SÚMULA N. 547
Súmula n. 547
SÚMULA N. 547
Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do consumidor no custeio de construção de rede elétrica, o prazo prescricional é de vinte anos na vigência do Código Civil de 1916. Na vigência do Código Civil de 2002, o prazo é de cinco anos se houver previsão contratual de ressarcimento e de três anos na ausência de cláusula nesse sentido, observada a regra de transição disciplinada em seu art. 2.028.
Referências:
CC/1916, arts. 177, revogado.
CC/2002, arts. 206, § 3º, IV, § 5º, I e 2.028. CPC, art. 543-C.
Precedentes:
(*)REsp 1.063.661-RS (29 S, 24.02.2010 – DJe 08.03.2010) –
acórdão publicado na íntegra (*)REsp 1.249.321-RS (29 S, 10.04.2013 – DJe 16.04.2013) –
acórdão publicado na íntegra
EDcl no AREsp 84.300-RS (3ª T, 18.03.2014 – DJe 25.03.2014) REsp 1.380.603-MS (3ª T, 06.05.2014 – DJe 02.06.2014)
AgRg nos
EDcl no AREsp | 338.189-MS | (3ª T, 12.08.2014 – DJe 19.08.2014) |
AgRg no AREsp | 312.226-MS | (3ª T, 24.02.2015 – DJe 04.03.2015) |
EDcl no AREsp | 257.065-RS | (4ª T, 11.03.2014 – DJe 18.03.2014) |
AgRg no AREsp | 249.544-RS | (4ª T, 18.03.2014 – DJe 25.03.2014) |
EDcl no AREsp | 451.099-RS | (4ª T, 18.03.2014 – DJe 31.03.2014) |
AgRg no AREsp | 268.357-MS | (4ª T, 26.08.2014 – DJe 09.09.2014) |
AgRg no REsp | 1.285.996-RS | (4ª T, 24.02.2015 – DJe 23.03.2015) |
(*) Recursos repetitivos.
Segunda Seção, em 14.10.2015
DJe 19.10.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.249.321-RS (2011/0086178-2)
Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx
Recorrente: Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica CEEED RS Advogado: Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx e outro(s)
Recorrido: Xxxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx: Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx e outro(s)
Interes.: Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL - “Amicus Curiae” Repr. por: Procuradoria-Geral Federal
EMENTA
FINANCIAMENTO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CUSTEIO DE OBRA DE EXTENSÃO DE REDE ELÉTRICA PELO CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES APORTADOS. PRESCRIÇÃO.
Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1. Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do consumidor no custeio de construção de rede elétrica, a prescrição deve ser analisada, separadamente, a partir de duas situações: (i) pedido relativo a valores cujo ressarcimento estava previsto em instrumento contratual e que ocorreria após o transcurso de certo prazo a contar do término da obra (pacto geralmente denominado de “CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”); (ii) pedido relativo a valores para cujo ressarcimento não havia previsão contratual (pactuação prevista em instrumento, em regra, nominado de “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”).
1.2.) No primeiro caso (i), “prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do Código Civil de 2002, a pretensão de cobrança dos valores aportados para a construção de rede de eletrificação rural, [...] respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002” (REsp 1.063.661/RS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010);
1.3.) No segundo caso (ii), a pretensão prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 3 (três) anos, na vigência do Código Civil de 2002, por se tratar de demanda fundada em enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, inciso IV ), observada, igualmente, a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002.
2. No caso concreto, para o pedido de ressarcimento dos valores previstos no CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO, o prazo prescricional findaria em 11 de janeiro de 2008 (cinco anos, a contar da vigência do novo Código). Por outro lado, para o pedido de ressarcimento dos valores previstos no TERMO DE CONTRIBUIÇÃO, o prazo prescricional findaria em 11 de janeiro de 2006 (três anos, a contar da vigência do novo Código). Tendo o autor ajuizado a ação em 15 de janeiro de 2009, a totalidade de sua pretensão está alcançada pela prescrição.
3. Recurso especial a que se dá provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial para extinguir o feito com julgamento do mérito, reconhecendo a prescrição, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, foram fixadas as seguintes teses:
1. Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do consumidor no custeio de construção de rede elétrica, a prescrição deve ser analisada, separadamente, a partir de duas situações: (i) pedido relativo a valores cujo ressarcimento estava previsto em instrumento contratual e que ocorreria após o transcurso de certo prazo a contar do término da obra (pacto geralmente denominado de “CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”); (ii) pedido relativo a valores para cujo ressarcimento não havia previsão contratual (pactuação prevista em instrumento, em regra, nominado de “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”).
1.2.) No primeiro caso (i), “prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do Código Civil de
2002, a pretensão de cobrança dos valores aportados para a construção de rede de eletrificação rural, [...] respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002” (REsp 1.063.661/RS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010);
1.3.) No segundo caso (ii), a pretensão prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 3 (três) anos, na vigência do Código Civil de 2002, por se tratar de demanda fundada em enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, inciso IV), observada, igualmente, a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002. Os Srs. Ministros Xxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 10 de abril de 2013 (data do julgamento). Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Relator
DJe 16.4.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx: 1. Xxxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx ajuizou ação de rito ordinário em face da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica - CEEE-D, objetivando o ressarcimento de valores pagos para financiamento de construção de rede de eletrificação rural.
Sustenta que, em junho de 1993, efetuou o pagamento de Cr$ 100.000.000,00 (cem milhões de cruzeiros), e que em dezembro de 1.999 pagou mais R$ 1.058,00 (mil e cinquenta e oito reais), não tendo sido restituído nenhum valor.
Noticia o autor ter celebrado instrumento contratual nominado de “CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”, no qual havia previsão de que o aporte financeiro seria restituído “não antes de 4 anos pelo valor histórico”, a contar da conclusão da obra; e outro instrumento nominado de “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”, no qual havia previsão expressa de que o aporte ocorreria sob a forma de contribuição do consumidor, “não lhe cabendo qualquer espécie de reembolso em momento algum, conforme disposição legal vigente”.
Discorreu o autor acerca da incompatibilidade da pactuação com o Código de Defesa do Consumidor, com o Decreto n. 41.019/57 e com a Lei n. 10.438/02.
Assim, pleiteou o autor que fossem declaradas “nulas e abusivas as cláusulas contratuais que impunham a contribuição do consumidor no pagamento da rede elétrica, sem a possibilidade de restituição dos valores investidos ou que retire desta restituição o pagamento de correção monetária”, para condenar a Companhia ré ao pagamento de R$ 11.658,00 (onze mil e seiscentos e cinquenta e oito reais), corrigidos e acrescidos de juros legais (fl. 32).
O Juízo de Direito da 4ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS julgou parcialmente procedente o pedido deduzido pelo autor (fls. 161-166).
Em grau de apelação, a sentença foi mantida, com correção de erro material quanto à moeda vigente à época, nos termos da seguinte ementa:
DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE COBRANÇA DE VALORES INVESTIDOS PARA A CONSTRUÇÃO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL.
1. Prescrição inocorrente. Ação de direito pessoal. Existência concomitante de termo de contribuição e convênio de devolução. Incidência, no caso, do prazo prescricional decenal, previsto no art. 205 do Código Civil vigente, considerando a regra de transição do art. 2.028 do mesmo diploma legal.
2. Estando comprovado o aporte financeiro realizado pelo autor para a construção das obras de eletrificação rural, é devida a restituição dos valores investidos, na medida em que a obra foi incorporada ao patrimônio da prestadora do serviço.
3. Correção, de ofício, de erro material da sentença atinente à moeda ao tempo da contratação.
PREFACIAL REJEITADA. APELAÇÃO IMPROVIDA. ERRO MATERIAL DA SENTENÇA CORRIGIDO DE OFÍCIO. (fl. 215)
Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados (fls. 236-242).
Sobreveio recurso especial apoiado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, no qual se alega, além de dissídio, ofensa ao art. 177 do Código Civil de 1916, arts. 2.028 e 206, § 5º, do Código Civil de 2002 - a despeito de haver rápida menção a outros dispositivos de lei.
Sustenta a recorrente que a pretensão dos autores está fulminada pela prescrição, em consonância com julgamento da Segunda Seção proferido em
sede de recurso especial representativo de controvérsia (REsp 1.063.661/RS, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010).
O recurso especial foi admitido na origem (fls. 264-270).
Verificando ser repetitivo o tema central versado nos autos, alusivo à prescrição da pretensão ao ressarcimento de valores investidos em expansão de rede de eletrificação, afetei o julgamento do presente recurso especial à e. Segunda Seção, nos termos do art. 543-C do CPC, bem como da Resolução n. 08/2008 (fls. 280-281).
A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL veio aos autos informando não ter interesse em ingressar no feito como amicus curiae, mas, como contribuição ao desate do litígio, abraçou a tese segundo a qual, nos termos do art. 140, § 2º, do Decreto n. 41.019/57, “somente a parcela de responsabilidade da distribuidora (encargo de responsabilidade da distribuidora), eventualmente antecipada pelo consumidor para antecipação do prazo de atendimento, deveria ser restituída pela distribuidora” (fl. 290).
A ANEEL noticia também que, atualmente, sob a égide da Lei n. 10.438/2002, ainda há previsão desse mecanismo de participação financeira do consumidor no custeio de rede elétrica, sendo regulamentado o procedimento pela Resolução Normativa/ANEEL n. 414/2010, arts. 36 e seguintes, e n. 223/2003, art. 18-B.
Por isso, conclui a ANEEL, “seja à época discutida na demanda, amparada pelo Decreto 41.019/1957 seja atualmente, a restituição deve ser realizada apenas da parcela de responsabilidade da concessionária eventualmente antecipada pelo consumidor, tudo de acordo com a regulamentação da ANEEL, no exercício de sua competência” (fl. 290).
O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pelo ilustre Subprocurador-Geral da República Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, opina pelo conhecimento parcial do recurso e, na extensão, pelo seu não provimento (fls. 292-301).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx (Relator): 2. A matéria alusiva à prescrição da pretensão ao ressarcimento de valores investidos em expansão
de rede de eletrificação já foi apreciada em sede de recurso especial repetitivo, de minha relatoria, chegando a Segunda Seção ao seguinte entendimento: “prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do Código Civil de 2002, a pretensão de cobrança dos valores aportados para a construção de rede de eletrificação rural, posteriormente incorporada ao patrimônio da CEEE/RGE, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002”.
O suporte fático do precedente acima mencionado dizia respeito a contrato firmado entre os autores e a RGE, tendo a concessionária se obrigado a restituir ao consumidor, após o decurso do prazo de quatro anos, as quantias investidas pelo seu valor histórico. Daí por que se aplicou o art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002, já que a pretensão deduzida era de “cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular”.
Porém, têm aportado a esta Corte controvérsias com outros contornos fáticos e jurídicos, envolvendo contratos nos quais há vedação expressa à restituição de valores (comumente designados “Termo de Contribuição”).
Por ocasião do despacho de afetação, vislumbrei que, em princípio, não se trata de pretensão a cobrança de “dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular”. Nesses casos, tem se questionado a legalidade da vedação contratual à restituição dos valores aportados no custeio da rede elétrica - tema discutido no julgamento anterior, do REsp n. 1.243.646/PR.
Por isso, afigurou-se-me conveniente a rediscussão da matéria, com re afirmação e atualização do entendimento sufragado no REsp 1.063.661/RS, julgado pelo rito do art. 543-C, CPC.
3. Nesse passo, absolutamente acertada a jurisprudência tranquila que antecedeu o mencionado precedente, entendendo incidir o prazo prescricional aplicável àquelas hipóteses de “dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular” (art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002).
Na verdade, tal entendimento foi antecedido por precedente desta Segunda Seção, de relatoria Ministro Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, em cujo voto condutor ficou assentado que:
Em caso como tais, que envolvem dívidas líquidas documentadas, em que a obrigação é certa quanto à existência e determinada quanto ao objeto, o Novo Código Civil estabeleceu especificamente que a prescrição aplicável à pretensão do respectivo titular ocorre no prazo de cinco anos, a partir do vencimento
da obrigação, consoante prevê o artigo 000, § 0x, xxxxxx X. (XXxx 1.053.007/RS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27.05.2009)
A ementa desse julgado é a seguinte:
AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. FINANCIAMENTO E ADIANTAMENTO DE OBRAS DE ELETRIFICAÇÃO. INAPLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO TRIENAL OU DECENAL DO ARTIGO 205 DO NOVO CÓDIGO CIVIL CORRESPONDENTE AO ARTIGO 177 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. ARTIGO 206, § 5º, INCISO I.
1. O prazo prescricional das ações de cobrança de dívida líquida constante em instrumento público ou particular de natureza pessoal é qüinqüenal, enquadrando-se na regra específica do inciso I, parágrafo 5º, do artigo 206 do Novo Código Civil.
2. Recurso especial não-conhecido.
(REsp 1.053.007/RS, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XX XXXXXXX, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 09/12/2009)
Outros casos, todavia, em que a moldura fática e a causa de pedir se diferenciam, a solução, a meu juízo, não pode ser a mesma.
Nos presentes autos - assim como em outros oriundos de diversas Unidades da Federação -, não há pura e simplesmente um instrumento contratual a prever dívida líquida a ser paga pela concessionária em determinado prazo.
A exemplo dos processos oriundos do Paraná - o que ficou claro no julgamento anterior, do REsp n. 1.243.646/PR -, a pactuação era total ou parcialmente em sentido inverso, constando que a concessionária não restituiria o valor pago pelo consumidor em nenhuma hipótese.
A situação fática de processos oriundos do Rio Grande do Sul, como no caso em exame, revela a existência de dois instrumentos contratuais: um “CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”, no qual havia previsão de que o aporte financeiro seria restituído “não antes de 4 anos pelo valor histórico”, a contar da conclusão da obra; e outro instrumento nominado de “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”, no qual havia previsão expressa de que o aporte ocorreria sob a forma de contribuição do consumidor, “não lhe cabendo qualquer espécie de reembolso em momento algum, conforme disposição legal vigente”.
Com efeito, o prazo de prescrição aplicável a situações como a presente deve ser aferido a partir dessas duas realidades distintas, não me parecendo
possível a aplicação homogênea a toda controvérsia do lapso prescricional previsto no art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002, que diz respeito a dívidas líquidas.
Entendo que à pretensão de ressarcimento do valor previsto no chamado “CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”, aplica-se o entendimento firmado no REsp n. 1.063.661/RS, devendo manter-se inalterada a jurisprudência firmada em recurso especial repetitivo.
4. Porém, a solução, a meu juízo, deve ser outra no particular relativo à restituição dos valores previstos no “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”, como a seguir descrito.
A moldura fática soberanamente traçada nos presentes autos - e que normalmente se repete em diversos outros processos - é a de que o consumidor se insurge contra a legalidade da cláusula contratual que prevê a não devolução dos valores aportados por ele para o financiamento de rede elétrica, seja vedando expressamente, seja afirmando que a participação financeira do consumidor dar- se-ia a título de “contribuição”.
Nesses casos, inexistindo dívida reconhecida contratualmente pela concessionária, acoimam-se as mencionas pactuações com a pecha da invalidade/abusividade, pretendendo-se, a partir do reconhecimento do vício, o ressarcimento dos valores anteriormente pagos.
O sistema civil brasileiro de 1916, como é amplamente sabido, não tratou com muito esmero os institutos da prescrição e da decadência, atribuindo prazos ditos prescricionais a direitos potestativos, sujeitos evidentemente a decadência.
Colhem-se como exemplos dessa erronia o pedido de anulação de casamento (art. 178, § 1º e § 4º, II, § 5º, I e II), a ação para se contestar a paternidade de filho (art. 178, § 3º), a ação para revogar doação (art. 178, § 6º, I), ação do adotado para se desligar da adoção (art. 178, § 6º, XIII), ação para anulação de contratos em razão de vício de vontade (art. 178, § 9º, inciso V).
Quanto à prescrição, desde o diploma revogado, o legislador optou por prever um prazo geral (art. 177) e situações discriminadas sujeitas a prazos especiais (art. 178), sem exclusão de outros prazos conferidos por leis específicas.
Grosso modo, esse método foi transferido para o Código Civil de 2002, que também prevê um prazo geral (art. 205), e prazos específicos (art. 206) de prescrição.
Essa sistemática, por si só, possui a virtualidade de apanhar, ordinariamente, todas as pretensões de direito subjetivo e lhes conferir um prazo de perecimento: se a pretensão não se enquadra nos prazos prescricionais específicos, sujeitar- se-á, certamente, ao prazo geral.
No Código Civil de 1916 - embora baralhando conceitos - os prazos de prescrição e decadência estavam previstos nos arts. 177 a 179.
A partir da leitura e conjugação dos artigos acima transcritos, percebe-se que a situação tratada nos autos não se ajusta a nenhum prazo específico de prescrição, incidindo, assim, a regra geral para as ações pessoais, prevista no art. 177 do Código Civil.
Tal conclusão é a mesma adotada no precedente firmado no recurso repetitivo já mencionado (REsp 1.063.661/RS).
Isso porque, na vigência do Diploma revogado, a separação entre ações pessoais e reais era a regra geral de definição de prazos prescricionais, quando a situação controvertida não se enquadrava nos prazos específicos.
Assim, tanto o pedido de restituição dos valores previstos no chamado “CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”, quanto o de restituição do valor subjacente ao “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”, enquadram-se ambos no que o Código Civil anterior denominava ações pessoais, estando ambos sujeitos ao prazo vintenário de prescrição.
Contudo, na vigência do Código Civil de 2002, a situação é outra, uma vez que se abandonou o critério das ações “pessoais” ou “reais” como elemento definidor de prazos gerais de prescrição. Agora, há um prazo geral de dez anos, previsto no art. 205, aplicável sempre quando não incidir um dos prazos específicos listados pelo art. 206.
Confira-se:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
Art. 206. Prescreve:
§ 1º Em um ano:
I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;
V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.
§ 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
§ 3º Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
§ 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
§ 5º Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;
III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
Destarte, no particular relativo ao “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”, não incide o prazo de cinco anos previsto no art. 206, § 5º, inciso I, porque de “dívidas líquidas” não se trata.
Importante ressaltar, nesse momento, que no julgamento anterior (REsp
n. 1.243.646/PR), no ponto alusivo a eventuais ilegalidades em contratos desse jaez, ficou excluída a possibilidade de infringência ao Código de Defesa do Consumidor pela cláusula que afasta a restituição dos valores, não se havendo falar por isso em nulidades absolutas, como as previstas no art. 51 daquele mencionado diploma.
Em verdade, de tudo que se afirmou no julgamento precedente (REsp
n. 1.243.646/PR), o único pleito remanescente e possível (após o resultado de mérito daquele julgamento) é na hipótese de o consumidor alegar e provar a inadequação do contrato à legislação regente à época, qual seja, Decreto n. 41.019/57, com as alterações trazidas pelo Decreto n. 83.269/79 e Decreto
n. 98.335/89, assim também a normatização baixada pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, que definia os encargos de responsabilidade da concessionária e do consumidor, relativos a pedidos de extensão de redes de eletrificação, com base na natureza de cada obra.
Com efeito, haveria ilegalidade na retenção dos valores pagos pelo consumidor se os mencionados aportes fossem, na verdade, de responsabilidade da concessionária, tendo esta se apropriado de quantia de terceiro que, a rigor, deveria ter sido desembolsada por ela própria.
Em suma, haveria ilegalidade se o consumidor tivesse arcado com parte (ou totalidade) da obra que cabia à concessionária.
Assim, a meu juízo, incide o prazo de três anos previsto no art. 206, § 3º, inciso IV, para a “pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa”, no
que concerne à restituição de valores contidos em instrumentos contratuais que vedava a devolução (como os chamados TERMOS DE CONTRIBUIÇÃO).
