Faculdade de Direito – Universidade Nova de Lisboa Ano letivo 2017/2018
Faculdade de Direito – Universidade Nova de Lisboa Ano letivo 2017/2018
4º ano -‐ 2º semestre
Professor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx
1. INTRODUÇÃO 4
1.1. A sociedade-‐entidade e a sociedade-‐contrato 5
1.2. Os sentidos da expressão “contrato de sociedade” 5
1.3. A DIVERSIDADE DOS TIPOS DE SOCIEDADES 6
1.4. A SOCIEDADE CIVIL E A SOCIEDADE COMERCIAL 7
1.5. O CONCEITO DE SOCIEDADE ENQUANTO CONTRATO 7
1.6. Sociedade e atividade económica 8
1.7. Sociedade e personalidade jurídica 9
1.8. A SOCIEDADE NO PANORAMA DAS PESSOAS COLETIVAS 9
1.9. A ORGANIZAÇÃO DA PESSOA COLETIVA SOCIEDADES COMERCIAIS 10
1.10. Os atores e outros intervenientes da pessoa coletiva 10
1.10.1. Os sócios 11
1.10.2. Os titulares dos órgãos de administração, fiscalização e supervisão 12
1.10.3. Os credores 12
1.10.4. Os trabalhadores 13
1.10.5. A comunidade 13
1.11. A EXISTÊNCIA DE UM INTERESSE PRÓPRIO DA SOCIEDADE 13
1.12. A AUTONOMIA PATRIMONIAL E A LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE 14
2. AS FONTES NORMATIVAS DO DIREITO DAS SOCIEDADES 15
2.1. A relevância do Direito da União Europeia em direito das sociedades 16
2.2. A JURISPRUDÊNCIA EUROPEIA 17
3. HISTÓRIA DAS SOCIEDADES 17
4. OS TIPOS DE SOCIEDADES COMERCIAIS 18
4.1. A TIPICIDADE 18
4.2. Caracterização dos tipos de sociedades 19
4.2.1. A responsabilidade dos sócios 19
4.2.2. Modos de representação e transmissão de participações sociais 20
4.2.3. Estrutura orgânica 21
5. A EMPRESA E O SUJEITO JURÍDICO 22
5.1. Considerações gerais 22
5.2. Negócio jurídico sobre empresas 23
5.3. Alternativas às sociedades comerciais para formalizar uma empresa 23
5.4. A COOPERAÇÃO INTEREMPRESARIAL 24
6. ASPETOS GERAIS DA DIMENSÃO INSTITUCIONAL DAS SOCIEDADES COMERCIAIS 26
6.1. A PERSONALIDADE JURÍDICA 26
6.1.1. Teorias da natureza jurídica da personalidade coletiva 26
6.2. Capacidade jurídica 27
6.3. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 29
6.4. A representação e vinculação das Sociedades 30
6.4.1. Patologia da representação social 32
6.4.1.1. O abuso de poder de representação 32
6.4.1.2. O negócio consigo mesmo 33
6.5. A IMPUTAÇÃO DELITUAL 34
6.5.1.A imputação extracontratual ou delitual 34
6.5.2. Imputação negocial de estados subjetivos 35
7. CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS 36
7.1. Considerações gerais 36
7.2. Modalidades de constituição 37
7.2.1. Comum 37
7.2.2. Empresa na hora 37
7.2.3. Empresa online 38
7.2.4. Registo prévio 38
7.2.5. Subscrição pública 38
7.2.6. Fusão, cisão ou transformação 39
7.2.7. Saneamento por transmissão 39
7.2.8. Ato legislativo formal 40
7.3. Elementos do contrato-‐sociedade 40
7.4. Interpretação dos estatutos 41
7.5. REGISTO 42
7.6. Sociedades irregulares 42
7.6.1. Sociedades aparentes 42
7.6.2. Sociedades sem forma legal 42
7.6.3. Regime de sociedade antes do registo 43
7.6.4. Sociedades sem publicação 43
7.7. Sociedades inválidas 44
8. DIREITOS E DEVERES DOS SÓCIOS 45
8.1. Deveres dos sócios 46
