obediência a aviso prévio.
O primeiro fundamento de resolução, estabelecido no artigo 30º, alínea a), é o incumprimento, por qualquer das partes, “das suas obrigações, quando, pela sua gravidade e reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual”66.
65 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 125.
66 XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 236, entende que “(...) no que reporta ao fundamento e critério da resolução por incumprimento, dizemos já que a formulação usada na al. a) do art. 30º (que permite a resolução quando não seja exigível a subsistência do vínculo contratual, dada a gravidade ou a reiteração do incumprimento) exprime na verdade um princípio geral que hoje se entende aplicável à resolução por incumprimento de qualquer contrato duradouro”.
Note-se, portanto, que não será qualquer falta de cumprimento que conduzirá à resolução do contrato. É imperioso que a resolução decorra do incumprimento “(...) quer pela sua gravidade (em função da própria natureza da infração, das circunstâncias de que se rodeia ou da perda de confiança que justificadamente cria na contraparte, por exemplo), quer pelo seu carácter reiterado, sendo essencial que, por via disso, não seja de exigir à outra parte a subsistência do vínculo contratual”67.
Noutro giro, a alínea b) do mesmo artigo preconiza que será igualmente fundamento (o segundo) de resolução a ocorrência de “circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia”.
Consagra-se, aqui, um fundamento objetivo, fulcrado em circunstâncias atinentes ao próprio contraente que delibera pela resolução do contrato. Afigura-se, em verdade, como uma “situação de ‘justa causa’, não por força de qualquer violação dos deveres contratuais, mas por força de circunstâncias não imputáveis a qualquer das partes, que impossibilitem ou comprometam gravemente a realização do escopo visado”68.
Uma questão que ainda provoca intenso debate na doutrina é a que se refere à chamada resolução por falta de fundamento. Trata-se daquela situação em que o contrato é resolvido por um dos contraentes e, somente após o ajuizamento da respectiva ação pelo “pseudo” lesado, percebe-se que, na verdade, inexistia qualquer fundamento para a resolução.
No entendimento do insigne Professor XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX “duas soluções se perfilam, ‘a priori’: ou declarar que o contrato de agência se mantém, tendo a outra parte direito a ser indemnizada pelos danos causados pela suspensão do contrato (enquanto a acção não foi decidida); ou partir do princípio de que o contrato se extinguiu, traduzindo-se a falta de fundamento da resolução, apurada posteriormente, numa situação de não cumprimento do contrato pelo contraente que indevidamente lhe pôs termo, com a consequente obrigação de indemnização”69.
67 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contratos de distribuição ..., cit., p. 145.
68 Id., Contrato de agência, cit., p. 135.
69 Ibid., p. 137.
Conquanto sustente que, no plano dos princípios, a primeira solução seria a mais indicada, “visto que a resolução sem fundamento traduz um exercício ilícito do respectivo direito”, opta o eminente Professor pela segunda alternativa, “entendendo que a resolução sem justa causa apenas dá lugar à indemnização e não a manter a relação contratual, extinta com a declaração resolutiva”. A resolução seria equiparada à denúncia, sem a necessidade de observância do pré-aviso, do que resultaria a obrigação de indemnizar, consubstanciada no artigo 29º, nº 1, da Lei do Contrato de Agência70.
Por sua vez, no que tange aos chamados fatos continuados ou duradouros, propulsionadores da resolução, “Se o facto que justifica a resolução do contrato for um facto ‘continuado’ ou ‘duradouro’ deve entender-se que o prazo de um mês, estabelecido pelo art. 31.º, se conta a partir da data em que o facto tiver cessado e não a partir da data do seu conhecimento inicial”71.
Por outro lado, ao mergulharmos na temática alusiva às formas de cessação do contrato de agência no direito brasileiro, a primeira e imediata observação a ser feita é que as mesmas são basicamente comuns a todas aquelas aplicáveis aos contratos de prestação de serviços, destacando-se: (i) o decurso do prazo determinado, (ii) caso fortuito ou força maior, (iii) resilição unilateral por denúncia do contrato, (iv) resilição bilateral do contrato (acordo mútuo), e (v) resolução contratual, decorrente do incumprimento das obrigações por uma das partes.
