Os efeitos de contrato didático na sala de aula de matemática
Os efeitos de contrato didático na sala de aula de matemática
Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco Brasil
xxxxxxxxxxxxxxxxxxx@xxxxx.xxx.xx Xxxx Xxxxx xx Xxxxxx Xxxxx Xxxx
Universidade Federal Rural de Pernambuco Brasil
Resumo
Neste artigo apresentamos um recorte de uma dissertação de mestrado, analisamos numa relação contratual (professor, os alunos e um saber algébrico) os efeitos de contrato que por ventura surgiram durante a investigação. A sala de aula nesse contexto se configura como um campo de negociações de significados onde emergem fenômenos didáticos. Optamos pelo referencial da Didática da Matemática de influência francesa, para lançarmos nosso olhar sobre esse ambiente, particularmente, os efeitos do contrato. O contrato didático diz respeito às regras e negociações (na maioria, implícitas) que determinam quais as responsabilidades dos parceiros da relação didática na gestão do saber. A negociação continua do contrato tende a nivelar ‘por baixo’ os objetivos da aprendizagem. Participaram do nosso estudo uma professora de matemática e seus respectivos alunos do 8º ano do Ensino Fundamental. A investigação foi desenvolvida em dois momentos, filmagem e transcrição. Os resultados acerca da negociação do saber em jogo, apontam para os efeitos topázio e escorregamento metacognitivo, no primeiro os alunos ao encontrarem uma dificuldade, a professora, pouco a pouco, vai conduzindo os alunos a resposta correta. No segundo a professora na resolução das situações valoriza mais a etapa operacional, enfatizando o ensino da álgebra como a realização de procedimentos algébricos para a resolução da equação. Esses efeitos foram constantes no decorrer de cinco aulas.
Palavras chave: didática da matemática, contrato didático, negociações, efeitos de contrato e álgebra escolar.
A Relação Didática na Sala de Aula
A Didática da Matemática se configura como campo cada vez mais fecundo de interesse dos pesquisadores, as questões relativas à sala de aula, e mais especificamente ao ensino e aprendizagem, ainda são motivos de constantes debates e pesquisas. Nesse ambiente ocorrem múltiplas relações entre o professor, seus alunos e o saber matemático que geram expectativas e possibilidades de negociações de significados.
A tríade anunciada se configura como uma relação didática, e vale destacar que seu ponto de partida é a intenção alimentada pelo o professor em ensinar, em estabelecer as condições para que seus alunos aprendam com êxito o saber matemático (XXXXXXXX e BORGHT, 2002). As interações que surgem nessa relação são permeadas por regras, que se encontram na maioria das vezes implícitas, determinando quais as responsabilidades que devem ser gerenciadas e negociações entre o professor e seus alunos na obtenção do saber matemático, essas regras constituem o contrato didático (BROUSSEAU, 1986, 1996).
A partir do que estamos discutindo temos como objetivo principal analisar a partir de uma relação contratual (professor, aluno e saber matemático) as rupturas e os efeitos de contrato que por xxxxxxx surgirem numa sala de aula do 8º ano do ensino fundamental.
O Contrato Didático
Considerando que uma relação didática se manifesta no sistema didático, e que nessa manifestação encontramos o professor com a função de preparar e realizar situações de ensino, para que seus alunos, possam asumir a posição de aprendiz, em situações que procurem resolver os problemas matemáticos que foram propostos. Nesse contexto, o meio que eles encontram para resolver tais problemas diz respeito à interpretação das questões colocadas, das informações fornecidas, das exigências impostas. Tudo isso é considerado a maneira de ensinar do professor. Esses hábitos específicos do professor, esperados pelo aluno, e os comportamentos destes, esperados pelo professor, que regulam o funcionamento da aula, constituem o Contrato Didático (BROUSSEAU, 2008, p.9).
O ato de esperar tanto do professor, quanto do aluno, essas “expectativas” não acontecem mediantes a acordos explícitos, impostos pela escola ou pelos professores ou compartilhados pelos alunos, mas dependem da concepção da escola, da matemática, da repetição de modalidades (D’AMORE, 2007).