Deveras, o novo regramento consignou prazo prescricional específico para a pretensão em análise, que envolve ressarcimento de valores cujo pagamento - como se alega - tenha sido indevido.
Vale dizer, o novo Código limitou o lapso de tempo em que se permite ao prejudicado o ajuizamento da actio de in rem verso.
A solução da controvérsia revelada nos autos perpassa o conceito e a abrangência do instituto do enriquecimento sem causa, com base no qual deve- se aferir o âmbito de aplicação dos dispositivos legais acima referidos.
Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx assim conceitua o instituto:
Toda aquisição patrimonial deve decorrer de uma causa, ainda que seja ela apenas um ato de apropriação por parte do agente, ou um ato de liberalidade de uma parte em favor da outra. Ninguém enriquece do nada.
O sistema jurídico não admite, assim, que alguém obtenha um proveito econômico às custas de outrem, sem que esse proveito decorra de uma causa juridicamente reconhecida. A causa para todo e qualquer enriquecimento não só deve existir originariamente, como também deve subsistir, já que o desaparecimento superveniente da causa do enriquecimento de uma pessoa, às custas de outra, também repugna ao sistema (Código Civil, art. 885). Esse é o espírito do denominado princípio do enriquecimento sem causa, disciplinado pela primeira vez de forma expressa no Código Civil de 2002. (Instituições de Direito Civil, volume III,).
Prosseguindo, leciona que:
Para que o enriquecimento sem causa se configure, é preciso que o proveito obtido por sua atividade ou por sua causa tenha sido ilegitimamente apropriado pelo beneficiado, sem que o lesado possa por qualquer outro meio obter o benefício dela decorrente.
Na mesma linha, obtempera Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx:
O enriquecimento, sem justa causa, é fonte da obrigação de restituir tudo o que o beneficiário lucrou à custa do empobrecimento de outrem (art. 884).
A ação para recuperar a perda sofrida nasce para o prejudicado no momento em que o beneficiário absorve em seu patrimônio o bem a que não tinha direito. Ao mesmo tempo que sofre o prejuízo, adquire o prejudicado o direito ao ressarcimento, acompanhado da imediata pretensão. Tudo se passa
simultaneamente. Por isso, do próprio fato do enriquecimento sem causa começa a correr a prescrição da pretensão de recuperá-lo. A situação é a mesma do ato ilícito: o responsável se coloca em mora desde o momento em que o praticou (art. 398) (XXXXXXXX XXXXXX, Humerto. Comentários ao código civil, volume 3. t.2. Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2003, p 327).
Xxxxxx Xxxxxxxx, por sua vez, traz alguns exemplos em que a prescrição alusiva à ação de enriquecimento sem causa incidiria:
Inúmeras as situações que comportam o ressarcimento, sendo o elemento configurativo o proveito resultante a uma das partes de uma relação contratual ou extracontratual. Assim, a falta de pagamento da dívida no momento oportuno, o investimento de capital recebido sem a retribuição pelo tempo em que ficou a parte usufruindo do mesmo capital, o acréscimo feito em uma obra a pedido do contratante, o empréstimo de um instrumento que trouxe vantagens à pessoa, a utilização de uma área de terras no cultivo econômico, a permanência em um imóvel além do prazo combinado, o pagamento do preço inferior ao vigente no mercado, são alguns exemplos (RIZZARDO, Xxxxxxx. Parte Geral do Código Civil. p. 617).
Há também precedentes nesta Corte a abraçar essa tese:
CONSUMIDOR E PROCESSUAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COBRANÇA INDEVIDA DE VALORES. INCIDÊNCIA DAS NORMAS RELATIVAS À PRESCRIÇÃO INSCULPIDAS NO CÓDIGO CIVIL. PRAZO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO TRIENAL. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
1. O diploma civil brasileiro divide os prazos prescricionais em duas espécies. O prazo geral decenal, previsto no art. 205, destina-se às ações de caráter ordinário, quando a lei não houver fixado prazo menor. Os prazos especiais, por sua vez, dirigem-se a direitos expressamente mencionados, podendo ser anuais, bienais, trienais, quadrienais e quinquenais, conforme as disposições contidas nos parágrafos do art. 206.
2. A discussão acerca da cobrança de valores indevidos por parte do fornecedor se insere no âmbito de aplicação do art. 206, § 3º, IV, que prevê a prescrição trienal para a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa. Havendo regra específica, não há que se falar na aplicação do prazo geral decenal previsto do art. 205 do CDC. Precedente.
3. A incidência da regra de prescrição prevista no art. 27 do CDC tem como requisito essencial a formulação de pedido de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, o que não ocorreu na espécie.
4. O pedido de repetição de cobrança excessiva que teve início ainda sob a égide do CC/16 exige um exame de direito intertemporal, a fim de aferir a incidência ou não da regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/02.
5. De acordo com esse dispositivo, dois requisitos cumulativos devem estar presentes para viabilizar a incidência do prazo prescricional do CC/16: i) o prazo da lei anterior deve ter sido reduzido pelo CC/02; e ii) mais da metade do prazo estabelecido na lei revogada já deveria ter transcorrido no momento em que o CC/02 entrou em vigor, em 11 de janeiro de 2003.
6. Considerando que não houve impugnação do dies a quo do prazo prescricional definido pelo Tribunal de Oirgem - data da colação de grau do recorrente, momento no qual ocorreu o término da prestação de serviço educacional -, e que, na espécie, quando o CC/02 entrou em vigor não havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional previsto na lei antiga, incide o prazo prescricional trienal do CC/02, motivo pelo qual o acórdão recorrido não merece reforma.
7. Recurso especial não provido.
(REsp 1.238.737/SC, Rel. Ministra XXXXX XXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/11/2011, DJe 17/11/2011)
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. RECOMPOSIÇÃO DE PREÇOS. REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ART. 206, § 3º, IV, DO CÓDIGO CIVIL. PLEITO EFETUADO APÓS A CONCLUSÃO DA OBRA. RESSARCIMENTO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Pessoa jurídica vencedora de licitação propôs ação de recomposição de preços contra sociedade de economia mista. Alega que houve uma significativa elevação do dólar, que ocasionou exorbitante aumento nos preços dos insumos básicos, materiais e equipamentos empregados na realização da obra, comprometendo a equação econômica ajustada no momento da contratação. Discute-se, no apelo especial, se a prescrição na hipótese é regida pelo prazo geral de dez anos, previsto no art. 205, do Código Civil, ou se deve ser aplicado o de três anos, contido no art. 206, § 3º, IV, daquele mesmo diploma.
2. O recurso não merece ser conhecido pela alegativa de dissídio jurisprudencial, uma vez que o recorrente não realizou o necessário cotejo analítico entre os arestos confrontados, deixando de demonstrar a existência de similitude fática entre eles. Dessarte, descumpriu-se o disposto nos artigos 541, parágrafo único, do CPC, e 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes.
3. De acordo com o entendimento pacificado no STJ, as ações movidas contra as sociedades de economia mista não se sujeitam ao prazo prescricional previsto no Decreto-Lei 20.910/32, porquanto possuem personalidade jurídica de direito privado, estando submetidas às normas do Código Civil.
4. O art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002 estipula o prazo prescricional de três anos para as ações de ressarcimento por enriquecimento sem causa.
5. A situação narrada nos autos se amolda ao disposto no art. 206, § 3º, IV, do CC. O pleito para recomposição de preços foi realizado após a entrega da obra, isto é, quando já exaurido o objeto contratual. Dessa feita, não se trata de simples anulação ou revisão de cláusulas contratuais, mas de verdadeiro pedido de ressarcimento formulado perante a Administração Pública, a qual se beneficiou do desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1.145.416/RS, Rel. Xxxxxxxx XXXXXX XXXXX, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 17/03/2011)
5. Assim, diante das questões jurídicas subjacentes ao caso concreto, encaminho os seguintes entendimentos para efeitos do art. 543-C do CPC:
5.1. Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do consumidor no custeio de construção de rede elétrica, a prescrição deve ser analisada, separadamente, a partir de duas situações: (i) pedido relativo a valores cujo ressarcimento estava previsto em instrumento contratual e que ocorreria após o transcurso de certo prazo a contar do término da obra (pactuação prevista em instrumento geralmente nominado de “CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”); (ii) pedido relativo a valores para cujo ressarcimento não havia previsão contratual (pactuação prevista em instrumento geralmente nominado de “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”.
5.2. No primeiro caso (i), “prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do Código Civil de 2002, a pretensão de cobrança dos valores aportados para a construção de rede de eletrificação rural, [...] respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002” (REsp 1.063.661/RS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010);
5.3. No segundo caso (ii), a pretensão prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 3 (três) anos, na vigência do Código Civil de 2002, por se tratar de demanda fundada em enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, inciso IV), observada, igualmente, a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002.
6. No caso concreto, o acórdão recorrido firmou a premissa fática de ter havido o desembolso de CR$ 50.427,14, a título de TERMO DE CONTRIBUIÇÃO, e de CR$ 8.218,32, como CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO.
Por outro lado, a despeito de constar na inicial alegação de aporte financeiro no ano de 1999, o acórdão recorrido entendeu que o desembolso dos valores ocorreu em 17 de agosto de 1993 (fl. 220).
Assim, aplicando-se o prazo vintenário para ambos os aportes, verifica-se que, por ocasião da entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11 de janeiro de 2003), não havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional antigo, fazendo incidir os novos prazos, nos termos da regra de transição prevista no art. 2.028.
Destarte, para o pedido de ressarcimento dos valores previstos no CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO, o prazo prescricional findaria em 11 de janeiro de 2008 (cinco anos, a contar da vigência do novo Código); para o pedido de ressarcimento dos valores previstos no TERMO DE CONTRIBUIÇÃO, o prazo prescricional findaria em 11 de janeiro de 2006 (três anos, a contar da vigência do novo Código).
O autor ajuizou a ação em 15 de janeiro de 2009, por isso a totalidade de sua pretensão está mesmo alcançada pela prescrição.
7. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para extinguir o feito com julgamento de mérito (art. 269, inciso IV, do CPC), reconhecendo a prescrição.
A cargo do autor, custas processuais e honorários advocatícios, estes ora fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), observados os benefícios da Lei n. 1.060/50.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.063.661-RS (2008/0122820-1)
Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Recorrente: Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx e outro Advogado: Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx e outro(s) Recorrido: Rio Grande Energia S/A e outro Advogado: Xxxxxxxx Xxxxxx e outro(s)
Recorrido: Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica CEEED Advogado: Xxxxx Xx da Motta Germano e outro(s)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL. COBRANÇA DOS VALORES APORTADOS. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA, NA VIGÊNCIA DO CC/16, E QUINQUENAL, NA VIGÊNCIA DO CC/02, RESPEITADA A REGRA DE TRANSIÇÃO DO ART. 2.028/ CC02.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do Código Civil de 2002, a pretensão de cobrança dos valores aportados para a construção de rede de eletrificação rural, posteriormente incorporada ao patrimônio da CEEE/RGE, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002.
2. Recurso especial provido para afastar a prescrição decretada e determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo.
ACÓRDÃO
A Seção, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento, para afastar a prescrição decretada e determinar o retorno dos autos ao Tribunal “a quo”, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx (Desembargador convocado do TJ/RS), Xxxxx Xxxxxxx (Desembargador convocado do TJ/BA), Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx (Desembargador convocado do TJ/AP), Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator.
Sustentou oralmente a Dra. Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, pela recorrida: Rio Grande Energia S/A
Brasília (DF), 24 de fevereiro de 2010 (data do julgamento). Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Relator
DJe 8.3.2010
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx: 1. Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx e Hermes Menezes Fagundes ajuizaram ação de cobrança em face de RGE - Rio Grande Energia - e CEEE - Companhia Estadual de Energia Elétrica
-, visando restituição de valores despendidos para construção de rede de eletrificação rural. Informaram que, após concluída a obra, esta foi incorporada ao patrimônio da RGE, ocasião em que foi firmado contrato entre os autores e a RGE, em que esta se obrigou a restituir, após o decurso do prazo de quatro anos, as quantias investidas pelo seu valor histórico. Diante da inércia dos réus em cumprir o contrato, requereram os autores a restituição dos valores, corrigidos monetariamente pelo IGPM.
O Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da comarca de “Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx”, reconhecendo a prescrição trienal, julgou extinto o processo, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, IV, do Código de Processo Civil.
Em grau de apelação, a sentença foi mantida, por maioria de votos, pela Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por acórdão assim ementado:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL. PRESCRIÇÃO.
1. Investimento, pelo usuário, em rede de eletrificação rural. O termo inicial da prescrição, no caso concreto, é a partir de quatro anos da data da conclusão da obra, momento em que a dívida se tornou exigível. No caso, iniciou-se o prazo de prescrição em 16.10.2001, que, segundo a regra do artigo 177 do CC/1916, que tratava das ações pessoais, era de vinte anos.
2. Regra de transição do art. 2.028 CC/2002. Diante disso, considerando que não havia transcorrido mais de metade do prazo vintenário quando da entrada em vigor do CC/2002, aplica-se, o prazo estabelecido pela lei nova, cujo termo inicial, por óbvio, é a data de sua entrada em vigor (11.01.2003).
3. Trata-se da hipótese do artigo 206, § 3º, IV, do CC/2002, qual seja, pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa, com prazo de três anos. Com efeito, busca a parte demandante o ressarcimento do valor investido na implementação de rede de eletrificação em área rural, acrescidos de juros e correção monetária, sob pena de enriquecimento sem causa da concessionária de serviço público, que, além de não ter despendido valores na construção da rede, acrescentou-a a seu patrimônio.
4. Destarte, sendo o prazo de três anos e tendo iniciado em 11.01.2003 – data da entrada em vigor do Código Civil de 2002 -, encontrou seu termo final em
11.01.2006. Daí que a presente demanda, aforada em 18.01.2007, estava prescrita desde 11.01.2006.
APELO IMPROVIDO. POR MAIORIA. (fls. 228).”
Sobreveio, assim, recurso especial, fundado na alínea “a” do permissivo constitucional, no qual se alega ofensa aos artigos 205 e 206, § 3º, IV, do Código Civil, ao argumento de que incide na hipótese a prescrição decenal, ao invés da trienal, como entendeu o acórdão recorrido.
Diante da notória multiplicidade de recursos a versar matéria idêntica, afetei o julgamento do presente a esta E. Segunda Seção, nos termos do art. 543-C do CPC (fl. 272).
Agacir Xxxxxxx Xxxxx e outras dezesseis pessoas, que são partes nas Rcl.
n. 3.683 e outras, que tramitam no âmbito desta Segunda Seção, apresentaram manifestação, arguindo interesse no feito, nos termos do art. 543-C do CPC e art. 3º, inciso I, da Resolução n. 08/2008 do STJ. (fls. 313/337)
O Ministério Público Federal, mediante parecer subscrito pelo ilustre Subprocurador-Geral da República Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxx, opina pela incidência do prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil, e, no caso concreto, pelo não-conhecimento do recurso, por incidência da Súmula n. 207/STJ, diante da não-manifestação de embargos infringentes na origem. (fls. 376/384)
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx (Relator): 2. Primeiramente, a preliminar arguida pelo Ministério Público Federal, segundo a qual o recurso especial encontraria óbice na Súmula n. 207/STJ, data venia, não procede.
Nos termos do art. 530 do CPC, com redação conferida pela Lei n. 10.352, de 2001, “cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória” (grifo nosso).
Ocorre que no caso ora examinado, muito embora o julgamento em grau de apelação tenha se dado por maioria de votos, a sentença foi mantida, razão pela qual se mostravam mesmo incabíveis os embargos infringentes. Nesse sentido: REsp 696.343/PR, Rel. Ministra XXXXX XXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/12/2006, DJ 12/02/2007 p. 258.
Preliminar rejeitada.
3. A hipótese dos autos diz respeito ao prazo prescricional aplicável à pretensão de restituição dos valores antecipados pelos autores às sociedades recorridas para construção de redes elétricas em área rural.
O Juízo de primeiro grau acolheu a incidência do prazo prescricional previsto no artigo 206, § 3º, IV, do Código Civil, em entendimento ratificado pelo Tribunal de origem, ao argumento de que “a pretensão está fundamentada essencialmente no enriquecimento sem causa das rés, pois, ao não restituir os valores pagos pelos autores, cumprindo com sua obrigação contratual, locupletaram-se ilicitamente à expensas daqueles.”
3.1. Esta Corte já apreciou controvérsia surgida quando ainda vigente o Código Civil de 1.916, assentando a incidência da prescrição vintenária.
Confiram-se precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL. CEEE. EXTENSÃO DE REDE ELÉTRICA. FINANCIAMENTO PELO CONSUMIDOR. PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. A prescrição qüinqüenal não atinge as sociedades de economia mista concessionárias de serviço público. A prescrição, in casu, é vintenária.
2. Constitui disposição leonina a cláusula de contrato de adesão que dispõe sobre a restituição, sem correção monetária, do valor financiado para construção de rede de eletrificação rural. Ademais, a correção monetária não é um plus, mas mero fator de atualização do valor da moeda.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 548.036/RS, Rel. Xxxxxxxx XXXXXX XXXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 12.12.2005, DJ 27.03.2006 p. 277).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO. CONSTRUÇÃO DE REDE ELÉTRICA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. SIGNATÁRIA DO PACTO. REVISÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. VIOLAÇÃO AO ATO JURÍDICO PERFEITO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
I. É vintenário o prazo prescricional para as ações movidas contra a sociedade de economia mista, concessionária de serviço público.
Precedentes.
II. A decisão agravada, ao reconhecer a legitimidade da CEEE, o fez com base nos elementos de convicção dos autos. A análise da irresignação demandaria reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que é vedado em recurso especial, nos termos da Súmula 07/STJ.
III. O prequestionamento, entendido como a necessidade de o tema objeto do recurso haver sido examinado pela decisão atacada, constitui exigência inafastável da própria previsão constitucional, ao tratar do recurso especial, impondo-se como um dos principais requisitos ao seu conhecimento. Não examinada a matéria objeto do especial pela instância a quo, mesmo com a oposição dos embargos de declaração, incide o enunciado 211 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 1.013.437/RS, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 07.08.2008, DJe 28.08.2008)
3.2. Na vigência do atual Código, o caso subsume-se ao art. 206, § 5º, inciso I, que prevê prazo quinquenal e está assim redigido:
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 5º Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
Esse tem sido o entendimento desta E. Segunda Seção - com a ressalva do meu ponto de vista firmado em voto-vista proferido no REsp 1.053.007/RS - conforme se dessume do excerto do voto proferido pelo e. Ministro Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, no acórdão paradigma sobre o tema:
“Em caso como tais, que envolvem dívidas líquidas documentadas, em que a obrigação é certa quanto à existência e determinada quanto ao objeto, o Novo Código Civil estabeleceu especificamente que a prescrição aplicável à pretensão do respectivo titular ocorre no prazo de cinco anos, a partir do vencimento da obrigação, consoante prevê o artigo 000, § 0x, xxxxxx X.” (XXxx 1.053.007/RS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27.05.2009)
A ementa desse julgado é a seguinte:
AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. FINANCIAMENTO E ADIANTAMENTO DE OBRAS DE ELETRIFICAÇÃO. INAPLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO TRIENAL OU DECENAL DO ARTIGO 205 DO NOVO CÓDIGO CIVIL CORRESPONDENTE AO ARTIGO 177 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. ARTIGO 206, § 5º, INCISO I.
1. O prazo prescricional das ações de cobrança de dívida líquida constante em instrumento público ou particular de natureza pessoal é qüinqüenal,
enquadrando-se na regra específica do inciso I, parágrafo 5º, do artigo 206 do Novo Código Civil.