No que pertine ao decurso do prazo determinado, distintamente do que acontece no direito português, o direito brasileiro não regulamenta especificamente a matéria, tratando-se de hipótese entendida, neminem discrepante pela doutrina e pela jurisprudência, como sendo a natural no desfecho dos contratos celebrados por prazo determinado.
De referência à força maior, além da prescrição genérica inserta no artigo 719 do Código Civil brasileiro, os artigos 35, e) e 36, e) da Lei nº 4.886/65 consideram-na, respectivamente, hipótese de extinção contratual por motivo justo pelo representado e pelo representante. Essa também tem sido a exegese, por analogia, aplicável ao caso fortuito, apesar da inexistência de regra expressa nessa diretiva.
70 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., pp. 137-138.
71 Id., Contratos de distribuição ..., cit., p. 150.
No Brasil, a resilição é a forma de extinção contratual que não decorre de inadimplemento contratual, mas tão somente da manifestação de vontade de uma ou de ambas as partes. Denomina-se (i) distrato, quando for bilateral, e (ii) denúncia, quando for unilateral.
A denúncia é aplicável a fim de evitar a renovação ou continuidade principalmente nas relações contratuais duradouras, sem que tenha qualquer relação de dependência com o incumprimento provocado pela contraparte. Deve, para tanto, haver previsão legal ou contratual nessa diretiva, conforme preconiza o artigo 473 do Código Civil brasileiro, sendo aplicável, como em Portugal, nos contratos celebrados por prazo indeterminado.
Mister se faz observar que a denúncia independe de pronunciamento judicial e os efeitos dela decorrentes são também ex nunc e produzidos desde que a notificação chegue ao conhecimento da contraparte. Desta forma, assim como em Portugal, trata-se de declaração receptícia da vontade, na qual há desnecessidade de apresentação de qualquer motivação.
Ainda nesse envolver, o artigo 720, caput, do Código Civil prescreve que “Se o contrato for por tempo indeterminado, qualquer das partes poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente”.
Ora, ao contrário do que sucedeu com o legislador português, o brasileiro foi mais cauteloso em relação ao prazo, fixando-o em noventa dias, independentemente do tempo decorrido de duração do contrato.
Além disso, restou ressalvado, na própria lei e de forma salutar, que a denúncia está condicionada ao transcurso de prazo compatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente. Quanto a este último aspecto, o parágrafo único do artigo 720 estabelece que “No caso de divergência entre as partes, o juiz decidirá da razoabilidade do prazo e do valor devido”. Trata-se de norma extremamente pertinente, cujo enfrentamento doutrinário já foi feito em Portugal72, a despeito de não encontrar respaldo na respectiva legislação de regência.
72 O tema foi anteriormente abordado neste trabalho na parte final da p. 22, ao ter sido invocada lição de XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX sobre a questão do abuso de direito e o artigo 334º do Código Civil português.
A resilição bilateral do contrato está disciplinada no artigo 472 do Código Civil brasileiro, tendo sido adotada legalmente a terminologia distrato73. Trata-se de declaração de vontade das partes contratantes em sentido inverso ao que resultou na celebração do vínculo, ou seja, uma declaração que gera um contrato liberatório. Pode se aplicar a todo e qualquer contrato, desde que este não tenha produzido os seus respectivos efeitos, razão pela qual o distrato possui efeitos ex nunc.
Por fim, assim como sói ocorrer no direito português, a resolução também foi consagrada como uma das formas de extinção contratual no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como causa o incumprimento - voluntário (culposo) ou não (involuntário)
- por parte de um dos contraentes.
Os artigos 3574 e 3675 da Lei nº 4.886/65 elencam as hipóteses taxativas em que o contrato de representação comercial poderá ser resolvido, por motivos justos, por parte do proponente e agente, respectivamente.
Mister se faz salientar que as formas de cessação contratual terão repercussão na indenização que deverá – ou não – ser paga a uma das partes contraentes, tópico que será analisado a seguir.
10. A indenização de clientela
O presente estudo adentra, agora, em um dos mais instigantes – e ao mesmo tempo tormentosos - aspectos atinentes ao contrato de agência, qual seja, a indenização de clientela.
73 “Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato”.
