Cessão Fiduciária em Garantia de Recebíveis Performados e a Performar
Cessão Fiduciária em Garantia de Recebíveis Performados e a Performar
Xxxxx Xxxx*
Sumário
1. Contrato de Cessão Fiduciária em Garantia. 2. A Jurisprudência dos Tribunais de Justiça e do STF. 3. Negócio Fiduciário. 4. Cessão Fiduciária em Garantia.
5. Natureza Jurídica da Recuperação Fiduciária. 6. Conclusões.
1. Contrato de Cessão Fiduciária em Garantia
A) Condições Contratuais Básicas
O contrato de cessão fiduciária em garantia de títulos de crédito e dos direitos creditórios deles decorrentes, denominados, no mercado de capitais, “recebíveis”, e, para os fins dos arts. 82 e 83 do Código Civil e 49, § 3º, da Lei nº 11.101, de 2005 (LRFE), “bens móveis”, assinado, por livre e espontânea vontade e mútuo consenso, pelo credor-fiduciário e o devedor-fiduciante, possui, invariavelmente, “cláusulas padrão”, que têm por escopo fixar as “condições básicas do negócio”1, através das quais acordam, em caráter irrevogável e irretratável, por si e seus sucessores, que:
(a) em garantia do bom, fiel e cabal cumprimento de todas as obrigações assumidas no contrato, o devedor-fiduciante cede, fiduciariamente, ao credor-fiduciário, a propriedade e a posse direta e indireta dos recebíveis discriminados em documento anexo, os quais, livres e desembaraçados de quaisquer ônus ou gravames de qualquer natureza ou espécie, são entregues ao credor-fiduciário;
(b) o credor-fiduciário poderá, quando e se necessário, exercer, na qualidade de legítimo proprietário fiduciário dos recebíveis, os direitos especificados na Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, com as alterações da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004, no Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, e na Lei nº 9.514, de 20 novembro de 1997;
(c) ao credor-fiduciário será lícito conservar e recuperar, por meios judiciais e extrajudiciais, a posse direta dos recebíveis contra qualquer detentor, inclusive o próprio devedor-fiduciante; promover a interpelação dos devedores para que
* Procurador de Justiça aposentado.
1 Usualmente designado “operação garantida”.
não paguem, ao devedor-fiduciante, enquanto durar a cessão fiduciária, o valor dos recebíveis; propor ações e execuções judiciais e medidas extrajudiciais para assegurar o pagamento dos recebíveis; se qualquer deles não for pago, levá-los a protesto e promover a cobrança judicial contra o devedor-fiduciante e quaisquer coobrigados pelo pagamento; transigir e dispor, pelo preço que entender, dos recebíveis e de quaisquer direitos deles decorrentes, transferindo-os por endosso, cessão ou como lhe convenha através do uso de mandato com poderes especiais e irrevogáveis para assinar os documentos necessários à efetivação da transferência; receber e dar quitação etc.
Em diversas outras cláusulas, as partes dispõem sobre:
(a) a vinculação dos recebíveis à conta do devedor-fiduciante;
(b) a responsabilidade do devedor-fiduciante pela existência e legitimidade dos direitos creditórios;
(c) a obrigação do devedor-fiduciante de entregar novas duplicatas e/ou direitos creditórios e/ou cheques e/ou notas promissórias no valor necessário para manter a garantia boa, firme e valiosa, sempre que tenham sido os recebíveis já entregues declarados de valor insuficiente para quitar total ou parcialmente a dívida garantida;
(d) a autorização, dada pelo devedor-fiduciante ao credor-fiduciário, para que utilize quaisquer importâncias que venha a ter em seu poder na amortização e/ou liquidação do saldo devedor da “operação garantida”, caso ocorra o inadimplemento de qualquer de suas cláusulas ou condições;
(e) o vencimento antecipado da “operação garantida” e imediata execução da garantia em caso de descumprimento de obrigação de dar, fazer ou não fazer e/ou pagar, no todo ou em parte, a dívida garantida, ou se tiver título apontado ou protestado, ou vier a ser citado para responder a ação ou execução de título judicial ou extrajudicial, ou se requerer recuperação judicial, ou se tiver declarada a sua autofalência ou for pedida a sua quebra etc.
B) Características e Finalidades do Contrato de Cessão Fiduciária em Garantia
Da leitura, ainda que perfunctória, do instrumento público ou particular de contrato de cessão fiduciária em garantia, conclui-se que o devedor-fiduciante, ao assiná-lo, transmite, ao credor-fiduciário, em caráter limitado e resolúvel, o domínio e posse dos recebíveis, que são contabilizados e permanecem vinculados à “conta devedor-fiduciante” e podem ser utilizados na amortização e/ou liquidação do saldo devedor da “operação garantida”, caso ocorra o inadimplemento, no todo ou em parte, de qualquer de suas cláusulas ou condições.
As características da “operação garantida” e a forma de amortização e/ou liquidação da dívida evidenciam que as partes celebram um negócio fiduciário, na modalidade de cessão fiduciária de recebíveis em garantia de empréstimos e financiamentos bancários2, com a finalidade de propiciar, ao devedor, recursos financeiros a menores taxas e com mais rapidez e, ao credor, a certeza e a segurança de que, na qualidade de proprietário fiduciário, poderá, a qualquer momento, celeremente, sem depender de excussão judicial da garantia, cobrar e receber o que lhe é devido.
Registre-se, por fim, com ênfase, que o contrato de cessão fiduciária em garantia de recebíveis, celebrado pelas partes ao seu livre alvedrio, inspira-se nas ideias de probidade, lealdade, fidelidade e confiança recíproca e é presidido, quer em sua origem, quer durante a sua vigência, quer quando de sua execução, pelos princípios da livre iniciativa, da autonomia da vontade e da liberdade de contratar, do consensualismo, da boa-fé subjetiva e objetiva, da força obrigatória das convenções, da intangibilidade e da função social do contrato.
C) As Questões Práticas
Apesar da clareza dessas cláusulas e condições contratuais, das ideias, que as inspiram, e dos princípios clássicos e modernos, que as informam, que se impõem ao professor, ao advogado e ao magistrado quando da interpretação da vontade contratual3, lavra, na jurisprudência e na doutrina, acirrada controvérsia a respeito do regime jurídico aplicável ao instituto da cessão fiduciária de títulos de crédito (duplicatas, notas promissórias, cheques emitidos por terceiros e outros títulos) e de direitos creditórios (direitos de crédito presentes (créditos performados) e futuros (créditos a performar), em garantia de empréstimos e financiamentos bancários em face da LRFE.
Em termos práticos, discute-se:
(a) se, embora deferido o processamento do pedido de recuperação judicial formulado pelo devedor-fiduciante, o crédito de recebíveis “não se submete aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerá o direito de propriedade”’ (do credor- fiduciário), conforme dispõe o art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101, de 09.02.20054, podendo, em consequência, o credor-fiduciário aplicar as quantias que vier a receber –
2 Operações comerciais, especialmente que têm por objeto a transmissão de imóveis, são garantidas pelo instituto da alienação fiduciária em garantia de imóveis.
3 Xxxx Xxxxx, Instituições de Direito Xxxxx, Xxxxxxx, 00x xx., 0000, x. XXX, x. 00 - 00.
4 Art. 49 Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.”
“§ 3º Tratando-se de credor titular de posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contraltos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecendo os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
produto da cobrança e/ou pagamento de recebíveis performados ou a performar – na amortização e/ou liquidação do saldo devedor de empréstimos e financiamentos contraídos pelo devedor-fiduciante da “operação garantida”, ou,
(b) se “o deferimento do processamento da recuperação judicial” “suspende”, por “180 (cento e oitenta) dias”, o direito de o credor cobrar e/ou receber os “direitos creditórios”, consoante estabelece o art. 6º, § 4º, da LRFE5, e se, na forma do art. 49, § 5º, da LRFE6, “o valor eventualmente recebido em pagamento das garantidas permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4º, do art. 6º, desta Lei”.