8.1.1. Dever de contribuição 46
8.1.1.1. O dever de entrada 46
8.1.2. Dever de quinhoar nas perdas 48
8.1.3. Dever de lealdade 48
8.1.4. Situações jurídicas passivas que não são deveres 49
8.2. Direitos dos sócios 49
8.2.1. Direito aos lucros 49
8.2.2. Direito de participação social 50
8.2.2.1. Direito de voto 50
8.2.3. O direito à informação 51
8.2.4. Outros direitos 53
9. ACORDOS PARASSOCIAIS 53
9.1. CONTEÚDO 55
9.2. Socialidade e parassocialidade 56
9.3. Limitações ao conteúdo dos acordos parassociais 57
9.4. Denunciabilidade 57
9.5. Relevância legal dos acordos parassociais noutros locais do ordenamento jurídico 58
10. O CAPITAL SOCIAL 58
10.1. Funções do capital 59
10.2. Valores mínimos do capital social 60
11. AS RESERVAS 61
11.1. Lucros e perdas 61
11.2. VARIAÇÕES DO CAPITAL SOCIAL 62
11.3. Operações harmónio/acordeão 62
12. Contribuições dos sócios para além do capital social 63
12.1. As prestações acessórias 63
12.2. Prestações suplementares 64
12.3. Suprimento 64
13. ESTRUTURA ORGÂNICA DAS SOCIEDADES COMERCIAIS 64
13.1. Noção de órgão 64
13.2. Modalidades de atuação negocial 65
13.3. Modalidades de poder orgânico 66
13.4. Identificação dos órgãos nas sociedades comerciais 67
13.5. Competências do conjunto dos sócios 68
13.5.1. Alterações estatutárias 68
13.5.2. Designação de outros órgãos 68
13.5.3. Apreciação periódica da situação da sociedade 68
13.5.4. Afetação de resultados 68
13.5.5. Competência de gestão 69
13.6. Órgãos derivados de sociedades anónimas 69
13.7. Competência dos gerentes (sociedades por quotas) 70
13.8. Competência dos administradores (sociedades anónimas) 71
13.8.1. Competência externa 71
13.8.2. Competência interna 71
13.8.3. Efeitos da delegação nos deveres dos administradores 73
13.9. Deveres dos administradores e gerentes 74
13.9.1. Dever de gestão 74
13.9.2. Dever de lealdade 76
13.9.3. Consequências da violação dos deveres 76
13.10. Competências da comissão de auditoria 76
14. DELIBERAÇÕES DOS ÓRGÃOS DAS SOCIEDADES COMERCIAIS 76
14.1. Deliberações dos sócios 78
14.2. Deliberação em Assembleia Geral 79
14.2.1. Composição 79
14.3. Competência para a convocação 80
14.4. Funcionamento das Assembleias Gerais 81
14.5. Vícios das Deliberações dos Sócios 82
14.6. Renovação das Deliberações Sociais 88
14.7. LEGITIMIDADE 88
14.8. Vícios das deliberações do Conselho de Administração das Sociedades Anónimas 89
1. Introdução
1.1. A sociedade-‐entidade e a sociedade-‐contrato
O termo “sociedade” designa duas realidades jurídicas distintas, ainda que ligadas uma à outra:
→ Um centro de imputação de efeitos jurídicos, muitas vezes dotado de personalidade jurídica (plena);
→ Um tipo de negócio jurídico;
Destes dois sentidos surgem as ideias de sociedade-‐entidade e de sociedade-‐contrato.
Uma sociedade-‐entidade ou sociedade-‐organização é um certo tipo de organização de pessoas e bens dedicada à prossecução de uma atividade económica.
Esta sociedade é paradigmaticamente gerada por uma sociedade-‐contrato, não tendo que o ser obrigatoriamente.
