CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO
NOTA TÉCNICA Nº 850/2021/CGUNE/CRG
PROCESSO Nº 00190.101819/2021-36
INTERESSADOS: COORDENAÇÃO-GERAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE ENTENDIMENTOS e CORREGEDORIA DA EMPRESA BRASILEIRA DE COMUNICAÇÃO - EBC
1. ASSUNTO
1.1. Licitação. Participação de empresa cujo sócio tenha vínculo de parentesco com servidor da entidade licitante. Implicações disciplinares.
2. REFERÊNCIAS
2.1. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
2.2. Lei nº 8.666 de 21, de junho de 1993.
2.3. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
2.4. Lei nº 12.813, 16 de maio de 2013.
2.5. CGU, Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Janeiro de 2021.
2.6. PARANÁ, Tribunal de Contas do Estado. Consulta. Processo nº 839610/17, de 03 de setembro de 2019. Acórdão nº 2290/19 – Tribunal Pleno; Relator: Conselheiro Xxxx Xxxxx Xxxxxxx. (notícia - acórdão 2290/19).
2.7. GOIÁS, Ministério Público do Estado de. Centro de Apoio Operacional - Patrimônio Público. Estudo. Impedimentos na contratação de empresas de propriedade de parentes de agentes públicos pela Administração Pública.
2.8. XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentário à lei de Licitações e contratos administrativos [livro eletrônico]. 2 ed. Revista dos tribunais. São Paulo, 2016.
2.9. XXXXXX, Xxxxxxx. Nepotismo em Licitação. (artigo/estudo).
3. SUMÁRIO EXECUTIVO
3.1. Tratam os autos de consulta formulada pela área de Corregedoria da Empresa Brasileira de Comunicação - EBC para que esta CGU venha manifestar o seu entendimento quanto à conclusão exposta no bojo do Acórdão 2057/2014 - TCU, acerca da vedação de parentesco de servidor do órgão contratante com sócio/dirigente da empresa contratada, especialmente à vista de sua implicação em análises de responsabilização disciplinar.
4. RELATÓRIO
4.1. Importa esclarecer, que a presente questão, embora sugira análise em tese, deriva de caso concreto, sendo a consulta formulada nos seguintes termos:
Estamos com processo de Investigação Preliminar Sumária-IPS em andamento, quanto à possibilidade de apuração de responsabilidades sobre Conflito de Interesses em Contratação de Pessoa Jurídica, firmado em 2017, já realizado e com vigência extinta, por meio de Dispensa de Licitação, entre a EBC e Empresa de direito privado, a qual o representante legal é cônjuge e sócio de empregada da EBC.
No Projeto Básico, consta como critério a ser atendido para viabilidade da contratação o seguinte: "B.2.3.7 Não ser militar, servidor público ou empregado
público, salvo as exceções previstas no art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal." Critério atendido pelo licitante com apresentação de Declaração, mesmo sendo esposo e sócio da empregada da EBC.
Ocorre que nos argumentos utilizados em resposta à Solicitação de Auditoria pela Secretaria de Controle Interno da Presidência da República - CISET/PR, a área de Contratação da EBC utilizou o Acórdão 2057/2014-TCU , Plenário rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, com os entendimentos:
“(...) a vedação de parentesco de servidor do órgão contratante com sócio/dirigente da empresa contratada somente ocorre quando esse servidor possui de alguma forma poder de influência sobre a condução da licitação, quer por participar diretamente do procedimento quer em razão de sua posição hierárquica sobre aqueles que participam do procedimento de contratação. (...) poder-se-ia demonstrar desarrazoada e até mesmo comprometer a busca pela proposta mais vantajosa pela administração a extensão da vedação a situações que não tenham o potencial de comprometer os princípios que regem as contratações públicas.”
Importante ressaltar que a empregada não é lotada ou atuante na área de licitação e contratação, mesmo à época da contratação, e que não foi identificado nos autos do
Processo, consulta individual prévia à participação do certame à Comissão de Ética da EBC, via área de Gestão de Pessoas, sobre o caso concreto que possa suscitar dúvida quanto à incidência, prevenção ou impedimento de situações de Conflito de Interesses, conforme previsto no inciso II, do subitem 4.1, da Norma de Conflito de Interesses -NOR 308, da EBC e § 1o, do art. 4o, da Lei 12813/2013
- Lei de Conflito de Interesses:
"Norma de Conflito de Interesses da EBC- NOR 308
4.1 Cabe ao empregadoe ao ocupante de cargo comissionado equiparado ao Grupo DAS-4 ou inferior, conforme tabela de equivalência anexa a esta norma:
II - encaminhar, via Área de Gestão de Pessoas da EBC, consulta individual para análise preliminar da Comissão de Ética da Empresa – CE/EBC, sobre caso concreto que
possa suscitar dúvida quanto à incidência, prevenção ou impedimento de situações de Conflito de Interesses; sem prejuízo do posterior exame da CGU, com base nas prerrogativas deste órgão supervisor.”
"Lei 12813/2013 - Lei de Conflito de Interesses
Art. 4o O ocupante de cargo ou emprego no Poder Executivo Federal deve agir de modo a prevenir ou a impedir possível conflito de interesses e a resguardar informação privilegiada.
§ 1o No caso de dúvida sobre como prevenir ou impedir situações que configurem conflito de interesses, o agente público deverá consultar a Comissão de Ética Pública,
criada no âmbito do Poder Executivo Federal ou a Controladoria-Geral da União, conforme o disposto no parágrafo único do art. 8o desta Lei."
Pelo exposto, consultamos sobre qual o entendimento da CGU quanto ao entendimento no Acórdão 2057/2014-TCU?
(grifei)
4.2. Preliminarmente, registre-se que compete a esta Coordenação-Geral de Uniformização de Entendimentos - CGUNE a produção de orientações e de respostas às consultas em matéria correcional, com vistas à padronização de entendimentos no âmbito do Poder Executivo federal, nos termos do art. 49, incisos I e VI, da Portaria CGU nº 3553, de 2019.
Art. 49. À Coordenação-Geral de Uniformização de Entendimentos - CGUNE compete:
I - propor elaboração de atos normativos, orientações e padronização de entendimentos relacionados à atividade correcional;
[...]
VI - responder a consultas relacionadas a matéria correcional.
4.3. De se ver, portanto, que o posicionamento desta Coordenação não deve extrapolar as questões relacionadas à matéria correcional, ou seja, não cabe a esta
unidade manifestar-se sobre entendimento do âmbito de competência do TCU, cuja jurisdição encampa conduta de servidor praticada na condição de gestor de recursos públicos.