2. A Jurisprudência dos Tribunais de Justiça e do STJ
A) Fundamentos da Aplicação do Art. 49, § 5º, da LRFE
Os acórdãos favoráveis à sujeição dos créditos decorrentes de cessão fiduciária em garantia de recebíveis ao regime legal da recuperação da empresa têm se baseado, em síntese, nos fundamentos seguintes:
(1º) as normas dos arts. 66-B, § 3º, da Lei nº 4728, de 19657, e do 49, § 3º, da LRFE8 são excepcionais, por isso devem ser interpretadas restritivamente, sendo,
5 Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.
6 Art. 49 Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
§ 5º - Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídos ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4º do art. 6º desta Lei.
7 Art. 66-B O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos.
§ 3º É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada.
8 Art. 49 Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que
não vencidos.
§ 3º Tratando-se de credor titular de posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou
por conseguinte, vedado ao exegeta equiparar a cessão fiduciária de recebíveis à alienação fiduciária em garantia de coisas fungíveis ou bens móveis;
(2º) caso o legislador quisesse equiparar a cessão fiduciária de créditos à propriedade fiduciária de bens móveis o teria feito de forma expressa, tal qual no art. 66-B, § 3º, da Lei nº 4728, de 1965, incluído pela Lei nº 10.931, de 2004;
(3º) os títulos de crédito não se enquadram na classificação jurídica dada aos bens móveis;
(4º) créditos garantidos por direitos creditórios submetem-se ao § 5º, do art. 49, da LRFE, que trata de garantia fiduciária, e não ao § 3º, do mencionado artigo, que regula o crédito do titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis;
(5º) eventuais pagamentos ao credor-fiduciário implicaria em violação do princípio da igualdade entre os credores e a inversão dos critérios de preferência eleitos pelo legislador e
(6º) a exclusão dos recebíveis da recuperação judicial atenta contra o princípio da preservação da empresa, que inspira o art. 47 da LRFE9, e busca proteger a atividade empresarial.
B) Fundamentos da Aplicação do Art. 49, § 3º, da LFRE
A Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça têm decidido, reiteradamente, embora, às vezes, por maioria de votos, que a cessão fiduciária em garantia, por possuir natureza jurídica de propriedade fiduciária, não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial da empresa nos termos do art. 49, § 3º, da LRFE.
Eis os principais fundamentos em que se escudam os ministros com votos vencedores:
(1º) os arts. 49, § 3º, da LRFE c/c. 82 e 83 do Código Civil (CC) deixam claro que os “bens móveis”, citados na LRFE, são, para todos os efeitos legais, “os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações”, ex vi do art. 83 do CC, inclusive, os bens móveis incorpóreos, como os recebíveis;
(2º) o art. 49, § 3º, da LRFE, ao mencionar o gênero – bens móveis – não haveria porque especificar suas categorias arroladas nos arts. 82 e 83 do CC, assim como não se fez necessário discriminar o sentido legal de “bens imóveis” (CC, arts. 79 a 81);
de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
9 Art. 47 A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico- financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação das empresas, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
(3º) o fato de o art. 49, § 3º, da LRFE utilizar a palavra coisa (bens corpóreos) em nada diminui a garantia outorgada por lei aos titulares de cessão fiduciária de bens incorpóreos, tal qual os créditos, e,
(4º) o sistema jurídico brasileiro, até a edição da Lei nº 10.931, de 2004, só admitia a propriedade fiduciária para fins de garantia de bens móveis infungíveis (CC, art. 1361), situação que foi profundamente alterada pelo art. 66-B da Lei nº 4.728, de 1965, com a redação da Lei nº 10.931, de 2004, para passar a abranger, ex vi do art. 49, § 3º, a “alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direito sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito”.
3. Negócio Fiduciário
Como assinala Xxxxxx X. Xxxxxxx Xxxxx,
na teoria do negócio fiduciário, tudo é discutível, sua admissibilidade e sua estrutura, as suas relações com os negócios indiretos, e os simulados, ou ainda a fraude, razão possuindo De Martini ao sublinhar a desordem conceitual que, nessa matéria, é imperante, em razão do que se poderia chamar de “poliedricidade da fidúcia”10, o que dificulta sobremodo a exegese do instituto e sua aplicação por juízes e tribunais.
A) As Origens do Negócio Fiduciário
(a) O Direito Romano como Fonte do Negócio Fiduciário
Para Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, a fidúcia surgiu no Digesto e na Lei das XII Tábuas11 e consistia, doutrina Xxxxxxx Xxxxx, em um “pacto obrigacional
10 Os negócios fiduciários - Considerações sobre a possibilidade de acolhimento do trust no Direito Brasileiro, Revista dos Tribunais, v. 657, p. 38.
11 Os dois aclamados autores ensinam: “Os estudiosos da fidúcia localizam suas origens em textos do Digesto e da Lei das XII Tábuas. Assim, XXXX XXXXXXXXX (‘De la Fiducie’), C. ACCARIAS (‘Précis de Droit Xxxxxx’), XXXXX XXXXX (‘Corso di Diritto Romano’), além de outros. Além dos dois textos antes mencionados, que da fidúcia dão notícia vaga e imprecisa, numerosos outros dela nos falam: as ‘Institutas’, de GAIO; as ‘Sentenças’, de PAULO; a ‘Collatio’; os ‘Fragmentos do Vaticano’ e de uma ‘Constituição do Código Teodosiano’; a chamada ‘Fórmula Bética’ e as ‘Táboas de Pompéia’” (Xxxxxx Xxxx Xxxxxx. Alienação Fiduciária em Garantia. Porto Alegre, Livraria Sulina Editora, 1970, p. 11).
“Originariamente la ’fiducia’ romana clásica no implicaba una venta o una transmisión de la propiedad en el sentido que hoy le damos. Fue un negocio jurídico basado en la ‘fides bona’ negocial. El ‘dominus’ confiaba al cesionario un ‘usus’ de la cosa, bien con fines de garantía, bien con propósito de salvaguardia, pero con intención de obtener su restitución una vez cumplidos estos objetivos”. (Xxxxxxx Xxxxxxxxxxxxx. El Trust, la Fiducia y Figuras Afines. Madrid: Xxxxxxx Xxxx, 2000, p. 17-18). “No direito romano encontramos a fiducia cum amico, que não tinha finalidade de garantia, sendo negócio jurídico pelo qual uma pessoa alienava os seus bens com a condição de lhe serem restituídos com o fim das circunstâncias aleatórias que o determinaram, como a guerra, a viagem, etc. Outro negócio era fiducia cum creditore. Nesta a venda se faz com a ressalva de recuperar o bem, uma vez efetivado o pagamento, dentro de certo tempo, ou sob dada condição” (Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx. Comentários ao Novo Código Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. XVI, p. 520-521).
agregado à transferência da propriedade, que se destina a neutralizar o efeito real da transmissão, condicionando-o ao fim especial para o qual ela se realiza”12.
(b) O Direito Germânico como Inspiração do Negócio Fiduciário
Para alguns, o negócio fiduciário surgiu sob inspiração do direito germânico, constituído por uma avença ou acordo de duplo efeito: um, externo e visível, formado pela transmissão da propriedade de uma coisa; outro, interno ou oculto a terceiros, expresso no pacto de restituir o bem e dele não dispor13.
“A fidúcia, instituto jurídico que repousa exclusivamente na lealdade e honestidade de uma das partes, o fiduciário, correspondente, por isso mesmo, à boa-fé e confiança nele depositada pela outra parte, o fiduciante, tem a sua origem no direito romano, que a hauriu na Lei das XII Tábuas, vindo a ser encontrada em textos interpolados no Digesto.” (Garantia Fiduciária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, 3ª ed., p. 21).
“Mesmo após o aparecimento dos institutos da hipoteca e do penhor, a fidúcia continuou em uso franco em Roma, especialmente a fiducia cum creditore, porque dava maiores garantias ao credor, já que este se tornava verdadeiro proprietário. Havia apenas a limitação do pactum fiduciae, pelo qual o fiduciário obrigava-se a restituir a coisa, no momento do resgate da dívida garantida, ao fiduciante. Tinha, portanto, a fidúcia, dois aspectos: o real, pelo qual o fiduciário se tornava autêntico proprietário, e o obrigacional, pelo qual o fiduciário se comprometia a restituir a coisa, resolvido o contrato. Se se negasse a restituí-la, tinha o fiduciante (antigo proprietário) apenas direito à indenização, não lhe cabendo exigir a restituição da própria coisa, embora assim se ajustasse pelo pactum fiduciae. Ressalte-se que a transferência de propriedade, no negócio fiduciário romano, não implicava necessariamente na transmissão da posse. Esta poderia continuar com o devedor, ‘uma vez que nem a mancipatio nem a in jure cession exigiam a passagem da posse’” (Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx. Ob. cit., p. 11-12).
