Cláusulas contratuais de limitação e exclusão de responsabilidade civil contratual: validade, limites e questões controversas.
Cláusulas contratuais de limitação e exclusão de responsabilidade civil contratual: validade, limites e questões controversas.
Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx0
Introdução
O contrato, em sua clássica acepção, pode ser definido como o acordo de duas ou mais partes para estabelecer, regular ou extinguir uma relação jurídica patrimonial2. Além da função de criação de obrigações recíprocas entre as partes, o contrato também tem como função ser instrumento de alocação de riscos.
Assim, ao longo das tratativas, as partes, com fundamento no princípio da autonomia privada, definem as prestações recíprocas e, naturalmente, estabelecem os riscos a que estarão sujeitas. Como bem destacado por Xxxxxxx Xxxxxx0, o contrato se enquadra na categoria mais ampla do ato de autonomia privada ou negócio jurídico, ou seja, da ação pela qual o sujeito tem sua própria esfera jurídica.
Como forma da permitir que o contrato alcance os seus objetivos, primordialmente, estabelecer as obrigações recíprocas das partes e, ainda, ser instrumento de alocação de riscos, diversos mecanismos foram criados pelo Direito Civil. Cite-se, por exemplo, a cláusula penal, a cláusula resolutiva expressa, as condições suspensiva e resolutiva, dentre outros institutos.
1 Mestre e Doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista e Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Portugal. Colaborador do Blog Civil & Imobiliário (xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx). Fundador e Diretor Estadual (SP) do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário. Membro efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
2 XXXXXX, X. Massimo. Diritto Civile: Il Contratto. 3. ed. v. III. Milano: Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, 2019.
p. 1. Texto original: “il contratto è l'accordo di due o piu parti per constituire, regolare o estinguire tra loro un rapporto giuricico patrimoniale”
3 XXXXXX, X. Massimo. Diritto Civile: Il Contratto. 3. ed. v. III. Milano: Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, 2019.
p. 2. Texto original: “il contratto rientra nella più ampia categoria dell´atto di autonomia privata o negozio giuridico, cioé dell´atto mediante il qualse il soggetto dispone della propria sfera giuridica”.
O objetivo do presente artigo é justamente realizar o estudo de mais um importante mecanismo para que o contrato atinja os objetivos citados acima: a cláusula de limitação ou exoneração de responsabilidade civil.
Quanto à terminologia da cláusula, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx0 criticou o termo ‘cláusula de irresponsabilidade’. Segundo o autor, trata-se de expressão imprópria porque a liberação, contratualmente obtida, é da indenização, não havendo propriamente, admissão de irresponsabilidade. Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx0, em sentido próximo, prefere qualificá-la como ‘cláusula contratual de limitação e exclusão do dever de indenizar’. Xxxxx justifica sua opção a partir das lições de Xxxx xx Xxxxxx Xxxx0, que afirmou:
Ninguém pode deixar de ser responsável, porque a responsabilidade corresponde, em ressonância automática, ao ato ou fato jurídico. Produzido este, a responsabilidade do agente a quem se liga será uma realidade. A cláusula não suprime a responsabilidade, porque não a pode eliminar, como não se elimina o eco. O que se afasta é a obrigação derivada da responsabilidade, isto é, a reparação.
Ocorre que diversas obras de referência na matéria, de autoria de renomados autores são intituladas como ‘cláusula limitativa e de exclusão da responsabilidade civil ou responsabilidade contratual’. Cite-se, a esse exemplo, o trabalho de Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx0 e Xxx Xxxxx0.
A confusão pelo termo ‘cláusula de não indenizar’ é ainda maior porque, em alguns casos, o texto legal passa a ideia de que as partes poderiam excluir propriamente a responsabilidade e não apenas o dever de indenizar. Atentemo-nos, por exemplo, no caso da evicção. Tal como veremos à frente, o Código Civil (art. 448) expressamente permite que as partes possam “excluir a responsabilidade pela evicção”.
4 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Cláusula cruzada de não indenizar (cross-waiver of liability), ou cláusula de não indenizar com eficácia para ambos os contratantes. In: . Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 201.
5 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Cláusulas contratuais excludente e limitativas do dever de indenizar. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 55
6 XXXXXX XXXX, Xxxx xx. Cláusula de não indenizar. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 38.
7 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil. 2. reimp. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000.
8 PRATA, Ana. Cláusulas de exclusão e limitação de responsabilidade contratual. Reimpr. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000.
Mais do que isso. Como bem ressaltado por Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx0, nada obsta que as partes firmem cláusula para restringir os fundamentos ou pressupostos da responsabilidade civil, acordando as partes, por exemplo, que o devedor só responderá no caso de ter agido com dolo ou culpa grave. Segundo Xxxxx Xxxxxxxx00:
Estipulada esta cláusula, o credor não poderá, pois, vir a exigir indemnização no caso de o devedor ter actuado com culpa leve. O que significa, afinal, que esta cláusula limitativa – porque limitativa dos fundamentos de responsabilidade, rectius, do grau de culpa do devedor
– acaba por traduzir-se, na prática, numa cláusula de exclusão por culpa leve, exonerando o devedor sempre que o incumprimento não lhe seja imputável por xxxx ou culpa grave.
Nesse caso, como se nota, as partes acabam por estipular cláusula que, aparentemente, poderia excluir a responsabilidade civil para a hipótese de culpa leve. Mas, na realidade, é o próprio Xxxxx Xxxxxxxx quem destaca o papel da cláusula e a impossibilidade do afastamento da responsabilidade civil. Xxxxx Xxxxxxxx destaca que a cláusula de limitação ou exoneração de responsabilidade não funciona como uma permissão ao credor inadimplir a obrigação. Não é isso. Segundo o autor11:
Na verdade, incorre-se num equívoco ao conferir a esta cláusula o efeito de permitir o não cumprimento da obrigação. Não é esta, contudo, a sua finalidade [...]. Com a celebração do contrato, as partes vinculam-se, obrigam-se ao cumprimento dos deveres assumidos. Mas, ao mesmo tempo, ao acordarem na exclusão da responsabilidade, afastam a indenização que seria devida ao credor por um eventual não cumprimento (ou cumprimento defeituoso) [ ] A função da cláusula
de irresponsabilidade é apenas, numa palavra, de restringir ou limitar a sanção pelo não cumprimento (latu sensu) das obrigações emergentes do contrato, ao nível da respectiva indemnização, sem interferir, porém, com a exigibilidade dessas obrigações, que continua a justificar-se
9 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil. 2. reimp. Coimbra: Almedina, 2011. p. 106.
10 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil. 2. reimp. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p. 106-107.
11 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil. 2. reimp. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000. p. 186-189.
Aparentemente essa é a mesma posição de Xxx Xxxxx. Segundo a autora “a cláusula não se inscreve no quadro dos pressupostos da responsabilidade, afastando qualquer deles, mas, ao invés, implica a sua verificação cumulativa e a consequente qualificação do devedor como responsável. Esta qualificação corresponde a uma valoração do comportamento que reúne os requisitos da imputação ao devedor das consequências danosas do mesmo. O resultado de tal qualificação é a adstrição do devedor a uma obrigação, cujo objeto é, então, o de eliminar no patrimônio do credor os efeitos patrimoniais daquela conduta ilícita e culposa. É esta consequência que constitui o objeto da cláusula exoneratória ou limitatória” (PRATA, Ana. Cláusulas de exclusão e limitação de responsabilidade contratual. Reimpr. Coimbra: Almedina, 2005. p. 205)
pelos facto de as partes, ao celebrar o negócio, pretenderem que os efeitos práticos sejam juridicamente vinculativos.
Pois bem. Como importante instrumento na regulação dos interesses das partes e a considerar que a cláusula de limitação ou exclusão da responsabilidade civil é utilizada com certa frequência no âmbito dos contratos, o presente estudo se faz necessário.
Como bem destacado por Xxxxxxx Xxxx00,
Tal cláusula se faz presente em instrumentos de cooperação bilateral, e é atualmente muito utilizada em contratos de engenharia e construção, em razão dos riscos envolvidos e em decorrência da perspectiva de pagamento de vultosas indenizações, cláusula essa cuja inexistência poderia inviabilizar os negócios.
Destacamos, ao final, que o presente artigo tem por objetivo tratar da aplicação da cláusula de limitação e exclusão na responsabilidade civil contratual e não extracontratual13.
1 A cláusula de agravamento da responsabilidade civil
Comecemos pelo inverso. Antes de tratarmos das cláusulas que possibilitam a limitação ou exclusão da responsabilidade civil, abordemos as cláusulas que permitem o agravamento de tal dever.
12 XXXX, Xxxxxxx. A cláusula de limitação de responsabilidade no direito brasileiro. Revista de Direito Civil Contemporâneo. N. 2. v. 4. p. 138. São Paulo: RT, jul.-set. 2015.
13 Segundo parte da doutrina, nada obsta que as partes possam também estabelecer cláusula de limitação ou exoneração na responsabilidade civil extracontratual. Na realidade, como bem ressaltado por Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, inicialmente, pode ser difícil imaginar a aplicação da cláusula de exclusão ou limitação da responsabilidade civil extracontratual porque “como é que alguém poderá antecipadamente excluir a sua responsabilidade perante pessoas que – precisamente por não estarem ligadas entre si – se apresentam como terceiros”. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil. 2. reimp. Coimbra: Almedina, 2011. p. 392. Embora seja reconhecida tal dificuldade, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx cita exemplo de situação em que a cláusula poderia ser aplicada “imagine-se a hipótese de duas ou mais fábricas, localizadas em regiões contíguas, que utilizam máquinas pesadas na sua atividade produtiva, causando barulhos e abalos consideráveis nos terrenos vizinhos. Nesse caso, entendemos que se faculta às aludidas indústrias pactuarem expressamente a limitação ou a exoneração do dever de indenizar com relação a eventuais danos decorrentes dos ruídos e tremores provocados por tais equipamentos, sendo despiciendo afirmar que o alcance de tal convenção estaria constrito às partes contratantes, não prejudicando quaisquer direitos de terceiros, inclusive no que se refere a questões ambientais ou de ordem pública”. (XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Cláusulas contratuais excludente e limitativas do dever de indenizar. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 121-122). No mesmo sentido, Xxxx xx Xxxxxx Xxxx, também cita outro exemplo: “compreende-se por igual que armadores, cujos navios sigam rota idêntica, concordem em não reclamar reciprocamente reparação pelos danos derivados de abalroação aos respectivos navios”. (XXXXXX XXXX, Xxxx xx. Cláusula de não indenizar. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 242).