2. Recurso especial não-conhecido.
(REsp 1.053.007/RS, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XX XXXXXXX, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 09/12/2009)
E nessa toada vem seguindo o entendimento das turmas integrantes da Segunda Seção, conforme se comprova dos inúmeros precedentes:
CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. FINANCIAMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. LEGITIMIDADE PASSIVA. CISÃO. CLÁUSULAS. REVOLVIMENTO. SÚMULA N. 5/STJ. PRESCRIÇÃO. VINTENÁRIA. ARTIGO 177, DO CC/1916. QUINQUENAL NA VIGÊNCIA DO ART. 206,
§ 5º, I, DO CC/2002. (...)
II. Acerca da prescrição durante a incidência do Código Civil de 1916, pacificou- se no STJ a orientação no sentido de ser aplicável o prazo prescricional vintenário nas hipóteses de ações pessoais movidas contra sociedades de economia mista concessionárias de serviço público (AgRg no Ag 500.695/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, DJU de 3.5.2004; AgRg no Ag 545.205/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJU de 29.3.2004 e AgRg no Ag 476.643/ RS, 3ª Turma, Rel. Min. Xxx Xxxxxxxxxx, DJU de 15.12.2003). Já na vigência do Código Civil de 2002, esta Corte considerou quinquenal o prazo para a ação de cobrança em debate, com fundamento no art. 206, § 5º, I (2ª Seção, REsp n. 1.053.007-RS, Rel. Min. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, julgado em 12.08.2009).
III. Agravo desprovido.
(AgRg no Ag 1.120.842/RS, Rel. Ministro XXXXX XXXXXXXXXX XXXXXX, QUARTA
TURMA, julgado em 15/10/2009, DJe 23/11/2009)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO. CONSTRUÇÃO DE REDE ELÉTRICA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESCRIÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. REVISÃO. REEXAME DE PROVAS E CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.
I. É vintenário o prazo prescricional para as ações movidas contra a sociedade de economia mista, concessionária de serviço público, na vigência do CC/1916. Precedentes. Com o advento do CC/2002, o prazo prescricional aplicável ao caso é de cinco anos.
(...)
(AgRg no Ag 1.158.381/RS, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX, TERCEIRA TURMA,
julgado em 25/08/2009, DJe 11/09/2009)
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INSTALAÇÃO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESCRIÇÃO. TRANSIÇÃO DO ART.
2.028 do CC. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS NS. 5 E 7/STJ. REVISÃO DE PROVAS E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 557 § 2º, CPC.
(...)
2. Nas dívidas líquidas documentadas, em que a obrigação é certa quanto à existência e determinada quanto ao objeto, o Novo Código Civil estabeleceu especificamente que a prescrição aplicável à pretensão do respectivo titular ocorre no prazo de cinco anos, a partir do vencimento da obrigação, consoante prevê o artigo 206, § 5º, inciso I, atendida a regra de transição do art. 2.028 do atual Codex.
(...)
(AgRg no Ag 1.102.335/RS, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XX XXXXXXX, QUARTA
XXXXX, julgado em 06/08/2009, DJe 17/08/2009)
AGRAVO REGIMENTAL. (...)
O PRAZO PRESCRICIONAL PARA A RESTITUIÇÃO DE VALORES DESEMBOLSADO PARA FINANCIAMENTO DE REDE DE ENERGIA ELÉTRICA, NA INCIDÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916, É O VINTENÁRIO, E, NA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002, É O QÜINQÜENAL. AGRAVO IMPROVIDO.
(AgRg no Ag 949.811/RS, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, QUARTA TURMA,
julgado em 17/11/2009, DJe 30/11/2009)
CIVIL. OBRIGAÇÕES. ESPÉCIES DE CONTRATOS. TURMA RECURSAL DE JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECLAMAÇÃO. CABIMENTO.
(...)
2. O entendimento adotado no Juizado Especial diverge da pacífica orientação desta Eg. Corte de Justiça ao reconhecer que o prazo prescricional é de cinco anos, como reconhecido em julgamento proferido pela Segunda Seção em 12.08.09, no REsp 1.053.007/RS, pacificando o entendimento de que nas ações de cobrança objetivando a devolução de valores empregados na realização de obras de expansão de rede de energia elétrica em área rural, por sua natureza de obrigação contratual de empréstimo, ajustado em instrumento firmado pelas partes, em que o prazo prescricional é de 05 (cinco) anos.
(...)
(Rcl 3.692/RS, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXXX XX XXXXX XXXXXX (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2009, DJe 03/11/2009)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE. IMPLEMENTAÇÃO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. REEXAME DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 05/STJ. PRESCRIÇÃO. PRAZO VINTENÁRIO. INCIDÊNCIA DO CC/1916. OBSERVÂNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO DO ART. 2.028 DO CC/2002.
(...)
2. Quanto à prescrição, esta Corte Superior de Justiça assentou o entendimento de que, nas ações de natureza pessoal propostas contra sociedade de economia mista concessionária de serviço público, o prazo prescricional, na vigência do Código Civil de 1916, era vintenário (art. 177 do CC/1916).
3. Com a entrada em vigor do Novo Codex, este Sodalício passou a entender que o pactuado entre os litigantes (financiamento da construção de rede elétrica) seria uma obrigação contratual de empréstimo e, portanto, aplicável o lapso quinquenal previsto no art. 206, § 5º, I, do CC/2002.
(...)
(AgRg no Ag 1.130.775/RS, Rel. Ministro XXXXX XXXXX XXXXXXXX (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2009, DJe 02/02/2010)
4. Nesse passo, diante da jurisprudência tranquila firmada no âmbito desta Seção de Direito Privado, a tese a ser firmada, para efeitos do art. 543-C do CPC é a seguinte: prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do Código Civil de 2002, a pretensão de cobrança dos valores aportados para a construção de rede de eletrificação rural, posteriormente incorporada ao patrimônio da CEEE/RGE, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo reconheceu a prescrição por entender aplicável à espécie o prazo trienal previsto no art. 206, § 3º, inciso IV, do CC/02, contado este a partir da entrada em vigor do atual Diploma Civil (11.01.2003), porquanto não escoado mais da metade do prazo antigo, nos termos do art. 2.028/CC.
Não obstante, tendo sido a ação ajuizada em 18.01.2007, é de ser afastada a prescrição, porquanto aplicável o prazo quinquenal previsto art. 206, § 5º, inciso I, contado a partir de 11.01.2003.
6. Diante do exposto, para efeitos do art. 543-C do CPC: prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do Código Civil de 2002, a pretensão de cobrança dos valores aportados para a construção
de rede de eletrificação rural, posteriormente incorporada ao patrimônio da CEEE/ RGE, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002.
No caso concreto, dou provimento ao recurso especial para, afastando a prescrição decretada, determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo para que prossiga no julgamento das demais questões.
É como voto.
Súmula n. 548
SÚMULA N. 548
Incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e efetivo pagamento do débito.
Referências:
CDC, arts. 43, § 3º, e 73. CPC, art. 543-C.
Precedentes:
(*)REsp 1.424.792-BA (29 S, 10.09.2014 – DJe 24.09.2014) –
acórdão publicado na íntegra REsp 292.045-RJ (3ª T, 27.08.2001 – DJ 08.10.2001) AgRg no Ag 1.094.459-SP (3ª T, 19.05.2009 – DJe 1º.06.2009)
REsp 1.149.998-RS (3ª T, 07.08.2012 – DJe 15.08.2012) AgRg no AREsp 230.431-RS (3ª T, 27.08.2013 – DJe 02.09.2013) AgRg no REsp 1.047.121-RJ (3ª T, 25.06.2013 – DJe 03.02.2014) REsp 994.638-AM (4ª T, 21.02.2008 – DJe 17.03.2008) AgRg no Ag 1.285.971-SP (4ª T, 13.09.2011 – DJe 16.09.2011) AgRg no Ag 1.373.920-SP (4ª T, 22.05.2012 – DJe 28.05.2012) AgRg no AREsp 307.336-RS (4ª T, 22.10.2013 – DJe 25.11.2013) AgRg no AREsp 415.022-SC (4ª T, 08.04.2014 – DJe 25.04.2014)
(*) Recurso repetitivo.
Segunda Seção, em 14.10.2015
DJe 19.10.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.424.792-BA (2013/0407532-6)
Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Recorrente: XXX Xxxxxxxx S/A
Advogado: Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx e outro(s) Recorrido: Xxxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx
Advogado: Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx e outro(s) Interes.: Defensoria Pública da União - “Amicus Curiae” Advogado: Defensoria Pública da União
Interes.: Federação Brasileira de Bancos FEBRABAN - “Amicus Curiae” Advogados: Xxxxxxx Xxxxxxxxx
Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx
Interes.: Confederacao Nacional do Comercio de Bens,Servicos eTurismo
- CNC - “Amicus Curiae” Advogados: Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx
Cácito Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx
EMENTA
INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. QUITAÇÃO DA DÍVIDA. SOLICITAÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO ARQUIVADO EM BANCO DE DADOS DE ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. INCUMBÊNCIA DO CREDOR. PRAZO. À MÍNGUA DE DISCIPLINA LEGAL, SERÁ SEMPRE RAZOÁVEL SE EFETUADO NO PRAZO DE 5 (CINCO) DIAS ÚTEIS, A CONTAR DO DIA ÚTIL SUBSEQUENTE À QUITAÇÃO DO DÉBITO.
1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: “Diante das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, mesmo havendo regular inscrição do nome do devedor em cadastro de órgão de proteção ao crédito, após o integral pagamento da dívida, incumbe ao credor requerer a exclusão do registro desabonador, no prazo
de 5 (cinco) dias úteis, a contar do primeiro dia útil subsequente à completa disponibilização do numerário necessário à quitação do débito vencido”.
2. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os efeitos do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, foi aprovada a seguinte tese: “Diante das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, mesmo havendo regular inscrição do nome do devedor em cadastro de órgão de proteção ao crédito, após o integral pagamento da dívida, incumbe ao credor requerer a exclusão do registro desabonador, no prazo de 5 dias úteis, a contar do primeiro dia útil subsequente à completa disponibilização do numerário necessário à quitação do débito vencido”. Os Srs. Ministros Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx e Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Xxxx Xxxxxx.
Brasília (DF), 10 de setembro de 2014 (data do julgamento). Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Relator
DJe 24.9.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx: 1. Xxxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx ajuizou “ação por dano moral” em face de Xxxxxxx S.A., atualmente TIM Nordeste S.A. Narra que rescindiu o contrato referente à linha de telefone celular de que era titular. Expõe que, todavia, no mês seguinte - ocasião em que tentou efetuar compra em uma loja de departamentos -, “foi surpreendido com a recusa de seu cheque, sob a alegação de que seu nome constava do rol de devedores,
lançado no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) pela empresa demandada”. Afirma que imediatamente se dirigiu ao estabelecimento da ré, ocasião em que foi informado que seu nome havia sido inscrito nos registro da instituição de proteção ao crédito, por haver um saldo residual, que não havia sido quitado. Informa que, na mesma ocasião, pagou todo o débito remanescente, “em contrapartida, a funcionária que o atendeu comprometeu-se a providenciar a baixa de seu nome no cadastro restritivo”, no prazo de 5 (cinco) dias úteis. Assegura que, não obstante o informado, seu nome permanecia constando nos registros desabonadores. Aduz que se sentiu humilhado e que a negligência da ré lhe ocasionou danos morais.
O Juízo da Primeira Vara de Defesa do Consumidor da Comarca de Salvador julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para condenar a ré ao pagamento da quantia equivalente a 40 salários mínimos, a título de reparação por danos morais.
Interpôs a ré apelação para o Tribunal de Justiça da Bahia, que negou provimento ao recurso.
A decisão tem a seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. MANUTENÇÃO INDEVIDA EM INSTITUIÇÕES RESTRITIVAS DE CRÉDITO APÓS A QUITAÇÃO DO DÉBITO. OCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS. ABALO À HONRA E A REPUTAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. INDENIZAÇÃO DEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL. APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Verifica-se dos autos que efetivamente o Apelado teve i seu nome negativado no SPC em decorrência de um saldo residual com a empresa Ré, tendo sido quitado em 11/12/1999. Embora efetuado o pagamento, não fora dado baixa na negativação até 06/07/2000, o que embasa o alegado dano moral causado ao Apelado.
Não se olvida na hipótese dos autos a regularidade da inscrição do nome do Apelado no órgão de proteção ao crédito, todavia, injustificável a sua permanência após a liquidação do débito, gerando o dever de indenizar como tem decidido o Superior Tribunal de Justiça.
O direito à indenização por danos morais em caso de manutenção indevida da inscrição em instituições restritivas de crédito, é presumido, independe da prova objetiva no que concerne ao abalo á honra e a reputação do lesado, fazendo-se desnecessária, pois a prova do prejuízo, que, repita-se, é presumido, uma vez que o dano moral decorre da própria manutenção indevida do nome do autor no cadastro da inadimplentes.
Havendo nexo de causalidade entre o ato ilícito (manutenção indevida) e o prejuízo moral sofrido pelo autor, inafastável a condenação do seu causador.
Quanto aos critérios para estabelecer o quantum, em processo indenizatório por danos morais, o julgador deve pautar-se num juízo de razoabilidade entre o fato e o dano, bem como, na situação social das partes, de forma que uma parte seja compensada pela dor moral que sofreu, e a outra seja educada para evitar a reincidência do ato indevido.
Diante disso, considero razoável o quantum determinado na sentença pelo a quo no valor de R$ 18.600,00 (Dezoito mil e seiscentos reais) equivalente a 40 salários mínimos, valor suficiente para que não fique impune o causador do dano alicerçando-se no caráter punitivo para que este sofra uma reprimenda pelo ato ilícito praticado, e para compensar o Apelado na recomposição do mal sofrido e da dor moral suportada.
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.
Interpôs a ré recurso especial com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “x”, xx Xxxxxxxxxxxx Federal, sustentando divergência jurisprudencial e violação aos arts. 188, 884, 927 e 944 do CC, 333 do CPC e 1º da Lei n. 6.205/1975.
Alega a recorrente que não houve culpa, pois agiu em exercício regular de direito. Afirma que a inclusão dos dados do consumidor inadimplente é o único meio de que dispõe para reaver a contraprestação pelo serviço prestado.
Argumenta que o valor arbitrado pela Corte local - correspondente a 40 salários mínimos -, a título de compensação por danos morais, é exorbitante.
Sustenta que o recorrido não demonstrou ter sofrido dano e a responsabilidade pela sua ocorrência, não sendo suficiente simplesmente alegar os fatos, devendo o juiz certificar a veracidade das afirmações.
Pondera que é vedada a vinculação do salário mínimo a qualquer finalidade, por isso não poderia ser condenada tomando-se por base a quantificação em salários mínimos.
Em contrarrazões ao recurso especial, afirma o recorrido que a prestação jurisdicional contemplou “todas as nuances do caso”, inclusive no tocante ao valor da condenação arbitrado, que é inferior ao teto dos juizados especiais, ostentando o recurso caráter procrastinatório.
O recurso especial foi admitido. Verificando a multiplicidade de recursos a versarem sobre a mesma controvérsia, submeti o feito à apreciação da egrégia Segunda Seção, na forma do que preceitua o artigo 543-C do CPC. Com isso,
determinei a ciência e facultei a manifestação no prazo de 15 (quinze) dias (art. 3º, I, da Resolução n. 8/2008) ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
- Idec, à Federação Brasileira de Bancos - Febraban, à Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC e à Defensoria Pública da União.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC, como amicus curiae, opina no seguinte sentido, in verbis:
[...] diante da inexistência de lei específica sobre a hipótese, em nosso modesto entender, há de ser solucionada com a aplicação, por integração analógica, das disposições do artigo 26 da Lei n. 9.492/97, que regulamenta a baixa do registro de impontualidade nos cartórios de protestos de títulos de crédito, uma vez que ambos, o protesto ou a negativação, possuem a mesma natureza e finalidade, ou seja, evidenciam a mora e servem como instrumento para induzir o adimplemento do crédito. Sobre a aplicação da analogia, a cátedra de Xxxxxx Xxxxxxxxxxx:
[...]
Fixada a norma a ser aplicada à controvérsia, verifica-se que o referido dispositivo normativo é claro em atribuir a qualquer “interessado” o cancelamento do registro de protesto, de forma que possuir “interesse”, que no conceito de Xxxxxxxxxxx é a “posição favorável à satisfação de uma necessidade” é requisito básico ex vi lege para ter legitimidade de agir. Diz o caput do artigo 26 da Lei n. 9.492/97, verbis:
[...]
Ocorre que os credores, após o recebimento de seus créditos, não possuem qualquer interesse, seja jurídico ou econômico no cancelamento do registro de protesto realizado, ato cuja eficácia para os credores se exauriu com o pagamento do crédito, e como tal, não lhes traz qualquer efeito jurídico.
Assim, nos parece restar claro que para os credores há interesse jurídico e econômico na efetivação do registro de protesto, instrumento hábil para a cobrança de seus créditos, mas não há qualquer interesse no respectivo cancelamento, ato cujos efeitos jurídicos só interessam aos devedores ou a terceiros eventualmente interessados, tais como seus herdeiros, cônjuges, sócios e etc., que são os legitimados a que se refere o caput do artigo 26 da Lei n. 9.492/97.
A Defensoria Pública da União, como amicus curiae, opina no seguinte sentido, in verbis:
Em debate, neste processo afetado como paradigma na sistemática dos Recursos Repetitivos, encontra-se a necessidade em se definir a responsabilidade
pela retificação das informações, relativas ao consumidor, constantes dos bancos de dados de proteção ao crédito, após o devido pagamento pelo devedor.
Cabe destacar, inicialmente, que o mercado impõe verdadeira restrição ao consumo, mediante prévia consulta à situação do devedor, limitando o crédito somente aos consumidores que não possuem restrições no banco de dados de proteção ao consumo.
Tal mecanismo se converteria, de fato, em célebre instituto para agilizar as transações de mercado, não fosse a possibilidade de inscrição ou manutenção indevida do devedor em tais sistemas, em sério detrimento à sua imagem e sua honra.
Mostra-se, assim, imprescindível que tais registros expressem a real situação creditícia do consumidor, não se admitindo quaisquer incorreções na base de dados e informações de forma a promover injustiças quando da avaliação do perfil do consumidor cadastrado.
[...]
Resta clara a importância do estabelecimento de critérios e parâmetros para a gestão dos registros de dados dos consumidores relativos à proteção ao crédito.
O próprio legislador, reconhecendo a relevância no que diz respeito à fidedignidade das informações dos bancos de dados, estabeleceu que fossem atendidos determinados aspectos, de forma a não prejudicar os consumidores, nos termos do art. 43, § 10’ do Código de Defesa do Consumidor:
[...]
Além de exercer o papel de informar os emprestadores acerca de quem já se encontraria inadimplente com outras instituições ou fornecedores, os registros negativos têm a função e forçar os devedores a manterem-se adimplentes.
[...]
Apesar de ainda não contar com lei específica, o tema encontra devido respaldo em nosso Código de Defesa do Consumidor, gozando, ainda, do amparo em dispositivos da Constituição Federal. No Código Civil, constam dispositivos que subsidiam a definição da responsabilidade dos entes envolvidos na inclusão/ retificação das informações e na manutenção do banco de dados.
Trata-se, assim, da utilização do importante conceito chamado “diálogo das fontes”, defendido por Xxxx Xxxxx, da Universidade de Heidelberg, quando ocorre o desejável entrelaçamento e complementariedade entre as normas de regência, sobrevindas em tempos diversos.
O texto da nossa Carta Magna protege os conceitos relacionados aos direitos à imagem e à honra, assegurando, inclusive, o direito à indenização pelo dano material ou moral.