Pode ser gerada por negócio jurídico unilateral ou por atos não negociais, designadamente, por atos políticos.
As sociedades também podem ter origem legal – por ato legislativo -‐, o que tem ocorrido bastante me Portugal, após o 25 de abril. A maioria desses casos consiste em transformações de empresas públicas em sociedades anónimas com vista à sua privatização.
Uma sociedade-‐contrato é um contrato caracterizado pela obrigação de contribuir com bens ou serviços para uma atividade económica.
A base factual tradicional da sociedade é uma cordo caracterizado por os nele intervenientes se obrigarem a contribuir com bens ou serviços para uma atividade económica comum, podendo ter em vista os lucros.
Os contratos são distintivos através das suas obrigações características e das suas prestações principais. A prestação que caracteriza este contrato é a obrigação de contribuir com bens e serviços. Os sócios terão, então, que contribuir com bens ou serviços para a realização de uma atividade económica.
Esta expressão designa o negócio institutivo da sociedade-‐entidade, quer este seja um verdadeiro contrato, quer tenha um único autor. No direito português isto acontece, principalmente, em dois casos:
1. É permitida a constituição de sociedades por quotas por uma única pessoa, singular ou coletiva, ficando tais sociedades submetidas a várias regras especiais;
2. É permitida a constituição de sociedades anónimas por uma única sociedade – anónima, por quotas ou em comandita por ações – ficando a relação entre a sociedade-‐mãe e a sociedade-‐filha submetida a várias regras especiais.
1.2. Os sentidos da expressão “contrato de sociedade”
A sociedade-‐contrato tem duas dimensões. Trata-‐se de um único contrato, mas com duas dimensões:
→ Estatutos: parte do contrato de sociedade que tem as regras que se destinam a regular a vida da entidade ao longo dos tempos;
→ Negócio jurídico institutivo: contém elementos apenas relativos à criação da sociedade, identificação dos sócios, estipulação das entradas iniciais…
A letra da lei tende a não fazer esta distinção e em abarcar tudo no “contrato de sociedade”, mas a maior parte da doutrina atenta para esta separação.
Na vida prática é até importante que seja utilizado o termo “estatutos”.
Nos países de Common Law, esta distinção não é feita porque existem dosi documentos distintos para estas duas dimensões da contratualidade societária.
Estatutos: a generalidade dos contratos apenas é modificável por todas as partes – pacta sunt servanda. Diz-‐se que a modificação de um qualquer contrato reclama unanimidade.
Em relação ao contrato de sociedade, as modificações não exigem unanimidade, mas sim uma maioria qualificada
– principio da suficiência da maioria. Este princípio é um elemento central para o contrato de sociedade e uma forma distinta dos outros tipos de contrato em que tem de se cumprir a menos que haja uma modificação unânime.
Ao contrário de outros contratos, o contrato de sociedade gera uma entidade que perdura no tempo.
Os estatutos incluem o objeto social da sociedade, isto é, a atividade que a sociedade se propõe realizar. Também este objeto pode ser ampliado ou alterado mediante alteração dos estatutos.
Negócio jurídico institutivo: Inclui, a manifestação de vontade de criação de uma sociedade, a identificação dos sócios iniciais, a entrada de cada sócio… tudo o que fica fora dos elementos do negócio jurídico institutivo faz parte dos estatutos.
1.3. A diversidade dos tipos de sociedades
Para além das sociedades comerciais temo, em primeiro lugar, a sociedade civil regulada no CC. Temos, depois, as sociedades comerciais propriamente ditas. Nomeadamente:
→ Sociedades em nome coletivo
→ Sociedades por quotas
→ Sociedades anónimas
o Abertas
▪ Cotadas
▪ Não cotadas
o Fechadas
→ Sociedades em comandita
o Sociedades em comandita simples
o Sociedades em comandita por ações
Temos ainda os subtipos especiais de sociedades em função do objeto social. É o caso das sociedades anónimas desportivas e das instituições de crédito.