Por outro lado, o contrato didático gerencia as relações didáticas, não as cristalizando em regras definitivas, mas, ao contrário, colocando-as em tensão por meio de uma série de rupturas. Tais rupturas são necessárias para permitir que os parceiros (professor e alunos) modifiquem permanentemente as suas relações com o saber. São as rupturas que nos permitem também ter acesso, pelo menos em parte, às regras implícitas que haviam sido negociadas em uma relação didática.
Xxxxxxxxx (2008, p.75) explica que o contrato didático não pode ser completamente explicitado, ou seja, não pode existir uma combinação previa de contrato didático entre o professor e o aluno (aquele que é ensinado). Pois, assim sendo, tenderá ao fracasso. Em particular, as clausulas da ruptura e o que esta em jogo no contrato não pode ser descritos antes. A esse respeito o pesquisador comenta que o conhecimento será justamente o que resolverá as crises que surgem dessas rupturas e elas não podem ser pré-determinadas.
Podemos destacar que o mais importante não é explicitar todas as regras permeiam o contrato didático e, sim delinear alguns de seus pontos possíveis de rupturas. Quando existe a ruptura em geral fala-se algo a respeito. A ruptura do contrato didático pode ser percebida, por exemplo, quando os alunos não atuam da forma esperada pelo professor – frente ao saber – ou quando o professor não atua da forma esperada pelos alunos (XXXXXXX, 2009; XXXXX XXXXXXX, 2006; XXXXX XXXX, 2010). Os pesquisadores acrescentam que quando há alguma ruptura do contrato didático na relação, em seguida, uma nova regra (explícita ou implícita) é negociada. No momento em que acontece a negociação pode ser estabelecido um redirecionamento do jogo didático.
A negociação continua do contrato didático tende a nivelar ‘por baixo’ os objetivos da aprendizagem. Isso pode acontecer porque o professor deseja que seus alunos obtenham sucesso em suas atividades e para acontecer o sucesso, existe uma tendência em facilitar a tarefa apresentada. Essas atitudes ou práticas costumeiras em sala de aula, frequentemente fazem parte do funcionamento escolar e são inevitáveis. O que estamos discutindo foi para Brousseau definidas como efeitos perversos de contrato.
Efeitos de Contrato Didático
Ao falar sobre o contrato didático, reafirmamos que existem fatores indissociáveis a esse tema, como por exemplo, “negociações e expectativas”, e que ao adentrar a sala de aula se tornam componentes fundamentais na relação entre o professor e os alunos, em relação ao saber.
Xxxxxxx Xxxxx (2008), grande parte das dificuldades dos alunos é causada pelos efeitos do contrato didático mal-colocado ou mal-entedido. Esse traz no seu bojo a marca da expectativa do professor em relação à classe ou mesmo a um aluno em particular. O autor revela que este fato pode estabelecer um acordo tácito entre professor e alunos: o professor limita sua exigência à imagem que fez da capacidade do aluno e este, por sua vez, limita seu trabalho à imagem de si próprio que o professor lhe refletir.
Na literatura podemos citar um exemplo que retrata bem essa discussão, de tal forma que se torna o ponto de partida para discussões sobre ‘efeitos de contrato’, citado por Xxxxx (1991), o problema da Idade do Capitão. “Em um barco existem 26 carneiros e 10 cabras. Qual é a idade do capitão”?
Esse problema faz parte de uma experiência de pesquisa que aconteceu em Grenoble, na França, por Xxxxx Xxxxx, pesquisadora do IREM, que resultou em um livro com titulo ‘A idade do Capitão’. O problema foi proposto a 97 alunos. Dentre os 97 alunos, constataram que 76 utilizaram os números do enunciado para descobrir a idade do capitão.
A autora discute em seu livro essa pesquisa, refletindo como o ensino da matemática faz com que os alunos se transformem em “automaths1”, visto que os alunos podem responder de maneira absurda a perguntas absurdas.