“No direito romano já se conhecia o negocio fiduciário sob as figuras da fiducia cum amico e da fiducia cum creditore. A fiducia cum amico era tão somente um contrato de confiança e não de garantia em que o fiduciante alienava seus bens a um amigo, com a condição de lhe serem restituídos quando cessassem as circunstâncias aleatórias”. (Xxxxx Xxxxxx Xxxxx. Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2004, 19ª ed., 4º v., p. 543).
12 Xxxxxxx Xxxxx. Alienação Fiduciária, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, 4ª ed., p. 43.
13 Conforme se lê em Xxxxxxx Xxxxxxxxxxxxx: “Su construcción en nuestros días es obra de los autores alemanes del siglo XIX que retoman la figura del modelo que los pandectistas transmitieron a la civística moderna. Para éstos, la fiducia constituía un negocio jurídico de doble efecto: una fracción externa y visible (constituida por la venta transmisora de la propiedad de una cosa), y otra no desvelada a terceros (el pacto obligacional de devolver el bien, así como un compromiso de no disposición)” (Ob. cit., p. 17-18).
“A segunda teoria, de inspiração alemã, recorre à condição resolutiva para justificar a limitação, no tempo e no conteúdo, do direito real do fiduciário. Sustentam seus adeptos que ele adquire uma propriedade temporária, para fim determinado. (...) No esquema germânico, o poder do fiduciário é limitado no próprio negócio fiduciário, na conformidade de seu fim. Se configura a modalidade de alienação fiduciária em garantia, esta finalidade limita-se, de sorte que o devedor recobrará, automaticamente, a propriedade do bem alienado, e, se tornando novamente seu proprietário, pode reivindicá-lo de quem quer que o detenha”. (Xxxxxxx Xxxxx, Alienação fiduciária cit., p. 43 e 51).
“A fidúcia do antigo direito germânico, conquanto tenha suas raízes na fidúcia de origem romana, como reconhece Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (La propiedad fiduciaria, 1950, p. 28), dela se diferencia, conforme demonstra Xxxx Xxxxxxx Xxxxx (El negócio fiduciario, Xxxxx, 1959, p. 27), que, por sua vez, funda-se em Cariota-Ferrara e Xxxxxxxxx. É que ‘en la fiducia de tipo romano se confiere al fiduciario un poder jurídico ilimitado (titularidad plena y definitiva); personalmente, sin embargo, se obliga a retransmitir al fiduciante o a otra persona por éste indicada el bien transmitido, una vez alcanzado el fin propuesto’, enquanto, diversamente, ‘en la fiducia de tipo gérmanico, por el contrario, el treuhander (fiduciario) adquiere una titularidad condicionada resolutoriamente con eficacia real erga omnes, de tal modo que es ineficaz todo uso contrario al fin perseguido, provocando, ipso jure, el retorno de la cosa al fiduciante o sus herederos, incluso en perjuicio de tercer adquirente’” (Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Ob. cit., p. 24).
“Na fidúcia de tipo germânico, a propriedade e o direito não se transferem plena e ilimitadamente ao fiduciário, mas sim condicionados resolutivamente e com eficácia real. Os poderes do fiduciário, desde o início, são rigorosamente limitados ao fim que as partes tiveram em vista. Correspondem, plenamente,
(c) O Negócio Fiduciário como Produto do Direito Moderno
A crise da Justiça, sobretudo nas megalópoles de todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento, em que sobressai o acúmulo de ações e execuções judiciais de longuíssima duração e se propaga o fracasso na excussão dos direitos reais de garantia clássicos para satisfazer os direitos e interesses do credor pignoratício e do credor hipotecário diante do inadimplemento do devedor, e a contínua e crescente demanda por bens, serviços e recursos financeiros impuseram a recriação da garantia fiduciária ou negócio fiduciário14, calcado na confiança15 como razão decisiva da avença.
B) Conceito de Negócio Fiduciário
Xxxx Xxxxx Xxxxxx ensina que:
O fiduciário é titular de um direito sob condição resolutiva; em face da transferência em garantia, é dono dos bens transferidos de modo restrito e resolúvel. A extinção desse direito de propriedade está prevista no próprio título constitutivo. É um negócio jurídico (por conseguinte, contrato fundado em relação obrigacional) que constitui um direito real de garantia condicional. A condição resolutiva, na hipótese, é adimplemento da obrigação assumida. Emerge daí sua característica essencial, que a define.16-17
aos seus interesses econômicos. Por isso, adquire o fiduciário tão somente um direito real limitado. Consequentemente, não terá ele o poder de abuso, e, assim, qualquer ato abusivo terá ele de disposição, não afetaria os direitos do fiduciante. Esta concepção fugiria, nestas condições, à fidúcia propriamente dita, mas, consoante a afirmação de MESSINA, levaria sobre a concepção romana a vantagem da plena correspondência entre a intenção das partes e os meios jurídicos por ela adotados.
Trata-se, assim, de um direito transmitido condicionalmente, e, por isso, o lado obrigacional do negócio dará ao fiduciante maiores garantias, possibilitando-lhe, mesmo, a recuperação da própria coisa fiduciada (Xxxx xx Xxxxx Xxxx. Negócio Fiduciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1962, p. 140).
“A fiducia acabou por ser proscrita no direito romano, em decorrência dos abusos que foram cometidos. Foi retomada no século XIX, por Xxxxxxxxxx, que trouxe a lume o chamado negócio fiduciário do tipo germânico. Neste, ao contrário do negócio fiduciário romano, temos a transferência do domínio do devedor ao credor, como garantia da dívida, resolvendo-se o negócio pelo pagamento da dívida (Cf. Xxxxx Xxxxxxx, Direitos reais, p. 452)” (Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx. Ob. e v. cits., p. 520-521).
14 “O ressurgimento da fidúcia na atualidade, incorporada ao direito positivo como espécie nova de garantia, decorre da crise constatada na prática de utilização de outros tipos de direitos reais de garantia clássicos. Sobretudo a hipoteca, precisamente pela sua estrutura de direito real de garantia constituído sobre bem alheio, expõe, por isso (bem alheio), a sua maior fragilidade, exacerbada pela crise de entupimento da Justiça” (Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Ob. cit., p. 22).
15 “Num acordo qualquer de vontades, entra, praticamente sempre, a confiança; faz parte do tecido da avença. Faltava a confiança, como razão do negócio jurídico, ou seja, contratar-se a correção pela correção; faltava o legislador consagrá-la num certo setor, eliminando em extensão correspondente o sucedâneo bastardo da simulação. É a garantia fiduciária” (Xxxxxxxxx X. xx Xxxxx. “Bibliografia. Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx/Garantia Fiduciária/1975/São Paulo/Editora Revista dos Tribunais/597 p.” RDM 18/123).
16 Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 15. p. 340.
17 Generalmente se consideran actos o negocios fiduciarios los que determinan una modificación subjetiva de la relación jurídica preexistente y el surgimiento simultáneo de una nueva relación: la modificación subjetiva en la relación preexistente consiste en la trasmisión plena del dominio u outro derecho, efectuada
Xxxx xx Xxxxx Xxxx, a seu turno, leciona: “Negócio fiduciário é aquele em que se transmite uma coisa ou direito a outrem, para determinado fim, assumindo o adquirente a obrigação de usar deles segundo aquele fim e, satisfeito neste, de devolvê-los ao transmitente”18.
C) Características do Negócio Fiduciário
Do conceito de negócio fiduciário, pode-se extrair suas características principais, a saber: (a) um elemento real, representado pela transferência voluntária da cousa ou do direito; (b) um elemento obrigacional, consistente na restituição da cousa ou do direito se verificada determinada condição resolutiva19.