Assim, no que se refere à inclusão ou manutenção indevida em bancos de dados de proteção ao crédito, não há como negar a ameaça ao direito à
privacidade e à honra, visto que a disponibilização de dados e informações, incorretas, dos devedores
[...]
Resta, assim, necessário que se imponha rigor quanto à decisões proferidas pelo Poder Judiciário acerca da correção das informações dos devedores nos bancos de dados de proteção ao crédito, a ser efetuada pelo credor ou pelo órgão gestor da base de dados.
A Federação Brasileira de Bancos - Febraban, como amicus curiae, opina no seguinte sentido, in verbis:
O tema já está pacificado nesse C. STJ quanto à responsabilidade do credor pela baixa da restrição, na hipótese do devedor quitar seu débito após a inclusão regular de seu nome nos cadastros restritivos de crédito. Ainda de acordo com a tese consolidada, o termo a quo do prazo de 5 (cinco) dias, previsto no art. 43,
§ 3º, do CDC, para que o credor providencie esta baixa, é a data do ingresso do numerário à esfera de disponibilidade do credor.
[...]
Desta forma, intimada a se manifestar, na qualidade de amicus curiae, a FEBRABAN posiciona-se pela fixação da tese repetitiva no sentido da jurisprudência pacificada deste C. STJ, assentando ser do credor a responsabilidade pela baixa da restrição quanto ao débito que deu origem à regular inscrição já tiver sido regularmente quitado pelo devedor. Baixa esta que deverá ocorrer no prazo de 5 (cinco) dias (art. 43, § 3º, do CDC) a contar da data em que o numerário ingressou na esfera de disponibilidade do credor.
Opina o Ministério Público Federal no seguinte sentido, in verbis:
Não merece prosperar a irresignação no tocante à alegação de violação ao art. 333, I do CPC e art. 188, I do CC, uma vez que competia à recorrente a retirada do nome do recorrido do cadastro de proteção ao crédito após a regularização do débito por parte do consumidor, consoante precedente do próprio STJ:
[...]
Demais disso, também não há que se falar em violação aos arts. 884, 927 e 944, § único do CC, e divergência jurisprudencial, não constituindo a condenação em enriquecimento sem causa do recorrido, na medida em que os parâmetros utilizados para a fixação do montante indenizatório foram adequados, não configurando valor ínfimo ou exorbitante (de sorte a atrair a necessidade de eventual revisão).
[...]
Quanto à alegada violação ao art. 1° da Lei n. 6.205 de 1975, razão não assiste à recorrente. De fato pela letra da lei e jurisprudência do STJ a utilização do salário mínimo como parâmetro para a fixação de valores indenizatórios não é possível.
No entanto, verifica-se do teor do acórdão impugnado (fls. 183/188) que o valor da indenização foi fixado em moeda corrente (R$ 18.600,00).
Incensuráveis, portanto, os acórdãos recorridos.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx (Relator): 2. A principal questão controvertida consiste em saber se, em havendo regular inscrição do nome do devedor em cadastro de órgão de proteção ao crédito, a quem incumbe excluir o apontamento efetuado após a quitação do débito.
No caso, consta da moldura fática apurada pelas instâncias ordinárias que, muito embora a recorrente tenha procedido à regular inscrição do nome do autor da ação em órgão do sistema de proteção, após mais de 6 meses da efetiva quitação do débito, ainda constava os dados do ora recorrido nos registros desabonadores.
2.1. Não se pode menosprezar, à luz da realidade econômica e social, a relevância dos cadastros de inadimplentes, que, a par de servir como um legítimo instrumento de que se vale o credor para compelir o devedor a adimplir a obrigação, propicia, de modo reflexo, dinamização das relações econômicas e que um número maior de consumidores - que não estão em situação de inadimplência - tenha acesso ao crédito, pois torna prescindível “o conhecimento pessoal entre quem dá e quem recebe o crédito” (XXXXXXXXX, Xxxxxx. Tílulos de crédito. São Paulo: Atlas, 2009. v. 2, p. 161).
Igualmente, propicia que terceiros de boa-fé se previnam de devedores contumazes que constam nos registros dos sistemas de proteção ao crédito, assim como não assumam riscos negociais que não estavam dispostos a incorrer.
Dessarte, o artigo 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor esclarece os objetivos e princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, que busca compatibilizar a proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico, viabilizando os princípios nos quais se funda a ordem econômica, resguardando o equilíbrio e a boa-fé.
Nesse passo, leciona Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx que o contrato só cumpre a sua função social com o adimplemento das obrigações convencionais, meio pelo qual é obtida a circulação de riquezas e mantém-se a economia girando (CAVALIEIRI FILHO, Xxxxxx. Programa de direito do consumidor. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 115).
A doutrina anota:
Não existe concessão de crédito (pagamento parcelado do preço, pagamento por cheque, financiamento) sem que se tenham informações do consumidor de modo a avaliar os riscos de futura inadimplência. Sob esta idéia, os bancos de dados de proteção ao crédito surgiram no Brasil na década de 50 como resposta a um sensível aumento das vendas a crédito.
[...]
Embora existam algumas variações entre as fontes - origem dos dados coletados - e espécie de informações tratadas, pode-se afirmar que a principal fonte das informações que circulam nas entidades de proteção ao crédito são os próprios fornecedores (comerciantes), que alimentam, diariamente, com milhares de registros as bases de dados das entidades de proteção ao crédito.
[...]
O primeiro e mais evidente sinal de importância, tanto para o consumidor como para o mercado, das atividades desenvolvidas pelos bancos de dados de proteção ao crédito vem do próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), o qual, em lugar de proibir, aceita e disciplina os arquivos de consumo. Se relevantes não fossem as atividades, em vez de reguladas pelo CDC, estariam simplesmente vedadas, incluídas no rol das práticas abusivas indicados pelo art. 39 do CDC.
Essa importância está diretamente associada ao crédito como instrumento de circulação de riquezas (bens e serviços). Xxxxxx, não se concede crédito a ninguém se não houver um mínimo de conhecimento a respeito do tomador de empréstimo, de modo a avaliar os riscos de inadimplência. Em razão do anonimato da atual sociedade de massa, as entidades de proteção ao crédito exercem o papel de mitigar a ausência de conhecimento entre fornecedor e consumidor, permitindo, de modo ágil, a concessão de crédito ao adquirente final de produtos e serviços.
Além de diminuir o desconhecimento em relação ao consumidor e permitir maior agilidade na concessão de empréstimos, a importância dos bancos de dados de proteção ao crédito está, inexoravelmente, vinculada ao valor que o crédito possui para todo o sistema econômico, especialmente para aqueles fundados na livre iniciativa, como é o caso brasileiro (art. 170, caput, da CF).
A relevância do crédito, para todos os agentes da atividade econômica (indústria, agricultura, comércio etc.) e para o consumidor final, é fácil de ser percebida. Em regra, o início de qualquer atividade econômica depende da
obtenção de crédito. O investimento, a ampliação da empresa, a modernização de seus recursos dependem também da obtenção de crédito.
[...]
De outro lado, muitos consumidores só podem adquirir uma grande variedade de bens e serviços essenciais a uma existência digna em razão do parcelamento do preço ou de seu pagamento futuro.
Justamente pelas razões apontadas é que tanto a jurisprudência como a doutrina reconhecem e afirmam a relevância do papel desempenhado no mercado pelos bancos de dados de proteção ao crédito. (XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Manual de direito do consumidor. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 243-247)
2.2. Dessarte, os sistemas de proteção ao crédito são uma inexorável realidade em nível mundial. No Brasil, o Código de Defesa Consumidor, em normas de caráter cogente, disciplina essas atividades, estabelecendo o art. 43,
§ 4º, do mencionado Diploma que os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
Por isso mesmo, data venia, inadequada a tese suscitada, como amicus curiae, pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
- CNC, acerca da possibilidade de aplicação, por analogia, das disposições do artigo 26 da Lei n. 9.492/1997, que disciplina o cancelamento do protesto.
O próprio artigo 2º da Lei de Protestos estabelece que os serviços concernentes ao protesto ficam sujeitos ao regime próprio, estabelecido na referida Lei.
Com efeito, na consagrada doutrina de Xxxxxx Xxxxxxxxxxx, as disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, mas reduz-se à hipótese expressa, por isso, ainda que se paire dúvida - o que não é o caso -, deve-se seguir a regra geral:
272 - As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente.
[...]
286 - Parece oportuna a generalização da regra exposta acerca de determinadas espécies de preceitos, esclarecer como se entende e aplica uma norma excepcional.
É de Direito estrito; reduz-se à hipótese expressa: na dúvida, segue-se a regra geral. Eis porque se diz que a exceção confirma a regra nos casos não excetuados.
287 - O processo de exegese das leis de tal natureza é sintetizado na parêmia célebre, que seria imprudência eliminar sem maior exame - ‘interpretam-se restritamente as disposições derrogatórias do Direito comum’. Não há efeito sem causa: a predileção tradicional pelos brocardos provém da manifesta utilidade dos mesmos. Constituem sínteses esclarecedoras, admiráveis súmulas de doutrinas consolidadas. Os males que lhes atribuem são os de todas as regras concisas: decorrem não do uso, e sim do abuso dos dizeres lacônicos. O exagero encontra- se antes na deficiência de cultura ou no temperamento do aplicador do que no âmago do apotegma. Bem compreendido este, conciliados os seus termos e a evolução do Direito, a letra antiga e as idéias modernas, ressaltará ainda a vantagem atual desses comprimidos de idéias jurídicas, auxiliares da memória, amparos do hermeneuta, fanais do julgador vacilante em um labirinto de regras positivas.
Quanta dúvida resolve, num relâmpago, aquela síntese expressiva - interpretam- se restritivamente as disposições derrogatórias do Direito comum!
Responde, em sentido negativo, à primeira interrogação: o Direito Excepcional comporta o recurso à analogia? Ainda enfrenta, e com vantagem, a segunda: é ele compatível com a exegese extensiva? Neste último caso, persiste o adágio em amparar a recusa; acompanham-no reputados mestres; outros divergem, porém mais na aparência do que na realidade: esboçam um sim acompanhado de reservas que o aproximam do não. Quando se pronunciam pelo efeito extensivo, fazem-no com o intuito de excluir o restritivo, tomado este na acepção tradicional. Xxxxxxx em evitar que se aplique menos do que a norma admite; porém não pretendem o oposto - ir além do que o texto prescreve. O seu intento é tirar da regra tudo o que na mesma se contém, nem mais, nem menos. Essa interpretação bastante se aproxima da que os clássicos apelidavam declarativa; denomina-se estrita: busca o sentido exato; não dilata, nem restringe.
Com as reservas expostas, a parêmia terá sempre cabimento e utilidade. Se fora lícito retocar a forma tradicional, substituir-se-ia apenas o advérbio: ao invés de restritiva, estritamente. Se prevalecer o escrúpulo em emendar adágios, de leve sequer, bastará que se entenda a letra de outrora de acordo com as idéias de hoje: o brocardo sintetiza o dever de aplicar o conceito excepcional só à espécie que ele exprime, nada acrescido, nem suprimido ao que a norma encerra, observada a mesma, portanto, em toda a sua plenitude. (XXXXXXXXXXX, Xxxxxx. Hermenêutica e aplicação do direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 69, 184, 191
e 192)
Essa dualidade de tratamento entre o protesto e o cadastro restritivo de crédito é bem explicitada no seguinte precedente de relatoria do Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxx Junior:
I. O protesto do título constitui medida necessária à cobrança judicial da dívida representada pela cártula, de sorte que exercitado regularmente tal direito pelo credor, cabe ao devedor, e não àquele, após o pagamento, providenciar a baixa respectiva.
Precedentes do STJ.
II. De outro lado, a responsabilidade pela baixa do nome do devedor no banco de dados após a quitação pertence ao credor, porém somente quando tenha sido dele a iniciativa da inscrição.
[...]
(REsp 880.199/SP, Rel. Ministro XXXXX XXXXXXXXXX XXXXXX, QUARTA TURMA,
julgado em 25/09/2007, DJ 12/11/2007, p. 228 RDDP vol. 58, p. 98 RT vol. 870, p. 194)
Como consignado pelo Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxx Junior no REsp 994.638/AM, é bem de ver que “a negativação funciona, essencialmente, como meio de coação”.
Nessa linha de intelecção, não se ignora que os sistemas de proteção ao crédito - como o SPC, em que fora incluído o nome do recorrido na respectiva base de dados - também se valem da coleta espontânea de informação em banco de dado público, pertencente ao cartório de protesto para “negativar” o nome dos devedores, mas é uma consequência reflexa, pois o protesto contempla espectro mais amplo de efeitos bastante relevantes para o credor, pois, v.g., faz prova da falta de pagamento, devolução ou aceite do título, é necessário ao pedido de falência por impontualidade injustificada, comprova a mora em contrato de alienação fiduciária em garantia e, na vigência do CC/2002 (art. 202, III), interrompe a prescrição para a execução cambial, tanto no que diz respeito ao devedor principal quanto a coobrigados.
Outrossim, é bem de ver que o protesto é instrumento que tem o condão legal de, ordinariamente, propiciar a solução de litígios, pois, a teor do art. 19 da Lei n. 9.492/1997, cabe também ao tabelião o recebimento do crédito devido, acrescido dos emolumentos e demais despesas, sendo igualmente dever do delegatário do serviço público dar a respectiva quitação.
Ademais, o art. 2º do mesmo Diploma esclarece que os serviços concernentes ao protesto são garantidores da autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Como não se trata de situação em que exista lacuna na legislação, nos termos dos artigos 126 do Código de Processo Civil e 4º da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro, não está o magistrado autorizado a solucionar o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
3. A jurisprudência consolidada do STJ perfilha o entendimento de que, quando se trata de inscrição em bancos de dados restritivos de crédito (Serasa, SPC, dentre outros), tem-se entendido ser do credor, e não do devedor, o ônus da baixa da indicação do nome do consumidor, em virtude do que dispõe o art. 43, § 3º, combinado com o art. 73, ambos do CDC.
A propósito, este último, pertencente às diposições penais, tipifica como crime a não correção imediata de informações inexatas acerca de consumidores constantes em bancos de dados.
Os mencionados artigos estão assim redigidos:
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
[...]
§ 3º O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata:
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
As normas previstas no CDC, as quais, por expressa disposição legal, são “de ordem pública e interesse social”, conferem densidade normativa e eficácia ao desígnio constitucional de erigir a defesa do consumidor a direito fundamental da pessoa (art. 5º, inciso XXXII, CF/1988).
No caso, o consumidor pode “exigir” a “imediata correção” de informações inexatas - não cabendo a ele, portanto, proceder a tal correção (art. 43, § 3º)
-, constituindo crime “deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata” (art. 73).
A ratio da norma prevista no § 3º do art. 43 funda-se no direito do consumidor a informações precisas a seu respeito constantes em “cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados” (art. 43).
A propósito, confira-se o magistério de Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx acerca da amplitude da norma em exame:
Em estrito rigor terminológico, a expressão arquivo de consumo é gênero do qual fazem parte duas grandes famílias de registro: o bancos de dados e os cadastros de consumidores, denominação dobrada utilizada pela Seção VI, do Capítulo V (“Das Práticas Comerciais”), do CDC, que alguns preferem chamar, simplesmente, de “cadastros de inadimplentes”.
Conforme já referiu o min. Xxxx Xxxxxxxx, o art. 43 protege o consumidor em relação a “informações que existam sobre ele em ‘cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados’, o que encerra uma abrangência da maior amplitude, sendo de dizer que tais informações poderão encontrar-se registradas de outras quaisquer maneiras, além das indicadas, que não constitui enumeração fechada, como é óbvio”.
No mesmo sentido, confirma Xxxxx Xxxxx Xxxxxx que a disciplina do CDC “se aplica a qualquer armazenamento de informações, informatizado ou não, precário ou altamente organizado. O pequeno fornecedor que mantém uma agenda com dados de sua clientela deve, tanto quanto o grande empresário, observar o conjunto de regras definidas em defesa do consumidor (XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx X. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Xxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx [et al.]. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 431).
Também colho, como reforço de argumentação, a doutrina consumerista acerca do art. 73 do CDC:
A infração penal capitulada pelo art. 73 do CDC reflete a importância do atributo da veracidade das informações (art. 43, § 1º) que circulam tanto em bancos de dados como nos cadastros de consumo. Cuida-se de atributo fundamental. A informação falsa ou inexata simplesmente enseja tratamento discriminatório do consumidor e não serve, nos casos dos serviços de proteção ao crédito, para avaliar corretamente a solvência da pessoa interessada na obtenção do crédito.
Atendidos os pressupostos indicados pelo art. 43 do CDC, admite- se o tratamento (coleta, armazenamento e, em alguns casos, veiculação) de informações pessoais de consumidores. Um desses pressupostos é justamente a veracidade da informação. É bastante corriqueira a mudança da qualidade da informação de verdadeira para falsa. O principal exemplo nesta área decorre, sem dúvida, do pagamento de dívidas inscritas em bancos de dados de proteção ao crédito e a posterior manutenção do registro negativo do consumidor. (XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Manual de direito do consumidor. Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxxx [et al.]. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 373).
O entendimento, pacífico na jurisprudência do STJ, de caber ao credor a baixa da anotação em cadastros de restrição ao crédito é encontrado, dentre muitos outros, nos seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INSCRIÇÃO NO SERASA. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. MANUTENÇÃO DO NOME NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. ÔNUS DO BANCO (CREDOR) EM CANCELAR O REGISTRO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
A inércia do credor em promover a atualização dos dados cadastrais, apontando o pagamento, e consequentemente, o cancelamento do registro indevido, gera o dever de indenizar, independentemente da prova do abalo sofrido pelo autor, sob forma de dano presumido.
Agravo Regimental improvido
(AgRg no Ag 1.094.459/SP, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX, TERCEIRA TURMA,
julgado em 19/05/2009, DJe 01/06/2009)
CIVIL. PROCESSUAL. ACÓRDÃO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INSCRIÇÃO NO SPC. MANUTENÇÃO DO NOME DA DEVEDORA POR LONGO PERÍODO APÓS A QUITAÇÃO DA DÍVIDA. DANO MORAL CARACTERIZADO. PARÂMETRO. CDC, ART. 73.
[...]
II. Cabe às entidades credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de proteção ao crédito mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento da dívida, devem providenciar, em breve espaço de tempo, o cancelamento do registro negativo do devedor, sob pena de gerarem, por omissão, lesão moral passível de indenização.
III. Ressarcimento, contudo, reduzido em valor proporcional ao dano, evitando enriquecimento sem causa.
IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.
(REsp 511.921/MT, Rel. Ministro XXXXX XXXXXXXXXX XXXXXX, QUARTA TURMA,
julgado em 09/03/2004, DJ 12/04/2004, p. 213)
RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO NO SERASA. MANUTENÇÃO INDEVIDA.
A inscrição em cadastro de inadimplentes, caso mantida por período razoável após a quitação do débito, gera direito à reparação por dano moral. Precedentes do STJ.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 899.883/SP, Rel. Xxxxxxxx XXXXX XXXXX XXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 27/03/2007, DJ 28/05/2007, p. 367)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE OBSTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANO MORAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. ATRASO DE PAGAMENTO DE SALÁRIOS. REGISTRO INDEVIDO DO NOME DA DEVEDORA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA. MANUTENÇÃO DO NOME APÓS O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. ABUSO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. CULPA E NEXO CAUSAL. VERIFICAÇÃO. SÚMULA 7 DO STJ. VALOR. FIXAÇÃO EM NÍVEL ABUSIVO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS PARA CASOS SEMELHANTES. RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE.
I. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” (Súmula 7 do STJ).