Esses efeitos trazem consequências indesejáveis para a relação didática, porque de certa forma desvirtuam o objetivo principal, a aprendizagem. De inicio, fazemos referencia ao ‘efeito
1 Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx (2006), A palavra “automaths” permite fazer um trocadilho interessante: uma vez que XXXXX, em francês é uma abreviatura de matemática, “automths” pode nos dar a idéia de pessoas automatizadas, por outro lado, percebe-se que pode existir uma idéia com uma matemática automática.
xxxxxxxxx’, que muitos estudiosos o chamam de ‘fenômeno das expectativas’. Xxxxxxxxx (1986, 1996), propõe que esse efeito não pode ser incluído entre os outros, por não ser um efeito ‘perverso’, de fato, já que está relacionado a um “Fenômeno que não pode ser evitado, quando se institui um contrato, e por existir na relação entre os parceiros expectativas, que é o elemento central do contrato didático (BRITO MENEZES, 2006). Esse fenômeno diz respeito às expectativas criadas pelo professor em relação aos alunos, como se existisse uma espécie de acordo tácito entre os parceiros, no qual, limita a exigência à imagem que faz da capacidade tanto do professor para o aluno, quanto do aluno para o professor.
Efeito topázio e o controle da incerteza, Xxxxxxxxx (1996) discute é o efeito “Topázio” ou o controle da incerteza. Nele retrata a primeira cena da célebre peça “Topázio”, de Xxxxxx Xxxxxx, essa cena diz respeito ao ditado feito pelo professor Xxxxxxx, com um aluno. Nesse ditado com a intenção de os alunos não cometerem erros grosseiros, e possa acertar a grafia das palavras, ‘sugere’ de forma sutil a resposta ao aluno. As quais vão aparecendo através de códigos cada vez mais evidentes, até que o aluno possa decodificá-las e conseqüentemente acertá-las.
Embora, não se tenha uma compreensão por parte do aluno o ato de ensinar e aprender se resume nessa atitude (BROUSSEAU, 1986). Em síntese, quando um aluno encontra uma dificuldade, o efeito topázio consiste, de uma maneira ou de outra, a superar essa dificuldade em seu lugar.
Efeito xxxxxxxx ou mal-entendido fundamental, de acordo com Xxxxxxxxx (1996), o professor para evitar um confronto de conhecimento com o aluno e, eventualmente, a constatação do eminente fracasso do ensino e aprendizagem, atribui a conhecimentos familiares do aluno, que muitas vezes são aplicações especificas a importância de um conhecimento científico.
Xxxxx Xxxxxxx (2006), exemplifica dizendo, que seria, de forma ‘grosseira’, equivalente ao professor de matemática dizer ao aluno que se ele faz as combinações das peças de roupa pra produzir diferentes formas de vestir, esse aluno sabe o que é análise combinatória. Um comportamento banal do aluno tornou-se a manifestação de um saber culto. Resumindo, um comportamento banal do aluno é considerado como a manifestação de um grande conhecimento.
Deslizamento metacognitivo, pode ser entendido da seguinte forma. Numa situação que o professor encontre uma dificuldade em ensinar um saber que entra em cena no jogo didático, esse dificuldade pode ser de ordem didática, tanto do professor quanto do aluno. O professor então substitui o discurso cientifico por um discurso fundamentalmente ligado ao senso comum. Promove, assim, um deslize, uma ruptura e um deslocamento do objeto de saber. Xxxxxxxxx (1996) propõe que quando uma atividade de ensino fracassa, o professor pode ser levado a justificar-se e, para continuar a sua ação, a tomar as suas próprias explicações e os seus meios heurísticos como objeto de estudo no lugar de verdadeiro conhecimento matemático. Segundo Xxxxx (1999) pode ser percebido ao se tomar como objeto de estudo uma técnica que se presuma adequada para a resolução de um problema, perdendo de vista o verdadeiro saber a ser desenvolvido.
Uso abusivo de analogias, Xxxxxxxxx (1986) destaca que embora a analogia venha ser um excelente meio heurístico, quando realizada adequadamente por quem a utiliza, pode de maneira fácil produzir o efeito “Topázio”. Contudo, a analogia é considerada uma prática natural: se a aprendizagem inicial não se concretizar é necessário oportunizar um novo momento de aprendizagem, e as metáforas são sempre úteis para ajudar a compreensão. Entretanto, seu uso
demasiado pode limitar o conceito em questão. Em síntese, substituir o estudo de uma noção complexa pelo estudo de uma analogia.
Após nos debruçarmos nas discussões que a literatura trata dos efeitos de contrato, propomos descrever as etapas de nossa pesquisa, com posterior análise.