Cada tipo de sociedade invoca um regime jurídico distinto, havendo no código uma parte geral que se aplica a todas as sociedades, e uma parte especial para cada tipo de sociedade.
Quando falamos em tipos não podemos confundir ideias. Os juristas falam de tipo por contrassenso a conceito.
Por conceito entende-‐se um conceito fechado (uma compra e venda exige um preço e a entrega da coisa), enquanto um tipo se resume a um conceito aberto.
A palavra tipo surge noutro contexto – no de principio da tipicidade (numerus clausus) para dizer que há um número limitado de sociedades comerciais.
Quando falamos de tipicidade de sociedades comerciais, ambas as ideias são convocadas: a de conceito jurídico e a de numerus clausus. Basicamente, todas as pessoas coletivas estão sujeitas à tipicidade. Não se pode chegar a um notário e dizer que se quer criar uma sociedade diferente de todos os outros tipos de sociedade. Ou se cria uma sociedade comercial estabelecida na lei, ou uma fundação, ou uma associação, de acordo com as regras estabelecidas na lei.
A própria lei das sociedades comerciais mostra este denota este numerus clausus ao dizer no artigo 1º/2 que “são sociedades comerciais aquelas que tenham por objeto a prática de atos de comércio e adotem o tipo de sociedade em nome coletivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de sociedade em comandita por ações”. Acrescente ainda no artigo 1º/3 que "as sociedades que tenham por objeto a pratica de atos de comércio devem adotar um dos tipos referidos no número anterior”,
Existe uma outra expressão utilizada que é a de tipos sociais. É a lei que dentro da sua amplitude abarca vários paradigmas sociais. Assim, a sociedade por quotas é um tipo bastante elástico, permitindo muita variação dentro de si. Já outros tipos de sociedades podem ser mais fechados.
A propósito dos tipos sociais, há uma distinção muito frequente que se faz através das regulamentações estatutárias:
→ Sociedades de pessoas: são aquelas em que o vinculo pessoal, as relações entre sócios, são o aspeto mais importante. O paradigma da sociedade de pessoas é a sociedade em nome coletivo. Por exemplo, uma mercearia de dois amigos. Não é possível um sair e vender a parte a outra pessoa: o vinculo entre os dois é o mais importante.
→ Sociedade de capitais: o que é mais importante nestas sociedades é o capital. O paradigma da sociedade de capital é a sociedade anónima. Aqui não interessa quem são os sócios, interessa o dinheiro que cada um meteu.
1.4. A sociedade civil e a sociedade comercial
Quer o ramo do direito privado, quer o ramo do direito comercial conhecem um regime próprio para a figura da sociedade.
A sociedade civil, derivada do direito privado é tida como a “sociedade comum”, quanto a sociedade comercial passou a ser um tipo especial de sociedade, subdividido nos vários tipos de sociedades comerciais.
No direito português, só merecem o nome de sociedade comercial as que tenham por objeto a prática de atividades comerciais e adotem o tipo de sociedade em nome coletivo, de sociedade por quotas, de sociedade anónima ou de sociedade em comandita simples ou em comandita por ações (artigo 1º/2, CSC).
No entanto, as sociedades que tenham por objeto exclusivo a prática de atos não comerciais podem adotar um dos referidos tipos comerciais, ficando nesse caso submetidas ao CSC (artigo 1º/4, CSC). São as chamadas sociedades civis sob forma comercial.
Ainda na relação do Código Civil com o código das Sociedades Comerciais, toma-‐se o Código Civil como residual – aplica-‐se quando não seja aplicável o Código Comercial. Existem dois critérios quanto a isto:
→ Critério da comercialidade objetiva: aplica-‐se o código comercial sempre que há um ato de comércio;
→ Critério da comercialidade subjetiva: aplica-‐se o código comercial sempre que esteja em causa um comerciante.
O critério adotado pela lei portuguesa é o critério objetivo. Para este efeito, são atos de comércio, os que estão regulados no código comercial.