D) Espécies de Negócio Fiduciário
São espécies de negócio fiduciário20 no direito brasileiro21: (a) a alienação
con fines de administración, facilitación de encargos o garantía, que por sí mismos no exigirían la trasmisión; y la nueva relación que surge simultáneamente con aquella trasmisión consiste en la obligación que incumbe xx xxxxxxxxxx, xx xxxxxxxxx xx xxxxxxx xx trasmitente, o de trasferirlo a una tercera persona, una vez realizada la finalidad, todo por la confianza que el trasmitente dispensa al adquirente.(Xxxxx X. Guastavino.Actos fiduciarios, in: “Xxxxxxxx xx xxxxxxx xxxxx xx xxxxxxxx x Xxxxxx Xxxxxxxx”. Xxxxxx Xxxxx: Depalma, 1968, p. 365).
18 Ob. cit., p. 170.
19 “Da definição de LONGO, emergem os seguintes elementos constitutivos característicos do negócio fiduciário:
a) ato de transferência da coisa, ou ato de alienação voluntária, que representa o elemento real do negócio;
b) elemento obrigacional, consistente numa convenção pela qual o fiduciário (o que recebe a coisa) se compromete a devolver a coisa ou dela desfazer-se para dar-lhe uma destinação pré-estabelecida” (LONGO, Xxxxxx. Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx, 0000, p. 42, apud XXXXXXX, Xxxxxx Xxxx, ob. cit., p. 17). “O característico do negócio fiduciário decorre do fato de se prender, ele, a uma transmissão de propriedade, mas de ser, o seu efeito de direito real, parcialmente neutralizado por uma convenção entre as partes em virtude da qual o adquirente pode aproveitar-se da propriedade que adquiriu, apenas para o fim especial visado pelas partes, sendo obrigado a devolvê-la desde que aquele fim seja preenchido. (...)” (XXXXXXXXX, Xxxxx. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. São Paulo: Saraiva, 1945, p. 106).
20 “A alienação fiduciária é efetivamente uma espécie do gênero negócio fiduciário, guardando os traços
comuns deste. O devedor aliena a coisa sob a condição suspensiva de retorno ipso jure do domínio, mediante o pagamento da dívida assim garantida. E o credor investe-se temporariamente no domínio da coisa alienada em garantia fiduciária, sob condição resolutiva”. (Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, ob. cit., p. 313).
Em sentido contrário, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, que disserta: “Em conclusão, verifica-se que a alienação fiduciária em garantia, negócio jurídico típico que é, não se enquadra entre os negócios fiduciários propriamente ditos, diferenciando-se, também, dos negócios fiduciários do tipo germânico; e, ainda, que apresente semelhanças com o trust receipt e vários pontos de contato com o chattel mortgage, é instituto próprio do direito brasileiro, em cujo sistema – do qual, à primeira vista, parece aberrar
– se ajusta dogmaticamente, já prestando amplo benefício como instrumento jurídico adequado segurança do crédito”. (Da Alienação Fiduciária em garantia. Rio de Janeiro: Forense, 1987, 3ª ed., p. 46). Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, a seu turno, esclarece: “A alienação fiduciária em garantia, introduzida no direito brasileiro pela Lei de Mercado de Capitais (Lei nº 4.728/1965, art. 66, com a redação dada pelo Dec.-Lei nº 911/1969), é espécie do gênero/negócio fiduciário” (Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 3, p. 137).
21 “Em absoluto rigor técnico, são espécies de negócio fiduciário a alienação fiduciária em garantia, a cessão fiduciária em garantia e o negócio fiduciário de administração” (Cfr. XXXXXXX, Xxxxxx X. Negócio Fiduciário. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 63) e “são sub-espécies as discriminadas no
fiduciária em garantia de coisa fungível22; (b) a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e títulos de crédito23; (c) a propriedade fiduciária de coisa móvel infungível24; (d) a alienação fiduciária em garantia de bem imóvel25; (e) a cessão fiduciária de direitos decorrentes de alienação de unidades habitacionais26 e (f) a cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis27.
E) Semelhança entre a Alienação Fiduciária em Garantia e a Cessão Fiduciária em Garantia
Xxxxxx Namen Chalhub assinala que:
A cessão fiduciária e a alienação fiduciária são institutos similares, exercendo a mesma função de garantia do crédito e alicerçando- se nos mesmos fundamentos; enquanto na alienação, o objeto do contrato é um bem (móvel ou imóvel), na cessão o objeto é um direito creditório; em ambas, a transmissão do domínio fiduciário ou da titularidade fiduciária subsiste enquanto perdurar a dívida garantida”28, razão pela qual o tratamento legal da cessão fiduciária de recebíveis em garantia de empréstimos e financiamentos bancários deve seguir e orientar-se pelos princípios do negócio fiduciário em garantia de bens móveis e imóveis, aplicando-se-lhe as Leis nºs 4.728, de 1965, com a redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004; 4.864, de 1965, e 9.514, de 1997, além do Decreto-Lei nº
911, de 1969.
F) O Negócio Fiduciário é um Instituto de Direito Econômico
Ensina Xxxxxxx Xxxxx que o Direito Econômico caracteriza-se por:
uma unidade tríplice: de espírito, de objeto e de método ... Seu método distingue-se pela desenvoltura na busca das construções e técnicas adequadas às novas exigências, não recuando, sequer, na aceitação de monstros jurídicos, como o contrato forçado, a
texto: a alienação fiduciária tem por objeto coisas móveis, coisas fungíveis e imóveis e a cessão fiduciária de direitos de diferentes naturezas, inclusive a cessão fiduciária para fins societários” (Chalhub, idem, p. 64).
22 Art. 66-B, § 3º, da Lei nº 4.728, de 1965, incluído pela Lei nº 10.931, de 2004. 23 Art. 66-B, § 3º, da Lei nº 4.728, de 1965, incluído pela Lei nº 10.931, de 2004. 24 Art. 1.361 do Código Civil.
25 Art. 17, IV, da Lei nº 9514, de 1997, que visa facilitar o financiamento imobiliário.
26 Art. 22 da Lei nº 4864, de 1965, que se destina a estimular a construção civil.
27 Art. 17, II, da Lei nº 9514, de 1997.
28 Ob. cit., p. 322-323.
sociedade de um só sócio ou a venda para garantir29, ou, digo eu, adequando a lição ao caso concreto, “ao negócio fiduciário”, o qual, por isso, quanto ao método, é orientado por princípios de Direito Econômico, tal qual suas espécies, a alienação fiduciária em garantia e a cessão fiduciária em garantia.
4. Cessão Fiduciária em Garantia
A) A Cessão Fiduciária em Garantia no Direito Positivo
Logo após a promulgação da Lei nº 4728, de 1965, que incorporou, ao direito positivo brasileiro, o instituto da alienação fiduciária em garantia de coisa móvel, a Lei nº 4864, também de 1965, com a finalidade de estimular a construção civil, criou, no art. 22, a cessão fiduciária de direitos decorrentes de alienação de unidades habitacionais30, com o aplauso da doutrina pátria31, vindo a Lei nº 9514, de 1997, no art. 17, II, a instituir a cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contraltos de alienação de imóveis e, por fim, a Lei nº 10.931, de 2004, a dispor sobre a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito (além de direitos creditórios, presentes e futuros, em se tratando de garantia constituída através de cédula de crédito bancário, nos termos do artigo 31 da referida Lei nº 10.931), todos institutos de Direito Econômico, que se distinguem pela clara finalidade de buscarem soluções técnicas, que atendam às exigências do mundo moderno, e de serem respostas prontas e eficazes “às novas, crescentes e instáveis exigências de uma sociedade em vertiginosa transformação”32, sem suprimir ou esmagar os direitos individuais do cidadão.
29 Xxxxxxx Xxxxx, Direito Econômico cit., p. 5, nº 4.
30 Sobre a cessão fiduciária de créditos oriundos de financiamento habitacional, Melhin N. Xxxxxxx escreve: “Na mesma linha conceitual sobre a qual está configurada a alienação fiduciária, a Lei 4.964, de 29 de novembro de 1965, instituiu uma garantia fiduciária tendo como objeto direitos creditórios decorrentes de alienação de imóveis, a que denominou cessão fiduciária de crédito em garantia.