O Saber Algébrico
No interior da sala de aula, percebemos que existem interações complexas entre professor e alunos. Essas interações revelam caminhos muitas vezes contraditórios com relação ao saber que esta em jogo, sendo determinante no estabelecimento do contrato. Além disso, tais interações determinam as atribuições dos parceiros na relação didática.
A esse respeito chamamos atenção a passagem da aritmética à álgebra e após seu estabelecimento a própria resolução. Alguns pesquisadores, particularmente a partir da década de
80. Xxxxxx, (1992); Xxxxxxxx, Xxxxxx e Favre-Artigue (1987), Xxxxx (1995), dentre outros, se debruçaram sobre as principais dificuldades enfrentadas pelo aluno nessa passagem.
No tocante à álgebra, importantes elementos acerca da negociação do contrato didático podem ser referidos. Um primeiro aspecto que cabe aqui destacar, é que alguns autores apontam que a passagem do campo da aritmética para o campo algébrico se converte em uma verdadeira ruptura epistemológica (DA ROCHA FALCÃO, 2000a; CÂMARA DOS SANTOS, 1995; XXXXX XXXXXXX, 2006) e nessa ruptura, novas cláusulas contratuais precisam ser estabelecidas entre os parceiros da relação didática.
No que tange a resolução da equação Xxxxx Xxxx et al (2010), discute que implicitamente as negociações em sala de aula tende sempre a utilizar as operações inversas, como se existisse, etapas e um único caminho, a seguir para encontrar o valor do termo desconhecido.
A Pesquisa
Participaram do nosso estudo uma professora de matemática e seus respectivos alunos do 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola pertencente à rede pública da cidade de Pesqueira interior de Pernambuco (ALMEIDA, 2009).
A investigação foi desenvolvida em dois momentos. No primeiro momento foram registradas em áudio-vídeo cinco aulas da professora que chamamos de “Xxxx", a filmagem começou no momento em que a professora dar inicio o trabalho com equações do 1º grau. Paramos a filmagem no momento em que a professora deu por encerrado o assunto e passou para o próximo. No segundo momento, foi transcrita as aulas para posterior análise.
De forma reduzida apresentaremos a seguir um quadro que consideramos os nossos critérios de análises, Xxxxx (1991):
EFEITOS | RESUMOS |
TOPÁZIO | Quando um aluno encontra uma dificuldade, o efeito topázio consiste, de uma maneira ou de outra, a superar essa dificuldade em seu lugar. |
JOURDAIN | Um comportamento banal do aluno é considerado como a manifestação de um grande conhecimento. |
ESCORREGAMENTO METACOGNITIVO | Tomar uma técnica, acreditando como útil para resolver um problema, como objeto de estudo e perder de vista o verdadeiro conhecimento a ser desenvolvido. |
USO ABUSIVO DE ANALOGIAS | Substituir o estudo de uma noção complexa pelo estudo de uma analogia. |
Quadro dos critérios
Os efeitos de contrato didático tratam de situações que pode se materializar na sala de aula em função de um saber e caracteriza um momento importante, no que diz respeito à continuidade da aprendizagem escolar.
Um primeiro recorte (a seguir) diz respeito ao uso abusivo de analogias, são frases ditos populares que surgiram logo no inicio da primeira aula. Essa situação didática procura substituir o estudo em questão (iniciação a equação do primeiro grau) por um estudo de uma analogia. Essa situação que estamos nos referindo têm como característica um trabalho mais dialogado entre o professor e os alunos que a professora utiliza na intenção de aproximar o aluno do saber em jogo.
O efeito a que nos referimos, giravam em torno de três frases que a professora tinha escrito no quadro, sobre uns ditados populares:
“- De poeta e de louco todo mundo tem um pouco”.
“- Mais difícil de encontrar uma agulha no palheiro é encontrar duas”. “- Que não tem cão caça com um gato”.
Quadro (1): Recorte do protocolo da 1º e 2º aula
Nessa negociação, a professora se refere às frases, que estão escritas em linguagem natural, como sendo uma expressão. Nesse mesmo contexto, a professora vai trabalhando com seus alunos o significado dessas frases. No entanto, só no decorrer da aula as negociações começam a ficar mais claras, pois a professora começa a relacionar as frases com a matemática, como observamos no quadro a seguir. Vale salientar que esse discurso da professora surgiu logo após algumas provocações dela para com os alunos, conduzindo a uma institucionalização, ao final: a última palavra para indicar se está certo ou errado é da professora.”.