4.4. Não obstante isso, visando prestar orientação à unidade consulente, bem como às demais unidades correcionais pertencentes ao SisCor, sobre o ponto em questão, a presente análise será guiada por exame trilhado em parâmetros relacionados à matéria correcional, no sentido de apresentar solução plausível para eventuais situações de conflito dessa natureza, tal qual o caso concreto ora apresentado, sendo balizada no entendimento da doutrina, da jurisprudência, bem como de nossa Corte de Contas.
4.5. Procura-se, assim, diante da obrigatoriedade de imediata apuração imposta pelo art. 143 da Lei nº 8.112/90, prestar auxílio às unidades correcionais no reconhecimento e na avaliação de supostos casos de ilícitos administrativos em situação similar à apresentada, sem, com isso, adentrar ao exame das circunstâncias concretas de cada caso específico, que deve ficar a cargo de comissão ou da unidade correcional.
4.6. É o breve relatório.
5. ANÁLISE
5.1. A princípio, cuida esclarecer que o objeto de consulta é tema de controvérsia jurídica, tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátria, entrevendo- se dois posicionamentos divergentes em relação aos impedimentos de participação “em licitação ou na execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários”, constantes no art. 9º da Lei 8.666/93, onde: uma corrente sustenta que o referido dispositivo é exemplificativo; ao passo que outra, entende que as suas hipóteses são taxativas.
Art. 9º Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:
I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;
II - empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;
III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.
§ 1º É permitida a participação do autor do projeto ou da empresa a que se refere o inciso II deste artigo, na licitação de obra ou serviço, ou na execução, como consultor ou técnico, nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração interessada.
§ 2º O disposto neste artigo não impede a licitação ou contratação de obra ou serviço que inclua a elaboração de projeto executivo como encargo do contratado ou pelo preço previamente fixado pela Administração.
§ 3º Considera-se participação indireta, para fins do disposto neste artigo, a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos e obras, incluindo-se os fornecimentos de bens e serviços a estes necessários.
§ 4º O disposto no parágrafo anterior aplica-se aos membros da comissão de licitação.
(Grifei)
5.2. Esse imbróglio jurídico se deve ao fato de que, embora o art. 9º da lei de licitações apresente garantias da manutenção da impessoalidade, da isonomia, da moralidade e da ampla competitividade, com a proibição de participação de determinadas pessoas ou sociedades no procedimento licitatório, o legislador deixou
de fazer constar, dentre as hipóteses arroladas no dispositivo, os casos de possível vinculação parental entre o servidor do órgão contratante e o licitante (parentes, cônjuges e companheiros de servidores públicos; ou seja, parentesco natural ou civil, por consanguinidade ou outra origem, conforme disposto no art. 1.593 do Código Civil).
5.3. Frente a esta lacuna normativa, parte da doutrina e da jurisprudência entende não ser possível a ampliação das referidas hipóteses, cabendo uma interpretação restritiva do dispositivo de maneira a não atingir pessoas ali não previstas e, lado outro, parte entende que o referido artigo comporta interpretação extensiva, uma vez que seu rol seria tão somente exemplificativo. Neste último sentido, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, ao tratar da participação indireta prevista no art. 9º, §3º, Lei 8.666/93, assim esclarece:
[...]
Em suma, sempre que houver possibilidade de influência sobre a conduta futura de licitante, estará presente uma espécie de “suspeição”, provocando a incidência da vedação contida no dispositivo. A questão será enfrentada segundo o princípio da moralidade. É desnecessário um elenco exaustivo por parte da Xxx. O risco de comprometimento da moralidade será suficiente para aplicação da regra.
5.4. Segundo o Manual de Processo Administrativo Disciplinar da CGU, o Direito Administrativo Disciplinar pode ser compreendido dentro da seguinte noção (pg. 14):
Para bem executar as atividades que lhe são incumbidas, a Administração precisa de meios para organizar, controlar e corrigir suas ações. Surge, portanto, a necessidade de meios hábeis a garantir a regularidade e o bom funcionamento do serviço público, a disciplina de seus subordinados e a adesão às leis e regras dele decorrentes, o que, no conjunto, denomina-se Direito Administrativo Disciplinar.
5.5. Nesse sentido, em que pese o regramento administrativo como um todo balizar e exigir uma correspondente ação do gestor frente a ocorrência de um suposto ilícito de natureza administrativa, nas hipóteses de existência de lacunas legislativas, entende-se como possível, em certas hipóteses, em atenção ao Interesse Público, seguir orientação interpretativa que possa vir a suprir estes vácuos legislativos, ressalvando-se, no entanto, a necessidade de utilização de outras fontes jurídicas superiores, somada a integração com outras leis administrativas passíveis de aplicação, de modo a conferir validade ao ato administrativo.
5.6. A ressalva acima se justifica para evitar qualquer tipo de invasão à reserva interpretativa de leis de competência de nossas Cortes Superiores de Justiça.
5.7. Nessa linha, os necessários atos de disciplina e correção demandados pela atividade administrativa ordinária devem manter uma correlação de validez e alinhamento com a legislação aplicável (condutas autorizadas em lei), devendo observância aos princípios administrativos especificados no art. 37, caput, de nossa Constituição Federal, que possui força e hierarquia superior às demais normas de nosso ordenamento jurídico - no caso da matéria objeto de exame, especialmente em relação aos princípios da moralidade e impessoalidade administrativa.
5.8. A propósito, apresentam-se os seguintes trechos de artigo sobre o nepotismo em licitação que, dentre outros pontos, trata da necessidade de conferir plena efetividade aos princípios fora de um exacerbado apego ao positivismo jurídico, visando, com isso, a plena realização do interesse público:
À guisa de desenvolvimento de um raciocínio prático, é imperativo não dissociar os argumentos jurídicos da realidade vivida em cada comunidade. No que tange ao experimento brasileiro no trato com a coisa pública, as preocupações com o avanço quase desmedido da corrupção constituem um fator que não pode ser
escamoteado por deduções formalistas, erigidas sobre uma plataforma positivista, cujos resultados práticos não apresentem as modificações necessárias à diminuição desse mal.
[...]
Em termos de orçamento público, a licitação situa-se na fase executiva do mesmo, representando o início da etapa da despesa pública. Não é à toa que licitação é havida pelos estudiosos do tema como uma das “[...] grandes pilastras da corrupção” (CECCATO, 2012, 10). As atenções e cuidados exigidos pela Constituição e pela própria Lei de Licitações devem ser redobrados, exigindo-se do operador do direito uma visão mais voltada à eficiência do que à simples conformação legalista.