II. Constitui obrigação do credor providenciar, perante o órgão cadastral de dados, a baixa do nome do devedor, após a quitação da dívida que motivou a inscrição, sob pena de, assim não procedendo em tempo razoável, responder pelo ato moralmente lesivo, indenizando o prejudicado pelos danos morais causados.
III. Entendido pelo tribunal a quo que o banco agravado teve responsabilidade na configuração do dano indenizável, tal circunstância fática não tem como ser reavaliada em sede de recurso especial, ao teor da Súmula 7 do STJ.
IV. Ressarcimento que deve ser proporcional à lesão, evitando enriquecimento sem causa.
V. Recurso especial parcialmente provido para redução do valor indenizatório.
VI. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 1.278.506/PE, Rel. Ministro XXXXX XXXXXXXXXX XXXXXX, QUARTA
TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 28/10/2010)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INSCRIÇÃO NO SERASA. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. MANUTENÇÃO DO NOME NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. ÔNUS DO BANCO (CREDOR) EM CANCELAR O REGISTRO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
A inércia do credor em promover a atualização dos dados cadastrais, apontando o pagamento, e consequentemente, o cancelamento do registro indevido, gera o dever de indenizar, independentemente da prova do abalo sofrido pelo autor, sob forma de dano presumido.
Agravo Regimental improvido
(AgRg no Ag 1.094.459/SP, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX, TERCEIRA TURMA,
julgado em 19/05/2009, DJe 01/06/2009)
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PROTESTO INDEVIDO DE TÍTULO QUITADO. DEVER DE INDENIZAR VERIFICADO NAS
INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DESTA CORTE. REDUÇÃO DO VALOR. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NA EXTENSÃO, PROVIDO.
1. O Tribunal a quo, ao reconhecer o dever de indenizar, confirmou a conduta ilícita do ora agravante e fixou o respectivo valor a título de indenização por danos morais, procedendo com amparo nos elementos de convicção trazidos aos autos. Incidência do enunciado n. 7 da Súmula do STJ.
2. É firme o entendimento deste Sodalício no sentido de que “cabe às entidades credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de proteção ao crédito mantê- los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento da dívida, devem providenciar, em breve espaço de tempo, o cancelamento do registro negativo do devedor, sob pena de gerarem por omissão, lesão moral, passível de indenização” (REsp 473.970/MG, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxxxxx, DJ de 09.10.2006; REsp 299.456/SE, Rel. Min. XXXXX XXXXXXXXXX XXXXXX, DJ. 02.06.2003; REsp 437.234/PB, Rel. Min. XXXXX XXXXXXXX, DJ 29.09.2003; REsp 292.045/RJ, Xxx. Min. XXXXXX XXXXXXX XXXXXXX DIREITO, DJ 08.10.2001).
3. O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que evidente exagero ou manifesta irrisão na fixação, pelas instâncias ordinárias, viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo possível, assim, a revisão da aludida quantificação.
4. Recurso conhecido em parte e, na extensão, provido.
(REsp 879.475/TO, Rel. Ministro XXXXX XXXXXXX XXXXXXX, QUARTA TURMA,
julgado em 15/05/2007, DJ 04/06/2007, p. 371)
RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO NO SERASA. MANUTENÇÃO INDEVIDA.
A inscrição em cadastro de inadimplentes, caso mantida por período razoável após a quitação do débito, gera direito à reparação por dano moral. Precedentes do STJ.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 899.883/SP, Rel. Xxxxxxxx XXXXX XXXXX XXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 27/03/2007, DJ 28/05/2007, p. 367)
Dano moral. Cadastro negativo. Art. 73 do Código de Defesa do Consumidor.
1. Não tem força a argumentação que pretende impor ao devedor que quita a sua dívida o dever de solicitar seja cancelado o cadastro negativo. O dispositivo do Código de Defesa do Consumidor configura como prática infrativa “Deixar de corrigir imediatamente informação sobre o consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser
inexata”. Quitada a dívida, sabe o credor que não mais é exata a anotação que providenciou, cabendo-lhe, imediatamente, cancelá-la.
2. A intervenção da Corte só tem cabimento para controlar o valor do dano quando abusivo, exagerado, em desacordo com a realidade dos autos, o que não ocorre no presente feito.
3. Não é protelatório o recurso de embargos quando tem o claro fito do prequestionamento (Súmula n. 98 da Corte).
4. Recurso especial conhecido e provido, em parte.
(REsp 292.045/RJ, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXXX XXXXXXX DIREITO, TERCEIRA
TURMA, julgado em 27/08/2001, DJ 08/10/2001, p. 213)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MANUTENÇÃO DO NOME EM CADASTROS DE INADIMPLENTES. OBRIGAÇÃO QUITADA. CANCELAMENTO DO REGISTRO APÓS MAIS DE 30 DIAS DA QUITAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 43, § 3º, DO CPC. PRECEDENTES. DANOS MORAIS DEVIDOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no AREsp 230.431/RS, Rel. Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 02/09/2013)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ARTIGO 544 DO CPC) - DEMANDA POSTULANDO INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DA INDEVIDA INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NO CADASTRO DE INADIMPLENTES APÓS A QUITAÇÃO DA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA. INSURGÊNCIA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO.
1. A inscrição/manutenção indevida do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes constitui ato ilícito passível de indenização a título de dano moral. Caracterização de dano in re ipsa. Precedentes. Aplicação da Súmula 83/STJ.
2. Pretensão voltada à redução da quantia fixada na Corte Estadual para reparação do dano moral sofrido pelo consumidor (RS 10.000,00).
Inviabilidade de revisão pelo STJ, por não configurar condenação exorbitante. Revela-se razoável o valor do dano moral fixado em até 50 (cinquenta) salários mínimos para os casos de inscrição inadvertida em cadastros de inadimplentes, devolução indevida de cheques, protesto incabível e outras situações assemelhadas.
3. O óbice insculpido na Súmula 83 do STJ não se restringe aos recursos especiais interpostos com amparo na alínea “c” do permissivo constitucional, sendo também aplicável aos reclamos fundados na alínea “a”, uma vez que a expressão “divergência”, referida no citado verbete sumular, relaciona-se com a interpretação de norma infraconstitucional.
4. Xxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxx.
(XxXx xx XXXxx 000.000/XX, Rel. Ministro XXXXX XXXXX, QUARTA TURMA,
julgado em 15/08/2013, DJe 28/08/2013)
4. Como fica claro da leitura das ementas dos precedentes citados, é nítido que a jurisprudência do STJ tem sufragado três linhas de entendimento que, a bem da verdade, não são antagônicas, e podem ser harmonizadas, sobretudo porque diretamente relacionadas ao momento adequado no qual o credor deve providenciar a baixa da negativação.
Nessa linha, foi realizado por esta Corte o estudo comparativo de jurisprudência n. 105, publicado em 26 de setembro de 2012, que bem aborda as diversas nuances, que, segundo entendo, podem ser harmonizadas.
Consoante esse estudo, que espelha os precedentes acima citados, os três entendimentos são os seguintes, in verbis:
Entendimento 1: quitada a dívida, o credor providenciará a exclusão do nome do devedor do cadastro de proteção ao crédito no prazo de cinco dias, contados da data em que houver o pagamento efetivo.
Entendimento 2: quitada a dívida, o credor providenciará a exclusão do nome do devedor do cadastro de proteção ao crédito de imediato.
Entendimento 3: quitada a dívida, o credor providenciará a exclusão do nome do devedor do cadastro de proteção ao crédito em breve ou razoável espaço de tempo.
Os entendimentos sufragados impõem ao credor, após a quitação da dívida, providenciar a exclusão do nome do outrora devedor do cadastro de órgão de proteção ao crédito.
À míngua de expressa disposição legal regulamentando o prazo para que seja providenciada a supressão do nome do devedor do cadastro de inadimplentes de entidade do sistema do proteção ao crédito, em decisão unânime e pioneira no âmbito desta Corte perfilhando o entendimento de número 1, a Terceira Turma, em precedente da relatoria da Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, REsp 1.149.998/ RS, valendo-se da analogia - “conferindo maior certeza e segurança às relações jurídicas derivadas da inclusão do nome de consumidores em cadastros de proteção ao crédito” -, decidiu que, quitada a dívida pelo devedor, a exclusão do seu nome deverá ser requerida pelo credor no prazo de 5 dias, contados da data em que houver o pagamento efetivo, sendo certo que as quitações realizadas
mediante cheque, boleto bancário, transferência interbancária ou outro meio sujeito a confirmação dependerão do efetivo ingresso do numerário na esfera de disponibilidade do credor.
A decisão tem a seguinte ementa:
CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. QUITAÇÃO DA DÍVIDA. CANCELAMENTO DO REGISTRO. OBRIGAÇÃO DO CREDOR. PRAZO. NEGLIGÊNCIA. DANO MORAL. PRESUNÇÃO.
1. Cabe às entidades credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de proteção ao crédito mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento da dívida, devem providenciar o cancelamento do registro negativo do devedor. Precedentes.
2. Quitada a dívida pelo devedor, a exclusão do seu nome deverá ser requerida pelo credor no prazo de 05 dias, contados da data em que houver o pagamento efetivo, sendo certo que as quitações realizadas mediante cheque, boleto bancário, transferência interbancária ou outro meio sujeito a confirmação, dependerão do efetivo ingresso do numerário na esfera de disponibilidade do credor.
3. Nada impede que as partes, atentas às peculiaridades de cada caso, estipulem prazo diverso do ora estabelecido, desde que não se configure uma prorrogação abusiva desse termo pelo fornecedor em detrimento do consumidor, sobretudo em se tratando de contratos de adesão.
4. A inércia do credor em promover a atualização dos dados cadastrais, apontando o pagamento, e consequentemente, o cancelamento do registro indevido, gera o dever de indenizar, independentemente da prova do abalo sofrido pelo autor, sob forma de dano presumido. Precedentes.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1.149.998/RS, Rel. Ministra XXXXX XXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 15/08/2012)
Nesse mencionado precedente, Sua Excelência dispôs:
(i) Do responsável pela baixa.
Conforme já decidiu esta Turma, “a melhor interpretação do preceito contido no § 3º do art. 43 do CDC constituí a de que, uma vez regularizada a situação de inadimplência do consumidor, deverão ser imediatamente corrigidos os dados constantes nos órgãos de proteção ao crédito, sob pena de ofensa à própria finalidade destas instituições, já que não se prestam a fornecer informações inverídicas a quem delas necessite” (REsp 255.269/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxxx, DJ de 16.04.2001).
No julgamento do REsp 292.045/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Direito, DJ de 08.10.2001, esta Corte enfrentou expressamente o fundamento do acórdão recorrido, assentando que “não tem força a argumentação que pretende impor ao devedor que quita a sua dívida o dever de solicitar seja cancelado o cadastro negativo (...). Quitada a dívida, sabe o credor que não mais é exata a anotação que providenciou, cabendo-lhe, imediatamente, cancelá-la”.
Eu mesma já tive a oportunidade de relatar processo sobre o tema, tendo me alinhado ao entendimento supra, afirmando que “cumpre ao credor providenciar o cancelamento da anotação negativa do nome do devedor em cadastro de proteção ao crédito, quando quitada a dívida” (REsp 437.234/PB, 3ª Turma, DJ de 29.09.2003).
Também a 4ª Turma já se manifestou sobre essa questão, tendo decidido que “cabe às entidades credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de proteção ao crédito mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento da dívida, devem providenciar, em breve espaço de tempo, o cancelamento do registro negativo do devedor, sob pena de gerarem, por omissão, lesão moral passível de indenização” (REsp 299.456/SE, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe de 02.06.2003. No mesmo sentido: REsp 473.970/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxxxxx, DJ de 09.10.2006).
Como se vê, constitui entendimento pacífico nas Turmas que compõem a 2ª Seção que incumbe à credora, após a quitação da dívida, o dever de providenciar a retirada do nome do devedor dos cadastros de inadimplentes.
Induvidoso, portanto, que cabia à GVT ter procedido à baixa do nome do recorrente nos registros do SPC.
(ii) Do prazo para se proceder à baixa.
Nesse aspecto, assume relevo a questão atinente ao prazo de que dispõe o credor para adotar essa medida.
Embora seja possível identificar precedentes desta Corte que abordam o tema
– alguns inclusive mencionados acima – nenhum deles estipula de forma concreta qual seria esse termo, limitando-se a consignar vagamente que a providência há de ser tomada “imediatamente” ou “em breve espaço de tempo”.
Imperioso, pois, que se defina esse termo de maneira clara e objetiva, conferindo maior certeza e segurança às relações jurídicas derivadas da inclusão do nome de consumidores em cadastros de proteção ao crédito.
A estipulação vem em benefício não apenas do consumidor, que terá base concreta para cobrar de forma legítima e efetiva a exclusão do seu nome dos referidos cadastros, mas também do fornecedor, que poderá adequar seus procedimentos internos de modo a viabilizar o cumprimento desse prazo.
A solução, a meu ver, extrai-se, por analogia, do próprio art. 43, § 3º, do CDC, o qual estabelece que “o consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas”.
Na hipótese de quitação da dívida pelo consumidor, vejo implícita a sua expectativa de ver cancelado o registro negativo, bem como a ciência do credor, após a confirmação do pagamento, de que deverá providenciar a respectiva baixa, pois a anotação não mais reflete a realidade.
Dessa forma, é razoável que o prazo de 05 dias do art. 43, § 3º, do CDC, norteie também a retirada do nome do consumidor, pelo credor, dos cadastros de proteção ao crédito, na hipótese de quitação da dívida. Evidentemente, o dies a quo desse prazo será a data em que houver o pagamento efetivo, sendo certo que as quitações realizadas mediante cheque, boleto bancário, transferência interbancária ou outro meio sujeito a confirmação, dependerão do efetivo ingresso do numerário na esfera de disponibilidade do credor.
Por outro lado, nada impede que as partes, atentas às peculiaridades de cada caso, estipulem prazo diverso do ora estabelecido, desde que não se configure uma prorrogação abusiva desse termo pelo fornecedor em detrimento do consumidor, sobretudo em se tratando de contratos de adesão.
Na espécie, depreende-se dos autos que, transcorridos 12 dias da efetiva quitação do débito, o nome do recorrente permanecia negativado, tanto que este teve rejeitado pedido de obtenção de cartão de crédito junto a instituição financeira, justamente por seu nome constar dos registros do SPC.
Assim, verifica-se que, não obstante devidamente quitada a dívida pelo recorrente, a GVT descumpriu o prazo considerado razoável – de 05 dias – para exclusão do nome do devedor dos cadastros de proteção ao crédito.
De fato, é bem de ver que esse mencionado precedente admite exceções, mas observa ser necessário, por razões de segurança jurídica, e também para melhor resguardo aos interesses dos credores e devedores, a definição de um parâmetro objetivo.
No caso, como não existe regramento legal específico, e os prazos abrangendo situações específicas não estão devidamente amadurecidos/ discutidos na jurisprudência do STJ, entendo também, tal qual a Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, ser necessário o estabelecimento de um norte objetivo, que também extraio do mesmo dispositivo (art. 43, § 3º, do CDC).
A respeito do art. 43, § 3º, do CDC, anota a doutrina especializada:
Em relação ao prazo para a retificação, o § 3º do art. 43 do CDC determina que o consumidor pode exigir a imediata correção da informação. O tipo penal, descrito no art. 73, utiliza-se do advérbio imediatamente: a infração se caracteriza ao de “deixar de corrigir imediatamente” informações incorretas. Tudo está a demonstrar a especial importância do atributo da veracidade dos dados.
A correção imediata não quer significar que o arquivo de consumo não possa dispor de período de tempo para investigar os fatos referentes à impugnação apresentada pelo consumidor. O objetivo legal foi que, ao final das diligências realizadas pela entidade arquivista, haja a imediata correção das informações ou indeferimento da pretensão do consumidor.
O prazo máximo para que a entidade de proteção ao crédito conclua as investigações oriundas do exercício do direito de retificação é de 10 dias, por aplicação do § 1º do art. 4º da Lei 9.507/97 (Lei do Habeas Data).
Se a entidade de proteção ao crédito, ao final das diligências de investigação, acatar a impugnação do consumidor, corrigindo a informação, deverá, no prazo de 5 dias úteis, comunicar a alteração a terceiros que tenham recebido as informações incorretas. (XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx X.; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Manual de direito do consumidor. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 267)
Ora, se até para os órgãos de sistema de proteção ao crédito, que exercem a atividade de arquivamento de dados profissionalmente, o CDC considera razoável o prazo de 5 dias úteis para, após a investigação dos fatos referentes à impugnação apresentada pelo consumidor, comunicar a retificação a terceiros que deles recebeu informações incorretas, evidentemente, esse mesmo prazo sempre vai ser considerado razoável também para aquele que promove, em exercício regular de direito, a verídica inclusão de dado de devedor em cadastro de órgão de proteção ao crédito, para requerer a exclusão do nome do outrora inadimplente do cadastro desabonador.
Igualmente, poderá haver situações em que, v.g., o pagamento do débito foi efetuado sem que tenha sido dada a adequada e oportuna ciência ao credor ou que, em vista das características peculiares da relação obrigacional, em virtude do próprio inadimplemento, seja extremamente complexo aferir se realmente houve a efetiva quitação da dívida - tudo a demonstrar a necessidade do prudente exame do magistrado, que, na lacuna da lei, e em vista da ampla possibilidade de variações fáticas e de nuances que se divisa, no meu entender, não deve ficar vinculado a uma solução específica a abranger indistintamente todos os casos.
Por isso, à míngua de disciplina legal, acredito que essa solução tenha o mérito de harmonizar as correntes jurisprudenciais constatadas no âmbito do STJ e servir como parâmetro objetivo, notadamente para caracterizar a breve supressão do nome do outrora devedor dos cadastros desabonadores.
5. De outra parte, consoante observado pelo Ministério Público Federal, o valor arbitrado a título de compensação por danos morais foi fixado em moeda corrente, na quantia de R$ 18.600,00 (dezoito mil e seiscentos reais).
Com efeito, o que lei veda é a vinculação da compensação por danos morais ou indenização ao salário mínimo como critério de correção monetária.
Confira-se:
RECURSO ESPECIAL. CURSO SUPERIOR DE FARMÁCIA. FALTA DE RECONHECIMENTO PELO MEC. INDEFERIMENTO DA INSCRIÇÃO PELO CONSELHO PROFISSIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. EXCLUDENTE DA CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. DESCABIMENTO NA ESPÉCIE. LUCROS CESSANTES. EFETIVA DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. AUSÊNCIA. AFASTAMENTO. DANO MORAL. FIXAÇÃO EM SALÁRIOS MÍNIMOS. POSSIBILIDADE. MONTANTE. REDUÇÃO.
[...]
6. Inexiste veto à fixação de indenização com base no salário mínimo. O que se proibe é sua vinculação como critério de correção monetária. Precedentes.
[...]
8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1.232.773/SP, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XX XXXXXXX, TERCEIRA
TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 03/04/2014)
Ademais, o montante não se mostra passível de revisão na via excepcional, pois, consoante a firme jurisprudência do STJ, em sede de recurso especial, só cabe revisão se for ínfimo ou exorbitante:
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL
- AÇÃO CONDENATÓRIA (INDENIZATÓRIA) - INSCRIÇÃO INDEVIDA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL TÃO-SOMENTE PARA AFASTAR A UTILIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO COMO FATOR DE INDEXAÇÃO DA VERBA COMPENSATÓRIA/INDENIZATÓRIA. INSURGÊNCIA DA RÉ.