74 “Art. 35. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de representação comercial, pelo representado: a) a desídia do representante no cumprimento das obrigações decorrentes do contrato; b) a prática de atos que importem em descrédito comercial do representado; c) a falta de cumprimento de quaisquer obrigações inerentes ao contrato de representação comercial; d) a condenação definitiva por crime considerado infamante; e) fôrça maior”.
75 “Art. 36. Constituem motivos justos para rescisão do contrato de representação comercial, pelo representante: a) redução de esfera de atividade do representante em desacôrdo com as cláusulas do contrato;
b) a quebra, direta ou indireta, da exclusividade, se prevista no contrato; c) a fixação abusiva de preços em relação à zona do representante, com o exclusivo escopo de impossibilitar-lhe ação regular; d) o não- pagamento de sua retribuição na época devida; e) fôrça maior.
O tema é bastante difundido e debatido em Portugal, não somente em face das diretrizes fixadas na Directiva 86/653/CEE76, mas sobretudo pela excelência da disciplina legislativa conferida ao tema, mais precisamente nos artigos 33º e 34º do Decreto-Lei nº 178/86.
O mesmo, contudo, não se pode afirmar em relação ao enfrentamento da temática no Brasil, a despeito de se constatar a sua presença no respectivo ordenamento jurídico77. A uma porque não foi adotada a mesma terminologia. A duas, em virtude de a doutrina também seguir o mesmo caminho, pouco invocando a expressão e, ao assim proceder, limitar-se a fazer uso do direito comparado, como o português, para analisar a matéria. A três – e não menos importante - porque não é diferente a postura da jurisprudência, provavelmente porque, inexistindo imposição de requisitos legais para a sua concessão – mas apenas a referência a alguns elementos excludentes -, “se limita a tutelar a observância do dever legal de pagar à indemnização prefixada”, visto que a mesma, em si, “não é questionada”78.
Em Portugal, a indenização de clientela configura uma compensação conferida, a favor do agente, após a cessação do contrato (independentemente do motivo, desde que não imputável ao agente), em razão do principal continuar a auferir os benefícios advindos da clientela angariada ou desenvolvida pelo agente79.
Trata-se, portanto, de uma forma de compensar o agente pelos esforços empreendidos ao longo da vigência do contrato, sendo clara a opção do legislador português pelo modelo alemão.
No que tange à natureza jurídica da indenização de clientela, existem teses que sustentam ser o instituto (i) uma retribuição diferida, com índole de proteção social, ou (ii) uma forma de evitar o enriquecimento sem causa. O Professor Xxxxxx XXXXXXX XXXXX
00 “Artigo 17º. 1. Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para assegurar ao agente comercial, após a cessação do contrato, uma indemnização, nos termos do nº 2, ou uma reparação por danos, nos termos do nº 3.” O nº 2 contempla o modelo alemão, ao passo que o nº 3 consagra o modelo francês.
77 Sobre o tema, XXXXXX XXXXXXX XXXXXX XXXXX, O direito à indemnização de clientela no contrato de franquia (franchising) em Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 79, assevera que “Todavia, é interessante constatar que a Lei n.º 4.886/65 prevê no seu art. 27º, al. j), uma indemnização para o representante (que não é mais do que um agente comercial), desde que a rescisão seja por culpa do representado, o que, salvo melhor opinião, poderá eventualmente configurar-se como uma indemnização de clientela(...)”.
78 XXXXX XXXX XXXXX XXXXX XXXX, op. cit., p. 40.
79 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contratos de distribuição ..., cit., p. 152.
XXXXXXXX defende que, dadas as peculiaridades do instituto, este tem natureza jurídica singular ou mista, que não se amolda aos esquemas tradicionais, sendo mais próximo de uma retribuição diferida, no sentido de acertar prestações dessincronizadas, com notas de equidade80.
A indenização de clientela tem aplicabilidade em qualquer contrato de agência, pelo que alberga tanto os contratos celebrados por prazo determinado, quanto os firmados por prazo indeterminado, independentemente da sua forma de cessação.
Impende assinalar, entretanto, que a utilização do instituto exige a observância dos requisitos expressamente elencados no artigo 33º, alíneas a), b) e c)81, da Lei do Contrato de Agência, além de outros impeditivos, a serem provados pelo principal, sem prejuízo da atenção a um pressuposto prévio.