“A garantia criada por aquela lei tinha espectro limitado, restringindo-se apenas aos créditos oriundos de financiamento habitacional. O propósito da lei era estimular a expansão do crédito no setor habitacional e, nesse sentido, destinava-se aquela cessão fiduciária a servir como garantia dos financiamentos da produção de imóveis” (Ob. cit., p. 321-322).
31 “A experiência fiduciária feita pelo legislador foi, na verdade, francamente positiva. Com efeito, a 29 de novembro do mesmo ano de 1965, nos arts. 22 e 23 da Lei nº 4.864, conhecida como Lei de Estímulos à Construção Civil, (posteriormente modificada e regulamentada pelo Decreto-Lei nº 4, de 11 de fevereiro de 1969), está prevista a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado. É uma forma de oferecimento de garantia, por parte de empresas financiadas, ao grupo ou caixa financiadora. Nesse tipo de cessão fiduciária, ‘o credor é titular fiduciário dos direitos cedidos até a liquidação da dívida garantida, continuando o devedor a exercer os direitos em nome do credor, segundo as condições do contrato e com as mesmas responsabilidades de depositário’ (art. 23)” (Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx, ob. cit., p. 32-33).
32 Xxxxxxx Xxxxx, ob. cit., p. 2, nº 1.
B) Conceito de Cessão Fiduciária em Garantia de Recebíveis Performados e a Performar
Cessão fiduciária em garantia é a transferência, limitada e resolúvel33, que faz o devedor-fiduciante ao credor-fiduciário, do domínio e posse direta, mediante tradição efetiva34, de direitos creditórios35 presentes (performados) e futuros (a performar) oriundos de títulos de crédito próprios e impróprios36 ou de contratos37, em garantia do pagamento de obrigação a que acede, resolvendo-se o direito do credor-fiduciário com a liquidação da dívida garantida e a reversão imediata e automática da propriedade ao devedor-fiduciante38 uma vez satisfeito o débito.
Melhin N. Xxxxxxx, em seu excelente livro Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, ao tratar da definição da cessão fiduciária em garantia de direitos creditórios imobiliários, diz:
Por esse contrato, o tomador de um financiamento transfere seus direitos de crédito à instituição financiadora, que os adquire, como cessionária fiduciária. Essa transferência de titularidade não se faz em caráter pleno e definitivo, mas, tendo escopo de garantia, tem caráter limitado quanto ao conteúdo dos direitos transmitidos ao titular e, também, caráter temporário – serve a cessão somente
33 Por isso, afirmo que a cessão fiduciária em garantia hoje praticada no país inspirou-se no negócio fiduciário do tipo germânico, eis que a transmissão da titularidade dos recebíveis do devedor para o credor é consumada a título de simples garantia e sob condição resolutiva, resolvendo-se a avença com a liquidação da obrigação pecuniária contraída pelo devedor.
34 “Assim, num caso típico de negócio fiduciário, a transferência da propriedade para fins de garantia, a transmissão de propriedade é efetivamente desejada pelas partes, não, porém, para o fim de troca, mas para um fim de garantia” (XXXXXXXXX, Xxxxxx. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. São Paulo: Saraiva, 1945, p. 106).
35 A Resolução CMN nº 2907, de 29.11.2001, e a Instrução CVM nº 356, de 17.12.2001, com as alterações da Instrução CVM nº 393/03, classificam como direitos creditórios “os direitos e títulos representativos de crédito, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, os contratos referidos no § 8º do art. 40, desta Instrução, bem como direitos e títulos representativos de créditos de natureza diversa assim reconhecidos pela CVM” (art. 2º, I, IN/CVM 356).
36 São exemplos de títulos de crédito próprios a letra de câmbio e a nota promissória e de títulos de crédito impróprios o cheque (XXXXXXX, Xxxx, Títulos de Crédito. 12ª ed., v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 19).
37 A cessão fiduciária em garantia é um negócio jurídico bilateral, oneroso, informal e acessório, porque depende do contrato que lhe deu origem.
“No momento em que se completar a satisfação do crédito do fiduciário, ocorrerá, automaticamente, a extinção, por resolução de pleno direito, do ônus da cessão fiduciária de crédito em garantia. Extinta a obrigação que a cessão teve em vista garantir, não haveria por que subsistir o gravame, que se encontra resolvido.
38 “No momento em que se completar a satisfação do crédito do fiduciário, ocorrerá, automaticamente, a extinção, por resolução de pleno direito, do ônus da cessão fiduciária de crédito em garantia. Extinta a obrigação que a cessão teve em vista garantir, não haveria por que subsistir o gravame, que se encontra resolvido.
“Não se pode perder de vista que a resolubilidade é o principal elemento integrante da nossa fidúcia, ou seja, é a principal característica também da espécie de garantia constituída pela cessão fiduciária. Por isso, o implemento da condição resolutiva (pagamento) exaure a função da garantia e assegura, por si só, no esquema legal, a reversão da titularidade dos direitos cedidos ao patrimônio do devedor-cedente (fiduciante)” (Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Ob. cit., p. 122-123).
para que o cessionário-fiduciário receba recursos para satisfazer seu crédito e perdura somente enquanto perdurar esse crédito39.
C) Finalidade da Cessão Fiduciária em Garantia
É truísmo que o direito anda a reboque dos fatos, sobretudo em épocas de autênticas revoluções científicas, técnicas e tecnológicas, que fazem desaparecer antigas necessidades e anseios e surgir novas demandas por bens e serviços, que impõem o aparecimento de mecanismos e expedientes legais aptos a atendê-los, como ocorre em relação à cessão fiduciária em garantia, cuja finalidade precípua, quanto ao devedor-fiduciário, é propiciar-lhe crédito mais fácil, rápido e barato40, e, quanto ao credor-fiduciante, assegurar a satisfação do crédito de forma mais eficaz e plena do que as garantias reais clássicas, como a hipoteca e o penhor.
5. Natureza Jurídica da Recuperação Judicial da Empresa
Os privatistas afirmam que a recuperação judicial da empresa é um instituto de Direito Privado, devido à sua natureza contratual.
Os publicistas, que é um instituto de Direito Público, porque se materializa através de uma medida processual.
Para mim, a recuperação judicial da empresa é um instituto de Direito Econômico, pois não se pauta pela ideia de justiça, mas de eficácia técnica numa zona intermediária entre o Direito Privado e o Direito Público, “caracterizando-se por uma unidade tríplice: de espírito, de objeto e de método” 41.
A) Instituto de Direito Privado
Para os privatistas, a recuperação judicial da empresa é um contrato42, celebrado entre o devedor e os seus credores, razão pela qual ao juiz só cabe homologá-lo43 e, se o contrato não se consumar, decretar a falência do devedor44.
É o que sustenta Xxxxxx Xxxxxxxx:
Por isso, em nossa visão, o instituto da recuperação judicial deve ser visto com a natureza de um contrato judicial, com
39 Ob. cit. p. 323.
40 O mercado bancário vem, neste momento, praticando as seguintes taxas médias de juros para empréstimos e financiamentos: (a) com garantia pessoal através de aval ou fiança: 2,5% a.m. e 34,5% a.a.;
(b) com garantia real de hipoteca ou penhor, 2% a.m. e 26,8% a.a. e (c) com garantia de recebíveis, 1,8%
a.m. e 23,9% a.a.
41 XXXXX, Xxxxxxx, in: O ensino do Direito Econômico, da obra “Direito Econômico”, São Paulo: Saraiva, 1977, p. 4.
42 Os doutos não esclarecem se bilateral ou plurilateral.
43 Cfr. art. 58, da LRFE.
44 Cfr. art. 56, § 4º, da LRFE.
feição novativa, realizável através de um plano de recuperação, obedecidas, por parte do devedor, determinadas condições de ordens objetiva e subjetiva para sua implementação45.
E, por igual, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx:
Assim, verifica-se que a partir da vigência desta nova Lei, estaremos resgatando um sistema já adotado em nosso País no século passado e não haverá mais dúvida quanto à natureza contratualista da recuperação judicial que a princípio, obriga a participação efetiva de todos os credores representados em assembleia geral de credores, que terão o poder de aprovar ou não o plano de recuperação apresentado pelo xxxxxxx00.