P – Se não tem cão caça com gato, caça com louro, caça com que tiver, é a arma que você tem, aí vejam bem, eu sei que têm algumas dessas frases que são ditados populares, eu sei que têm algumas dessas frases colocadas no quadro, vocês já ouviram, já comentaram até, já viram no pára-choque de caminhão e isso aqui você pode estar associando, é são frases que eu já conheço, mas o que tem isso á ver com a matemática?... Isso aqui né, isso aqui são ditados populares que eu posso associar da seguinte forma, isso aqui é uma frase que tem sentido completo? Isso aqui eu estou passando uma informação para você com essa frase? Ela tem sentido completo? ...
Quadro (2): Recorte do protocolo da 1º e 2º aulas
Como já havíamos comentado anteriormente, a professora através do diálogo vai promovendo as negociações em torno do saber. Nesse aspecto surge o efeito de uso abusivo de analogías. Por enquanto no que se refere às frases que foram colocadas no quadro.
O recorte a seguir que selecionamos diz respeito a uma expressão que se encontra em linguagem natural, nessa negociação surge o “efeito topázio”. Observe que a professora convida a aluna “G” para traduzir a expressão. Vale lembrar que essa aluna, faz parte do grupo dos alunos em que existe uma expectativa positiva em relação à disciplina.
P – Xxx, sim senhora [nome da aluna ”G”], letra b, diz pra mim letra b como é que você iria traduzir toda essa expressão aí de forma matemática?... Dois é menor que vinte, “tem palavras e eu vou traduzir todas essas palavrinhas em números”. Dois é menor que vinte, como é que eu escrevo essa frase?... Xxxxxxx o algarismo dois que é o primeiro, eu to dizendo que o algarismo dois é menor que o algarismo vinte. Como é que eu escrevo esse algarismo menor em matemática?... Qual é o sinal que eu coloco?... Xxxxx, é assim “<” menor, lembra? “<” menor que, maior que. Como é que você escreve menor, não [nome de uma aluna], lembra?... Oh! Oh! Menor que “<” menor que, certo? Então, escreva aí pra mim 2 < 20, certo. A terceira frase diz, sete é diferente de nove, como é que se escreve isso?
Traduzindo com algarismo?... Sete é diferente, qual é o sinal de diferente gente?
Quadro (3): Recorte do protocolo da 1º e 2º aulas
Nesse mesmo contexto, pontuamos que a professora praticamente ‘conduz’ a aluna à resposta, ou seja, utiliza outros “meios” além da fala os gestos, para facilitar ou indicar ao aluno outro caminho que possa chegar à operação correta do problema (regra de contrato). A professora “Xxxx”, na expectativa de que a aluna conseguisse resolver o problema que se encontra no quadro, começa a dar dicas inicialmente parciais; como a aluna não entende e não consegue resolver, a professora xxxxxxxxx coloca a informação no próprio quadro. Essa informação se caracteriza como parte da resposta. Por outro lado, essa forma de facilitar aponta na direção dos efeitos de contrato, apontando, particularmente, para o ‘Efeito Topázio’, no qual o professor, pouco a pouco, vai fornecendo a resposta correta ao aluno.
O próximo recorte diz respeito ao efeito de contrato “deslizamento metacognitivo”. O aspecto que chamamos a atenção diz respeito ao contrato didático na resolução dos problemas, a
professora conduz a resolução valorizando mais a etapa operacional, enfatizando o ensino da álgebra como a realização de procedimentos algébricos para a resolução da equação.
Nesse aspecto, o aluno obedecia a uma série de passos seqüenciais e regras fixas, a fim de achar a solução do problema, para, por fim, encontrar a incógnita. Em geral aconteciam implicitamente, em outras ocasiões explicitamente. Contudo, essas regras ou técnicas adotadas pela professora que presuma ser adequada para a resolução de um problema, perde de vista o verdadeiro saber a ser desenvolvido, o saber algébrico. Dessa forma caracteriza-se o efeito de contrato “escorregamento metacognitivo”.
P: Multiplicando, muito bem [nome da aluna “G”] o 3 está multiplicando o “x”, e eu vou passar este 3 agora para o segundo membro... Se ele esta multiplicando eu passo ele fazendo o que?