Esse quadro de corrupção em que o instituto da licitação está incrustado revela um cenário de riscos a que está sujeita a coisa pública e é justamente este âmbito que fundamenta não apenas a própria licitação como instrumento de combate à corrupção, mas especialmente o instituto do impedimento previsto no art. 9º da Lei 8.666/93, através do qual o legislador buscou, claramente, afastar, preventivamente, os riscos de lesão ao erário considerando as probabilidades derivadas das situações concretas ali relacionadas.
5.9. Em linhas gerais, o impedimento de participação em licitação por motivo de parentesco (entre servidor efetivo, comissionado ou temporário e parente natural ou civil) se assenta em dois fatores: Não atuação direta ou indireta do servidor no procedimento (ex: membro da comissão de licitação) e ocupação de cargo ou função com poder decisório ou privilégios de modo que possa exercer influência sobre o evento. Qualquer uma destas situações tem extremo potencial de ofensa à garantia de moralidade e impessoalidade constitucional, afetando diretamente a lisura do procedimento, em especial a sua competitividade.
5.10. Disto isso, oportuno verificar, como forma de integração legal para supressão da lacuna apontada, o conteúdo dos seguintes dispositivos da Lei nº 9.784/1999 (que regula o processo administrativo no âmbito federal), os quais estão relacionados à própria necessidade de comunicação de impedimentos de atuação de servidores e autoridades administrativas em processos administrativos, que podem ser aplicados à espécie, diante da ausência de disposição legal específica a tratar de situação de impedimento por relação de parentesco em licitações:
Art. 1°(...)
§ 2° Para os fins desta Lei, consideram-se:
(...)
III - autoridade - o servidor ou agente público dotado de poder de decisão. [...]
Art. 18. É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que:
I - tenha interesse direto ou indireto na matéria;
II - tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau;
III - esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro.
[...]
Art. 19. A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar.
5.11. Constituem-se, portanto, como regramentos gerais que podem ser aplicados de forma subsidiária com vistas à supressão de lacunas legais, como é o caso da declarada rejeição de participação em licitações por motivo de vínculo parental, quando possa resultar em situações de conflito de interesses.
5.12. Veja que não se trata de caso de suspeição (mera suspeita ou situação de dúvida), mas sim, de uma probabilidade extremada de influência negativa de agentes públicos anteriormente ou no curso de processo administrativo, ou noutras
palavras, de mácula ao procedimento por atuação em desacordo como o interesse público, em vista de uma atuação que tenha por finalidade o benefício próprio ou de terceiros.
5.13. Os mencionados artigos 18, I, e 19 da LPA tratam de circunstâncias objetivas de impedimento que, em uma situação ideal, devem ser trazidas à evidência por impulso do próprio servidor/empregado ou autoridade administrativa ou, de outra forma, por outros agentes públicos pelo dever de comunicação de supostas irregularidades por força do art. 116, VI da Lei nº 8.112/90.
5.14. Dessa maneira, comprova-se a existência de uma base legal de utilização subsidiária, fundamentada em uma presunção de direito de parcialidade na atuação em processo administrativo, que, além de expor expressamente a caracterização de uma situação geral de impedimento, por interesse pessoal na matéria objeto do processo, exige a comunicação do fato impeditivo de atuação no certame às autoridades competentes, visando, com isso, o devido afastamento voluntário ou imposto do agente público do correspondente procedimento administrativo.
5.15. Esclarecida essa hipótese de integração legislativa, importa aduzir, sob o enfoque de uma análise crítica das implicações das referidas situações no plano disciplinar, que, de forma geral, o vínculo de parentesco, por si só, não é fundamento suficiente para justificar a instauração de PAD em desfavor de servidor da própria entidade pública responsável pela realização do certame licitatório.
5.16. Com efeito, a situação de inexistência de previsão expressa em lei de hipótese de impedimento de participação de licitantes (sócio de pessoa jurídica ou mesmo pessoa física), que tenham vínculo de parentesco com servidor de órgão ou entidade contratante, demonstra, em um primeiro momento, uma falta de amparo legal – mais precisamente da própria constituição material no plano jurídico da ação ilícita –, desautorizando a devida instauração de processo disciplinar e aplicação de eventual sanção correspondente.
5.17. No entanto, cabe explicitar que as evidências e comprovações objetivas de ocorrência de vício no certame trazem embasamento jurídico-normativo suficiente para a constituição do necessário processo de apuração, uma vez que poderá haver a subsunção do fato verificado a tipos administrativos relacionados aos deveres e proibições estabelecidos na própria Lei nº 8.112/90 (v.g: art. 116, II, III, VIII, IX, XII e art. 117. IX, XI, XII, bem como por suposta conduta relacionada às causas de demissão dispostas no art. 132, I, IV, IX, XI e XIII).
5.18. Frise-se que é possível ainda a caracterização da conduta como crime de fraude à licitação, definido no art. 90 da Lei nº 8.666/93, que também resulta em consequências no campo disciplinar: “Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação”.
5.19. Outrossim, impõe registrar que a conduta também pode ser caracterizada como ato de improbidade por conflito de interesses, dando causa à demissão com base no já indicado art. 132, IV da Lei nº 8.112/90. É o que expõe o Manual de Processo Administrativo Disciplinar da CGU ao tratar da lei de conflito de interesses:
A referida lei traz aspectos preventivos e repressivos das situações consideradas geradoras de conflito de interesses, demonstrando que, em primeiro momento, a intenção do legislador é que sejam cessadas ou não iniciadas as situações em si. Porém, no caso de sua ocorrência, consoante estabelece o art. 12 da Lei no 12.813/13, o agente público estará sujeito à apuração disciplinar pela configuração, em tese, de ato de improbidade administrativa, conduta a ser
apurada e, conforme o caso, sancionada nos termos da Lei no 8.112/90, sem prejuízo da apuração e implicações previstas na Lei no 8.429/92.
(...)
Assim, resta demonstrada a relevância do assunto para o presente manual, uma vez que a apuração e eventual apenação do agente público cujos atos venham a configurar conflito de interesses haverá de ser feita por meio de processo administrativo disciplinar, com a observância, dentre outros, dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.
5.20. Nestes casos, de forma a se evitar o exercício de uma função inerente à Administração Pública, consubstanciada no dever administrativo de apuração frente ao conhecimento de uma irregularidade (art. 143, da Lei nº 8.112), imprescindível se torna demonstrar a lisura na condução do procedimento licitatório, mediante a estrita observância dos princípios da moralidade, isonomia, impessoalidade e da ampla competitividade.