A meu ver, d.m.v., o instituto da recuperação judicial da empresa não é um contrato porque o contrato só obriga os credores que a ele aderiram, tácita ou expressamente47, o que não ocorre na recuperação judicial, porque ela:
(1º) “suspende o curso de todas as ações e execuções em face do devedor”, independentemente da vontade dos credores48;
(2º) “obriga a todos os credores a ela sujeitos”, inclusive os credores ausentes, os que se abstiveram de votar e os dissidentes, vencidos na assembleia geral de credores49;
(3º) nova os créditos anteriores ao ajuizamento da ação com sacrifício do direito dos credores, embora, eventualmente, sob protestos50;
(4º) mesmo não havendo unanimidade na votação por classes, o juiz pode homologar o plano, impondo-o à classe dissidente, se preenchidos os requisitos do art. 58, §§ 1º e 2º, da LRFE etc.
B) Instituto de Direito Público
Para os publicistas, a recuperação judicial da empresa é um instituto de Direito Processual, pois a LRFE garante ao devedor, preenchidos os requisitos formais
45 Falência e recuperação de empresa – o novo regime da insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 12-13.
46 In: Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx (Coord.). Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Xxxxxxxx Xxxxx, 0000, p. 93.
47 A vontade da parte, manifestada por meio de declaração, expressa ou tácita, é um dos elementos constitutivos do negócio jurídico e pressuposto de sua validade, no que a doutrina, pátria e alienígena, cognominou de “princípio da autonomia da vontade”, o qual, somado ao “princípio da força vinculante do contrato, ou da obrigatoriedade das convenções” e ao “princípio da relatividade das convenções”, constitue o alicerce da teoria do negócio jurídico ou teoria contratual.
48 Art. 6º, da LRFE.
49 Art. 59, da LRFE.
50 Art. 59, da LRFE.
do art. 51 e os requisitos materiais do art. 48, propor ação de recuperação judicial e afirmam, com ênfase, se a recuperação judicial se efetiva e se implementa através de uma ação processual de natureza constitutiva, ela é um instituto de Direito Público, na linha preconizada pela doutrina italiana sobre a “administração controlada”51, a “administração extraordinária”52 e a “liquidação coacta administrativa”53.
A meu ver, a recuperação judicial da empresa não é um instituto de Direito Público porque: (1º) o credor não é citado para responder a uma demanda judicial, sob pena de revelia54, embora possa formular objeção55; (2º) o juiz não decide uma lide, rectius, um conflito de interesses, que são compostos, consensualmente, pelo devedor e seus credores no âmbito da assembléia geral de credores, sobretudo quando os credores apresentam modificações ao plano de recuperação56; (3º) não há produção de provas, audiência de conciliação, instrução e julgamento, condenação em honorários de sucumbência, etc.
C) Instituto de Direito Econômico
(a) Conceito de Recuperação Judicial da Empresa
Como escrevi alhures,
recuperação judicial é o instituto jurídico, fundado na ética da solidariedade, que visa sanear o estado de crise econômico- financeira do empresário e da sociedade empresária com a finalidade de (a) preservar os negócios sociais e estimular a atividade empresarial, (b) garantir a continuidade do emprego e fomentar o trabalho humano e (c) assegurar a satisfação, ainda que parcial e em diferentes condições, dos direitos e interesses dos credores e impulsionar a economia creditícia, mediante a apresentação, nos autos da ação de recuperação judicial, de
51 Secondo l’opinione prevalente, si tratta di una procedura giudiziale civile a carattere concursale, avente natura cautelare rispetto all’eventuale fall. successivo. (Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Comentario breve alla legge fallimentare. Milão, CEDAM, 2000, p.745).
52 L’amministrazione straordinaria – si osserva- è procedura esecutiva concursale, sai pure specialissima, con una originale combinazione di atti giurisduzionali e amministrativi inseriti in un’unitaria struttura procedimentale (...) Sostanzialmente conforme PAJARDI, 1005, che pone l’accento sulla natura comunque giurisdizionale del procedimento. Il QUATRARO, 11, pur riconoscendo l’indubbia funzione esecutiva, ritiene invece che l’amministrazione straordinaria sia una procedura amministrativa. (Xxxxx Xxxxxxx. Codice del Fallimento. Milão, Giuffrè Editore, 1997, 3ª ed., p. 1410-1411).
00 Xx x.x.x. costituisce l’espressione del potere di controllo dello Stato sull’atività di determinate categorie di
imprenditori.
Ha natura amministrativa e non giurisdizionale (...) Di diverso avviso è altra parte della dottrina secondo cui alla l.c.a. deve essere riconosciuta natura mista amministrativa e giurisdizionale (Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Ob. cit., p. 774).
54 Art. 319, do CPC.
55 Art. 55, da LRFE.
56 Art. 56, § 3º, da LRFE.
um plano de reestruturação e reerguimento, o qual, aprovado pelos credores, expressa ou tacitamente, e homologado pelo juízo, implica novação dos créditos anteriores ao ajuizamento da demanda e obriga a todos os credores a ela sujeitos, inclusive os ausentes, os dissidentes e os que se abstiverem de participar das deliberações da assembleia geral57.
(b) Aspectos da Recuperação Judicial da Empresa
A recuperação judicial da empresa pode ser examinada, estudada e debatida sob três diferentes prismas: como um ato complexo, uma ação constitutiva e um instituto de Direito Econômico.
(i) Recuperação Judicial da Empresa como Ato Complexo
Consoante já ressaltei, “a recuperação judicial é um ato complexo, uma vez que pode ser considerada sob vários aspectos, pois abrange um ato coletivo processual, um favor legal e uma obrigação ex lege”.
“A recuperação judicial é um ato coletivo processual, porque as vontades do devedor, manifestada na petição inicial, e de seus credores, declaradas expressa ou tacitamente, ‘marcham paralelas’, ‘se completam’ e se ‘fundem em uma só’, ‘formando uma e única vontade unitária’, sob a direção e fiscalização do Poder Judiciário (LRFE, arts. 35, I; 42; 45; 47; 51, III; 55; 56; 58 e 59)”.
“A recuperação judicial é um favor legal, porque garante, ao devedor, atendidos determinados pressupostos e requisitos, formais e materiais, o direito de sanear o estado de crise econômico-financeira em que se encontra com a finalidade de salvar o negócio, manter o emprego dos trabalhadores, respeitar os interesses dos credores (art. 47) e reabilitar-se (art. 63), benefício legal que produz efeitos desde o deferimento da petição inicial da ação de recuperação com a suspensão ‘de todas as ações e execuções’ pelo prazo de cento e oitenta dias (art. 6º, caput e § 4º)”.
“A recuperação judicial é uma obrigação ex lege, porque, concedida, pelo juiz, por sentença (art. 58), ‘implica novação dos créditos anteriores ao pedido e obriga o devedor e todos os credores a ela sujeitos, sem prejuízo das garantias’ que possuam (art. 59, caput)”58.
(ii) Recuperação Judicial da Empresa como Ação Constitutiva
A recuperação judicial da empresa é uma ação constitutiva porque cria nova situação jurídica para o devedor e os credores a ela sujeitos, quer no plano do direito
57 In: Xxxxx X.X. Salles de Toledo e Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx (Coord.). Comentários à Lei de Recuperação e Falência da Empresa. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 104-105.
58 Ob. cit., p. 105-106.
processual59, quer no do direito material60, podendo afirmar-se, como, aliás, se diz em França, ser um autêntico “procedimento de sacrifício”61.
(iii) Recuperação Judicial da Empresa como Instituto de Direito Econômico
Embora “ato complexo” e “ação constitutiva”, a recuperação judicial da empresa tem a natureza e as características de um instituto de Direito Econômico, como passo a demonstrar.