Na prática, para saber o que está relacionado como ato de comércio temos de pensar historicamente. O comércio era uma atividade da burguesia, por isso temos que pensar nas atividades que esta desempenhava.
Existem, porém, alguns elementos materiais que nos poem ajudar na definição de ato de comércio:
→ A ideia de finalidade lucrativa;
→ A ideia de interposição nas trocas;
→ A ideia de organização e profissionalismo;
Conclusão: são sociedades comerciais as sociedades que pratiquem atos de comércio. Ainda assim, as sociedades que não o façam podem adotar os tipos das sociedades comerciais.
1.5. O conceito de sociedade enquanto contrato
O artigo 980º do CC define contrato de sociedade como “aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade”.
Nesta definição encontramos três características que diferenciam o contrato de sociedade dos demais contratos:
→ Objeto: contribuição para bens e serviços
→ Fim imediato: exercício de uma atividade económica que não seja de mera fruição
→ Fim mediato: repartição de lucros
Será que esta definição é vinculativa? Isto é, se não se preencherem as três características essenciais da definição podemos considerar ter uma sociedade civil?
Xxx, pois temos de respeitar a lei e o princípio da separação de poderes. Estas definições são parcela da norma em sentido amplo, pois todas as previsões normativas pressupõem a verificação dos pressupostos da sociedade civil.
No Código das Sociedades Comerciais não há uma definição de contrato de sociedade comercial. Coloca-‐se a este propósito uma querela doutrinária:
→ Parte da doutrina diz que a definição do artigo 980º, CC vale também para as sociedades comerciais;
→ Outra parte entende que esta definição nãos e adapta às sociedades comerciais pelos seguintes motivos:
1. História da finalidade lucrativa: se o CC exige uma finalidade lucrativa, há quem defenda que o CSC não exige uma finalidade lucrativa. É válido criar uma sociedade para gerar prejuízo. Ex: jornais.
2. A ideia de exercício comum: as sociedades comerciais podem ser sociedades anónimas, em que não se exerce uma atividade pessoalmente em comum. Ou seja, não tem de haver o exemplo típico dos dois merceeiros que trabalham atrás do balcão. Portanto, esta definição do CC não faz sentido para certos tipos de sociedades comerciais.
3. Repartição dos lucros: não faz sentido para as sociedades comerciais porque o CSC não proíbe que haja sociedades comerciais que não tenham lucro. O artigo 42º, CSC tem um elenco fechado que leva à nulidade das sociedades comerciais e não encontramos neste elenco fechado a falta de nulidade lucrativa.
4. A questão do contrato que encontramos no artigo 980º, CC também não vale para a sociedade comercial, uma vez que as sociedades comerciais podem ser criadas sem ser por contrato (negócio jurídico unilateral, ato jurisdicional, etc.).
Assim, cremos poder definir sociedade comercial como (1) o contrato, negócio jurídico unilateral, ato legislativo ou ato jurisdicional (2) em que todos os sócios contribuem com bens ou serviços e (3) cujo fim imediato é o exercício de uma atividade económica (atividade suscetível de expressão monetária), (4) em benefício dos membros, sendo que esse beneficio podem ser lucros ou não.
1.6. Sociedade e atividade económica
No nosso direito a sociedade-‐entidade tem de prosseguir uma atividade económica, que é fixada no contrato de sociedade. Isto resulta de vários preceitos:
→ Artigo 980º: “exercício de certa atividade económica”
→ Artigo 9º/1, d: “o objeto da sociedade”
→ Artigo 11º/2: “como objeto da sociedade devem ser indicadas no contrato as atividades que os sócios propõem em que a sociedade venha a exercer”
→ Artigo 1º/2: “(…) por objeto a prática de atos de comércio”
“Todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar” (artigo 2º, Código comercial)
Quanto ao conceito de atividade económica vamos fazer duas notas:
→ O conceito em causa deve ir buscar-‐se ao sentido corrente da expressão, que a faz coincidir com a ideia de atividade que lida com o valor material (delimitação positiva);
→ Devemos afastar a tentação de recorrer à ideia e prossecução de lucro para a caracterizar, já que, como visto anteriormente, o lucro não é um elemento caracterizador das sociedades (delimitação negativa);
Desde há várias décadas, a sociedade é a forma jurídica paradigmática da empresa. Por isso mesmo, alguns autores sustentam que a ideia de sociedade comercial implica a de empresa. Por isso mesmo, alguns autores sustentam que a ideia de sociedade comercial implica a de empresa.