Segundo Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx00 as cláusulas de agravamento são em geral aceitas, ficando a questão de sua validade limitada a algumas circunstâncias, em particular quando o inadimplemento ou cumprimento imperfeito do contrato pelo devedor decorre de comportamento do próprio credor.
Como exemplo de cláusula que permite o agravamento do dever de indenizar, cite- se o art. 393, do Código Civil:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Como se nota, regra geral, o devedor não responde nas hipóteses de caso fortuito ou força maior, todavia, se as partes pactuarem de forma diversa, o devedor pode se responsabilizar mesmo em tais circunstâncias.
Assim, é possível determinar no contrato a exclusão da greve como evento liberatório da responsabilidade. Até porque a greve pode ser motivada pelo descumprimento de obrigações trabalhistas da própria parte. Mas, segundo Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx00, mesmo que a greve tenha cunho político ou mesmo motivada por solidariedade entre integrantes de determinada categoria profissional, nada obsta que as partes aloquem o risco de sua ocorrência para o devedor, ainda que o evento possa ser qualificado como irresistível16.
Da mesma forma, cláusula também pode estipular que a multa em caso do descumprimento seja fixada em valor sabidamente maior do que os possíveis danos, desde que não resulte excessivo o valor.
Também é possível imaginarmos cláusula em que uma das partes se responsabilize por riscos alheios às partes. A esse exemplo, cite-se determinada
14 XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 100.
15 XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 101.
16 XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 101.
incorporadora ou construtora que se responsabiliza contratualmente a obter o licenciamento ambiental a ser concedido por determinado órgão público, sob pena de responsabilidade. Embora a empresa possa ter realizado a construção com máxima observância da legislação ambiental, caso o órgão público não conceda tal licenciamento, pode nascer o dever de indenizar.
Outra hipótese de agravamento da responsabilidade seria transformar uma obrigação de meio em resultado. Citem-se as hipóteses das empresas que fazem gerenciamento de obra. Nesses contratos, regra geral, a obrigação é de meio (gerenciar o bom andamento da obra). Nada obsta, entretanto, que as partes decidam transformar a obrigação de meio em resultado, ou seja, a empresa poderá, além de gerenciar a obra, garantir a entrega em perfeita ordem.
Embora admitida em nosso ordenamento, a cláusula de agravamento não deve ser aceita de modo absoluto. Como bem advertido por Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx00, nas hipóteses em que a cláusula atribui a responsabilidade em qualquer hipótese de impedimento, a sua validade torna-se problemática quando relacionada a atos do próprio credor. Se esse ato for intencional e se tiver por objetivo comprometer a capacidade do devedor em se desincumbir de suas obrigações contratuais, a cláusula violará claramente o dever de colaboração. Nesse caso, por ferir o princípio da boa-fé objetiva, mesmo em contratos empresariais, a cláusula não poderá ser aceita.
Pois bem. Ressalvadas tais hipóteses, a cláusula de agravamento da responsabilidade civil deve ser aceita em nosso ordenamento, como mais um mecanismo que reafirma a liberdade conferida pelas partes no contrato.
2 As cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade civil: definição e objetivo
Se a cláusula de agravamento da responsabilidade civil é aceita, também deve ser válida a cláusula que limita ou, em alguns casos, até exclui a responsabilidade civil (ou o
17 XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 103.
dever de indenizar). Naturalmente que os requisitos de validade da cláusula devem ser observados, bem como os limites impostos pela lei.
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00 define as cláusulas de exoneração e limitação de responsabilidade civil como estipulações negociais destinadas a excluir ou limitar, em certos termos, mediante acordo prévio das partes, a responsabilidade em que, doutra forma, o devedor incorreria, pelo não cumprimento (cumprimento defeituoso ou mora) das suas obrigações.
Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx00, por seu turno, define as referidas cláusulas como convenções pelas quais as partes, em certos termos, previamente à ocorrência de um dano, excluem o dever de indenizar ou estabelecem limites, fixos ou variáveis, ao valor da indenização.
Como se nota, o objetivo da cláusula que exonera ou limita a responsabilidade civil é permitir aos contratantes, mesmo responsáveis pelo dano causado, não serem obrigados a reparar ou limitar o dever de indenizar, porque convenção contratual assim permitiu. Segundo Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx00, as cláusulas de exclusão ou limitação do dever de indenizar:
[...] visam, assim, garantir uma maior segurança, tanto negocial como jurídica, aos sujeitos de determinada relação, distribuindo entre as partes os possíveis encargos decorrentes de eventuais danos. Permitem, inclusive, a realização de cálculos matemáticos e projeções no sentido de quantificar os riscos financeiros envolvidos em determinada situação preestabelecida, cuja previsibilidade anterior muitas vezes pode ser determinante na decisão empresarial. Dessa forma, ao estabelecer regras de redistribuição, na forma pretendida pelas partes, dos eventuais prejuízos materiais decorrentes de determinada relação preestabelecida, as cláusulas de não indenizar podem servir de verdadeiro instrumento de fomento da economia, viabilizando a atividade produtiva.
18 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil. 2. reimp. Coimbra: Almedina, 2011. p. 100.
19 XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 112-113.
20 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Cláusulas contratuais excludente e limitativas do dever de indenizar. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 44.
O ordenamento civil brasileiro (assim como de outros países), permite às partes (com alguns limites) preverem a cláusula de exoneração ou limitação da responsabilidade civil. É o que passamos a demonstrar.
3 Previsões legais da cláusula de exoneração e de limitação de responsabilidade
Contrariamente a alguns ordenamentos, o Código Civil brasileiro não possui uma regra geral a respeito da matéria21. A Itália, por exemplo, prevê no Código Italiano22 regra que, em uma tradução livre, assim determina:
Art. 1229: Cláusulas de exoneração da responsabilidade:
É nulo qualquer acordo que exclua ou limite preventivamente a responsabilidade do devedor por dolo ou culpa grave.
É nulo também qualquer acordo prévio de exoneração ou limitação de responsabilidade para os casos em que o fato do devedor ou de seus auxiliares constituir uma violação de obrigações decorrentes de normas de ordem pública.
O Código Civil português também estabeleceu regra disposta no art. 800, n. 2, nos seguintes termos:
Art. 800, n. 2: A responsabilidade pode ser convencionada excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por norma de ordem pública.
Embora não possua uma regra geral, o Código Civil brasileiro possui regras específicas para a limitação ou exclusão da responsabilidade. Cite-se, por exemplo, como já referido anteriormente, a possibilidade de limitação ou exclusão da responsabilidade pela evicção. Segundo o art. 448 do Código Civil:
Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.
21 Atente-se contudo, que o Projeto do Código de Obrigações de 1964, de autoria de Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, possuía a seguinte propositura: “Art. 924: A cláusula de não indenizar somente prevalecerá se for bilateralmente ajustada, e não contrariar lei expressa, a ordem pública e os bons costumes, e nem tiver por objeto eximir o agente dos efeitos do seu dolo”.
22 Redação original: “Art. 1229 Clausole di esonero da responsabilità: E' nullo qualsiasi patto che esclude o limita preventivamente la responsabilità del debitore per dolo o per colpa grave. E' nullo altresì qualsiasi patto preventivo di esonero o di limitazione di responsabilità per i casi in cui il fatto del debitore o dei suoi ausiliari costituisca violazione di obblighi derivanti da norme di ordine pubblico”.
Atente-se, como advertido anteriormente, que o Código Civil permite às partes não apenas agravar ou diminuir a responsabilidade pela evicção, mas, também, exclui- la23.
A cláusula de exclusão de responsabilidade também está prevista nos contratos de transporte. Segundo o art. 734, do Código Civil:
Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.
Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização.
Como se nota, embora o caput do dispositivo não permita a exclusão da responsabilidade24, o parágrafo único admite a limitação ao dever de indenizar. O Código Brasileiro de Aeronáutica25, no mesmo sentido, também possui dispositivos que permitem limitações ao dever de indenizar por danos ocorridos durante a execução do contrato de transporte, sem autorizar a exoneração da responsabilidade.
Segundo Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de Godoy26, nos contratos de transporte, não se veda a cláusula de limitação de responsabilidade desde que, por um lado, não se preste a burlar a vedação da exclusão, e por outro, com especial cautela nas relações desiguais, usada a fim de verificar se sua previsão decorre de consenso e não de imposição.
Questão controversa é saber se, havendo relação de consumo, poderia haver regra limitando indenizar o consumidor para o descumprimento decorrente de contrato de
23 A exclusão da responsabilidade pela evicção, contudo, possui a ressalva do art. 449. Segundo tal dispositivo, “Não obstante a cláusula que exclui a responsabilidade pela garantia, se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção ou, dele informado, não o assumiu”.
24 Na mesma esteira é Súmula 161 do STF: “Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”.
25 “Art. 246. A responsabilidade do transportador (artigos 123, 124 e 222, Parágrafo único), por danos ocorridos durante a execução do contrato de transporte (artigos 233, 234, § 1°, 245), está sujeita aos limites estabelecidos neste Título (artigos 000, 000, 000, 000 e 277).