Os estudiosos do Direito Econômico dividem-se em inúmeras escolas, entre as quais se destacam: (a) Escola Dogmática, integrativa publicista-privatista62; (b) Escola Autonomista63; (c) Escola de Direito Público Econômico64; (d) Escola de Direito Econômico da Empresa ou de Direito Comercial Econômico65; (e) Escola de Direito Administrativo da Economia66; (f) Escola de Direito Internacional Econômico ou de Direito das Comunidades Econômicas67; (g) Escola de Direito do Desenvolvimento68;
59 Arts. 6º e 59, §§ 1º e 2º, da LRFE, entre inúmeros outros.
60 Art. 59, da LRFE.
61 Les procédures collectives sont des procédures de sacrifice qui limitent les pouvoirs du débiteur et qui restreignent les droits des créanciers” (Xxxx Xxxxx. Droit des affaires. Paris: Economica, 1991, 3ªed., Tome 2, p. 113).
62 Xxxxxx xx Xxxxx. Do Econômico nas Constituições Vigentes. v. I, p. 97 e ss.; Xxxxxx Xxxxxxx. La certezza del Diritto dell’Economia. Riv. Dir. Econ., 1956, p. 1.198 e ss.; Xxxxxxxx Xxxxxx. Direito Social Brasileiro. Saraiva, 1970, 6ª ed., p. 19 e ss.; F. Ch. Jeantet. Aspects du Droit Économique, in Dix Ans de Conferences d’Agregation
– Études de Droit Commercial offertes a Xxxxxx Xxxxx. Paris: Dalloz, 1961; Xxxxx Xxxxx. L’Insegnamento del Diritto dell’Economia. In: Riv. Dir. Econ., 1957, p. 736 e ss.; Xxxx Xxxx. La Définition du Droit Économique dans le Système Juridique Allemand, in: Riv. Dir. Econ., 1966, p. 751 e ss.
63 Xxxxxxx Xxxxxx. L’insegnamento del diritto dell’economia, in: Riv. Dir. Econ., 1957, p. 7312 e ss.; Xxxx Xxxxxxx. Brevi Considerazioni sul c.d. Diritto Amministrativo dell’Economia, in: Riv. Dir. Econ., 1955, p. 339 e ss.; Xxxxxxx Xxxxxx. Droit Public Économique. Inst. D’Études Politiques, 1957/58; Les sources de Droit, p. 7 e ss.; Xxxxxx Xx’Xxxxx. Il Diritto dell’Economia e la Figura del Dirigente Industriale nel Momento Presente, in: Riv. Dir. Econ., 1964, p. 42 e ss.; Xxxxxxxxx, in Allorio. Ob. cit., p. 1198 e ss.; Xxxxxxxx, in Xxxxx e Lagarde. Traité de Droit Commercial, Dalloz, 1954, nº 6, p. 12 e ss.; J. Mazard. Aspects du Droit Économique Français, in: Revue de Science Criminelle et de Droit Penal Comparé, 1957, p. 21 e ss.
64 Brethe de La Gressaye e Laborde-Lacoste. L’Introduction Générale à l’étude du Droit. Paris, 1947, p. 111 e ss.; J. Hemard. La Notion de Droit Économique – Conf. no Centre Europeen Universitaire de Nancy – Cours 1962/1963, p. 9 e ss.; Xxxxxxx, in: Xxxxx e Lagarde. Ob. cit., nº 6, p. 12 e ss.; M. Houin. Le Droit Commercial et les Decrets. 1953 – Droit Social, 1954, p. 267; M. Levasseur, in: Hemard, Ob. cit., p. 9 e ss.; Xxxxx X. X. Olivera. Derecho Económico – Conceptos y Problemas Fundamentales. Buenos Aires, Ed. Xxxxx, 1954; J. Van Houtte. Les repercussions de l’economie dirige. cit por Limpens em Contribution à l’étude de la Notion de Droit Économique, in: Riv. Dir. Econ., 1966, p. 735 e ss.
65 Casanova. Le Imprese Commerciali. Torino, p. 28 e ss; L’introduzione Filosófica al Diritto Commerciale Positivo de Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, in: Riv. Dir. Econ., 1964, p. 115 e ss.; Xxxxxx Xxxxxxxx. Contribution à la definition du Droit Économique, in: Riv. Dir. Econ., 1967, p. 141 e ss.; Xxxxxx xx Xxxxxx. Diritto Penale dell’Economia, in: Riv. Dir. Econ., 1957, p. 1016 e ss.; M. Xxxxx Xxxxxxxxx. Traité de Droit Commercial Belge. Gand, 1946, T. I, nº 2, p. 22; J. Limpens. Contribution à l’étude de la Notion de Droit Économique- Centre Univ. de Droit Comparé – Bruxelas; G. Lyon-Caen. Contribution à la Recherche d’une Définition du Droit Commercial, in: Riv. Trim. De Droit Commercial, 1949, Tomo II, p. 577 e ss.; Xxxx Xxx Xxx. Autonomie Nécessaire et Permanence du Droit Commercial. 1953, tomo IV, p. 565 e ss.
66 CANSACCHI Giorgio. L’Insegnamento del Diritto dell’Economia, in: Riv. Dir. Econ., 1957, p. 731 e ss; Xxxxx, in: Casetta. Brevi Considerazioni sul c.d. Diritto Amministrativo dell’Economia, in: Riv. Dir. Econ., 1955, p. 339 e ss. 67 Cartou. L’introduction à l’ètude du Droit des Communautés Européenes, in Les Documents Communautée Européene 40, decembre, 1966, p. 16 e ss.
68 Xxxxx Xxxxxxx. Pour un Droit du Developpement dans les pays sous-developpés, in Dix Ans de Conférences d’agregation – Études de Droit Commercial offertes a Hamel, p. 47 e ss.
(h) Escola Teleológica ou de Direito Econômico aplicado69-70.
Filio-me à doutrina, liderada, no país, por Xxxxxxx Xxxxx, que sustenta
(a) estar o Direito Econômico situado numa zona intermediária entre o Direito Público e o Direito Privado71, (b) possuir uma tríplice unidade: “de espírito, de objeto e de método”72, e (c) não orientar-se a regra de direito pela ideia de justiça (princípio da igualdade)73, mas pela ideia de eficácia técnica74 devido à especial natureza da tutela jurídica que dela emerge, em que prevalecem os interesses gerais e coletivos, públicos e sociais, que ela colima preservar e atender prioritariamente, daí o caráter publicístico de suas normas, que se materializam através de “fato do príncipe”, “proibições legais” e “regras excepcionais”.
A recuperação judicial da empresa é um instituto de Direito Econômico porque suas normas não visam precipuamente realizar a ideia de justiça, mas sobretudo criar condições e impor medidas que propiciem às empresas em estado de crise econômica75 se reestruturarem, ainda que com parcial sacrifício de seus credores, de que são exemplos marcantes, na Lei nº 11.101, de 200576: (a) a
69 XXXXX, Xxxxx. Riflessioni sul Diritto dell’Economia e l’Umana Personalità, in: Riv. Dir. Econ., 1967, p. 155 e ss.; XXXXX, Xxxxxx. L’insegnamento del Diritto dell’Economia, in: Riv. Dir. Econ., 1962, p. 149 e ss.; Xxxxx Xxxxxxx. L’Insegnamento del Diritto dell’Economia, in: Riv. Dir. Econ., 1962, p. 147 e ss.; XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Diritto Publico e Privato nel Diritto dell’Economia, in: Riv. Dir. Econ., 1967, p. 254 e ss.; COMPARATO, Fábio
K. O Indispensável Direito Econômico, in: Rev. dos Tribunais, v. 353/14 e ss., 1965; Xxxxxx Xxxxx. Prospecttive pratiche del Diritto dell’Economia, in Riv. Dir. Econ., 1962, p. 144 e ss.; Xxxxxxxx Xxxxxx. L’Insegnamento del Diritto dell’Economia, in: Riv. Dir. Econ., 1957, p. 720 e ss; Xxxxxxxx, in: Casetta. Ob. cit., p. 339 e ss.;
A. Jacquemin. Pour une Nouvelle Approche du Droit Economique, in Document de travaille C.R. I.D.E. nº 1/1968, do Centre de Recherches interdisciplinaires Droit-Economie, da Universidade de Louvain; Xxxxx e Xxxxxxx. Xxxxx Xxxxx, Xxxxx, 0000, T. I, p. 69; XXXXXX, Xxxxxxx. L’Insegnamento del Diritto dell’Economia, in: Riv. Dir. Econ., 1957, p. 709 e ss.; Santoro-Passarelli. L’Autonomia dei Privati nel Diritto dell’Economia, in: Riv. Dir. Econ., 1956, p. 1213 e ss.; M. Vasseur. Le Droit de La Reforme des Structures Industrielles et de Economie Régionales. Paris 1959, Cap. Vers un Droit Économique, 516 e ss.; Xxxxxx Xxxxxxx. Ensayos de Xxxxxxx Xxxxxxxxx x Xxxxxxxxx. Xxxxxx Xxxxx, 0000, p. 127 e ss.