5.21. Neste ponto, elucidativo trazer à colação trecho de notícia divulgada no site institucional do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, que sintetizou o teor do Acordão 2290/2019 de seu Tribunal Pleno, com esclarecedora exposição de vários dos aspectos aqui levantados relacionados ao plano normativo Federal ao decidir pela caracterização de impedimento também para os casos de credenciamento em situações de dispensa de licitação:
O artigo 9º, III, da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) veda a participação de empresas que tenham sócios, dirigentes ou empregados com parentesco com agentes públicos do órgão ou ente contratante, até o terceiro grau, ainda que a contratação seja realizada por meio de credenciamento. Também é vedada a participação de empresa que tenha vínculo com dirigente ou servidor integrante da unidade responsável pela licitação, ou com qualquer servidor que, de acordo com a autoridade administrativa competente, tenha poder de influência sobre o certame.
Essas vedações incidem sobre servidores públicos efetivos, temporários ou comissionados; e aplicam-se também na hipótese de contratação direta, inclusive nos processos de credenciamento mediante inexigibilidade de licitação.
A proibição incide mesmo quando o servidor do órgão ou entidade contratante figurar como mero sócio cotista, sem poderes de administração, e ainda que não seja responsável pela prestação direta do serviço; e também na hipótese em que o servidor seja responsável pela prestação do serviço contratado, mesmo sem constar no quadro societário da empresa contratada.
[...]
O relator do processo, conselheiro Xxxx Xxxxxxx, lembrou que o TCE-PR já decidira em Consulta pela possibilidade do credenciamento como inexigibilidade de licitação, situação em que se aplica o regramento do artigo 9º da lei 8.666/93 para assegurar a igualdade, a impessoalidade, a imparcialidade e a moralidade.
Xxxxxxx afirmou que a vedação é válida para todos os agentes públicos estatais e servidores públicos estatutários, temporários e comissionados, mesmo que o servidor seja sócio-gerente, administrador ou sócio cotista, tendo ou não poderes de administração da empresa. E acrescentou que também é proibido que o servidor ou seu familiar seja prestador de serviço, o que caracterizaria participação indireta do servidor.
Mas o conselheiro ressaltou que a verificação da vedação de contratação de familiares de servidores públicos demanda a análise do caso concreto e do poder de influência do servidor no certame.
5.22. Sobre o tema, e também em apoio ao exame, oportuna a transcrição de trechos de aprofundado estudo da matéria realizado no âmbito do Ministério Público do Estado de Goiás – MPGO:
[...]
Isto é, a Administração Pública não possui liberdade ilimitada nas
contratações de pessoas que guardem grau de parentesco com servidores, dirigentes e agentes políticos que integram a entidade contratante.
É imperioso lembrar que todo gestor público tem o dever de demonstrar na licitação que promoveu a maior competitividade possível, sendo que nesses casos envolvendo parentes e pessoas com ligação íntima com membros do ente que promove o certame, torna-se razoável demandar que o procedimento transcorra com cautela extra, buscando impecável lisura e probidade.
Destarte, entende-se que o impedimento de participação nas licitações de parentes de servidor público integrante do órgão promotor do certame é de ordem relativae não absoluta, de modo que a infração aos princípios da moralidade e da isonomia (bens jurídicos tutelados pela norma) restará efetivamente configurada quando as circunstâncias do caso concreto evidenciarem o favoritismo espúrio ou a influência indevida do agente público em favor de seu parente.
Entende-se que, apesar de tratar-se de impedimento relativo, a referida hipótese exige a observância dos princípios da administração pública, que podem restar dilacerados, quando o gestor não lograr êxito em demonstrar, de maneira inconteste, o respeito a tais mandamentos, possibilitando possível ocorrência de influências nocivas ao certame.
Mesmo porque violar princípios revela-se tão ou até mais grave quanto desconsiderar dispositivo de regra. Esse é, aliás, o entendimento do jurista Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, para quem “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos”.
Nessa mesma linha de intelecção, é o magistério do jurista Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, que, citando Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, afirma que:
O direito condena condutas dissociadas dos valores jurídicos e morais. Por isso, mesmo quando não há disciplina legal, é vedado ao administrador conduzir-se de modo ofensivo à ética e à moral. A moralidade está associada à legalidade: se uma conduta é imoral, deve ser invalidada.
Assim, a simples potencialidade do dano é suficiente para que a lei se acautele, em vez de remeter a uma investigação posterior, destinada a comprovar anormalidade da conduta do agente.
[...]
4) NO CASO DE PARENTESCO ENTRE O INTEGRANTE DO QUADRO SOCIETÁRIO DA EMPRESA COM ALGUM SERVIDOR (EFETIVO OU COMISSIONADO) DO ÓRGÃO QUE EFETUE A CONTRATAÇÃO
O impedimentode participação em licitação, ou na execução da obra ou serviço e do fornecimento de bens, é aplicávelao servidor da entidade contratante(uma Prefeitura, por exemplo), conforme regra contida no art. 9º, inciso III, da Lei de Licitações.
Dai porque NÃOse pode admitir que o servidor público, seja ele efetivo ou ocupante de cargo em comissão/função gratificada, firme contratoscom o poder público, visto que está impedidoaté mesmo de participar da licitação.
De outro lado, note-se que a vedação diz servidor ou dirigente, não especificando se efetivo ou comissionado (ou função de confiança). Tem-se, portanto, que o vocábulo utilizado pelo legislador é de amplitude tal que seja capaz de abranger não somente os cargos em comissão e funções de confiança, como também os servidores efetivos.Quisesse fazer distinção entre os efetivos e àqueles ocupantes de cargo em comissão, certamente traria especificado dentro do corpo da lei essa diferenciação. Não o fez, devendo o impedimento estender-se a todos os servidores, sejam comissionados ou efetivos, inclusive àqueles que exercem função de confiança.
Aliás, ainda “mais impedidos” estão os ocupantes dessas funções de confiança e os cargos em comissão, considerando-se a proximidade ainda maior que detém do chefe do Poder Executivo. Sabe-se que o exercício de funções de chefia e assessoramento dentro do órgão público, pode trazer à tais pessoas privilégios diversos em relação aos demais licitantes. Logo, estar-se-ia ferindo tanto o princípio da igualdade, como também da moralidade e da impessoalidade.