Art. 247. É nula qualquer cláusula tendente a exonerar de responsabilidade o transportador ou a estabelecer limite de indenização inferior ao previsto neste Capítulo, mas a nulidade da cláusula não acarreta a do contrato, que continuará regido por este Código (artigo 10).
Art. 248. Os limites de indenização, previstos neste Capítulo, não se aplicam se for provado que o dano resultou de dolo ou culpa grave do transportador ou de seus prepostos”.
26 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de. In: XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx (org). Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 13. ed. São Paulo: Manole, 2019. p. 747.
transporte. Nesse caso, como se sabe, não se aplica o Código Civil, mas, sim, o Código de Defesa do Consumidor.
No âmbito do Código de Defesa do Consumidor, nos termos do art. 25, é vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar. No mesmo sentido, o art. 51, inciso I, considera nula de pleno direito a cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços27. A parte final do art. 51, I, contudo, permite “em situações justificáveis”, que o dever de indenizar possa ser limitado quando a relação de consumo for entre fornecedor e consumidor pessoa jurídica.
Embora a parte final do dispositivo disponha sobre tal exceção (que será abordada à frente), para a regra geral, ou seja, tratando-se de uma relação entre consumidores pessoas físicas e fornecedores, o Código de Defesa do Consumidor é claro ao considerar nula de pleno direito qualquer cláusula que exonere ou limite o dever de indenizar. Segundo Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx00:
[...] nas relações de consumo, a renúncia de direitos, sejam eles de natureza do negócio ou não, e as cláusulas de limitação ou de exoneração de responsabilidade serão nulas, tanto em contrato por adesão quanto em contratos negociados livremente. Nas relações fora do universo consumerista, as partes terão a liberdade de pactuação; porém, em se tratando de contratos por adesão, referida liberdade não poderá comprometer os direitos próprios à natureza do negócio.
Da leitura do Código de Defesa do Consumidor, seria impensável imaginarmos que determinada companhia aérea poderia indenizar apenas parcialmente o consumidor em razão dos danos sofridos (extravio de bagagem com pertences valiosos, por exemplo) ou mesmo em caso de morte. Ocorre que a Convenção de Montreal (Decreto n. 5910/2006)29, texto que substituiu a anterior Convenção de Varsóvia, contrariando o
27 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
28 XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 206.
29 Artigo 21 – Indenização em Caso de Morte ou Lesões dos Passageiros
1. O transportador não poderá excluir nem limitar sua responsabilidade, com relação aos danos previstos no número 1 do Artigo 17, que não exceda de 100.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro.
Código de Defesa do Consumidor, estabelece limites de indenização para o caso de morte ou lesão dos passageiros (art. 21), bem como em decorrência de danos advindos de atraso de bagagem (art. 22).
Inicialmente, a jurisprudência inclinava-se no sentido de conferir aplicação preponderante do Código de Defesa do Consumidor às convenções internacionais30, ou
2. O transportador não será responsável pelos danos previstos no número 1 do Artigo17, na medida em que exceda de 100.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro, se prova que:
a) o dano não se deveu a negligência ou a outra ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos; ou
b) o dano se deveu unicamente a negligência ou a outra ação ou omissão indevida de um terceiro. Artigo 22 – Limites de Responsabilidade Relativos ao Atraso da Bagagem e da Carga
1. Em caso de dano causado por atraso no transporte de pessoas, como se especifica no Artigo 19, a responsabilidade do transportador se limita a 4.150 Direitos Especiais de Saque por passageiro.
2. No transporte de bagagem, a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso se limita a 1.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro, a menos que o passageiro haja feito ao transportador, ao entregar-lhe a bagagem registrada, uma declaração especial de valor da entrega desta no lugar de destino, e tenha pago uma quantia suplementar, se for cabível. Neste caso, o transportador estará obrigado a pagar uma soma que não excederá o valor declarado, a menos que prove que este valor é superior ao valor real da entrega no lugar de destino.
3. No transporte de carga, a responsabilidade do transportador em caso de destruição, perda, avaria ou atraso se limita a uma quantia de 17 Direitos Especiais de Saque por quilograma, a menos que o expedidor haja feito ao transportador, ao entregar-lhe o volume, uma declaração especial de valor de sua entrega no lugar de destino, e tenha pago uma quantia suplementar, se for cabível. Neste caso, o transportador estará obrigado a pagar uma quantia que não excederá o valor declarado, a menos que prove que este valor é superior ao valor real da entrega no lugar de destino.
4. Em caso de destruição, perda, avaria ou atraso de uma parte da carga ou de qualquer objeto que ela contenha, para determinar a quantia que constitui o limite de responsabilidade do transportador, somente se levará em conta o peso total do volume ou volumes afetados. Não obstante, quando a destruição, perda, avaria ou atraso de uma parte da carga ou de um objeto que ela contenha afete o valor de outros volumes compreendidos no mesmo conhecimento aéreo, ou no mesmo recibo ou, se não houver sido expedido nenhum desses documentos, nos registros conservados por outros meios, mencionados no número 2 do Artigo 4, para determinar o limite de responsabilidade também se levará em conta o peso total de tais volumes.
5. As disposições dos números 1 e 2 deste Artigo não se aplicarão se for provado que o dano é resultado de uma ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos, com intenção de causar dano, ou de forma temerária e sabendo que provavelmente causaria dano, sempre que, no caso de uma ação ou omissão de um preposto, se prove também que este atuava no exercício de suas funções.
6. Os limites prescritos no Artigo 21 e neste Artigo não constituem obstáculo para que o tribunal conceda, de acordo com sua lei nacional, uma quantia que corresponda a todo ou parte dos custos e outros gastos que o processo haja acarretado ao autor, inclusive juros. A disposição anterior não vigorará, quando o valor da indenização acordada, excluídos os custos e outros gastos do processo, não exceder a quantia que o transportador haja oferecido por escrito ao autor, dentro de um período de seis meses contados a partir do fato que causou o dano, ou antes de iniciar a ação, se a segunda data é posterior.
30 Nesse sentido: RESPONSABILIDADE CIVIL Ação de indenização por danos materiais e morais Extravio de bagagem Dano material Limitação prevista nas Convenções de Varsóvia e Montreal que não prevalecem, ante a incidência do Código de Defesa do Consumidor Responsabilidade objetiva do transportador Dano moral presumido Prejuízo que decorre do simples fato da relação de consumo caracterizada Sentença mantida. (TJSP; Apelação Cível 0132240-27.2012.8.26.0100; Relator (a): Xx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 16ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/04/2013; Data de Registro: 30/04/2013)
INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS – Extravio da bagagem do autor – As disposições do Código de Defesa do Consumidor prevalecem sobre a Convenção de Varsóvia – Inaplicabilidade da limitação da indenização – Os danos materiais restaram comprovados – O apelante decaiu de parte mínima do pedido, razão pela qual a ré deverá arcar com os ônus da sucumbência – Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível
seja, inadmitindo qualquer limitação ao dever de reparar. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00, especialista do tema, também defendia a preponderância do Código de Defesa do Consumidor perante o sistema de Varsóvia. Segundo o autor:
[...] uma vez caracterizada a antinomia das normas do microssistema consumerista com o sistema de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica, as primeiras preponderam. [...] as regras que concretizam a defesa do consumidor evidenciam campo de aplicação escudado na função e não no objeto, ensejando, destarte, segmentação horizontal, de modo a afastar o critério de especialidade dos diplomas legais aeronáuticos, na medida em que, em sede de relações de consumo, quando restringidos os direitos do consumidor, justamente preponderarão sob este critério, as normas do microssistema mencionado.
Ocorre que em maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal, a partir do RE 636.33132, asseverou que as convenções internacionais têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor, tese reafirmada pelo Superior Tribunal de Justiça em abril de 2018, a partir do REsp 1.341.36433. Assim, a jurisprudência brasileira, atualmente, permite a limitação da responsabilidade civil para os contratos de transporte.
Sem prejuízo da limitação do dever de indenizar em tais contratos, ao estudarmos a jurisprudência, também localizamos outros casos em que se permitiu a validade da cláusula que limita a responsabilidade civil. É o caso, por exemplo, do furto de joias depositadas em instituição financeira, que será estudado à frente.
0115816-07.2012.8.26.0100; Relator (a): Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx ; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/06/2013; Data de Registro: 26/06/2013)
31 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Responsabilidade civil no transporte aéreo. São Paulo: Atlas, 2006, p. 406- 407.
32 “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”, (RE 636331-RJ, Rel. Xxxxxx Xxxxxx, x. 25.05.2017).
33 “Com efeito, e por dever de lealdade intelectual, não se desconhece que, antes do precedente vinculante, notadamente no tocante às relações de consumo, o entendimento que vinha prevalecendo no âmbito desta Corte era diverso, mas se baseava também em argumentos de natureza constitucional, implicitamente afastados pelo STF por ocasião do julgamento, pelo Plenário daquela Casa, do citado RE 636.331 [...] Dessarte, segundo entendo, mesmo em não se tratando de bagagem - isto é, de um conflito em relação de consumo, tal qual o solucionado no mencionado precedente vinculante da Suprema Corte - estando superados os fundamentos de índole constitucional para afastar a aplicação da Convenção de Montreal - e também o reconhecimento da existência de regra de sobredireito constitucional a prestigiar a observância aos tratados acerca de transporte internacional -, é inequívoco que a questão em debate é disciplinada por esse Diploma transnacional.” (REsp 1341364/SP, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 19/04/2018, DJe 05/06/2018).
Reitere-se, que, à exceção de alguns casos (alguns deles que efetivamente, em nossa opinião, contrariam a disposição legal do Código de Defesa do Consumidor), a regra geral estabelecida na Lei 8.078/90 é que, nas relações de consumo, são nulas as limitações ou exclusão da responsabilidade civil.