1. Nos termos da jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, a revisão de indenização por danos morais só é possível, em sede de recurso
especial, quando o valor fixado nas instâncias ordinárias for exorbitante ou ínfimo, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
2. Esta Corte já assentou o entendimento de ser razoável a condenação em valor equivalente a até 50 (cinquenta) salários mínimos por indenização por dano moral decorrente de inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito. Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 1.320.810/SP, Rel. Ministro XXXXX XXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 15/08/2014)
6. Quanto à demonstração do dano, como bem observado pelo Tribunal de origem, a inscrição/manutenção indevida do nome do devedor no cadastro de inadimplente enseja o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos.
Note-se:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. MATÉRIA DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC (RESP 1.199.782/PR, DJe DE 12/09/2011). INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE DEVEDORES INADIMPLENTES. DANO IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO. ALEGAÇÃO DE VALOR EXCESSIVO. QUANTIA FIXADA QUE NÃO SE REVELA EXORBITANTE. REVISÃO QUE DEMANDARIA REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ.
[...]
2. A inscrição/manutenção indevida do nome do devedor no cadastro de inadimplente enseja o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado a própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos.
[...]
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 456.673/SP, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, QUARTA
XXXXX, julgado em 13/05/2014, DJe 21/05/2014)
7. Assim, a tese a ser firmada para efeitos do art. 543-C do Código de Processo Civil, que ora encaminho, é a seguinte:
“Diante das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, mesmo havendo regular inscrição do nome do devedor em cadastro de órgão de proteção ao crédito, após o integral pagamento da dívida, incumbe ao credor requerer a
exclusão do registro desabonador, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, a contar do primeiro dia útil subsequente à completa disponibilização do numerário necessário à quitação do débito vencido”.
8. No caso concreto, nego provimento ao recurso especial. É como voto.
Súmula n. 549
SÚMULA N. 549
É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.
Referências:
CPC, art. 543-C.
Lei n. 8.009/1990, art. 3º, VII.
Precedentes:
(*)REsp 1.363.368-MS (29 S, 12.11.2014 – DJe 21.11.2014) –
acórdão publicado na íntegra AgRg no REsp 1.088.962-DF (3ª T, 15.06.2010 – DJe 30.06.2010) AgRg no AREsp 160.852-SP (3ª T, 21.08.2012 – DJe 28.08.2012) AgRg no AREsp 624.111-SP (3ª T, 10.03.2015 – DJe 18.03.2015) AgRg no Ag 1.181.586-PR (4ª T, 05.04.2011 – DJe 12.04.2011) AgRg no AREsp 31.070-SP (4ª T, 18.10.2011 – DJe 25.10.2011)
(*) Recurso repetitivo.
Segunda Seção, em 14.10.2015
DJe 19.10.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.363.368-MS (2013/0011463-3)
Relator: Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Recorrente: Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx - Xxxxxxx
Repr. por: Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx - Inventariante Advogado: Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx e outro(s) Recorrido: Marco Antônio da Silveira Agostini Advogados: Xxxxxxxxxx Xxxxxx
Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx
Interes.: Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis - ABADI Advogados: Xxxxxx xx Xxxxx Xxxx
Xxxxx xx Xxxx Xxxxxxxx
Xxxxx Xxxx da Silveira e outro(s)
EMENTA
PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. EXECUÇÃO. LEI N. 8.009/1990. ALEGAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. FIADOR EM CONTRATO DE LOCAÇÃO. PENHORABILIDADE DO IMÓVEL.
1. Para fins do art. 543-C do CPC: “É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990”.
2. No caso concreto, recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento para firmar a legitimidade da penhora realizada sobre o bem de família da recorrida, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os fins do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, foi definida a seguinte tese: “É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a
fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o artigo 3º, inciso VII, da Xxx
n. 8.009/1990”. Os Srs. Ministros Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx e Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Xxxx Xxxxxx.
Brasília (DF), 12 de novembro de 2014 (data do julgamento). Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Relator
DJe 21.11.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx: 1. Espólio de Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx ajuizou ação de cobrança de aluguéis e encargos locatícios referente ao imóvel situado na Rua Xxxxxx Xxxxx, n. 693, Centro, em Dourados/MS.
O Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Dourados/MS xxxxxx procedente o pedido para declarar rescindido o contrato de locação, decretar o despejo e condenar todos os réus, solidariamente, ao pagamento dos aluguéis e encargos da locação vencidos e os vincendos até a data da desocupação do imóvel (fls. 152/157).
A mencionada sentença transitou em julgado e a autora, então, iniciou o cumprimento de sentença (fls. 24/63), tendo sido penhorados imóveis dos executados/fiadores Cassiano Maciel, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxx.
Irresignados, os executados/fiadores apresentaram exceção de pré- executividade, ocasião em que o Juízo (fls. 159/163): a) não conheceu das exceções de pré-executividade quanto à validade de cláusulas do contrato que deu origem à execução da sentença; b) não conheceu da exceção de pré- executividade quanto à matéria que demanda dilação probatória (arguição de pagamento de aluguéis sem recibo); c) conheceu da exceção de pré-executividade quanto à apontada inconstitucionalidade do art. 3º da Lei n. 8.009/1990, mas rejeitou a alegação de impenhorabilidade do bem de família ante precedentes judiciais e d) conheceu da exceção de pré-executividade quanto ao alegado excesso de execução, mas rejeitou a arguição de excesso de execução.
Em face da mencionada decisão, o ora recorrido interpôs agravo de instrumento, provido parcialmente pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul “para o fim de tornar insubsistente a penhora que recai sobre o imóvel objeto da matrícula n. 65.824, Livro 02, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Dourados/MS”.
O acórdão recorrido está assim ementado (fls. 170/177):
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - COBRANÇA DE ALUGUERES E ENCARGOS LOCATÍCIOS - BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR - IMPENHORABILIDADE - EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, VII, DA LEI N. 8.009/90 - CONFLITO COM O DIREITO À MORADIA - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE - EXCESSO DE EXECUÇÃO - MATÉRIA QUE DEMANDA DILAÇÃO PROBATÓRIA - QUESTÃO A SER DISCUTIDA EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
I. O Estado-Juiz, mediante a presidência do processo executivo, não pode ser conivente com a tentativa de despojar o fiador e sua família do refúgio de sua residência para, mediante expropriação forçada, converter o bem de família em pecúnia, a fim de satisfazer o crédito do locador frente ao afiançado.
II. Tal proceder, antes de demonstrar o completo esvaziamento do princípio da solidariedade e a absoluta indiferença com a dignidadedo garantidor e sua família, reflete a sobreposição de um direito disponível - crédito - sobre um direito fundamental - moradia.
III. A pretensão de expropriação do imóvel residencial do fiador ganha maiores contornos de inadmissibilidade quando, em comparação com o direito posto ao devedor principal, percebe-se que a garantia negada ao garantidor é amplamente assegurada ao afiançado.
IV. A exceção de pré-executividade é cabível apenas para discutir questões de ordem pública, que podem ser conhecidas de ofício pelo Juízo, tais como os pressupostos processuais e condições da ação, além dos casos de evidente ausência de responsabilidade obrigacional do devedor ou de iliquidez do título.
V. Inadmissível o acolhimento da exceção de pré-executividade no que diz com questões próprias de impugnação ao cumprimento de sentença, como o excesso de execução.
Sobreveio recurso especial (fls. 260/277) amparado na alínea “c” do permissivo constitucional, no qual se alega dissídio jurisprudencial com acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e também do Supremo Tribunal Federal.
O recorrente vale-se da tese de interpretação divergente acerca do artigo 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990, sustentando, em breve síntese, que o mencionado dispositivo não afronta a Constituição Federal, estando por esta recepcionado.
Enfatiza que “se no acórdão recorrido o entendimento é de que o inciso VII do artigo 3º da Lei n. 8.009/90, introduzido pela Lei n. 8.245/91, afronta o direito social à moradia e aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade material estampados na Constituição Federal pelo artigo 6º da Emenda Constitucional n. 26/2000, as decisões paradigmas comprovam justamente o oposto, ou seja, de que a exceção do aludido normativo não desafia preceito constitucional algum, mesmo após a edição da emenda citada, donde há legalidade da exceção da impenhorabilidade quando se tratar de fiança prestada em contrato de locação”.
Ressalta que o precedente do STJ utilizado pelo Tribunal de origem no acórdão recorrido já está superado pelo entendimento atual desta Corte de Justiça.
O recorrido apresentou contrarrazões ao recurso especial (fls. 354/368), sublinhando que o acórdão estadual está de acordo com os princípios do “Novo Código Civil”, em que a dignidade da pessoa humana alterou a sistemática da teoria contratual. Destaca que admitir a penhora de imóvel residencial dado em garantia em contrato de locação fere os princípios da eticidade, socialidade e operabilidade.
Invoca o Enunciado 23 do CJF e assevera que o direito à moradia limita a autonomia privada.
Argumenta que nem todos têm pleno conhecimento da lei e aduz não ser razoável que uma pessoa tenha seu único imóvel penhorado para incentivar o mercado locatício.
Aduz que, atualmente, o mercado imobiliário utiliza outro mecanismo para assegurar o cumprimento dos contratos, tais como o seguro fiança. Adverte que a sociedade e o direito devem proteger o direito à moradia e valores extrapatrimoniais, como a dignidade da pessoa humana.
Em sede de juízo de admissibilidade, o Tribunal de origem admitiu o recurso especial interposto (fls. 398/400).
Posteriormente, verificando a multiplicidade de recursos a versarem sobre a mesma controvérsia, submeti o feito ao rito do artigo 543-C do CPC,
determinando a ciência e facultando manifestação, no prazo de 15 (quinze) dias (art. 3º, I, da Resolução n. 8/2008), à Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis - Abadi e ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (fls. 408/409).
Às fls. 417/469, a Xxxxx apresentou manifestação pugnando pelo provimento do apelo especial. Justificou seu pedido argumentando que “há muito tempo esse Colendo STJ adotou o entendimento firmado pelo E. STF, que reputou constitucional a exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei 8.009/90, permitindo a penhora do único imóvel do fiador para pagamento de dívida oriunda de contrato de locação”. Observa que o entendimento do acórdão recorrido traz evidentes riscos ao mercado de locações, malferindo o próprio direito à moradia. Conclui dizendo que o referido entendimento, caso prevaleça, “beneficiará número muitíssimo menor de pessoas, em comparação com o contingente que, direta ou indiretamente, será afetado negativamente”.
Por sua vez, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil apresentou ofício (fl. 508) no qual informa que não se manifestará por não ser notório o interesse da Instituição, devendo o tema ficar reservado ao campo da disputa civilista.
Às fls. 475/507, 513/545 e 546/574 foram juntadas manifestações do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e dos Condomínios Residenciais e Comerciais em todo o Estado do Rio de Janeiro -Secovi/RJ, Associação Gaúcha de Advogados do Direito Imobiliário Empresarial - Agadie e Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo - AABIC, em que solicitaram o ingresso no feito na qualidade de amicus curiae.
No despacho proferido à fl. 580, admiti as manifestações; todavia, indeferi o ingresso de novos amicus curiae.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxx, opinou pelo provimento do recurso nos termos da seguinte ementa (fls. 575/578):
DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO. POSSIBILIDADE DE PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR CONFORME PRESCREVE O ART. 3º, VII DA LEI 8.009/90. PRECEDENTES DO STJ. PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx (Relator): 2. De início, consigne- se que o recurso foi interposto unicamente com fundamento na alínea “c” do permissivo constitucional, ou seja, alega-se divergência jurisprudencial na interpretação do art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990.
No caso, a posição adotada pelo Tribunal recorrido - não admitindo a penhora de imóvel do fiador, sob o fundamento de se tratar de bem de família - apresenta dissídio notório com o posicionamento firmado por este Tribunal Superior, no julgamento dos seguintes precedentes indicados pelo ora recorrente: a) AgRg no REsp n. 959.759/SC, de relatoria do Ministro Xxxxxxxx Xxxxx Xxxx Xxxxx; b) AgRg no REsp n. 1.049.425/RJ, de relatoria do Ministro Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx; c) AgRg no REsp n. 1.002.833/MG, de relatoria do Ministro Xxxxx Xxxxxxxx e d) REsp n. 965.257/SP, de relatoria do Ministro Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxx, nos quais foi reconhecida a possibilidade de penhora do bem de família do fiador em contrato de locação.
Em assim sendo, há precedentes da Corte admitindo o dissídio para efeito de conhecimento do especial:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS MODIFICATIVOS. AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. ABONO ÚNICO. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR - PAT. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA INDEVIDA.DISSÍDIO REQUISITOS. MITIGAÇÃO.
1. Tratando-se de dissídio notório com a jurisprudência firmada no âmbito do próprio Superior Tribunal de Justiça, mitigam-se os requisitos de admissibilidade para o conhecimento do recurso especial pela divergência.
2. O abono único, parcela concedida a título indenizatório aos empregados em atividade mediante convenção coletiva de trabalho, não se incorpora aos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de previdência privada. Precedentes da 2ª Seção REsp 1.281.690/RS submetido ao rito dos recursos repetitivos (CPC, art. 543-C).
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.
(EDcl no AREsp 375.443/ES, Rel. Ministra XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, QUARTA
XXXXX, julgado em 05/08/2014, DJe 14/08/2014)
DIREITO BANCÁRIO. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. DISSÍDIO NOTÓRIO. CARACTERIZAÇÃO. MITIGAÇÃO DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO.
SUFICIENTE. PREQUESTIONAMENTO. SATISFAÇÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ. INAPLICABILIDADE.
1. É possível a mitigação dos requisitos formais de admissibilidade do recurso especial diante da constatação de divergência jurisprudencial notória.
2. Recurso especial que foi suficientemente fundamentado e que não encontra óbice nas Súmulas 282, 283 e 284 do STF, 5 e 7 do STJ.
3. Agravo não provido.
(AgRg no REsp 1.433.342/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 27/05/2014, DJe 05/06/2014)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA. REDUÇÃO DA PRODUÇÃO PESQUEIRA. SÚMULA N. 7/STJ. NÃO CABIMENTO. DISSÍDIO NOTÓRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO INCONTESTE. NEXO CAUSAL. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CABIMENTO. PRECEDENTES.
1. Não há falar, na espécie, no óbice contido na Súmula n. 7/STJ, haja vista que os fatos já restaram delimitados nas instâncias ordinárias, devendo ser revista nesta instância somente a interpretação dada ao direito para a resolução da controvérsia. Precedentes.
2. Tratando-se de dissídio notório, admite-se, excepcionalmente, a mitigação dos requisitos exigidos para a interposição do recurso pela alínea “c” “quando os elementos contidos no recurso são suficientes para se concluir que os julgados confrontados conferiram tratamento jurídico distinto à similar situação fática” (AgRg nos EAg 1.328.641/RJ, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxx, DJe 14/10/11).
[...]
(AgRg no AREsp 206.748/SP, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 27/02/2013)
3. No mais, cinge-se a controvérsia a discutir a possibilidade de penhora do apontado bem de família de fiador em contrato de locação.
Cumpre, de início, transcrever o inciso VII do artigo 3º da Lei n.
8.009/1990, inserido pelo artigo 82 da Lei n. 8.245/1991:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
A decisão do magistrado de piso, na parte que interessa, assim dispôs (fl.
161):
Quanto a alegação de impenhorabilidade do bem do fiador dado em garantia do contrato de locação, o STF já declarou a constitucionalidade do art. 3º da Lei 8009, como se observa da ementa do voto da ministra Xxxxx Xxxxxx, na Repercussão Geral em Recurso Extraordinário (RE) n. 612.360/SP, advindo da discussão do RE n. 407.688, in verbis:
[...].
Esse, também, é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: [...].
Ante o exposto:
[...].
c) conheço da exceção de pre- executividade quanto a alegada inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 8.009/90, mas rejeito a alegação dos excipientes de impenhorabilidade do bem de família dos fiadores, ante os precedentes do E. TJMS e do STJ e STF; e,
[...].
O acórdão recorrido, por seu turno, consignou:
Da impenhorabilidade do bem de família do fiador
De início, cumpre relatar que a questão acerca da impenhorabilidade do bem de família é de ordem pública, podendo ser apreciada a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição.
No caso, como relatado, pretende o agravante, a despeito das razões estampadas na decisão hostilizada, o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/90, tudo para anular a penhora realizada sobre o imóvel de residência do fiador.
Tenho que a pretensão merece acolhida, pelos motivos que passo a expor.
Em função da dignidade da pessoa humana e atento às condições mínimas que devem cercar a vida em sociedade, o legislador ordinário estabeleceu algumas hipóteses em que o bem destinado à moradia do devedor e sua família, embora inicialmente disponível, traspassa à categoria de direito indisponível.
Nesta toada, a Lei n. 8.009/90 esculpiu o direito de impenhorabilidade do bem de família, ao gizar, in verbis:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial,
fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”
Assim, não se há de autorizar a penhora e, consequentemente, a expropriação daquele imóvel que se destina a acolher a entidade familiar do devedor.
Não obstante a elogiável previsão legal supramencionada, o mesmo diploma tratou de excepcionar algumas hipóteses em que não se poderia alegar a impenhorabilidade do imóvel residencial, ao prescrever em seu art. 3º:
“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III -- pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”
No caso vertente, a pretensão resistida está a tratar da hipótese prevista no inciso VII, a qual não seria possível reconhecer a impenhorabilidade do imóvel residencial dos devedores que, na condição de fiadores, se obrigaram ao pagamento de eventual dívida advinda de contrato de locação.
Em observância desta exceção legal, tem prevalecido nos tribunais que, em se tratando de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, deve-se afastar a impenhorabilidade dos bens de família prevista pelo art. 1º da Lei n. 8.009/90.
Evidentemente que este entendimento mostra-se equivocado
É que a Emenda Constitucional n. 26, de 14 de fevereiro de 2000, incluiu a moradia entre os direitos sociais previstos no art. 6º da CF/88, que constituem normas de ordem públicas.
Ao assim proceder, o constituinte derivado reformador reforçou na Constituição um direito manifestamente fundamental para manter a dignidade do homem: a moradia.
Sobre a condição de eficácia deste direito social, célebres são as lições de Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, para quem:
“Esse é daqueles direitos que têm duas faces: uma negativa e uma positiva. A primeira significa que o cidadão não pode ser privado de uma moradia nem impedido de conseguir uma, no que importa a abstenção do Estado e de terceiros. A segunda, que é a nota principal do direito à moradia, como dos demais direitos sociais, consiste no direito de obter uma moradia digna e adequada, revelando-se como um direito positivo de caráter prestacional, porque legitima a pretensão do seu titular à realização do direito por via de ação positiva do Estado. É nessa ação positiva que se encontra a condição de eficácia do direito à moradia. E ela está prevista em vários dispositivos de nossa Constituição, entre os quais se destaca o art. 3º, que define como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade justa e solidária, erradicar a marginalização – e não há marginalização maior do que não se ter um teto para si e para a família – e promover o bem de todos, o que pressupõe, no mínimo, ter onde morar dignamente.” [1] Grifei
Se o cidadão não pode ser privado de uma moradia, o que reclama a abstenção do Estado e de terceiros, afigura-me evidente que o Estado-Juiz, mediante a presidência de um procedimento executivo (cumprimento de sentença) não pode ser conivente com a tentativa de despojar o fiador e sua família do refúgio de sua residência para, mediante expropriação forçada, converter o bem de família em pecúnia, a fim de satisfazer o crédito do locador frente ao afiançado.
Tal proceder, antes de demonstrar o completo esvaziamento do princípio da solidariedade e a absoluta indiferença com a dignidade do garantidor e sua família, reflete a sobreposição de um direito disponível – crédito – sobre um direito fundamental – moradia.
Com a devida vênia de eventual entendimento contrário, resta claro que as exceções previstas no art. 3º da Lei n. 8.009/90 não podem ser tidas como inabaláveis, sob pena de subjugar, em alguns casos, o caráter social que detém o bem de família.