No entanto, tal ideia não é inteiramente precisa: há sociedades que não são titulares de empresas (as que ainda não iniciaram atividade, por exemplo); e há empresas cujos titulares não são societários (os comerciantes em nome individual, por exemplo),
Por outro lado, mesmo quando a sociedade é titular de uma empresa, as duas realidades nãos e confundem: a primeira pertence inteiramente ao plano do direito e a segunda não se resume a ele, nem se deixa captar inteiramente por ele.
1.7. Sociedade e personalidade jurídica
Tradicionalmente, em Portugal faz-‐se a diferenciação entre a personalidade jurídica, capacidade de gozo e capacidade de exercício.
Como já foi dito, uma sociedade é um centro de imputação de efeitos jurídicos, muitas vezes dotado de personalidade jurídica.
Porém, na verdade, a ideia de sociedade-‐entidade não implica a personalidade jurídica. Em alguns ordenamentos jurídicos entende-‐se que alguns tipos de sociedades não têm personalidade jurídica, e mesmo em Portugal a doutrina diverge no caso das sociedades civis.
Ainda que não haja personalidade jurídica, não significa que as realidades em causa não sejam centros de imputação de efeitos jurídicos; são-‐nos ainda que por aplicação de técnicas diferentes daquela em que a personalidade jurídica consiste.
Quanto ás sociedades comerciais não há qualquer questão: estas têm personalidade jurídica por meio do artigo 5º: “as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem (…)”.
Esta é uma personalidade jurídica plena e não rudimentar (personalidade jurídica parcial) como a do condomínio, da herança jacente, etc.
Quando há uma personalidade jurídica plena, essa pessoa coletiva tem o seu próprio património, isto é, tem um conjunto de situações ativas e passivas avaliáveis em dinheiro. Assim, quando existem dívidas da sociedade responde em primeiro lugar o património da sociedade e só depois respondem os sócios solidariamente (artigo 197º CSC)
Quando há personalidade jurídica rudimentar, normalmente também há um património autónomo.
1.8. A sociedade no panorama das pessoas coletivas
Tendo personalidade jurídica plena, as sociedades comerciais são consideradas pessoas coletivas e, segundo algumas opiniões, também as sociedades civis o são, ou pelo menos algumas delas.
Cada pessoa coletiva tem o sue substrato:
→ Sociedade → Empresa
→ Associação → Conjunto de pessoas
→ Fundação → Património associado a um fim
Se o substrato de uma sociedade comercial é uma empresa, o que é uma empresa?
Uma empresa é (1) uma organização de meios de produção (2) para uma exploração profissional (3) de uma atividade económica.
No entanto, podemos ter:
→ Uma sociedade comercial sem empresa: é o caso de uma sociedade comercial acabada de constituir, em que os meios de organização ainda não estão organizados.
→ Uma empresa se um sociedade comercial: existem outras formas de substrato social, embora sejam menos frequentes;
A organização da empresa não se confunde com a organização da pessoa coletiva.
→ A empresa engloba à organização do capital e da mão-‐de-‐obra;
→ A organização da pessoa coletiva refere-‐se ao regime jurídico que organiza a pessoa coletiva, que é o objeto de estudo desta disciplina.
Poderíamos dizer que o conceito de organização da empresa é mais amplo e absorve o conceito de organização da pessoa coletiva.