Todavia, expressamente, o Código de Defesa do Consumidor, admite, na parte final do art. 51, I, a possibilidade de a indenização ser limitada na relação de consumo entre “o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica” em “situações justificáveis”.
Trata-se, como se nota, de conceito aberto e indeterminado que pode trazer certa insegurança na interpretação da lei. Xxxxxx Xxxx Xxxxxx00 comenta o dispositivo:
Não é sempre que a cláusula de limitação de responsabilidade civil nos contratos envolvendo consumidor-pessoa jurídica é lícita. É preciso que o elemento valorativo da norma esteja presente, pois somente em situações justificáveis é que se admite. Fica ao juiz a tarefa de dizer quando é que a situação é justificável, para que se dê eficácia à cláusula limitadora. O caso concreto é que vai ensejar ao magistrado a integração desse conceito jurídico indeterminado. Quando por exemplo, determinada indústria vende um computador de médio para grande porte a consumidor-pessoa jurídica, pode ser que seja razoável estabelecer-se limitação da responsabilidade civil do fornecedor, desde que seja observado o critério de proporcionalidade entre custo- benefício. Havendo desproporção entre as prestações a cargo do fornecedor e do consumidor-pessoa jurídica, não é de ter-se como válida a cláusula limitativa da responsabilidade civil.
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx00, interpreta a expressão ‘situações justificáveis’
[...] como uma condição para a admissibilidade da cláusula que objetive restringir o dever de reparar do consumidor: na linha do que vimos sustentando, a relação entre os contratantes deverá ser de natureza paritária, na qual as partes efetivamente negociaram a inclusão da limitação do dever de indenizar e, por conseguinte, houve uma contraprestação pela sua anuência, mantendo o equilíbrio econômico da relação contratual.
34 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. In: GRINOVER, Xxx Xxxxxxxxxx et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 584.
35 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Cláusulas contratuais excludente e limitativas do dever de indenizar. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 165.
Rizzato Nunes36 estabelece alguns critérios para o conceito das “situações justificáveis”, conferida no art. 51, inciso I, do CDC. Segundo ele, tal expressão pressupõe duas hipóteses para o atingimento de sua finalidade:
(i) que o tipo de operação de venda e compra de produto ou serviço seja especial, fora do padrão regular de consumo;
(ii) que a qualidade do consumidor pessoa jurídica, de sua parte, também justifique uma negociação prévia de cláusula contratual limitadora.
Rizzato Nunes37 admite a possibilidade de limitação da responsabilidade civil para as situações justificáveis, desde que presentes os requisitos acima informados e, ainda, havendo a possibilidade de o consumidor pessoa jurídica ter contrapartidas por abrir mão de parte de seu direito de indenização.
Retornando às relações civis, nos contratos de adesão firmados entre paritários, também não vemos problemas para que as partes estabeleçam a cláusula de limitação ou exoneração da responsabilidade civil. Mas há controvérsia sobre o tema, em razão do texto do art. 424, que assim determina:
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
A questão é saber quais os limites da renúncia antecipada dos direitos do aderente, a considerar a proibição de renúncia de “direito resultante da natureza do negócio”. Qual deve ser a interpretação do art. 424 quando se refere à ‘natureza do negócio’? Nesse sentido, destaquem-se as lições de Custodio da Piedade Xxxxxxxx Xxxxxxx00:
A natureza do contrato, o que o contrato é, sua essência, determina-se pelo seu objeto. Referimo-nos aqui àquilo a que a doutrina conhece por objeto imediato, o conjunto de direitos e obrigações das partes, não tais como se acham por elas expressos no conteúdo de cada contrato em concreto, mas abstratamente regulados na lei para cada tipo contratual, salvo se entender-se por conteúdo, não o que nele está expresso, mas
36 RIZZATO XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 628.
37 RIZZATO XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 629.
38 XXXXXXX, Custodio da Piedade Xxxxxxxx. Comentários ao código civil: dos contratos em geral (arts. 421 a 480). Coord. Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 104-106.
também o que se acha nele implícito, algo que poderá deduzir-se a partir do que nele está expresso, por via da interpretação integrativa, e o que nele poderá incluir-se por via da integração, atividade destinada a suprir as lacunas da regulamentação das partes. [...] Tendo em vista esses conceitos de objeto e causa, deve-se dizer agora que a causa está referida à função econômico-social que cada contrato desempenha como instrumento da autonomia privada, da vida da relação. [...] É evidente que, sendo as cláusulas do contrato pré-formuladas, pode estabelecer-se uma cláusula pela qual aquele que vier a aderir a tal proposta contratual, por meio dessa cláusula, renuncie a um direito seu, não a qualquer direito, mas ao que resulta da natureza do contrato. O conteúdo da proposta, pela qual fica já delineado o tipo contratual de que se trata, dirá qual é essa cláusula de renúncia a direito do aderente, mas a leitura do objeto do contrato, na lei, é que dirá se existe tal proibição [...] Quando a lei se refere à renúncia a um direito resultante da natureza do contrato não pode estar contemplando, obviamente, as chamadas cláusulas essenciais, aquelas sem as quais não existirá o tipo contratual em causa. As cláusulas essenciais são as que caracterizam o próprio tipo contratual. Não obstante, há cláusulas que, embora não sejam essenciais para a caracterização do tipo contratual, todavia são inerentes ao tipo do contrato, podendo dizer-se que resultam da natureza do contrato. [...] Por tudo isso, não seria descabido dizer-se aqui que a ‘natureza do contrato’, a que a lei se refere é um conceito misto, ora determinado na fattispecie legal, ora indeterminado, a ser determinado pelo juiz em cada caso concreto, por forma a dizer quando se está diante de um direito, no contexto de cada contrato, que resulte da sua natureza, em face das circunstâncias concretas do caso a decidir.
Como se nota, segundo Custodio da Piedade Xxxxxxxx Xxxxxxx, a ‘natureza do negócio’ referida no art. 424, do Código Civil, não representa apenas os elementos essenciais do negócio jurídico, mas, também, elementos que, embora pudessem ser reputados como derrogáveis, o seu afastamento não poderia ocorrer, porque seriam inerentes à natureza daquele negócio jurídico. É o caso concreto, portanto, segundo Xxxxxxxx Xxxxxxx, que irá demonstrar quais as possíveis renúncias antecipadas aos contratos de adesão.
Para o objetivo do presente trabalho, resta saber: a limitação prévia do dever de indenização seria, em contratos de adesão, proibida? Xxxxxxx, nesses casos, renúncia antecipada a direito resultante da natureza do negócio? Xxxxxxx Xxxxxxxxx00 enfrentou o tema:
39 XXXXXXXXX, Xxxxxxx. As garantias e a exclusão de responsabilidade. In: . Direito contratual entre a liberdade e proteção dos interesses e outros artigos alemães-lusitanos. Coimbra: Almedina, 2008. p. 138.
[...] pode-se inferir que o ‘direito resultante da natureza do negócio’ para fins do CC 424 compreende seus elementos essenciais e naturais, que juntos permitem caracterizar o tipo de negócio e individualizá-lo na sua entidade concreta. No caso da compra e venda, a natureza comutativa do contrato tem as garantias contra os vícios da evicção e pelos vícios ocultos como elementos naturais, que lhe são próprios e não precisam vir inscritos no contrato; estas garantias têm como finalidade assegurar uma operação economicamente equilibrada. Certamente, estes podem ser afastados pela vontade das partes, mas nos contratos de adesão, esse afastamento não resultaria de uma negociação, mas da imposição unilateral pelo predisponente. Essa é a razão da nulidade cominada à renúncia prévia (disposição) de direito resultante da natureza do negócio; ela alcança tanto os elementos essenciais, quanto naturais ao negócio jurídico pactuado por adesão, do contrário não se alcançaria uma efetiva proteção do aderente. Todavia, o dever de indenizar não parece poder ser considerado como um desses elementos, porque se trata de efeito do incumprimento imputável.
Essa mesma opinião é compartilhada por Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx00 que, concordando com Xxxxxxx Xxxxxxxxx, assevera que o dever de indenizar decorrente do inadimplemento não pode ser qualificado como direito resultante da natureza do negócio, mas efeito comum a todo negócio jurídico. Em adição a tal argumento, o autor41 também aponta que a previsão de cláusula que limita o dever de indenizar não significa renúncia a direito decorrente da natureza do negócio, até porque não é excluída a responsabilidade, mas tão somente definido o limite da indenização42.
Pois bem.
Para além das situações acima narradas, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx00 ainda destaca outros exemplos de cláusulas de limitação de responsabilidade (i) cláusula que altera as regras do ônus da prova; (ii) cláusula que limita o remédio disponível ao credor em caso de inexecução da obrigação pelo devedor, ex: cláusula que proíbe a devolução do bem e desfazimento do contrato em caso de vício redibitório, permitindo, apenas, abatimento do preço.
40 XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 205.
41 XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 207-208.
42 A possibilidade de cláusula de limitação de responsabilidade civil em contrato de adesão no Código Civil também foi defendida por Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Cláusulas de limitação e exoneração de responsabilidade e sua aplicação no direito civil brasileiro. Revista jurídica luso- brasileira. Ano 2 (2016) n. 4. p. 825 e ss.
43 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Cláusulas de limitação e exoneração de responsabilidade e sua aplicação no direito civil brasileiro. Revista jurídica luso-brasileira. Ano 2 (2016) n. 4. p. 811 e ss.
Segundo Xxxxxx Xxxx00 (em obra dos anos 70), com alguma frequência, encontram-se exemplos de contratos civis (muitos deles com cláusulas inválidas) que procuram limitar a responsabilidade. O autor citava como exemplos: (i) compra e venda (a cláusula que exclui a garantia de vícios ocultos) (ii) empreitada (cláusula que afasta o prazo de garantia estabelecido no antigo 1.245 do Código Civil de 191645); (iii) hospedagem (cláusula que limitava o dever de indenizar em caso de avarias nas bagagens); (iv) mandato (cláusula que limita a indenização na hipótese de culpa do mandatário), dentre outros exemplos.