Aliás, sobre o tema ponderou Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
“Tambémnãopodem participar da licitação o servidor ou dirigentedo órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação. Também se proíbe a participação de empresas cujos sócios, administradores, empregados, controladores, etc., sejam servidoresou dirigentes dos órgãos contratantes. Essa vedação reporta-se ao princípio da moralidade, sendo pressuposto necessário da lisura da licitação e contratação administrativa. A caracterização de participação indireta contida no § 3º aplica-se igualmente aos servidores e dirigentes do órgão.”
Neste mesmo sentido já se posicionou o Tribunal de Contas da União – TCU, com o seguinte teor:
Não passa pela avaliação de saber se os servidores (...) detinham ou não informações privilegiadas para que esteja impedido de participar, direta ou indiretamente, de licitação por ele realizada.
[...]
Nessa mesma esteira, é possível afirmar que a participação de empresa cujo sócio tenha vínculo de parentesco com servidor da entidade licitante afronta, por interpretação analógica, o disposto no art. 9, inciso III, da Lei nº 8.666/1993.
5.23. Seguindo a análise, certo é que o art. 117, X, da Lei nº 8.112/90 proíbe o servidor de participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, e de exercer o comércio, podendo, todavia, integrá-la na qualidade de sócio acionista, cotista ou comanditário, e ainda, que, por força do art. 9º, III da Lei 8.666/199 o “servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação” não pode participar direta ou indiretamente da licitação.
5.24. Todavia, há de se esclarecer que, à vista de uma lacuna legislativa, a atuação de servidor fora do alcance deste conjunto de permissões e proibições legais não deve ser considerada como via de autorização para a constituição de contratos administrativos viciados, fruto de uma atuação imparcial e imoral de servidor – por meio do uso de poderes, funções ou conhecimento de informações privilegiadas
– em casos de parentesco com licitantes.
5.25. Conclui-se, portanto, diante dos argumentos expendidos, que não há óbice para o desenvolvimento de processo disciplinar nas situações relacionadas ao vínculo de parentesco em licitações e contratos.
DA NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO EM CASOS DE SERVIDOR/EMPREGADO QUE SEJA SÓCIO DE EMPRESA CONTRATADA PELA PRÓPRIA ENTIDADE PÚBLICA A QUAL PERTENÇA
5.26. Permitir a participação de sociedade privada em licitação junto a entidade pública na qual esteja lotado servidor que, ao mesmo tempo, seja sócio da mencionada empresa, ainda que sem poderes de administração ou gerência, é trazer à Administração uma situação inapropriada de potencial risco à integridade do certame.
5.27. Nestes casos, pode-se dizer que há uma presunção de existência de interesse do servidor - e seus sócios - na decorrente contratação de sua empresa (cf. art. 18, I, da LPA) e, portanto, de possível utilização de influência ou conhecimento de informações internas para o êxito na sua escolha dentre as demais concorrentes. Em suma, entende-se que o fato do agente público pertencer ao quadro da contratante e ao mesmo tempo da sociedade contratada é suficiente à caracterização de uma potencial atuação parcial, tanto na fase preliminar da licitação quanto no seu curso, a justificar a vedação de participação da empresa no certame.
5.28. Dessa forma, no plano disciplinar, caso confirmadas objetivamente tais
condições em relação à situação do servidor, cabe à autoridade administrativa, diante de suposta irregularidade (cf. art. 143 da Lei nº 8.112/90) proceder à instauração de processo para apuração dos fatos, quando mais em situações ocorridas após a Lei nº 12.813/2013, nas quais não restar evidenciada a realização de consulta à unidade competente para casos que possam gerar conflitos de interesses, como adiante será esclarecido.
5.29. Concebe-se que estas situações concretas exigem a realização de um exame mais acurado dos fatos, bem como dos aspectos subjetivos da ação, que deve ser alcançado a partir da oitiva do envolvido, de testemunhas, somadas à reunião de outras evidências, a se estabelecerem dentro de um processo contraditório e de observação à ampla defesa, visando verificar a lisura do procedimento em questão que, se comprovada, pode afastar a responsabilização disciplinar do agente público.
5.30. Cabe salientar, contudo, que, apesar da presunção de uma condição preestabelecida para a instauração de processo, esta não se trata de modo algum em uma responsabilização objetiva, uma vez que caberá à Administração comprovar no curso do processo a caracterização de possível influência do servidor/empregado no certame. Dessa forma, em casos de evidenciação de vínculo parental em licitação cujo servidor também seja sócio da empresa licitante, entende-se que ocorre um tipo de afastamento da discricionariedade decisória de apuração inicial por outra via que não a processual, onde os fatos poderão ser avaliados de forma mais abrangente dentro da ampla defesa e do contraditório.
5.31. Por oportuno, cuida esclarecer que a existência de prévia consulta do servidor/empregado por conflito de interesses à unidade competente deve ser levada em conta quando da admissibilidade de instauração de processo.
5.32. Não obstante o entendimento de obrigatoriedade de apuração com a devida instauração de processo no âmbito da Administração Pública Federal, cumpre ventilar a existência de entendimento que julga não ser razoável a caracterização de impedimento diante da inexistência de atuação do agente na linha hierárquica que vai do órgão licitante ao dirigente máximo da entidade, haja vista não revelar um potencial risco de contaminação do procedimento licitatório.
5.33. No entanto, a presente análise diverge em parte deste posicionamento, posto que, na situação ora sob exame, de envolvimento de sócio/servidor, além do risco potencial de afetação ser em grau suficiente a compelir a Administração à necessária apuração disciplinar, ainda que a atuação do servidor se mantenha fora da linha de hierarquia do procedimento licitatório, existem outras vias normativas, amparadas nos princípios constitucionais de regência da administração pública, que dão embasamento legal suficiente de ajuste à legalidade estrita e ao próprio princípio da legalidade, justificando, assim, as necessárias ações disciplinares de apuração do administrador.
5.34. Como se percebe o poder de influência do servidor no âmbito interno do órgão contratante se destaca como o principal fator a ser examinado em uma análise de suposta conduta irregular de servidor, quando este possua parentesco com representante ou sócio da empresa privada licitante. Neste sentido o posicionamento do Tribunal de Contas da União – TCU:
TC 033.348/2015-4 [...]
15. O Relator também deixou assente que a jurisprudência deste Tribunal de Contas, a exemplo dos Acórdãos 1.160/2008, 1.620/2013, 3.368/2013, todos do Plenário e 5.277/2009-TCU-2ª Câmara, é de que há violação dos princípios da igualdade e da moralidade quando da participação de licitante que possua
quaisquer relações de parentesco com agente público quando este detém poder de influência na decisão de contratação.
TC 015.042/2015-4 [...]