70 Sobre cada uma dessas correntes de pensamento, leia-se o excelente Direito Econômico, do emérito Prof. Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1973, p. 171 - 283.
71 Diz o saudoso Xxxxxxx Xxxxx: “O Direito Econômico, compreendendo, como compreende, regras de Direito Civil, Comercial, Administrativo, Penal e Tributário, desenvolve-se numa zona intermediária, que não é de Direito Público, nem de Direito Privado (ob. cit., p. 4, nº 4).
72 Loc. cit.
73 Xxxxxx Xxxxxxxx, ao tratar das “antinomias da ideia de direito”, ensina que “achamos a ideia de direito na de Justiça e surpreendemos a essência desta – a justiça distributiva – na de igualdade, isto é, no tratamento igual de coisas iguais e no tratamento desigual de coisas desiguais” (in: Filosofia do Direito. Coimbra: Xxxxxxx Xxxxx, Editor, 1979, 6ª ed. p. 159).
74 “A regra de Direito não se ordena mais a uma ideia de justiça; passa a ser aferida pela eficácia técnica. Empolgado por esse pensamento, o legislador convenceu-se de que as leis devem ser, antes de mais nada, um instrumento, uma técnica a serviço do Estado no cumprimento da programação econômica nacional. (...)
Essa nova orquestração da política legislativa repercute na dogmática jurídica, por isso que as inovações normativas tiveram de ser ajustadas à estrutura de institutos tradicionais, quer através de configuração diferente, quer mediante recondicionamento. Em consequência, certos princípios esvaziaram-se, alguns instrumentos jurídicos mudaram de função, e fórmulas dúbias ou meras designações terminológicas surgiram, tudo a indicar a pronunciada crise dogmática jurídica” (Xxxxxxx Xxxxx, ob. cit., p. 17-18).
75 Aqui a expressão “estado de crise econômica” é utilizada em sentido amplo, que abrange crise societária, administrativa, operacional, econômica, financeira etc.
76 Nestes exemplos, sobressai a ideia de eficácia técnica em detrimento da ideia de justiça, pois, só para ficar na hipótese da letra a, embora possa ser considerada, pelo credor, injusta a suspensão das ações e
suspensão das ações e execuções contra o devedor (art. 6º, caput); (b) a fiscalização dos negócios sociais do devedor pelo administrador judicial (art. 22, II, a), pelo comitê de credores (art. 27, I, a, da LRFE), pelo Ministério Público (art. 84, do CPC) e pelo juízo, que preside o processo; (c) a exclusão dos adiantamentos de contrato de câmbio – ACC, da alienação fiduciária em garantia e do leasing dos efeitos da LRFE (art. 49, §§ 3º e 4º); (d) o pagamento prioritário dos créditos trabalhistas (art. 54); (e) a novação das obrigações e dívidas do devedor, mesmo sem a anuência e até contra a vontade dos credores (art. 59); (f) a destituição dos administradores da empresa (art. 64); (g) as restrições aos poderes dos administradores da empresa (art. 66); (h) o privilégio dos créditos extraconcursais (art. 84) etc.
6. Conclusões
O art. 49, § 5º, da LRFE trata, literal e induvidosamente, do direito real de garantia do “penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras e valores mobiliários” (parte inicial do citado § 5º) e não do negócio fiduciário tendo por objeto títulos de crédito e direitos creditórios, previsto no art. 49, § 3º, da LRFE.
Por ser o penhor um instituto que não possui o condão de transmitir o domínio do produto dos títulos de crédito e direitos creditórios para quitar a dívida garantida, as importâncias recebidas pelo credor pignoratício devem ser depositadas em conta vinculada conforme dispõe o § 4º, do art. 6º, da LRFE, sobrelevando notar, por oportuno, que, no penhor, o credor executa a dívida e se paga com a transformação do objeto do penhor em dinheiro; na cessão fiduciária, executa a garantia, para liquidar, total ou parcialmente, a dívida.
O art. 66, B, § 3º, da Lei nº 4.728, de 1965, com a redação da Lei nº 10.931, de 2004, instituiu um regime especial e privilegiado de cobrança e recebimento do crédito garantido por alienação fiduciária em garantia de coisa fungível e por cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e títulos de créditos, que independe de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, o mesmo tendo feito o art. 49, § 3º, da LRFE, ao utilizar a expressão “proprietário fiduciário”, qualidade que o credor adquire quer através do negócio fiduciário de alienação em garantia, quer do negócio fiduciário de cessão em garantia.
Destarte, ao excluir-se do processo de recuperação judicial os créditos garantidos por cessão fiduciária de recebíveis, não se está estendendo a regra especial do citado art. 66-B, § 3º, mas aplicando-a em conjunto com a do mencionado art. 49,
§ 3º, eis que, ex vi do art. 83 do CC, na categoria de “bens móveis e direitos pessoais”, se incluem os títulos de crédito e direitos deles decorrentes, tanto os já vencidos (performados), quanto os vincendos (a performar), eis que o CC não os distingue.
execuções contra o devedor inadimplente, por vezes até mesmo inadimplente contumaz, ela é medida indispensável para o seu reerguimento e, portanto, ainda que apenas teoricamente (eis que, na prática, muitas vezes não se confirma), tecnicamente eficaz.
E mais:
(1º) a novel “recuperação judicial da empresa” e a cessão fiduciária de títulos de crédito e direitos creditórios devem ser examinadas segundo os cânones e princípios jurídicos de Direito Econômico, em que prevalece a ideia de eficácia técnica sobre a ideia de justiça;
(2º) como instituto de Direito Econômico, o negócio fiduciário ou a “venda para garantir”, em suas duas principais espécies – a alienação fiduciária em garantia e a cessão fiduciária em garantia – tem por escopo atender, com eficácia e rapidez, às novas exigências criadas por um mundo em avassaladora transformação77, o que embasa a sua exclusão dos efeitos de recuperação judicial;
(3º) para tornar essa garantia plenamente eficaz e estimular a concessão de linhas de crédito e de empréstimos e financiamentos à indústria, ao comércio e às empresas de prestação de serviços com respaldo em cessão de direitos creditórios, a LRFE, sabiamente, exclui a “propriedade fiduciária de bens móveis”, vale dizer, de recebíveis, dos efeitos da ação de recuperação judicial.
(4º) por fim e em síntese: a LRFE, ao referir-se, no art. 49, § 3º, a “credor titular de posição de proprietário fiduciário de bens móveis”, abrange tanto o proprietário fiduciário, que adquiriu essa qualidade por força de contrato de alienação fiduciária em garantia de bens móveis, quanto o proprietário fiduciário que ostenta essa posição em decorrência de contrato de cessão fiduciária em garantia de recebíveis, ambos os institutos de Direito Econômico, que têm a finalidade precípua de servir de instrumentos, a serviço do Estado e dos particulares, do desenvolvimento econômico e social do país, daí serem regulados por princípios jurídicos próprios, que não seguem a ideia de justiça, mas de eficácia técnica, o que, repito, explica, justifica e fundamenta a sua exclusão do processo de recuperação judicial e de falência do devedor.
77 A necessidade imperiosa de recursos financeiros, para manter as empresas industriais, comerciais e de serviços competitivos e rentáveis em um mundo globalizado, e a procura por meios e modos de segregar riscos, por parte de financiadores, multiplicaram as operações com lastro em receita futura, ordinariamente realizadas sob a forma de desconto de duplicatas.
Essas novas operações, além da hoje corriqueira cessão fiduciária de recebíveis em garantia, são a securitização de recebíveis através da formação de SPE e do FIDC.