A cláusula de limitação ou exclusão de responsabilidade civil, portanto, vem sendo frequentemente utilizada no âmbito das relações empresariais, civil e até mesmo em contratos de consumo.
4 Requisitos de validade e nulidade das cláusulas de exclusão e limitação de responsabilidade civil
Segundo Xxxx xx Xxxxxx Xxxx00, as cláusulas de não indenizar são sempre válidas desde que não ofendam a ordem pública e os bons costumes. Concordando com Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx00, não seria necessário destacar que a cláusula de não indenizar deve respeitar normas de ordem pública, já que qualquer convenção, independente de seu caráter, será considerada nula se violar tal preceito.
Assim, não há grandes novidades quanto aos requisitos de validade da cláusula de não indenizar. Trata-se de instrumento decorrente da autonomia privada, que não possui requisitos específicos. Contudo, Xxxxx Xxxxx00, em seu trabalho, aparentemente estabelece a necessidade de observância de outros requisitos:
Entendemos que é essencial para a validade das cláusulas contratuais limitativas ou excludentes do dever de indenizar a manutenção do
44 XXXXXX XXXX, Xxxx xx. Cláusula de não indenizar. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 205 e seguintes.
45 Atual 618 do Código Civil.
46 XXXXXX XXXX, Xxxx xx. Cláusula de não indenizar. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 43.
47 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Cláusulas de limitação e exoneração de responsabilidade e sua aplicação no direito civil brasileiro. Revista jurídica luso-brasileira. Ano 2 (2016) n. 4. p. 818.
48 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Cláusulas contratuais excludente e limitativas do dever de indenizar. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 52.
equilíbrio econômico da relação, mediante a verificação de que o credor foi compensado, por meio de alguma vantagem correlata, pelo devedor em contrapartida pela anuência à cláusula de não indenizar [...] Consideramos que somente há espaço para a sua admissibilidade no âmbito das relações paritárias, entendidas estas como as situações nas quais as partes se encontram em reais condições de discutir e, conjuntamente, construir o conteúdo negocial, em um processo equitativo [...] em um contrato negociado, a anuência a uma cláusula de não indenizar não representa uma imposição do polo mais forte da relação, mas sim resultado de uma decisão fundamentada, sendo a sua inclusão compensada, direta ou indiretamente, por alguma vantagem correlata – como, por exemplo, condições financeiras ou negociais mais benéficas aceitas pela contraparte ou, ainda, uma redução no preço do bem adquirido ou serviço a ser prestado. Reflete, portanto, o expresso consentimento das partes.
Como se vê, além da anuência expressa das partes, Xxxxx Xxxxx destaca a necessidade de uma contrapartida49, ou seja, uma vantagem para ‘manter o equilíbrio econômico do contrato’. Com a devida vênia, discordamos da posição do autor. Não parece ser correto presumir que o fato de um determinado contrato conter cláusula que limita o dever de indenizar significa que seja desequilibrado em suas prestações.
Imagine-se, por exemplo, convite a contratar onde determinada empresa se dispõe a prestar serviço considerado arriscado (em que poucas ou nenhuma outra empresa se arrisca), hipótese em que, dado o elevado grau de risco, reserva-se no direito de indenizar o contratante no limite de um milhão de reais. Não há, nesse caso, nenhuma contrapartida à parte contrária, mas, apenas, o fato de que o contratante reconhece os riscos envolvidos e, portanto, concorda com as condições do contrato. Em resumo, não nos parece que o ordenamento tenha estabelecido a necessidade de tal contrapartida como requisito de validade da cláusula.
Concordamos, portanto, com as palavras de Xxxx Xxxx Xxxxxx Neto50 que também discorda da contraprestação como requisito de validade da cláusula:
49 Esse mesmo requisito também foi observado por Xxxxxxx Xxxxx, mas quando se referiu à possibilidade de cláusula de limitação de responsabilidade em relação de consumo (contrato firmado entre pessoa jurídica e em situações justificáveis). XXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. x. 000.
00 XXXXXX NETO, José Luiz. A validade da cláusula de limitação de responsabilidade no direito privado e, em especial, no contrato de transporte de carga. Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014. p. 177. Disponível em: <xxxxx://xxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxxx/0/0000/xxx-00000000-000000/xx-xx.xxx>. Acesso em
Presume-se que as partes, ao celebrarem o contrato, avaliaram a massa de utilidade e desutilidades contratuais incorridas para cada uma delas e concluíram que o saldo era positivo, ou seja, que tinham mais a ganhar celebrando o contrato do que não celebrando. Presume-se, portanto, que o credor, ao celebrar contrato que contém cláusula de limitação de responsabilidade do devedor, considera que as utilidades econômicas auferidas em razão do contrato, consideradas em conjunto, superam e remuneram adequadamente as desutilidades econômicas incorridas em razão do contrato, inclusive as desutilidades decorrentes da cláusula de limitação de responsabilidade. Não é possível identificar em um contrato, para cada disposição favorável a uma das partes, qual foi o benefício correspondente à outra parte. Não se trata apenas de uma impossibilidade prática, mas também de uma impossibilidade teórica. O contrato, tal qual celebrado, corresponde ao arranjo econômico final verdadeiramente anuído e querido pelas partes. Até o derradeiro momento de sua celebração, as partes podem reconsiderar quaisquer posições até então assumidas e exigir novas concessões uma da outra – ressalvada a eventual responsabilidade por ruptura abusiva das tratativas em violação à boa-fé objetiva. [...] Ou seja, tendo as partes a liberdade de alterarem as posições assumidas até o momento da celebração do contrato, é teoricamente impossível se afirmar que qualquer disposição não teve a contrapartida no contrato. Do mesmo modo, não há razão para se afirmar que a validade da cláusula de limitação de responsabilidade dependeria da reciprocidade da limitação. As partes, em razão de suas diferentes circunstâncias, podem ter razões para estipularem extensões de responsabilidade distintas, penalidades em valores distintos, prazos distintos para cumprimento de suas obrigações, prerrogativas distintas, etc.
Pois bem. Tendo sido verificada a possiblidade de previsão de cláusulas que limitam a indenização e seus requisitos de validade, há necessidade de entenderemos quais os seus limites, ou seja, as situações que, eventualmente, podem vir a invalidar tais cláusulas.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx00, em parecer a respeito do tema, assevera que a cláusula de não indenizar, que se constitui numa transação sobre os riscos, ora é válida, ora é nula, dependendo de alguns requisitos e circunstâncias. Segundo o Autor:
São nulas as cláusulas de não-indenizar que: a) exonerem o agente, em caso de dolo52; (ii) vão diretamente contra norma cogente – às vezes,
51 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Cláusula cruzada de não indenizar (cross-waiver of liability), ou cláusula de não indenizar com eficácia para ambos os contratantes. In: . Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 201.
52 Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx, no referido artigo, ressalva que a culpa grave é equiparada ao dolo e, portanto, a limitação da responsabilidade civil não poderia ocorrer em tal situação. Ainda a respeito do dolo, Xxx Xxxxx, citada por Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx, afirma “O que o que é inadmissível não é incumprir, mas, sim, fazê-lo dolosamente: o que a ordem jurídica tutela prioritariamente é uma certa forma de conduta e fá-lo punindo todas aquelas que lhe são desconformes. O devedor não pode, pois, reservar-se
dita de ordem pública; (iii) isentem de indenização o contratante, em caso de inadimplemento da obrigação principal; (iv) interessem diretamente à vida e à integridade física das pessoas naturais.
Ao justificar tais limitações, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx00 assevera:
Admitir a validade das primeiras (dolo) seria dar uma autorização para delinquir; a nulidade das segundas (norma cogente) resulta dos incisos II e V, do art. 145 do Código Civil54; dar eficácia às cláusulas da terceira hipótese (inadimplemento da obrigação principal) tornaria o contrato um negócio jurídico abusivo, pois a cláusula faria com que o contratante, por ela beneficiado, somente cumprisse sua principal obrigação se quisesse (haveria desrespeito à proibição das condições puramente potestativas – art. 115, in fine, do CC55); a nulidade das últimas (vida e integridade física das pessoas), finalmente, a nosso ver, resulta da Constituição da República, porque tais cláusulas ferem o princípio maior do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, combinado com o art. 5º, caput, ambos da Constituição da República).
As limitações e justificativas de Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx, em nossa opinião, estão corretas, sem prejuízo de alguns autores que acreditam que os referidos limites também devem ser analisados à luz do caso concreto56. Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx00, por exemplo, discorda que em todos os casos as partes não podem estabelecer cláusula de exclusão ou limitação da responsabilidade civil quando não cumprida a obrigação principal.
o direito de atuar dolosamente. E o credor não pode, por seu lado, prescindir de um interesse de sanção, que não se destina a salvar o seu interesse, mas o interesse social de repressão e prevenção de condutas intencionais ilícitas”. XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Cláusula cruzada de não indenizar (cross-waiver of liability), ou cláusula de não indenizar com eficácia para ambos os contratantes. In: . Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 202.
53 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Cláusula cruzada de não indenizar (cross-waiver of liability), ou cláusula de não indenizar com eficácia para ambos os contratantes. In: . Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 201.
54 Atual 166, II e VII, do Código Civil.
55 Atual art. 122, do Código Civil.
56 É o caso de Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx que, por exemplo, discorda que em todos os casos as partes não podem estabelecer cláusula de exclusão ou limitação da responsabilidade civil quando não cumprida a obrigação principal (XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Cláusulas de exoneração e de limitação de responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 252-256).