Questão controversa, alusiva ao requisito encartado na alínea a), diz respeito à situação em que o agente, apesar de não ter logrado êxito em aumentar o volume de negócios, conseguiu mantê-lo num patamar razoável, mesmo numa conjuntura desanimadora de mercado. A doutrina abalizada tem entendido que, em tal caso, o agente também fara jus à indenização, “ainda que a título excepcional, em conformidade com a ratio desta medida e da própria norma que a consagra”82.
Por outro lado, com relação ao requisito inserto na alínea b), a problemática gravita em torno da necessidade efetiva – ou não - de que o principal venha a se beneficiar da atividade do agente, ou se haveria satisfação da exigência legal com a simples possibilidade desse benefício. Em verdade, “não se mostra necessário que eles tenham já ocorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que
80 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contratos de distribuição ..., cit., pp. 160-161. No mesmo sentido, XXXXXXXX XXXXX, “A indemnização de clientela na jurisprudência recente”, in Actas do Colóquio Distribuição Comercial nos 30 anos da Lei do Contrato de Agência, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 246-247, assevera que “(...) a consagração legal da indenização de clientela exprime uma preocupação de justiça, reconductível àquela ideia de ordenação geral de compensação e equilíbrio próxima do suum cuique tribuere, mas configurando instituto autônomo e diferente do enriquecimento sem causa”.
81 “Artigo 33.º 1 - Sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, nos termos das disposições anteriores, o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela, desde que sejam preenchidos, cumulativamente, os requisitos seguintes: a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente; c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).”
82 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 143.
eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua, em si mesma, uma chance para o principal” ou outra pessoa, mesmo que de forma indireta83.
No tocante à alínea c), o que se almeja é evitar cumulações nas hipóteses em que o agente angariou novos clientes, em que por vezes existe acordo entre o principal e aquele, no sentido de haver uma indenização.
O nº 2 do artigo 33º consagra a situação em que ocorre a morte do agente, permitindo a exigência de indenização pelos herdeiros. Porém, vindo a ocorrer tal circunstância, também deverão ser provados os requisitos anteriores, bem como respeitados os prazos dispostos no nº 4 do mesmo artigo.
Ademais, o nº 3 prescreve as hipóteses em que a indenização de clientela não será devida, a saber: (i) o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente ou (ii) se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual. Reitere-se que o onus probandi, neste caso, é do principal, responsável por demonstrar os requisitos que obstam o recebimento do montante indenizatório por parte do agente.
Por derradeiro, o nº 4 consigna os prazos que deverão ser observados pelo agente
- ou seus herdeiros - para reclamarem a indenização, sob pena de extinção do direito: (i) um ano, a contar da cessação do contrato, para comunicarem ao principal a pretensão de recebê-la; e (ii) um ano para propositura da ação judicial, contado da data da citada comunicação.
O artigo 34º do Decreto-Lei nº 178/86 regula o cálculo de indenização de clientela, cujo fundamento maior, expressamente exigido, é a equidade. Além disso, em respeito aos ditames do artigo 17º, nº 2, alínea b), da Directiva 86/653/CEE84, a norma sob comento estabelece, quase que ipsis litteris, um limite máximo ao montante a ser fixado a título de indenização de clientela, a saber: “uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente nos últimos cinco anos”. Acresce a lei, ainda, que se o contrato tiver “durado menos tempo, atender-se-á à média do período em que esteve em vigor”.
83 XXXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Contrato de agência, cit., p. 143.
84 Artigo 17º, nº 2: “b) O montante da indemnização não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente comercial durante os últimos cinco anos, e, se o contrato tiver menos de cinco anos, a indemnização é calculada com base na média do período”.
No que pertine ao direito brasileiro, a indenização regulamentada pela Lei nº 4.886/65 é uma “recomposição de danos patrimoniais causados pelo rompimento do contrato” e seu montante, ao contrário do que ocorre em Portugal, já é prefixado (1/12 do total de comissões – artigo 27, j)85), “visando indemnizar em moldes semelhantes à indemnização paga aos empregados, de modo a conferir proteção social ao agente”, convindo ressaltar, porém, que para “os contratos de prazo determinado, o montante passa ser o da média das comissões projetada para a metade dos meses faltantes do contrato”86, à luz do que preceitua o artigo 27, § 1º87 .