89. No voto condutor do Acórdão 2057/2014-TCU-Plenário, o Ministro Relator Xxxxxx Xxxxxx teceu a seguinte observação:
10. (...) Como bem esclarecido na instrução de mérito, a jurisprudência do Tribunal é “firme no sentido da vedação de participação, em licitações, de empresas ligadas a gestores do órgão, ou a membros da comissão de licitação, ou a funcionários de entidade convenente, com poder de influenciar o resultado do certame, a parentes de funcionários de entidade convenente, com poder de influência na contratante, ou aos próprios dirigentes das entidades convenentes”.
11. Nessa seara, pertinente esclarecer também que, aplicando-se analogicamente o disposto no art. 9º da Lei 8.666/1993, o TCU possui pacífica jurisprudência no sentido de que a administração está, em determinadas situações, impedida de contratar com empresas de cujo quadro dirigente figurem parentes de servidores do órgão contratante(Acórdãos 2.057/2014, 1.32/2006, 1.019/2013, 1.941/2013, dentre outros, todos do Plenário).
(grifei)
5.35. De se ver, todavia, que, nos casos de vedações à participação, quando se verifique que o servidor também é sócio da empresa contratada, tal fato se revela como um plus em relação ao simples vínculo parental, dado que o interesse na contratação é ínsito à atividade da própria empresa, que por sua vez se traduz no interesse do próprio agente público envolvido na qualidade de sócio. Nestas situações não é somente o poder direto de influência na contratação que deve ser levado em conta, mas também as potenciais ações irregulares do sócio/servidor (por meio do exercício indireto de influência no procedimento) com vistas ao êxito na contratação de sua empresa no âmbito do seu próprio órgão de lotação.
5.36. Sendo assim, conforme explicitado, no caso de conhecimento posterior de vinculação societária do servidor de um órgão com empresa por este contratada, tal situação deve ser considerada como de reprovabilidade elevada e com maior potencialidade de risco à Administração (especialmente pelo grau de facilidade de influência no certame licitatório, tal como, por exemplo, o acesso à informações privilegiadas).
5.37. Isso resulta na necessidade de apuração pela via processual de forma a dirimir dúvidas acerca de possível conduta ilícita do envolvido no procedimento, dentro da garantia do contraditório e da ampla defesa, como por exemplo: para que se possa justificar a comprovação de visitas do servidor/empregado ao setor de licitações do órgão à época do certame, quando lotado em unidade diversa; ou a comprovação de acessos a sistemas que não eram de uso comum pelo servidor à época dos fatos, especialmente se relacionados à matéria de contratação e licitações.
DO CONFLITO DE INTERESSES
5.38. Na lição de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx: “É vedado ao administrador superpor um interesse particular (próprio ou de terceiro) ao interesse coletivo. Diante do conflito de interesses, o administrador deve sempre agir com lealdade para com o interesse coletivo”.
5.39. A vinculação parental entre gestor ou servidor/empregado de um órgão/empresa pública contratante e um licitante que possa ser contratado trata-se de uma situação que pode se caracterizar como um típico caso de conflito de interesses, conforme dispõe o art. 3º, I, da Lei nº 12.813/2013, que vem a definí-
lo como “a situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública”, independentemente de lesão ao patrimônio público.
5.40. Para um melhor entendimento e orientação em torno do tema do conflito de interesses, especialmente quanto a sua possível caraterização como ato de improbidade em situações de vínculo parental em licitações, recorre-se novamente ao Manual de Processo Administrativo Disciplinar da CGU (os grifos e marcações realizadas indicam a pertinência temática com a matéria ora examinada – pgs. 245/251):
É importante abordar a abrangência subjetiva da Lei de Conflito de Interesses, para que não se incorra no erro de identificar como destinatários apenas grupos específicos de agentes públicos, embora, para alguns grupos, a lei realmente traga previsões adicionais.
Assim, por força do art. 10, aplicam-se os arts. 5º e 6º, I a todo ocupante de cargo ou emprego no Poder Executivo federal, conforme se lê:
Art. 5o Configura conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Exe- cutivo federal:
I - divulgar ou fazer uso de informação privilegiada, em proveito próprio ou de terceiro, obtida em razão das atividades exercidas;
II - exercer atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe;
[...]
IV - atuar, ainda que informalmente, como procurador, consultor, assessor ou intermediário de inte- resses privados nos órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
V - praticar ato em benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público, seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir em seus atos de gestão;
[...]
Parágrafo único. As situações que configuram conflito de interesses estabelecidas neste artigo apli- cam-se aos ocupantes dos cargos ou empregos mencionados no art. 2o ainda que em gozo de licença ou em período de afastamento.
[...]
Art. 10. As disposições contidas nos arts. 4o e 5o e no inciso I do art. 6o estendem-se a todos os agentes públicos no âmbito do Poder Executivo federal.
A eles também se aplicam as medidas de natureza preventiva, previstas no art. 4o da Lei, que consistem em agir de modo a prevenir ou a impedir possível conflito de interesses e a resguardar informação privilegiada, consultando a Comissão de Ética Pública ou a CGU, em caso de dúvida.
[...].
Não obstante a previsão legal de a situação de conflito de interesses poder se materializar em ilícito disciplinar, se observa que a lei tem um viés eminentemente preventivo, tanto ao colocar como obrigação genérica de todo ocupante de cargo ou emprego no Executivo Federal a fuga a tais situações, quanto ao prever as figuras da consultae da autorização para o exercício da atividade privada.Quer dizer, o objetivo maior previsto na legislação é que não ocorram ou sejam cessadas as situações de conflito de interesses e, residualmente, a apuração disciplinar de tais situações, conforme se exporá mais adiante.
O entendimento sobre o fluxo das consultas passa pela interpretação conjunta da Lei no 12.813/13 e da Portaria Interministerial nº 333, de 19 de setembro de 2013, dos então Ministros de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão e
Chefe da Controladoria-Geral da União, publicada no Diário Oficial da União de 20 de setembro de 2013, seção 1, página 80.
Assim, inicialmente, o §1o do art. 4o da Lei no 12.813/13 prevê que, existindo dúvida, o agente público deverá consultar a Comissão de Ética Pública (agentes mencionados no art. 2o, I a IV) ou a CGU (demais agentes, conforme regulamento), em conformidade com o art. 8o, parágrafo único.
Em relação aos agentes submetidos à atuação da CGU, a regulamentação ocorreu por meio da Portaria já citada, a qual, em seu art. 2o, I, define consulta como o “instrumento à disposição de servidor ou empregado público pelo qual ele pode solicitar, a qualquer momento, orientação acerca de situação concreta, individualizada, que lhe diga respeito e que possa suscitar dúvidas quanto à ocorrência de conflito de interesses”.