5 Cláusulas contratuais de limitação ou exoneração da responsabilidade civil na jurisprudência
Selecionamos, ao final, situações em que o uso de cláusula de limitação da responsabilidade civil implicou questões controversas na jurisprudência.
a. Cláusula de limitação de responsabilidade em caso de roubo ou furto de bens depositados em cofre de agência bancária
Comecemos pela cláusula que limita o valor da indenização para roubo de cofres em agências bancárias. Em caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, consumidores alegaram que o roubo de joias e dinheiro lhes trouxe prejuízos em aproximadamente seiscentos mil dólares e, portanto, postularam ação indenizatória.
Em sua defesa, a instituição financeira rechaçou a pretensão dos consumidores, aduzindo que o contrato teria cláusula que veda o uso de cofre para guarda de dinheiro e joias. Foi reconhecida a licitude da cláusula que impede o consumidor depositar no cofre dinheiro ou joias, tendo sido a ação proposta pelos consumidores julgada improcedente58.
58 “RECURSO ESPECIAL - CONTRATO DE ALUGUEL DE COFRE - ROUBO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - CLÁUSULA LIMITATIVA DE USO - ABUSIVIDADE - INEXISTÊNCIA - DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DOS DIREITOS E DEVERES DAS PARTES CONTRATANTES - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I - Os eventos "roubo" ou "furto", ocorrências absolutamente previsíveis, a considerar os vultosos valores mantidos sob a guarda da instituição financeira, que assume profissionalmente todos os riscos inerentes à atividade bancária, não consubstanciam hipóteses de força maior, mantendo-se, por conseguinte, incólume o nexo de causalidade existente entre a conduta negligente do banco e o prejuízo suportado por seu cliente; II - A cláusula limitativa de uso, assim compreendida como sendo aquela que determina quais seriam os objetos que poderiam (ou não) ser armazenados e sobre os quais recairiam (ou não) a obrigação (indireta) de segurança e proteção, não se confunde com a cláusula que exclui a responsabilidade da instituição financeira anteriormente mencionada. III - O contrato, ao limitar o uso do receptáculo posto à disposição do cliente, preceitua que a instituição financeira tem por obrigação zelar pela segurança e incolumidade do receptáculo posto à disposição do cliente, devendo ressarci-lo, na hipótese de roubo ou de furto, os prejuízos referentes aos bens subtraídos que, por contrato, poderiam encontrar-se no interior do compartimento. Sobre os bens, indevidamente armazenados, segundo o contrato, não há dever de proteção, já que refoge, inclusive, do risco profissional assumido; IV - O Banco não tem acesso (nem ciência) sobre o que é efetivamente armazenado, não podendo impedir, por conseguinte, que o cliente infrinja os termos contratados e insira, no interior do cofre, objeto sobre o qual, por cláusula contratual (limitativa de uso), o banco não se comprometeu a, indiretamente, proteger. É de se ponderar, contudo, que, se o cliente assim proceder, deve arcar com as conseqüências de eventuais perdas decorrentes de roubo ou furto dos objetos não protegidos, não havendo falar, nesse caso, em inadimplemento contratual por parte da instituição financeira. Aliás, o inadimplemento contratual é do cliente que inseriu objeto sobre o qual recaía expressa vedação de guarda; V - Recurso Especial improvido. (REsp 1163137/SP, Rel. Ministro XXXXXXX XXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 03/02/2011).
Em outro caso, discutiu-se a validade da limitação da responsabilidade civil em contrato que também constava cláusula proibindo o consumidor de armazenar bens com valor superior a quinze mil reais (aduzindo a necessidade de contratação de seguro específico se o bem depositado tivesse valor superior).
Embora a sentença tenha declarado referida cláusula nula, condenando a instituição financeira ao pagamento de quatrocentos mil reais, o Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao recurso intentado pela instituição financeira.
Segundo o julgado59
[...] indevidamente armazenados bens de vultosos valores sem o conhecimento do banco, não há dever de proteção e de segurança. Foram infringidos os termos contratados e o réu não pode responder por aquilo que não se comprometeu a proteger. O inadimplemento contratual é atribuível diretamente ao cliente que, sem o conhecimento do apelante, inseriu no cofre objeto sobre o qual recaia expressa vedação de guarda.
Embora minoritários, há julgados em sentido contrário, ou sejam que reputam abusiva a cláusula que limita o uso ou a indenização em caso de roubo ou furto de cofre em agência bancária.
59 Destaca-se, ainda, do julgado: “Não há afronta ao CDC (arts. 1º, 25 e 51, I), uma vez que a cláusula limitativa de uso contratada a fls. 28/29 do presente, assim compreendida como sendo aquela que determina quais seriam os objetos que poderiam (ou não) ser armazenados e sobre os quais recairiam (ou não) a obrigação de segurança e proteção, não se confunde com a cláusula que exclui, impossibilita ou atenua a responsabilidade da instituição financeira”.
“Responsabilidade civil – Indenizatória de danos materiais e morais – Legitimidade de partes – Validade da prova documental e oral – Contrato de aluguel de cofre – Roubo na agência bancária – Responsabilidade objetiva – Cláusula limitativa de uso – Abusividade inexistente – Danos materiais fixados na locação e adimplidos pelo banco – Incabíveis valores superiores ao limite contratual – Danos morais caracterizados – Mantido arbitramento da sentença, sem recurso dos autores – Agravos retidos rejeitados – Provido parcialmente apelo da instituição financeira. (TJSP; Apelação Cível 0149815-48.2012.8.26.0100; Relator (a): Jovino de Sylos; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 36ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/08/2017; Data de Registro: 27/09/2017).
No mesmo sentido: Apelação. Bancário. Responsabilidade civil. Ação de cobrança. Contrato de locação de cofre para uso particular. Roubo de cofre bancário. Cláusula limitativa da indenização. Admissibilidade. Princípio 'pacta sunt servanda' que deve ser observado. Contrato formalizado ante o consentimento das partes. Adesão feita de forma livre e consciente. Autores tinham ciência do limite e não poderiam requerer o pagamento de indenização referente aos bens com valores superiores e não declarados e sobre os quais o Banco não havia se comprometido a, indiretamente, proteger. Precedente do TJSP. Cláusula válida. Abusividade não caracterizada. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 1002980-79.2014.8.26.0011; Relator (a): Xxxx Xxxxxxx Xxxxx; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 34ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/04/2018; Data de Registro: 13/04/2018)
Em julgado também proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo60, foi entendida abusiva cláusula que limita o tipo de bem a ser depositado no cofre, porque “não soa razoável nem compatível para quem oferece o serviço de cofre, em que, usualmente, são guardados objetos de valor elevado”.
Em nossa pesquisa, contudo, verificamos que tem prevalecido o entendimento de que “nos contratos de aluguel de cofre, não é abusiva a cláusula que impõe limite aos valores e objetos que podem ser armazenados, sobre os quais incidirá a obrigação de segurança e proteção61”.
b. Cláusula de limitação de responsabilidade em caso de roubo ou furto de bens empenhados em instituição financeira
É curioso notar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é diametralmente oposta para a situação que é bastante próxima da verificada acima, ou seja, quando bens de valor estão empenhados como garantia para contratos bancários.
60 INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS – ROUBO DE COFRE BANCÁRIO – Relação de consumo
– Autoras que xxxxxxxxx contrato com o banco para guarda de joias de família – Contrato bancário atípico, de natureza mista, que impõe uma obrigação de resultado, qual seja, a de resguardar a integridade e quantidade dos bens que foram confiados à instituição financeira - Cláusula limitativa de uso, que se mostra abusiva, notadamente porque o valor de R$ 15.000,00, previsto no contrato, não soa razoável nem compatível para quem oferece o serviço de cofre, em que, usualmente, são guardados objetos de valor elevado – Abusividade da cláusula, na medida em que atenua a responsabilidade do fornecedor, ofende a boa-fé objetiva e coloca o consumidor em desvantagem exagerada (art. 25, c.c. art. 51, I e IV, CPC) - Nulidade da cláusula - Dever do banco réu de indenizar os consumidores, não só em razão do risco de sua atividade econômica, mas também pela responsabilidade civil objetiva disciplinada pelo art. 14, § 3º, inciso II, do CDC – Valor dos bens estimado pela perícia – Ausência de contraprova do banco, presumindo-se a boa-fé dos usuários com relação aos bens relacionados, até porque o banco não exigiu qualquer declaração no momento da contratação – Restituição devida – RECURSO DAS AUTORAS PARCIALMENTE PROVIDO E RECURSO DO RÉU DESPROVIDO NESTE TÓPICO. XXXXX XXXXXX – ROUBO DE COFRE BANCÁRIO – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – Danos
morais decorrentes da frustração e desolação pela perda de joias de família – Valor da indenização fixada em R$ 10.000,00 para cada uma das autoras, que se mostra razoável e adequado ao caso concreto – Precedentes deste e. TJSP – Sentença mantida neste tópico – RECURSOS DESPROVIDOS NESTE TÓPICO. (TJSP; Apelação Cível 0145250-41.2012.8.26.0100; Relator (a): Xxxxxx Xxxxxxx; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 27ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/07/2016; Data de Registro: 05/09/2016)
61 PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/73. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE ALUGUEL DE COFRE. CLÁUSULA LIMITATIVA. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. 1. Se as questões trazidas à
discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, obscuridades ou contradições, deve ser afastada a alegada ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil de 1973. 2. Nos contratos de aluguel de cofre, não é abusiva a cláusula que impõe limite aos valores e objetos que podem ser armazenados, sobre os quais incidirá a obrigação de segurança e proteção. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 772.822/SP, Rel. Ministra XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 30/08/2018, DJe 11/09/2018).