É indubitável que tal disciplina protetiva resulta da proximidade da figura do
representante comercial autônomo ao direito do trabalho em terras tupiniquins ...
No que tange às disposições sobre a indenização devida em decorrência da cessação do contrato de agência, dessume-se que a jurisprudência brasileira “se limita a tutelar a observância do dever legal de pagar à indemnização prefixada”, visto que a mesma, em si, “não é questionada”88.
Um ponto mais delicado reside no eventual ajuste indenizatório celebrado diretamente pelas partes no fim do contrato. Ora, como no Brasil a indenização é prefixada, é possível que haja questionamento judicial do distrato entabulado pelos contraentes. Em Portugal, ao contrário, parece haver maior permissividade na estipulação do montante indenizatório em sede de distrato, justamente porque o artigo 33º exige a quantificação do valor a ser objeto de indenização89.
85 “Art. 27. Do contrato de representação comercial, além dos elementos comuns e outros a juízo dos interessados, constarão obrigatoriamente: (...) j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação”.
86 XXXXX XXXX XXXXX XXXXX XXXX, op. cit., p. 29. Por outro lado, XXXXX XXXXX XXXXXX, Curso de direito comercial, vol. 3, 5ª ed., Saraiva, São Paulo, 2005, pp. 110-113, critica a solução legislativa adotada pelo Brasil, visto que a indenização “(...) não é uma compensação pelo trabalho despendido – que se mensura, como visto, normalmente pelo tempo – mas pela perda da clientela conquistada juntamente com o representado”.
87 “§ 1° Na hipótese de contrato a prazo certo, a indenização corresponderá à importância equivalente à média mensal da retribuição auferida até a data da rescisão, multiplicada pela metade dos meses resultantes do prazo contratual”.
88 XXXXX XXXX XXXXX XXXXX XXXX, op. cit., p. 40.
89 Ibid., p. 40.
Conclusão
A par de algumas críticas que possam ser eventualmente feitas ao texto legal, salta aos olhos a qualidade do regramento do contrato de agência no direito português, a acompanhar, não somente as diretrizes emanadas da Comunidade Europeia, mas, principalmente, a evolução do globalizado comércio de bens e serviços, em especial no que tange à crescente intermediação dos negócios jurídicos no seio da sociedade.
Ao revés, o ordenamento jurídico brasileiro é confuso ao regulamentar o instituto, fazendo-o através (i) da Lei n.º 4.886/65, cuja promulgação foi realizada em uma época em que o exercício da mercancia era muito menos dinâmico do que o hodiernamente existente, e (ii) do Código Civil de 2002 que, ao invés de sanar a defasagem legal, simplificar a temática e atualizar as normas então vigentes, limitou-se a fixar normas gerais e a ratificar, quase que in totum, o conteúdo daquela lei, em manifesto prejuízo à atividade do intérprete e do operador do direito.
Destarte, o diálogo entre os sistemas jurídicos português e brasileiro apresenta pertinência ímpar, a fim de ensejar o aprofundamento e a melhoria das legislações regulatórias do contrato de agência nos dois lados do Atlântico, mediante o destaque dos aspectos positivos e descarte dos negativos, identificados na sua aplicação prática.
O que importa, porém, é perseverar na construção de um caminho mais uniforme entre os dois países e, principalmente, ficar atento à impressionante rapidez com que marcham as relações humanas - e as consequentes relações negociais -, especialmente porque, na lição do inesquecível XXXX XXXXXX XXXXXXX XXXXXXX, “toda caminhada humana sujeita-se a ziguezagues e vaivéns; desde que não se perca a bússola, preservada fica sempre a possibilidade de retomar o rumo”90.
90 XXXX XXXXXX XXXXXXX XXXXXXX, “Os novos rumos do processo civil brasileiro”, disponível em xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx0/xxxxxxx0%00%00XXX%X0%00%00XXXXXX%00XXXXXXX%00X OREIRA%20-%20Os%20Novos%20Rumos%20do%20Processo%20Civil%20Brasileiro.pdf (17.01.2019).
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