Importa destacar que a Portaria prevê a necessidade de que sejam submetidos à apreciação casos concretos, não sendo possível a apreciação em tese.
[...]
Somente nos casos de verificação do potencial conflito de interesses é que haverá encaminhamento da consulta ou do pedido de autorização à CGU216, que exercerá a sua competência legal, nos termos do art. 7o da Portaria no 333/2013:
Art. 7o Cabe à CGU, nas consultas a ela submetidas pelas unidades de Recursos Humanos dos órgãos e entidades do Poder Executivo federal, analisar e manifestar-se sobre a existência ou não de conflito de interesses, bem como autorizar o servidor ou empregado público a exercer atividade privada, quando verificada inexistência de conflito de interesses ou sua irrelevância.
Parágrafo único. Caso entenda pela existência de conflito de interesses, a CGU poderá determinar medidas para sua eliminação ou mitigação, levando em conta a boa-fé do servidor ou empregado público, com a possibilidade, inclusive, de concessão de autorização condicionada
[...]
Como se tratará do aspecto disciplinar da situação de conflito de interesses é importante, desde já, evidenciar, porém, que esta manifestação em sede de consulta não necessariamente vinculará o resultado de uma apuração disciplinar, uma vez que esta sempre abordará o elemento subjetivo da conduta do agente enquanto que, na consulta, avaliam- se os fatos e circunstâncias apresentadas e a sua subsunção ou não à norma.
Vale registrar, por fim, que as consultas e pedidos de autorização referentes aos agentes públicos listados nos incisos I a IV do art. 2o da Lei no 12.813/13 deverão, se for o caso, ser encaminhadas à Comissão de Ética Pública.
A repercussão disciplinar das situações de conflito de interesses decorre das previsões dos arts. 12 e 13 da Lei no 12.813/13, abaixo transcritos:
Art. 12. O agente público que praticar os atos previstos nos arts. 5º e 6º desta Lei incorre em improbidade administrativa, na forma do art. 11 da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, quando não caracterizada qualquer das condutas descritas nos arts. 9º e 10 daquela Lei.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no caput e da aplicação das demais sanções cabíveis, fica o agente público que se encontrar em situação de conflito de interesses sujeito à aplicação da penalidade disciplinar de demissão, prevista no inciso III do art. 127 e no art. 132 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ou medida equivalente.
Art. 13. O disposto nesta Lei não afasta a aplicabilidade da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, especialmente no que se refere à apuração das responsabilidades e possível aplicação de sanção em razão de prática de ato que configure conflito de interesses ou ato de improbidade nela previstos.
Da leitura depreende-se que a prática de conduta que implique em conflito de interesses configura-se, em tese, como ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública, conforme previsto no art. 11 da Lei no 8.429/92,ressalvada a hipótese de que a improbidade se materialize em
condutas previstas nos arts. 9º e 10 da mesma Lei, quando, então, receberão este enquadramento mais específico.
Em todo caso, como a configuração é, teoricamente, improbidade administrativa, a penalidade prevista, nos termos do art. 132, IV, da Lei no 8.112/90 é a de demissão.
A apuração e eventual responsabilização serão processadas nos termos da Lei no 8.112/90, inclusive no que se refere à competência da autoridade instauradora do processo.
Assim, pode-se dizer que o bem tutelado pela norma é a própria probidade administrativa e, por isso, a configuração das hipóteses não requer a ocorrência de lesão ao patrimônio público ou o recebimento de qualquer vantagem ou ganho pelo agente público ou terceiro (art. 4o, §2o, Lei no 12.813/13). Tais circunstâncias, portanto, não são elementares à configuração do ilícito, mas, se presentes, poderão ensejar enquadramento mais específico nos arts. 9o e 10 da Lei no 8.429/92.
[...]
Conforme já mencionado anteriormente, se verifica a imprescindibilidade, em se tratando da apuração disciplinar, de que seja avaliado o elemento subjetivo da conduta do agente. Primeiramente, porque não existirá responsabilização disciplinar, de modo geral, se não se tratar de conduta, pelo menos, culposa, pois o ordenamento jurídico estabelece a necessidade de que a responsabilidade seja subjetiva. No caso específico, além de ser determinante para a própria responsabilização, o elemento subjetivo poderá nortear, inclusive, o enquadramento legal mais adequado, se houver mais de uma possibilidade nas normas sob análise.
Frise-se ainda que algumas das ilicitudes descritas na Lei de Conflito de Interesses, sobretudo aquelas descritas nos incisos II, III, IV e V do artigo 5º, não dependem de obtenção de resultado ou sequer de expectativa de resultado. A prática da conduta descrita na norma, por si só, já pode caracterizar o ilícito. Nestes casos, o dolo deve ser verificado como a consciência do agente de figurar na situação descrita como irregular.
[...]
Diante destas possibilidades dadas pelo próprio ordenamento jurídico, é oportuno relembrar a afirmativa feita sobre o alcance da vinculação, seja das manifestações das unidades dos órgãos e entidades, ou mesmo da CGU, nas consultas sobre existência de conflito de interesses, ainda que potencial. Para correta avaliação, é preciso ponderar que:
a) A resposta a uma consulta está cingida ao caso concreto apresentado pelo agente, com as circunstâncias que são por ele também indicadas;
b) Na avaliação de uma consulta não há análise sobre o elemento subjetivo da conduta do agente;
c) As comissões disciplinares têm que trabalhar com autonomia e independência e, observando os princípios da ampla defesa e do contraditório, devem buscar a verdade material dos fatos, para formar o convencimento sobre a existência de ilícito disciplinar, qual o enquadramento mais adequado e a respectiva sanção, valendo lembrar, ainda, que a última palavra, no processo disciplinar, será da autoridade competente para o julgamento, que deverá decidir em conformidade com a prova dos autos; e
d) Xxxxxxx manifestação de qualquer autoridade competente sobre inexistência de conflito de interesses e, posteriormente, havendo apuração disciplinar sobre o fato, o investigado poderá invocar a referida manifestação em sua defesa, porém, esta não terá valoração absoluta, devendo ser analisada, primeiramente, quanto ao seu alcance (fatos e circunstâncias informados na consulta) e delimitação (razões de decidir), além da necessidade de ser vista como mais uma prova, em busca da verdade material dos fatos. Assim, a consequência somente advirá do regular processamento da apuração, com a produção de todas as provas necessárias, não havendo como, a priori, eximir o agente de completa responsabilidade, por haver uma decisão favorável à prática da atividade consultada.