Als: Dividido...
P: Dividindo, operação inversa, se estar multiplicando passa após a igualdade dividindo, coloco dividido por 3... Faço normal, “x” é igual, 9 dividido por 3 dá quanto?
Als: Três...
Quadro 4: Recorte do protocolo da 1º e 2º aulas
De forma complementar podemos dizer que a regra de contrato subjacente acima parece ser aquela em que para o aluno aprender álgebra é necessário somente que saiba resolver os problemas através de regras prontas e acabadas. Em outros momentos na aula, presenciamos vários momentos em que a professora de forma exaustiva enfatizava as regras de contrato nas resoluções da seguinte forma: tá multiplicando passa o quê?; primeiro membro fica os valores desconhecidos; a resolução utiliza sempre as operações inversas, etc.
Considerações Finais
No interior da sala de aula, percebemos que existem interações complexas entre professor e alunos. Essas interações revelam caminhos muitas vezes contraditórios com relação ao saber que esta em jogo, sendo determinante no estabelecimento do contrato.
Na relação didática emergem as negociações e expectativas entre as partes o que caracteriza o contrato didático. Por outro lado é no momento do rompimento que ele é explicitado. O professor então, procura renegociar ou até redirecionar o ensino. Tal posicionamento torna-se o meio que o professor encontrou para salvar o processo de ensino e aprendizagem. Vale destacar que algumas situações dessa natureza incorrem em efeito de contrato (perversos) e o ensino tende ao fracasso.
Mediante o que nos propomos analisar, ao adentrar a sala de aula da professora, encontramos elementos que consideramos relevantes na análise dos efeitos de contrato didático quando se tem um saber algébrico em jogo. Foram identificadas rupturas de contrato, com maior frequência, que geraram efeitos topázio e escorregamento metacognivivo, o primeiro com maior frequência.
Uma das características marcantes do efeito topázio nas aulas quando o saber algébrico estava em cena, foram às dicas que a professora davam aos alunos no momento em que eles estavam resolvendo os problemas (equações). Em alguns momentos de forma explicita, a
professora fazia uma pergunta e posteriormente respondia, sem aguardar o aluno pensar para resolver. Observe um recorte de sua fala... P: Multiplicação... Qual é a operação inversa à multiplicação?.... Divisão... Quem é o meu resultado final?... Dezoito... Escrevi dezoito, o que é que eu faço com esse dezoito?... Aqui está multiplicando, eu passo aqui o que?... Quando o aluno não conseguia responder ela dava dicas ou até verbalizava a frase para que os alunos terminassem.
Consideramos que esses e outros momento são decisivos para aprendizagem dos alunos, ou seja, quando os alunos estavam próximo ao saber algébrico e encontrava uma dificuldade, de uma maneira ou de outra a professora esperando que o aluno superasse essa dificuldade, dava dicas para que eles encontrassem a solução da equação.
O segundo, escorregamento metacognitivo, a professora na maior parte das vezes fazia opção para as resoluções mecânicas, desviando os alunos dos problemas interpretativos, ou seja, aqueles que não eram necessários modelos para resolvê-los. Um momento crucial esta relacionado aos problemas relacionados à transformação da linguagem natural para linguagem algébrica. A professora explicitamente fala que três questões são suficientes para finalizar o assunto com compreensão. Essa frase diz respeito a uma negociação implícita de contrato, que dizer que assunto terá uma duração pequena por se tratar de um assunto de pouca importância. Dessa forma, podemos concluir que a professora não tem expectativas positivas com relação à passagem da linguagem natural para linguagem algébrica.
Por outro lado, tira a atenção dos alunos da transformação da linguagem natural para a linguagem algébrico, colocando o foco na etapa operacional, enfatizando o ensino da álgebra como a realização de procedimentos algébricos para a resolução da equação.
Para finalizar, queríamos destacar outras possibilidades de estudos a partir do que discutimos. Nessa perspectiva, entendemos que não encerramos por aqui nosso trabalho, outros olhares certamente poderão contribuir para esse campo de discussão. Uma primeira possibilidade de análise diz respeito a olhar os dados, a partir da perspectiva discutida por Xxxxxxxxxx, sobre transposição didática, particularmente a análise da praxeologia do professor e dos alunos, nesse contexto.
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