A propósito do tema, o STJ já ementou:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI N. 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO.
Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional n. 26/2000). Recurso desprovido.” (STJ, 5ª Turma, REsp n. 699.837/RS, Relator: Ministro Xxxxx Xxxxxxx, data do julgamento: 2/8/2005).
A pretensão de expropriação do imóvel residencial do fiador ganha maiores contornos de inadmissibilidade quando, em comparação com o direito posto ao devedor principal, percebe-se que a garantia negada ao garantidor é amplamente assegurada ao afiançado.
Ora, evidentemente que o consentimento desta circunstância acabaria por afrontar o princípio constitucional da igualdade, porquanto estar-se-ia ofertando ao credor o bem residencial daquele que prestou obrigação acessória e, por outro lado, deixando incólume de qualquer constrição o imóvel de residência do contratante, que se obrigou diretamente pelo adimplemento do obrigação principal.
Assim, tenho que não andou bem o Juízo singular ao não afastar, no caso, a exceção prevista no art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/90, a fim de assegurar ao fiador seu direito indisponível de habitação na residência familiar.
Corroborando tal entendimento, cumpre-me colacionar precedente desta 3ª Turma Cível que, em caso análogo, referendou a impenhorabilidade do imóvel residencial do fiador. Confira-se:
[...].
Por isso, visando dar efetividade ao direito social à moradia e aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade material, entendo que deve ser declarada a impenhorabilidade do bem de família no caso em tela.
4. É bem verdade que o direito à moradia foi citado inicialmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Assembleia Geral da ONU, tendo o Brasil como um dos seus signatários.
A Declaração estabelece que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, moradia, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis” (artigo 25, § 1º).
O principal instrumento legal internacional que trata do direito à moradia, ratificado pelo Brasil e por mais 138 países, é o Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Sociais e Culturais - Pidesc, adotado pela ONU em 1966.
O artigo 11, § 1º, do Pidesc dispõe que os Estados partes reconhecem o direito de toda pessoa à moradia adequada e comprometem-se a adotar medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito.
Faz-se mister ressaltar, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (entre outros, o RE 349.703/RS, julgado pelo Tribunal Pleno em 3/12/2008), que tratado internacional que versa sobre direitos humanos assume status de norma supralegal, situando-se abaixo da Constituição, porém acima da legislação ordinária, de modo que o ordenamento jurídico interno deve contemplar formas para implementação dos seus mandamentos.
Nessa senda, a Constituição da República, em seu artigo 6º, encartou a moradia no bojo dos direitos sociais, alçando-a à qualidade de direito fundamental, já que se trata de capítulo inserido no título II da Carta Magna, intitulado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. - grifou-se.
O constituinte originário exteriorizou a preocupação com a proteção desse direito fundamental à dignidade da pessoa humana em diversos outros dispositivos, tais como o artigo 23, IX, no qual estabelece como dever do Estado, nas suas três esferas, a promoção de programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, bem assim o artigo 7º, IV, em que o direito à moradia é visto como necessidade básica dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, que deve ser atendida pelo salário mínimo.
Não se olvida que, anteriormente à Constituição de 1988, o Código Civil de 1916 tenha disciplinado o bem de família. No entanto, seu extremo formalismo relegou o instituto à vala da aplicação raríssima, não atendendo satisfatoriamente, portanto, aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à moradia e à família, preconizados na nova Carta.
Nesse contexto, para atender a diretriz do Tratado e da Constituição, exsurge a Lei n. 8.009/1990, cujo art. 1º estabelece:
Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
O mencionado diploma institui a proteção legal do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da entidade familiar e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna.
É o que se verifica, no tocante ao bem de família, em diversos precedentes jurisprudenciais desta Corte Superior que entenderam pela extensão dessa proteção à morada do devedor solteiro, das separadas e viúvas (Súm. 364 do STJ); que mantiveram o resguardo do imóvel locado a terceiro quando os aluguéis eram destinados à residência da entidade familiar (REsp 1.005.546/ SP, Terceira Turma, Rel. para acórdão Min. Xxxxx Xxxxxxxx, DJe 03/02/2011; REsp 315.979/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx, DJ 15/03/2004); que não admitiram a renúncia da proteção legal por parte de seu titular (REsp 507.686/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJ 22/03/2004; REsp 223.419/SP, Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, Quarta Turma, DJ 17/12/1999; REsp 875.687/RS, Rel. Min. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Quarta Turma, DJe 22/8/2011); ou, ainda, que limitaram a excepcionalidade da regra que autoriza a penhora de bem de família dado em garantia tão somente nas hipóteses em que a dívida seja constituída em favor da entidade familiar (e não em favor de terceiros) (AgRg no AREsp 98.992/SC, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Quarta Turma, DJe 06/03/2014; AgRg no AREsp 48975/MG, Rel. Min. Xxxxx Xxxxx, Quarta Turma, DJe 25/10/2013; REsp 988.915/SP, Rel. Min. Raxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxx, DJe 08/06/2012; AgRg no Ag 1.067.040/ PR, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, Terceira Turma, DJe 28/11/2008 AgRg no Ag 921.299/SE, Rel. Min. Xxxxxx Xxxxxx, Terceira Turma, DJe 28/11/2008).
Assim, a teor do artigo 1º da Lei n. 8.009/1990, o bem imóvel destinado à moradia da entidade familiar é impenhorável e não responderá pela dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas no artigo 3º da aludida norma.
Nessa linha, o acima mencionado dispositivo excetua, em seu inciso VII, tido por ofendido, a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, isto é, autoriza a constrição de imóvel de propriedade do fiador de contrato locatício, considerado bem de família.
Infere-se, pois, que a legislação pátria, a par de estabelecer como regra a impossibilidade de impor a penhora sobre bem imóvel destinado à moradia do indivíduo e de sua família, excetuou a hipótese do fiador em contrato de locação, permitindo que tal gravame seja lançado sobre o referido imóvel.
Convém ressaltar, para logo, que a norma em testilha estabelece, expressamente, as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, o que impede sua aplicação mediante interpretação extensiva. Confira: AgRg no AREsp 537.034/MS, Rel. Ministro XXXX XXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 01/10/2014; REsp 1.115.265/RS, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
5. Não se pode deixar de destacar a divergência existente em sede doutrinária acerca do tema em discussão.
De um lado, autores como Xxxx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxx, Xxxxxxx Xxxx, dentre outros, entendem que o bem de família do fiador não pode ser penhorado para satisfação de débito em contrato de locação. Por outro lado e em conformidade com a pacífica jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça e também do Supremo Tribunal Federal, doutrinadores como Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx xx Xxxxx defendem ser legítima a penhora sobre bem de família de fiador em contrato de locação, a teor do inciso VII do artigo 3º da Lei n. 8.009/1990, acrescentado pelo artigo 82 da Lei n. 8.245/1991, inclusive para os pactos anteriores à vigência deste diploma legal.
Contudo, como antes afirmado, a jurisprudência da Suprema Corte firmou-se no sentido da constitucionalidade do dispositivo impugnado. De fato, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 407.688, em 8/2/2006, assentou a constitucionalidade do artigo 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990, com a redação dada pela Lei n. 8.245/1991, em face do artigo 6º da Constituição Federal, que consagra o direito à moradia a partir da edição da Emenda Constitucional n. 26/2000.
O aludido julgado possui a seguinte ementa:
“FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009/90, com a redação da Lei n. 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei n. 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República.” (RE 407.688, Rel. Min. XXXXX XXXXXX, TRIBUNAL PLENO, DJ 06.10.2006).
Posteriormente, em 13/8/2010, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 3º da Lei 8.009/1990, na Repercussão Geral em Recurso Extraordinário (RE) n. 612.360/SP, advindo da discussão do RE n. 407.688. Confira-se a ementa do julgado, que teve como relatora a eminente Ministra Xxxxx Xxxxxx:
CONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. (RE 612.360 RG, Relatora Min. XXXXX XXXXXX, TRIBUNAL PLENO, julgado em 13.08.2010, DJe 03.09.2010).
Nas razões de decidir do Recurso Extraordinário n. 407.688, asseverou o eminente Ministro Xxxxx Xxxxxx:
[...].
Não me parece sólida a alegação de que a penhora do bem de família do recorrente violaria o disposto no art. 6º da Constituição da República, que, por força da redação introduzida pela EC n. 26, de 15 de fevereiro de 2000, não teria recebido a norma do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009, de 29.03.1990, a qual, com a redação da Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991, abriu exceção à impenhorabilidade do bem de família.
A regra constitucional enuncia direito social, que, não obstante suscetível de qualificar-se como direito subjetivo, enquanto compõe o espaço existencial da pessoa humana, “independentemente da sua justiciabilidade e exeqüibilidade imediatas”, sua dimensão objetiva supõe provisão legal de prestações aos cidadãos, donde entrar na classe dos chamados “direitos a prestações, dependentes da actividade mediadora dos poderes públicos”.
Isto significa que, em teoria, são várias, se não ilimitadas, as modalidades ou formas pelas quais o Estado pode, definindo-lhe o objeto ou o conteúdo das prestações possíveis, concretizar condições materiais de exercício do direito social à moradia. Ao propósito dos direitos sociais dessa estirpe, nota a doutrina:
[...].
Daí se vê logo que não repugna à ordem constitucional que o direito social de moradia - o qual, é bom observar, se não confunde, necessariamente, com o direito à propriedade imobiliária ou direito de ser proprietário de imóvel - pode, sem prejuízo de doutras alternativas conformadoras, reputar-se, em certo sentido, implementado por norma jurídica que estimule ou favoreça o incremento da oferta de imóveis para fins de locação habitacional, mediante previsão de reforço das garantias contratuais dos locadores.
A vigente Constituição portuguesa é, aliás, ilustrativa ao propósito, ao dispor, no n. 2 do art. 65º:
“2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: (...).
c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada” (Grifei).
A respeito, não precisaria advertir que um dos fatores mais agudos de retração e de dificuldades de acesso do mercado de locação predial está, por parte dos candidatos a locatários, na falta absoluta, na insuficiência ou na onerosidade de garantias contratuais licitamente exigíveis pelos proprietários ou possuidores de imóveis de aluguel. Nem, tampouco, que acudir a essa distorção, facilitando celebração dos contratos e com isso realizando, num dos seus múltiplos modos de positivação e de realização histórica, o direito social de moradia, é a própria ratio legis da exceção prevista no art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009, de 1990. São coisas óbvias e intuitivas.
Daí, só poder conceber-se acertada, em certo limite, a postura de quem vê, na penhorabilidade de imóvel do fiador, regra hostil ao art. 6º da Constituição da República, em “havendo outros meios de assegurar o pagamento do débito”, porque essa constitui a única hipótese em que, perdendo, diante de particular circunstância do caso, a função prática de servir à prestação de garantia exclusiva das obrigações do locatário e, como tal, de condição necessária da locação, a aplicação da regra contradiria o propósito e o alcance normativo. Aí, não incidiria, não porque, na sua generalidade e eficácia, seja desconforme com a Constituição, senão porque o fato (fattispecie concreta) é que se lhe não aperfeiçoaria ao modelo normativo (fattispecie abstrata).
[...].
Nem parece, por fim, curial invocar-se de ofício o princípio isonômico, assim porque se patenteia diversidade de situações factuais e de vocações normativas - a expropriabilidade do bem do fiador tende, posto que por via oblíqua, também a proteger o direito social de moradia, protegendo direito inerente à condição de locador, não um qualquer direito de crédito -, como porque, como bem observou Xxxx Xxxxxxx Xxxxx, “os direitos sociais não configuram um direito de igualdade, baseado em regras de julgamento que implicam um tratamento uniforme; são, isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios”.
Não admira, portanto, que, no registro e na modelação concreta do mesmo direito social, se preordene a norma subalterna a tutelar, mediante estímulo do acesso à habitação arrendada - para usar os termos da Constituição lusitada -, o direito de moradia de uma classe ampla de pessoas (interessadas na locação), em dano de outra de menor espectro (a dos fiadores proprietários de um só imóvel, enquanto bem de família, os quais não são obrigados a prestar fiança). Castrar essa técnica legislativa, que não pré-exclui ações estatais concorrentes doutra ordem, romperia equilíbrio do mercado, despertando exigência sistemática de
garantias mais custosas para as locações residenciais, com consequente desfalque no campo de abrangência do próprio direito constitucional à moradia.
O Ministro Xxxxxxx Xxxxxxx, por sua vez, acompanhando o relator, fez importantes considerações em seu voto acerca do “confronto” entre o direito à moradia e o direito à liberdade:
[...] aparentemente, a questão posta nos presentes autos centra-se no embate entre dois direitos fundamentais: de um lado, o direito à moradia (art. 6º da Constituição Federal), que é direito social constitucionalmente assegurado e, em princípio, exige uma prestação do Estado; de outro, o direito à liberdade, em sua mais pura expressão, ou seja, a da autonomia da vontade, exteriorizada, no caso concreto, na faculdade que tem cada um de obrigar-se contratualmente e, por consequência, de suportar os ônus dessa livre manifestação de vontade.
Ambos os direitos merecem igual tutela em nossa Constituição, de modo que é tarefa complexa estabelecer os parâmetros e limites de sua aplicação, em especial neste tema da penhorabilidade do bem de família do fiador nos contratos de locação.
[...].
A norma é muito clara: o fiador que oferece o único imóvel de sua propriedade para garantir contrato de locação de terceiro pode ter o bem penhorado em caso de descumprimento da obrigação principal pelo locatário. Sustenta-se que essa penhora seria contrária ao disposto na Constituição federal, sobretudo após a Emenda Constitucional 26, que incluiu o direito à moradia no rol dos direitos sociais descritos no art. 6º da Constituição.
Entendo, porém, que esse não deve ser o desenlace da questão. Como todos sabemos, os direitos fundamentais não têm caráter absoluto. Em determinadas situações, nada impede que um direito fundamental ceda o passo em prol da afirmação de outro, também em jogo numa relação jurídica concreta.
É precisamente o que está em jogo no presente caso. A decisão de prestar fiança, como já disse, é expressão da liberdade, do direito à livre contratação. Ao fazer uso dessa franquia constitucional, o cidadão, por livre e espontânea vontade, põe em risco a incolumidade de um direito fundamental social que lhe é assegurado na Constituição. E o faz, repito, por vontade própria.
Por via de consequência, entendo que não há incompatibilidade entre o art. 3º, VII, da Lei 8.009/1990, inserido pela Lei 8.245/1991, que prevê a possibilidade de penhora do bem de família em caso de fiança em contrato de locação, e a Constituição federal.
6. No mesmo diapasão, a jurisprudência desta Corte Superior é tranquila, estando há muito superado o precedente do STJ invocado no acórdão recorrido. Confiram-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. IMÓVEL DO FIADOR. PENHORA. POSSIBILIDADE. FIANÇA. VALIDADE. REGIME DE SEPARAÇÃO DE XXXX.
1. O Superior Tribunal de Justiça, na linha do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, tem entendimento firmado no sentido da legitimidade da penhora sobre bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.
2. O contrato de fiança deve sempre ser interpretado restritivamente e nenhum dos cônjuges pode prestar fiança sem a anuência do outro, exceto no regime matrimonial de separação patrimonial absoluta (arts. 819 e 1.647 do CC).
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1.347.068/SP, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/09/2014, DJe 15/09/2014)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LOCAÇÃO DE IMÓVEL. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. POSSIBILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI N. 8.009/1990. PRECEDENTES. STJ E STF.
1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em virtude da obrigação decorrente de contrato de locação, é possível a penhora do bem destinado à moradia do fiador, conforme prevê o inciso VII do art. 3º da Lei n. 8.009/90, acrescentado pela Lei n. 8.245/1991.
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 407.688, entendeu que a penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei n. 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República.
3. Agravo Regimental improvido.
(AgRg no RMS 24.658/RJ, Rel. Ministro XXXX XXXXXXXX, SEXTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 20/06/2014)
AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO - RECONHECIMENTO DO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ - PENHORA DO BEM IMÓVEL DO FIADOR - POSSIBILIDADE
- ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE - RECURSO IMPROVIDO.
(AgRg no AREsp 151.216/SP, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXX, TERCEIRA TURMA,
julgado em 26/06/2012, DJe 02/08/2012)
AGRAVO REGIMENTAL. LOCAÇÃO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA ALTERAR A DECISÃO AGRAVADA. LOCAÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. FIADOR. PENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ.
1. O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo regimental.
2. A jurisprudência desta Corte é clara, no sentido de que, é possível a penhora do bem de família de fiador de contrato de locação, mesmo quando pactuado antes da vigência da Lei 8.245/91, que alterou o art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009/90. Precedentes.
3. À luz do enunciado sumular 211/STJ, é inadmissível o recurso especial que demande a apreciação de matéria sobre a qual não tenha se pronunciado a Corte de origem, apesar de opostos embargos de declaração.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg nos EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 771.700/RJ, Rel. Ministro XXXXX XXXXX XXXXXXXX (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA
TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe 26/03/2012)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FIANÇA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. IRRELEVÂNCIA NO CASO, EM FACE DE A GARANTIA TER BENEFICIADO O CASAL. DISSIDÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDA. SÚMULA 83/STJ. NULIDADE DO ACÓRDÃO NÃO CONFIGURADA.
1. Não ocorre contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, todas as questões postas ao seu exame, assim como não há que se confundir entre decisão contrária ao interesse da parte e inexistência de prestação jurisdicional.
2. Peculiaridades do caso concreto que afastam o entendimento da Súmula 332/STJ. Além de o recorrente ter conhecimento da garantia, obteve proveito da locação, utilizando-se do imóvel para administrar a sua própria empresa. Incidência da Súmula 7/STJ.
3. A orientação predominante nesta Corte é no sentido de que a impenhorabilidade prevista na Lei n. 8.009/90 não se estende ao imóvel do fiador, em razão da obrigação decorrente de pacto locatício.
4. Nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, é atribuição do recorrente demonstrar a dissidência, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. Dissídio de que não se conhece por aplicação da Súmula 83/STJ.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1.061.373/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA,
julgado em 07/02/2012, DJe 27/02/2012)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, COM APLICAÇÃO DE MULTA.
1. O agravante não rebate especificamente os fundamentos da decisão agravada, quais sejam: incidência da Súmula 83/STJ, circunstância que obsta, por si só, a pretensão recursal, pois à falta de contrariedade, permanecem incólumes os motivos expendidos pela decisão recorrida. Incidência do entendimento expendido na Súmula 182/STJ.
2. Conforme entendimento pacificado nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal, é válida a penhora sobre bem de família do fiador de contrato de locação. Aplicação do art. 3º, VII da Lei 8.009/90.
2. Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa.
(AgRg no AREsp 31.070/SP, de minha relatoria, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 25/10/2011)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO (SÚMULA 282/STF). CONTRATO DE LOCAÇÃO. FIANÇA ANTERIOR À LEI N. 8.245/1991. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. POSSIBILIDADE (PRECEDENTES).
1. Os temas a serem debatidos no especial dependem do necessário prequestionamento na origem (Súmula 282/STF).
2. A possibilidade de penhora do bem de família, nos casos de fiança em contrato de locação, com cláusula de responsabilidade até a entrega das chaves, aplica-se também aos casos de fiança anterior à Lei n. 8.245/1991.
3. Agravo interno ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 853.038/SP, Rel. Ministro XXXXX XXXXXXX (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 18/05/2011)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA DE BEM PERTENCENTE A FIADOR DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. É legítima a penhora sobre bem de família pertencente a fiador de contrato de locação. Precedentes.