Assim, havendo demanda pela apuração disciplinar de situação de conflito de interesses, a comissão processante deverá levar em consideração as eventuais manifestações precedentes (dos
órgãos/entidades, da CGU ou mesmo da Comissão de Ética Pública), porém, deverá avaliar tais manifestações no contexto dos autos, não podendo constituir-se em prova exclusiva, seja para condenar, seja para absolver. A comissão deverá avaliar todas as circunstâncias indicadas na denúncia ou representação, o alcance e as razões de decidir das manifestações precedentes, o conhecimento maior ou menor do investigado acerca da reprovabilidade de sua conduta e todos os demais elementos que somente o caso concreto poderá apresentar.
5.41. Diante da visão desta CGU acerca do conflito de interesses, impende assinalar em linhas finais que, o caso concreto apresentado como paradigma à presente análise apresenta-se como situação sensível de descumprimento da Lei nº 12.813/2013 frente à informação apresentada de que não houve a efetivação de consulta prévia por parte da empregada à Comissão de Ética de sua empresa, apesar da sua participação em licitação sob dispensa, na qualidade de sócia da contratada, agindo, dessa forma, inclusive, em desacordo com previsão normativa interna.
5.42. Por derradeiro, cumpre destacar que atualmente os órgãos e empresas públicas podem ter acesso ao Sistema Eletrônico de Prevenção de Conflitos de Interesses – SeCI –, desenvolvido pela CGU, que permite ao servidor ou empregado público federal fazer consultas relacionadas a conflitos de interesses privados e públicos. A competência de solução para tais questionamentos é atribuída à respectiva Comissão de Ética Pública Seccional e, especialmente, à Controladoria- Geral da União (CGU), por força da Portaria Interministerial MPOG/CGU nª 333, de 19/09/13, de forma que tais unidades possam ser consultadas em casos de dúvida quanto à existência de conflito de interesse.
6. CONCLUSÃO
6.1. Ante todo o exposto, ressalvada a possibilidade de análise por área técnico-jurídica da matéria, espera-se que a presente sirva como apoio ao exame no plano disciplinar federal quanto às questões concretas relacionadas às vedações de participação em licitações por relações de parentesco, aproveitando o ensejo para apresentar as seguintes orientações:
a) de forma geral, a relação de parentesco de servidor/empregado público com sócio de empresa que venha a participar de licitação realizada junto ao seu próprio órgão de lotação, por si só, não é fundamento suficiente para justificar a instauração de PAD, exigindo, além disso, evidências de utilização de poderes inerentes ao seu cargo ou função com o objetivo de influenciar o resultado do certame ou mesmo de provas de comprometimento da competitividade pela verificação de ações voluntárias que tenham por finalidade o êxito na concorrência em razão do referido vínculo;
b) o conhecimento de vinculação societária do servidor de uma entidade pública com empresa por esta contratada traz a necessidade de apuração por meio da instauração do devido processo disciplinar, de modo a dirimir dúvidas acerca da prática de suposta conduta ilícita do envolvido no correspondente procedimento licitatório;
c) a existência de prévia consulta do servidor/empregado em razão de possível conflito de interesses à unidade competente deve ser levada em conta quando do juízo de admissibilidade de instauração de processos disciplinares.
6.2. À consideração superior da Sra. Coordenadora-Geral de Uniformização de Entendimentos.
Documento assinado eletronicamente por XXXXXXX XXXXX XXXXX XXXXX, Auditor Federal de Finanças e Controle, em 12/04/2021, às 15:54, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, §1º, do Decreto nº 8.539, de 08 de outubro de 2015.
A autenticidade deste documento pode ser conferida no site
xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx informando o código verificador 1899704 e o código CRC 5D9AB21C
Referência: Processo nº 00190.101819/2021-36 SEI nº 1899704
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO
DESPACHO CGUNE
1. Estou de acordo com a Nota Técnica nº 850/2021/CGUNECRG, que ao responder a consulta formulada por unidade correcional do SisCor, acerca das implicações disciplinares advindas da participação de empresa cujo sócio tenha vínculo de parentesco com servidor da entidade licitante, conclui:
a) de forma geral, a relação de parentesco de servidor/empregado público com sócio de empresa que venha a participar de licitação realizada junto ao seu próprio órgão de lotação, por si só, não é fundamento suficiente para justificar a instauração de PAD, exigindo, além disso, evidências de utilização de poderes inerentes ao seu cargo ou função com o objetivo de influenciar o resultado do certame ou mesmo de provas de comprometimento da competitividade pela verificação de ações voluntárias que tenham por finalidade o êxito na concorrência em razão do referido vínculo;
b) o conhecimento de vinculação societária do servidor de uma entidade pública com empresa por esta contratada traz a necessidade de apuração por meio da instauração do devido processo disciplinar, de modo a dirimir dúvidas acerca da prática de suposta conduta ilícita do envolvido no correspondente procedimento licitatório;
c) a existência de prévia consulta do servidor/empregado em razão de possível conflito de interesses à unidade competente deve ser levada em conta quando do juízo de admissibilidade de instauração de processos disciplinares.
2. Assim, encaminho a referida Nota Técnica à apreciação do Senhor Corregedor-Geral da União.
Documento assinado eletronicamente por XXXXX XXXXXXXXX XXXXX, Coordenador-Geral de Uniformização de Entendimentos, em 12/04/2021, às 16:05, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, §1º, do Decreto nº 8.539, de 08 de outubro de 2015.
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xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx informando o código verificador 1906169 e o código CRC 441AC6D9
Referência: Processo nº 00190.101819/2021-36 SEI nº 1906169
Despacho CGUNE 1906169 SEI 00190.101819/2021-36 / pg. 17
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO
DESPACHO CRG
1. Aprovo a Nota Técnica nº 850/2021/CGUNE/CRG 1899704.
2. À COPIS para dar ciência do entendimento desta CRG à Corregedoria da Empresa Brasileira de Comunicação - EBC
Documento assinado eletronicamente por XXXXXXXX XXXXXX XXXXXX, Corregedora-Geral da União, em 12/04/2021, às 17:37, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º,
§1º, do Decreto nº 8.539, de 08 de outubro de 2015.
A autenticidade deste documento pode ser conferida no site
xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx informando o código verificador 1906370 e o código CRC C025A680
Referência: Processo nº 00190.101819/2021-36 SEI nº 1906370
Despacho CRG 1906370 SEI 00190.101819/2021-36 / pg. 18