Nas hipóteses em que joias estão depositadas como garantia na celebração de contrato de penhor, o Superior Tribunal de Justiça, com fundamento no art. 51, inciso I, do CDC, reconhece abusiva a cláusula que limita a obrigação de indenizar em caso de furto ou roubo:
DIREITO CIVIL. PENHOR. DANOS MORAIS E MATERIAIS. ROUBO/FURTO DE XXXXX XXXXXXXXXX. CONTRATO DE SEGURO. DIREITO DO CONSUMIDOR. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. CLÁUSULA ABUSIVA. AUSÊNCIA DE INDÍCIO DE FRAUDE POR PARTE DA
DEPOSITANTE. I - O contrato de penhor traz embutido o de depósito do bem e, por conseguinte, a obrigação acessória do credor pignoratício de devolver esse bem após o pagamento do mútuo. II - Nos termos do artigo 51, I, da Lei 8.078/90, são abusivas e, portanto, nulas, as cláusulas que de alguma forma exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios no fornecimento do produto ou do serviço, mesmo que o consumidor as tenha pactuado livre e conscientemente. III - Inexistente o menor indício de alegação de fraude ou abusividade de valores por parte da depositante, reconhece-se o dever de ressarcimento integral pelos prejuízos morais e materiais experimentados pela falha na prestação do serviço. IV - Na hipótese dos autos, em que o credor pignoratício é um banco e o bem ficou depositado em cofre desse mesmo banco, não é possível admitir o furto ou o roubo como causas excludentes do dever de indenizar. Há de se levar em conta a natureza específica da empresa explorada pela instituição financeira, de modo a considerar esse tipo de evento, como um fortuito interno, inerente à própria atividade, incapaz de afastar, portanto, a responsabilidade do depositário. Recurso Especial provido”. (REsp 1.133.111/PR, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2009, DJe 05/11/2009)62.
62 No mesmo sentido: “CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PENHOR. JOIAS. FURTO. FORTUITO INTERNO. RECONHECIMENTO DE ABUSO DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE LIMITA O VALOR DA INDENIZAÇÃO EM FACE DE EXTRAVIO DOS BENS EMPENHADOS. VIOLAÇÃO AO ART. 51, I, DO CDC. OCORRÊNCIA DE DANOS MATERIAIS E
MORAIS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. No contrato de penhor é notória a hipossuficiência do consumidor, pois este, necessitando de empréstimo, apenas adere a um contrato cujas cláusulas são inegociáveis, submetendo-se à avaliação unilateral realizada pela instituição financeira. Nesse contexto, deve-se reconhecer a violação ao art. 51, I, do CDC, pois mostra-se abusiva a cláusula contratual que limita, em uma vez e meia o valor da avaliação, a indenização devida no caso de extravio, furto ou roubo das joias que deveriam estar sob a segura guarda da recorrida. 2. O consumidor que opta pelo penhor assim o faz pretendendo receber o bem de volta, e, para tanto, confia que o mutuante o guardará pelo prazo ajustado. Se a joia empenhada fosse para o proprietário um bem qualquer, sem valor sentimental, provavelmente o consumidor optaria pela venda da joia, pois, certamente, obteria um valor maior. 3. Anulada a cláusula que limita o valor da indenização, o quantum a título de danos materiais e morais deve ser estabelecido conforme as peculiaridades do caso, sempre com observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 4. Recurso especial provido. (REsp 1155395/PR, Rel. Ministro XXXX XXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 29/10/2013)”.
Destaque-se, ainda, que essa questão restou sumulada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça ao editar a Súmula 638: “É abusiva a cláusula contratual que restringe a responsabilidade de instituição financeira pelos danos decorrentes de roubo, furto ou extravio de bem entregue em garantia no âmbito de contrato de penhor civil.”
De fato, sendo as joias depositadas em favor da instituição financeira e, portanto, para garantia de obrigação do mutuário, não é defensável imaginar que o consumidor deveria responder pelos danos sofridos.
c. Cláusula de exoneração de responsabilidade civil do Condomínio perante danos sofridos pelos moradores no interior do imóvel
Também é bastante comum que condomínios edilícios disponham em suas convenções a cláusula que exonera (ou limita) a responsabilidade para as hipóteses em que os moradores sofram danos, sejam eles decorrentes de furto ou roubo nas unidades autônomas ou mesmo danos causados nos veículos (além de outras hipóteses).
Essa cláusula tem sido comumente aceita na jurisprudência. Em voto proferido pelo Des. Xxxxxxx Xxxx, do Tribunal de Justiça de São Paulo63, destacou-se:
Não se há olvidar que a relação jurídica entre o condomínio e seus condôminos é essencialmente privada, de natureza contratual, onde prevalece a liberdade e autonomia de vontade, tendo as partes livre disposição na regulação de seus interesses comuns, podendo instituir entre eles cláusula de não indenizar, de modo a eximir todos os integrantes do condomínio, reciprocamente, da obrigação de ressarcir qualquer um deles em casos de prejuízos causados por furtos ocorridos no imóvel. A cláusula de irresponsabilidade, nas circunstâncias, não se qualifica como uma supressão de uma obrigação legal do dever de indenizar, feita unilateralmente pelo devedor da obrigação, não se tratando, por conseguinte, de recusa do dever de indenizar, hipótese
63 Não prevaleceu, contudo, o voto do des. Xxxxxxx Xxxx porque, no caso em apreço, foi entendido que houve culpa grave do funcionário do condomínio: “Condomínio edilício – Ação de indenização por danos morais – Furto qualificado, ocorrido no interior da unidade autônoma – Demanda de condôminos em face de condomínio – Sentença de procedência – Manutenção do julgado – Cabimento – Regimento interno do condomínio que prevê a ausência de responsabilidade em caso de furtos – Irrelevância, na hipótese – Culpa grave do preposto do condomínio, que autorizou a entrada de indivíduos estranhos, responsáveis pelo arrombamento do apartamento dos autores e pela subtração dos bens que o guarneciam – Suficiente comprovação – Culpa 'in eligendo' - Inteligência ao art. 932, do CC, e da Súmula 341, do STF. Apelo do réu desprovido”. (TJSP; Apelação Cível 1004291-61.2017.8.26.0606; Relator (a): Xxxxxx Xxxxx; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Suzano - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/06/2018; Data de Registro: 04/07/2018).
que, aí sim, poderia ensejar reconhecimento de sua ilicitude. No caso presente, são os próprios potenciais credores, vale dizer, os eventuais titulares de um direito que resolvem, mediante emanação livre e autônoma da vontade, renunciar mutuamente, em proveito de todos, o direito à indenização. Não se confundir recusa do dever de indenizar com renúncia do direito disponível de ser indenizado.
O Superior Tribunal de Justiça também reafirma a autonomia privada nas relações entre condôminos, reputando lícita a cláusula. Destaque-se trecho do REsp 168.34664:
[...] se os condôminos livremente pactuaram que não responderia o condomínio pelos danos causados nos veículos, não há como fazer tábula rasa da cláusula para admitir que a existência de aparato de segurança configura o dever de guarda para efeito de impor a indenização. O direito à indenização é um direito disponível, que está, portanto, ao alcance da convenção, não sendo possível ao Poder Judiciário substituir-se à vontade dos condôminos [...] a simples existência de cláusula de não indenizar é suficiente para afastar a obrigação, pouco importando que mantenha ou não, o condomínio sistema próprio de segurança. Existente, ou não, a segurança, não cabe ao condomínio responder pelos danos causados ao veículo se a convenção contém cláusula de não indenizar.
A cláusula que limita a responsabilização do Condomínio traz maior segurança aos moradores porque reduz o risco de que as condenações sejam repartidas entre os condôminos. A cláusula, contudo, não pode ser aplicada para todas as hipóteses. Havendo culpa grave de funcionário que, por exemplo, autorizou entrada de assaltantes no edifício, ainda que a cláusula conste da convenção, poderá haver o dever de reparar65.
64 “Condomínio. Furto de veículo. Cláusula de não indenizar. 1. Estabelecendo a Convenção cláusula de não indenizar, não há como impor a responsabilidade do condomínio, ainda que exista esquema de segurança e vigilância, que não desqualifica a força da regra livremente pactuada pelos condôminos. 2. Recurso especial conhecido e provido”. (REsp 168.346/SP, Rel. Ministro XXXXXXXX XXXXXXX, Rel. p/ Acórdão Ministro XXXXXX XXXXXXX XXXXXXX DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/05/1999, DJ 06/09/1999, p. 80).
65 RESPONSABILIDADE CIVIL - CONDOMÍNIO - FURTO DE BENS NO INTERIOR DE APARTAMENTO - CONVENÇÃO CONDOMINIAL COM CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR - IRRELEVÂNCIA. NA ESPÉCIE. PORQUE PROVADA A CULPA DE PREPOSTO. Agravo retido com questionamento sobre falta de qualificação de testemunhas - Qualificação suficiente para propiciar eventual contradita, que todavia não foi apresentada no momento oportuno. Apelação que se apega à cláusula de não indenizar - Cláusula válida, em princípio - Todavia, no caso. caracterizado ato culposo do porteiro, que permite o ingresso de estranhas ao interior do Condomínio, torna-se irrelevante a cláusula convencional de não indenizar, pois "é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto" (Súmula 341-STF). - Agravo retido c apelação desprovidos. (TJSP; Apelação Cível 9102525- 68.2004.8.26.0000; Relator (a): Xxxxxx Xxxx; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 3ª V.CÍVEL; Data do Julgamento: 03/03/2010; Data de Registro: 19/03/2010)
d. Cláusula que exonera o dever de indenizar em contrato de seguro
Também é bastante frequente a cláusula que exonera a responsabilidade da seguradora quando inobservadas, pelo segurado, algumas condições. Em determinado caso, as partes firmaram contrato de seguro contra incêndio, mas estabeleceu-se a exclusão da responsabilidade para os bens que se encontravam ao “ar livre”.