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1.181.586/PR, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XX XXXXXXX, QUARTA
TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 12/04/2011)
LOCAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. DÍVIDA DE FIADOR EM CONTRATO LOCATÍCIO. PENHORA. ALEGADA AFRONTA AO ART. 535 DO DIPLOMA PROCESSUAL. NÃO OCORRÊNCIA. SUPOSTA AFRONTA AO ART. 463 DO CODEX PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INDIVISIBILIDADE DO BEM IMÓVEL DADO EM GARANTIA. POSSIBILIDADE DE PENHORA DE 50% DA FRAÇÃO IDEAL. ALEGAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. ASSINATURA DO CONTRATO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI N. 8.245/91. ADMISSIBILIDADE DE PENHORA.
1. O acórdão hostilizado solucionou todas as questões de maneira clara e coerente, apresentando as razões que firmaram o seu convencimento.
2. A matéria tratada no art. 463, incisos I e II, Código de Processo Civil não restou debatida pelo Tribunal de origem, a despeito da oposição dos embargos declaratórios, razão pela qual incide, na espécie, o óbice da Súmula n. 211 deste Tribunal.
3. Com o advento da Lei n. 8.245/91 – que introduziu uma nova hipótese de exclusão da impenhorabilidade do bem de família – restou autorizada a penhora do bem destinado à moradia do fiador, em razão da obrigação decorrente de pacto locatício, aplicando-se também aos contratos firmados antes da sua vigência. Precedentes.
4. O entendimento pacifico desta Corte é no sentido de que é possível a penhora de fração ideal de imóvel. Precedentes.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EDcl no REsp 911.321/RS, Rel. Ministra XXXXXXX XXX, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 25/10/2010)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE IMÓVEL DO FIADOR. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO 3º, VII, DA LEI 8.009/90. RECURSO IMPROVIDO.
I - Este Superior Tribunal de Justiça, na linha do entendimento do Supremo Tribunal Federal, firmou jurisprudência no sentido da possibilidade de se penhorar, em contrato de locação, o bem de família do fiador, ante o que dispõe o art. 3º, VII da Lei 8.009/90.
II - Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 1.088.962/DF, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX, TERCEIRA TURMA,
julgado em 15/06/2010, DJe 30/06/2010)
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA. PENHORABILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM PARA EXAME DAS DEMAIS QUESTÕES PENDENTES DE JULGAMENTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Para a abertura da via especial, requer-se o prequestionamento, ainda que implícito, da matéria infraconstitucional. Súmulas 282 e 356/STF.
2. É inadmissível Recurso Especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Incidência, por analogia, da Súmula 283/STF.
3. “É válida a penhora do bem destinado à família do fiador em razão da obrigação decorrente de pacto locatício, aplicando-se, também, aos contratos firmados antes da sua vigência” (AgRg no REsp 876.938/SP, Rel. Min. XXXXXXX XXX, Quinta Turma, DJe 3/11/08).
4. Superada a questão prejudicial acolhida no acórdão recorrido, devem os autos retornar ao Tribunal de origem para que sejam resolvidas as demais questões suscitadas no recurso de apelação e pendentes de julgamento. Precedente do STJ.
5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem.
(REsp 1.110.453/RN, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXXXX XXXX, QUINTA TURMA,
julgado em 18/02/2010, DJe 15/03/2010)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ART. 247 DO CPC E ART. 5º DA LEI N. 9.278/96 AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ. LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. PENHORABILIDADE. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO- COMPROVADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O juiz não está obrigado a rebater, pormenorizadamente, todas as questões trazidas pela parte, citando os dispositivos legais que esta entende pertinentes para a resolução da controvérsia. Desse modo, inviável a pretensão de ofensa ao art. 535, II, do CPC se o Tribunal valeu-se de razões suficientes para o deslinde do litígio.
2. Os embargos de declaração interpostos após a formação do acórdão, com o escopo de prequestionar tema não veiculado anteriormente no processo, não caracterizam prequestionamento, mas pós-questionamento. Incidência da Súmula n. 211 do STJ.
3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 407.688, assentou que “a penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei n. 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República”.
4. Não prospera o recurso quanto à alínea “c” do permissivo constitucional, pois é discrepante a moldura fática do acórdão recorrido e dos acórdãos paradigmas.
5. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 705.169/RJ, Rel. Ministra XXXXX XXXXXXX XX XXXXX XXXXX,
SEXTA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe 21/09/2009)
PROCESSUAL CIVIL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL ALEGADO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.
Não se conhece do recurso pela alínea c do permissivo constitucional em virtude da ausência de fundamentação. Incidência, na espécie, do óbice constante da Súmula n. 284/STF.
LOCAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. PENHORA SOBRE BEM DE FAMÍLIA DE XXXXXX. POSSIBILIDADE. LEI N. 8.009/90, ARTIGO 1º, INCISO VII. LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING CENTER. LEI DO INQUILINATO. APLICAÇÃO.
1. A teor do artigo 1º da Lei n. 8.009/1990, o bem imóvel destinado à moradia da entidade familiar é impenhorável e não responderá pela dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas no artigo 3º da aludida norma.
2. Ainda que a relação entre lojista e empreendedor de shopping center seja atípica, a Lei do Inquilinato preceitua que devem prevalecer as condições livremente pactuadas no respectivo contrato e as disposições procedimentais nela previstas. Precedente da Terceira Seção.
3. Recurso especial não provido.
(REsp 1.107.241/SP, Rel. Ministro XXXXX XXXXX, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2009, DJe 14/09/2009)
PROCESSUAL CIVIL. FIANÇA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE SER O FILHO DOS FIADORES POSSUIDOR DO BEM DE FAMÍLIA, PARA SE DEFINIR A APLICAÇÃO DO ART. 3º, VII DA LEI 8.009/90, ACRESCIDO PELA LEI 8.245/91, QUE EXCEPCIONA A IMPENHORABILIDADE DE TAL BEM. CERCEAMENTO DE DEFESA DECORRENTE DA NÃO PRODUÇÃO DE PROVAS.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte é assente que resta configurado o cerceamento de defesa quando o Juiz, indeferindo a produção de provas requeridas, julga antecipadamente a lide, considerando improcedente a pretensão veiculada justamente porque a parte não comprovou as suas alegações.
2. Caracteriza-se infringente do direito à defesa a não produção de provas quanto ao fato da posse, pelos fiadores, de bem que reputam excluído da possibilidade de penhora, quando essa situação se mostra relevante para se afastar a constrictibilidade, em face de se tratar de contrato locatício assinado e renovado antes da alteração legislativa imposta na Lei 8.009/90 pela Lei 8.245/91.
3. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no Ag 956.535/RJ, Rel. Ministro XXXXXXXX XXXXX XXXX XXXXX, QUINTA
TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 16/02/2009)
Trago, também, inúmeras decisões monocráticas dos ministros da Segunda Seção, envolvendo a questão ora em exame, sempre entendendo ser possível a penhora do bem de família do fiador em contrato de locação, senão
vejamos: AREsp 91.208/SP, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XX XXXXXXX, TERCEIRA TURMA, DJe 20/10/2014; AREsp 121.176/SP, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, QUARTA TURMA, DJe 06/10/2014; REsp 1.364.512/SP, Rel. Ministro XXXXX XXXXXXX, TERCEIRA TURMA, DJe 03/10/2014; REsp 1.336.791/RS, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXX, TERCEIRA TURMA, DJe 02/09/2014; Ag 1.383.594/ RS, Rel. Ministro XXXXX XXXXX, QUARTA TURMA, DJe 01/08/2014; AREsp 493.103/SP, Ministra XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, QUARTA TURMA, DJe 11/04/2014; AREsp 245.165/SP, Ministro XXXX XXXXXX, QUARTA TURMA, DJe 30/04/2014; AREsp 169.803/SP, Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, Dje 15/10/2013.
7. Assim, o entendimento a ser firmado para efeitos do art. 543-C do CPC, que ora encaminho, é o seguinte:
É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a f iador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990.
8. No caso concreto, o aresto atacado, ao ter por inválida a penhora sobre bem de família de fiador de pacto locatício, contrariou o aludido inciso VII do art. 3º da Lei n. 8.099/1990, introduzido pelo art. 82 da Lei n. 8.245/1991, bem como divergiu do entendimento ora proposto e já pacificado nesta Corte Superior de Justiça e também do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual deve ser reformado.
9. Ante o exposto, conheço do presente recurso especial e dou-lhe provimento para firmar a legitimidade da penhora realizada sobre o bem de família do recorrido.
É como voto.
Súmula n. 550
SÚMULA N. 550
A utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo.
Referências:
CC/2002, art. 187.
CDC, art. 43. CPC, art. 543-C.
Lei n. 12.414/2011, arts. 3º, § 3º, I e II, 5º, IV, 7º, I e 16.
Precedentes:
(*)REsp 1.419.697-RS (29 S, 12.11.2014 – DJe 17.11.2014) –
acórdão publicado na íntegra (*)REsp 1.457.199-RS (2ª S, 12.11.2014 – DJe 17.12.2014) AgRg no AREsp 318.684-RS (3ª T, 02.12.2014 – DJe 11.12.2014) REsp 1.268.478-RS (4ª T, 18.12.2014 – DJe 03.02.2015) EDcl no REsp 1.419.691-RS (4ª T, 18.12.2014 – DJe 03.02.2015) EDcl no REsp 1.395.509-RS (4ª T, 18.12.2014 – DJe 06.02.2015)
(*) Recursos repetitivos.
Segunda Seção, em 14.10.2015
DJe 19.10.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.419.697-RS (2013/0386285-0)
Relator: Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx Recorrente: Boa Vista Serviços S/A Advogados: Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx e outro(s)
Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx e outro(s) Recorrido: Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Advogados: Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx e outro(s)
Deivti Dimitrios Porto dos Santos Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx
Ivi Andréia Porto dos Santos
Interes.: Banco Central do Brasil - BACEN - “Amicus Curiae” Advogado: Procuradoria-Geral do Banco Central
Interes.: Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas - “Amicus Curiae” Advogados: Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx e outro(s)
Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx Interes.: Serasa S/A - “Amicus Curiae” Advogados: Xxxxx Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx
Sérgio Bermudes e outro(s)
Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx
Interes.: Federação Brasileira de Bancos FEBRABAN - “Amicus Curiae” Advogado: Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx e outro(s)
Interes.: IDV - Instituto para Desenvolvimento do Varejo - “Amicus Curiae” Advogado: Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). TEMA 710/STJ. DIREITO DO CONSUMIDOR. ARQUIVOS DE CRÉDITO. SISTEMA “CREDIT SCORING”. COMPATIBILIDADE COM O DIREITO BRASILEIRO. LIMITES. DANO MORAL.
I – TESES:
1) O sistema “credit scoring” é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito).
2) Essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo).
3) Na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei n. 12.414/2011.
4) Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas.
5) O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema “credit scoring”, configurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei
n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.
II – CASO CONCRETO:
1) Não conhecimento do agravo regimental e dos embargos declaratórios interpostos no curso do processamento do presente recurso representativo de controvérsia;
2) Inocorrência de violação ao art. 535, II, do CPC.
3) Não reconhecimento de ofensa ao art. 267, VI, e ao art. 333, II, do CPC.
4) Acolhimento da alegação de inocorrência de dano moral “in re ipsa”.
5) Não reconhecimento pelas instâncias ordinárias da comprovação de recusa efetiva do crédito ao consumidor recorrido, não sendo possível afirmar a ocorrência de dano moral na espécie.
6) Demanda indenizatória improcedente.
III – NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL E DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS, E RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial para julgar improcedente a demanda indenizatória, e não conhecer do agravo regimental e dos embargos declaratórios interpostos no curso do processamento do presente recurso representativo de controvérsia, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os efeitos do artigo 543-C do Código de Processo Civil foram definidas as seguintes teses: “1) O sistema “credit scoring” é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito). 2) Essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei
n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo). 3) Na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei n. 12.414/2011. 4) Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas. 5) O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema “credit scoring”, configurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados”.
Os Srs. Ministros Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx e Xxxx Xxxxxx votaram com o Sr. Ministro Relator.
Consignadas as presenças dos Drs. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx, pela recorrente Boa Vista Serviços S/A; Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, pelo recorrido Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx; Xxxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx, pelo amicus curiae Banco Central do Brasil S/A; Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, pelo amicus curiae Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e Sergio Bermudes, pelo amicus curiae SERASA S/A.
Brasília (DF), 12 de novembro de 2014 (data de julgamento). Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Relator
DJe 17.11.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx: Trata-se de recurso especial afetado ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil para a consolidação do entendimento desta Corte sobre a “a natureza dos sistemas de scoring (SCPC SCORE CRÉDITO) e a possibilidade de violação a princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor capaz de gerar indenização por dano moral”.
No caso dos autos, BOA VISTA SERVIÇOS S/A insurge-se contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul, assim ementado:
AGRAVO EM APELAÇÃO CÍVEL. APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL. SCPC SCORE CRÉDITO. ILEGALIDADE DO SERVIÇO. DIREITO À INFORMAÇÃO. VIOLAÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MAJORAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO NA SENTENÇA. É abusiva a
prática comercial de utilizar dados negativos dos consumidores, para lhe alcançar uma pontuação, de forma a verificar a probabilidade de inadimplemento. Sem dúvidas, este sistema não é um mero serviço ou ferramenta de apoio e proteção aos fornecedores, como quer fazer crer a demandada, mas uma forma de burlar direitos fundamentais, afrontando toda a sistemática protetiva do consumidor, que inegavelmente se sobrepõe à proteção do crédito. Reconhecer a ilicitude deste serviço não significa uma forma de proteção aos mal pagadores. Estes já contam com seu nome inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, cujos dados podem ser
utilizados livremente pelas empresas. O que não é possível é a utilização de registros pessoais dos consumidores, para formar um novo sistema de probabilidade de inadimplemento, sem informar claramente aos interessados e a toda sociedade quais são exatamente as variáveis utilizadas e as razões pelas quais uma pessoa é classificada como com “alta probabilidade de inadimplência” e outra com “baixa probabilidade de inadimplência”. A falta de transparência e de clareza desta “ferramenta” é incompatível com os mais comezinhos direitos do consumidor. Na forma com que é utilizado o sistema, certamente gera os danos morais alegados na inicial, pois o consumidor que necessita do crédito, negado em face de sua pontuação, fica sem saber as razões pelas quais é considerado propenso ao inadimplemento, restando frustrada legítima expectativa de ter acesso aos seus dados e a explicações sobre a negativa do crédito. AGRAVO DESPROVIDO. (fl. 202)
No recurso especial, interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, a recorrente apontou violação aos seguintes dispositivos:
(I) art. 535, II, do CPC, porquanto o acórdão recorrido teria deixado de enfrentar pontos omissos relevantes para o deslinde da causa;
(II) art. 267, VI, do CPC, pois a recorrente seria parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, visto que (i) não possui qualquer ingerência sobre a tomada de decisões nos estabelecimentos comerciais para os quais presta serviços consultivos, não tendo influência sobre a concessão ou não de crédito por determinadas empresas; (ii) o seu serviço consiste em compilar dados cadastrais disponibilizados publicamente com cadastros de inadimplência para que o comerciante decida se concede ou não crédito ao consumidor;
(III) art. 333, II, do CPC, pois (i) restou comprovado que não é responsável pela negativação do crédito do consumidor, mas sim, o concedente do crédito, destinatário dos seus serviços; (ii) o SCPC SCORE CRÉDITO não possui qualquer relação com o cadastro positivo (consagrado pela Lei 12.414/2001), visto que não utiliza informações positivas dos consumidores;
(iii) adota parâmetros similares aos de seguradoras de veículos, fornecendo dados estatísticos, baseados em critérios objetivos e de ciência de todos os envolvidos; (iv) não é possível falar na ocorrência de dano “in re ipsa”.
Foram apresentadas contrarrazões às fls. 261/271.
XXXXXXXX XXXXXX DO CARMO interpôs agravo regimental a fls. 612/636 contra a decisão que ampliou a suspensão para todas as ações em trâmite e que ainda não tenham recebido solução definitiva sobre tema objeto do presente recurso.
Na decisão de fls. 1.027/1.028, determinei a realização de audiência pública, na data de 25/08/2014, com vistas a municiar a Corte com informações indispensáveis ao deslinde da controvérsia.
A fls. 1.132/1.134, proferi decisão tornando pública a lista de habilitados a participar da audiência pública.
Indeferi o pedido de ingresso, na qualidade de amici curiae, do IBDConb (fls. 1.140/1.141) e da União (fls. 1.187/1.188), em razão do momento processual em que se encontrava o presente feito.
Não conheci, ainda, do agravo regimental interposto pelo IBDConb (fls.
1.187/1.188)
A União apresentou embargos de declaração (fls. 1.246/1.250), aduzindo razões para o deferimento do seu ingresso na qualidade de amicus curiae, bem como omissão da decisão com relação ao não cabimento de agravo regimental contra a decisão que indefere o pedido de habilitação.
Foi realizada audiência pública, conforme notas taquigráficas de fls.
246/388, do expediente avulso.
Os habilitados juntaram documentos às fls. 73/244 do expediente avulso.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso especial da CDL e pelo provimento dos demais recursos especiais.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx (Relator): Eminentes colegas. Consigno, inicialmente, que este é um daqueles processos em cujo julgamento parte-se praticamente do “zero”, pois não tinha uma noção clara acerca do que seria o chamado “credit scoring”, ou simplesmente “credscore”.
Após a afetação do primeiro recurso especial, em face da provocação feita pelo NURER (Núcleo de Recursos Repetitivos e Repercussão Geral) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, informando a existência de cerca de oitenta mil recursos a respeito desse tema, passei a receber advogados das partes interessadas em meu gabinete.
Nessas audiências, constatei que havia uma grande celeuma acerca da própria natureza do sistema “score” e do regime jurídico aplicável por se tratar de um tema novo no cenário jurídico.
Por isso, após determinar a subida de um segundo recurso especial (ação coletiva de consumo movida pelo Ministério Público) sobre o mesmo tema, decidi realizar a audiência pública no mês de agosto, cujas notas taquigráficas foram anexadas aos autos eletrônicos.
Ressalto que a audiência pública foi extremamente importante na formação do meu convencimento acerca das principais questões controvertidas a serem dirimidas para solução da controvérsia posta no presente processo.
Nesse ponto, os meus agradecimentos a todos os participantes da audiência pública e a todas as pessoas que colaboraram para a sua realização, especialmente aos colegas e aos servidores desta Casa.
Passo ao exame, preliminarmente, das questões incidentais suscitadas no curso da tramitação do presente recurso representantivo de controvérsia, tendo optado por fazê-lo na data de hoje juntamente com o próprio recurso para agilizar o seu julgamento.
Após, analisarei a questão central controvertida devolvida ao conhecimento deste colegiado pelo recurso especial representantivo de controvérsia e, posteriormente, será examinado individualmente o recurso especial interposto.
a) Agravo regimental interposto por Xxxxxxxx Xxxxxx do Carmo:
Inicio pelo agravo regimental interposto por Xxxxxxxx Xxxxxx do Carmo (fls. 612/636), o qual não é parte no presente processo e se irresigna contra a decisão que ampliou a suspensão para todas as ações em trâmite e que ainda não tenham recebido solução definitiva sobre tema objeto do presente recurso.
Não conheço do agravo regimental por se tratar de recurso interposto por terceiro que não é parte no presente processo.
Ademais, ainda que fosse admitido, com o julgamento do presente caso como recurso representativo de controvérsia, seguindo o rito do art. 543-C, o agravo perde o seu objeto.
b) Embargos de declaração interpostos pela União (fls. 1.246/1.250):
Quanto aos embargos declaratórios opostos pela União, tenho que não devem ser conhecidos.
Com efeito, a União tomou conhecimento da afetação do presente recurso em março de 2014, conforme determinado no despacho de fl. 806.