O Tribunal de São Paulo66 reconheceu a licitude da cláusula e a exoneração da indenização porque:
[...] contrato de seguro contém expressa e destacada cláusula de exclusão quanto ao sinistro ocorrido, não se considerando abusiva ou obscura a disposição contratual [...]. Não se trata daquelas situações em que o conteúdo mínimo do contrato estaria sendo esvaziado indevidamente por meio de cláusulas de exclusão. Aqui o que se percebe é a exclusão de certos riscos, o que é perfeitamente normal em contrato de seguro.
Já em outro caso, agora julgado pelo Superior Tribunal de Justiça67, discutiu-se a responsabilidade da seguradora de pagar indenização decorrente de seguro de vida à
66 Apelação - Seguro empresarial - Incêndio na fábrica segurada atingindo mercadorias produzidas que se encontravam em pátio externo, ao ar livre – Cláusula de exclusão de indenização de bens nesta condição constante da própria apólice (condições especiais), com destaque – Validade – Dever de informação cumprido – Inexistência de hipossuficiência da segurada – Disposição contratual que não implica esvaziamento do contrato de seguro, apenas limitação de riscos. Sentença de improcedência. Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 0002081-52.2012.8.26.0146; Relator (a): Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cordeirópolis - Vara Única; Data do Julgamento: 01/08/2017; Data de Registro: 01/08/2017)
67 DIREITO CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. ACIDENTE PESSOAL. ESTADO DE EMBRIAGUEZ. FALECIMENTO DO SEGURADO. RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA. IMPOSSIBILIDADE DE ELISÃO. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO-COMPROVADO. PROVA DO TEOR ALCOÓLICO E SINISTRO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. CLÁUSULA LIBERATÓRIA DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. ARTS. 1.454 E 1.456 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. 1. A simples
relação entre o estado de embriaguez e a queda fatal, como única forma razoável de explicar o evento, não se mostra, por si só, suficiente para elidir a responsabilidade da seguradora, com a consequente exoneração de pagamento da indenização prevista no contrato. 2. A legitimidade de recusa ao pagamento do seguro requer a comprovação de que houve voluntário e consciente agravamento do risco por parte do segurado, revestindo-se seu ato condição determinante na configuração do sinistro, para efeito de dar ensejo à perda da cobertura securitária, porquanto não basta a presença de ajuste contratual prevendo que a embriaguez exclui a cobertura do seguro. 3. Destinando-se o seguro a cobrir os danos advindos de possíveis acidentes, geralmente oriundos de atos dos próprios segurados, nos seus normais e corriqueiros afazeres do dia-a-dia, a prova do teor alcoólico na concentração de sangue não se mostra suficiente para se situar como nexo de causalidade com o dano sofrido, notadamente por não exercer influência o álcool com idêntico grau de intensidade nos indivíduos. 4. A culpa do segurado, para efeito de caracterizar desrespeito ao contrato, com prevalecimento da cláusula liberatória da obrigação de indenizar prevista na apólice, exige a plena demonstração de intencional conduta do segurado para agravar o risco objeto do contrato, devendo o juiz, na aplicação do art. 1.454 do Código Civil de 1916, observar critérios de equidade, atentando-se para as reais circunstâncias que envolvem o caso (art. 1.456 do mesmo diploma). 5. Recurso especial provido.
xxxxxxxx que faleceu decorrente de acidente pessoal (queda de escada em residência), mas que comprovadamente encontrava-se embriagada no momento do acidente (2,7 g/l de álcool etílico na concentração do sangue).
A ação foi julgada procedente no primeiro grau para condenar a empresa seguradora ao pagamento da indenização. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por seu turno, excluiu a responsabilidade da seguradora, sob o argumento de que
a notícia de que a segurada ingeria habitualmente bebidas alcóolicas e a evidência de que efetivamente se encontrava embriagada no momento do fato, permitem reconhecer a ocorrência de comportamento que implicou em agravamento do risco, a determinar a perda do direito ao seguro, dado o surgimento de um fator de desequilíbrio do contrato.
Em acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, a seguradora, com fundamento no art. 768 do Código Civil, acabou novamente sendo condenada. Segundo o julgado:
Destinando-se o seguro a cobrir os danos advindos de possíveis acidentes, geralmente oriundos de atos dos próprios segurados, nos seus normais e corriqueiros afazeres do dia-a-dia, a prova do teor alcóolico na concentração de sangue não se mostra suficiente para se situar como nexo de causalidade com o dano sofrido, notadamente por não exercer influência o álcool com idêntico grau de intensidade nos indivíduos, como restou consignado no voto divergente exarado no julgamento da apelação.
Como se nota, embora o contrato dispusesse de cláusula de exoneração e apesar de o Tribunal ter reconhecido a sua licitude, entendeu-se que não restou comprovado que a embriaguez foi a causa do acidente e, portanto, a seguradora acabou sendo condenada.
Discordamos do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça porque, efetivamente, altera-se o pacto acordado pelas partes, elevando, sensivelmente, o risco do contrato à seguradora. Ainda que não tenha sido comprovado que a ingestão da bebida alcóolica foi a causa do acidente, o objetivo da cláusula de exoneração de responsabilidade é justamente excepcionar a responsabilidade da seguradora para tal
(REsp 780.757/SP, Rel. Ministro XXXX XXXXXX XX XXXXXXX, QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 14/12/2009)
hipótese porque, sabe-se, os acidentes domésticos (ou qualquer acidente) podem ocorrer com maior frequência nos casos de a vítima estar alcoolizada.
De todo modo, não obstante nossa discordância, o Superior Tribunal de Justiça, em 2018, editou a Súmula 620 que dispõe que “a embriaguez do segurado não exime a seguradora do pagamento da indenização prevista em contrato de seguro de vida”.
Para o seguro de danos (e não seguro de vida) como, por exemplo, o seguro veicular, há julgados que reconhecem que a ingestão de bebida alcóolica é hipótese de agravamento do risco, fato que exonera a responsabilidade68.
CONCLUSÃO
A cláusula de exoneração ou limitação da responsabilidade civil, embora não tenha regra geral prevista no Código Civil, é plenamente admitida em nosso ordenamento, desde que não ultrapassados os limites já estudados nesse breve artigo.
Como instrumento de alocação dos riscos, a cláusula de limitação ou exoneração da responsabilidade permite às partes fixarem os limites e a álea normal do contrato.
68 “Seguro facultativo. Ação de cobrança de indenização de seguro veicular por sinistro ocorrido. Estado de sonolência e ingestão de bebida alcóolica da segurada constatados por ocasião do acidente. Negativa de indenização pela seguradora. Provas dos autos indicativas de que o estado de sonolência causado pela ingestão de bebida alcóolica em conjunto com remédio anti-histamínico do condutor do veículo segurado agravou o risco para o acontecimento do sinistro noticiado, o que permitiu à seguradora negar a indenização, seja pelas cláusulas contratuais, seja pelo disposto no art. 768 do CCivil/02. Ação improcedente. Apelo provido”. (TJSP; Apelação Cível 1028570-48.2015.8.26.0100; Relator (a): Xxxxxx Xxxxxx; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 40ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/09/2019; Data de Registro: 26/09/2019).
No mesmo sentido: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE AUTOMÓVEL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ DO SEGURADO. CAUSA DETERMINANTE DO ACIDENTE. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. NEGATIVA DE COBERTURA.
POSSIBILIDADE. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC/73 quando o Tribunal de origem decide integralmente a questão apresentada ao debate, embora não adote a tese apresentada pelo recorrente. 2. Com base na prova dos autos, o acórdão recorrido concluiu que o estado de embriaguez do segurado foi a causa determinante para a ocorrência do acidente. Conclusão diversa demandaria o reexame do substrato fático-probatório dos autos, providência vedada no âmbito estreito do recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7 do STJ. 3. Há ofensa ao princípio da boa-fé contratual, quando o segurado assume direção de automóvel, após ingestão de bebida alcoólica. Constatado que o condutor do veículo estava sob influência de álcool, a recusa em submeter-se ao exame de alcoolemia não enseja o afastamento da penalidade prevista no art. 768 do Código Civil. Precedentes. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1121499/ES, Rel. Ministro XXXXXX XXXXXXXXX (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 20/09/2018, DJe 26/09/2018).
Trata-se, portanto, de relevante instrumento de afirmação do princípio da autonomia privada e da liberdade contratual69.
Para nós, a complexidade das relações humanas e contratuais tornará o uso da cláusula de exoneração ou limitação de responsabilidade civil cada vez mais frequente. Ainda há questões que merecem maiores reflexões a respeito da cláusula em estudo e, portanto, esperamos que outros trabalhos possam tratar desse instituto.
Assim, ainda resta saber, por exemplo, se o ordenamento civil permitirá que os contratantes limitem ou exonerem a responsabilidade em circunstâncias em que pode haver danos à pessoa. Embora tenha sido estudado que havendo danos à pessoa, a cláusula de limitação de responsabilidade pode ser considerada nula, interessa investigar se tal assertiva pode ser diferente para situações complexas. Como exemplo, indaga-se: poderiam as partes firmar a cláusula para atividades de risco (lutas ou corridas de automóvel) ou para tratamentos experimentais conscientemente aceitos? São questões sobre as quais certamente a doutrina ainda irá se debruçar.
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69 A respeito da liberdade contratual, referiu-se Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxx: “[...] o que cumpre reafirmar é a necessidade de que se tenha claramente, como ideia fundamental ligada à noção de contrato, a imagem de sua função realmente precípua, como instrumento da liberdade de iniciativa econômica, da liberdade de agir segundo os ditames do mercado, fazendo circular a riqueza e assim expressando esta forma de expressão da liberdade dos indivíduos”. XXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. As novas figuras contratuais e a autonomia da vontade. Revista da Faculdade de Direito da USP. v. 91, 1996. Disponível em: xxxx://xxxxxx.xxx.xx/xxxxxx00.xxx. Acesso em 02 dez. 2019.
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