1.9. A organização da pessoa coletiva sociedades comerciais
A organização de uma pessoa coletiva é, em rigor, a distribuição de poderes, direitos e deveres no interior da pessoa coletiva. A este propósito distingue-‐se:
→ Competência externa: diz respeito à vida da pessoa coletiva na relação com terceiros;
→ Competência interna: diz respeito às decisões que se tomam no interior da organização;
As pessoas coletivas são compostas por órgãos. Um órgão é um centro de imputação dos efeitos de normas jurídicas no interior da organização.
As pessoas coletivas podem atuar através de:
→ Deliberação
→ Ato conjunto
→ Ato singular
Esta classificação tripartida corresponde a uma classificação de poderes do ponto de vista da estática jurídica, mas do ponto de vista da dinâmica jurídica corresponde a uma classificação de declaração negocial.
A organização das pessoas coletivas é caracterizada pelo principio da suficiência da maioria. A regra é, então, exigir-‐se a maioria, raramente se exige a unanimidade.
As sociedades podem ainda ser:
→ Democracias: a votação faz-‐se por cabeça;
→ Cleptocracias: a votação faz-‐se de acordo com o capital investido (sociedades por quotas e sociedades anónimas;
1.10. Os atores e outros intervenientes da pessoa coletiva
A sociedade enquanto instituição tem vários atores e intervenientes. Os mais óbvios são os sócios, mas para além destes, fazem parte da organização da pessoa coletiva:
→ Órgão administrativo
→ Órgão de fiscalização ou supervisão
→ Presidente da Assembleia Geral
Ora, os titulares destes órgãos podem não ser sócios e as regras aplicáveis ao exercício dos cargos em questão, abstraem, em todo o caso, o facto de serem sócios ou não.
Quando os sócios exercem os seus poderes, exercem um direito subjetivo. É o que acontece quando votam, por exemplo.
Agora quando as outras pessoas e órgãos o fazem já não exercem um direito, mas sim um poder associado a um dever. Isto deve-‐se ao facto de não atuarem em seu próprio benefício, mas no interesse de todos ou de outros.
Temos, então, os sócios com deveres e direitos e todos os outros titulares dos ´órgãos de administração e controlo com poderes-‐deveres.
Para além disto, os regimes legais das sociedades refletem interesses de terceiros que se relacionam com elas, como sucede inequivocamente com os credores.
A propósito dos deveres, surge o conceito de interesse social (artigo 64º/1, b). Este conceito interessa:
1. Para definir os deveres que a atuação de todos os que não são sócios. Todos os que não são sócios têm de atuar no interesse da sociedade. Se existem pessoas com deveres, para saber qual é a forma pela qual devem atuar, temos uma finalidade de atuação – o interesse da sociedade.
2. Enquanto limite ao direito dos sócios. Os sócios podem atuar, mas com limites. Para efeito de se encontrar os limites de atuação dos sócios, muita doutrina apela ao interesse da sociedade. É uma espécie de abuso de direto no contexto societário.
3. Quanto ao valor acionista. Os economistas e gestores estão sempre a discutir os objetivos dos empresários (criar valor para o acionista).
Utiliza-‐se também o conceito de agency costs que tem a ver com este tema dos deveres de todos os que têm poderes-‐deveres. Esta teoria diz que as empresas não são geridas pelos proprietários, mas por gestores profissionais, o que cria custos.
Tem de se pagar a essas pessoas, tem que se controlar essas pessoas (pagar para ver o que andam a fazer) e existem perdas residuais (se for eu próprio a fazer, faço bem porque estou a atuar no meu interesse, se contrato outra pessoa, essa vai atuar com maior falta de zelo).
Do ponto de vista jurídico, isto gera o tema dos deveres fundamentais dos administradores que é o dever de cuidado e de gestão e o dever de lealdade.
1.10.1. Os sócios
Os sócios têm um papel determinante nas vicissitudes das sociedades. Entre outras competências cabe-‐lhes:
→ Alterar o contrato de sociedade (artigo 85º/1);
→ Nomear e destituir os membros dos outros órgãos;
→ Aprovar o relatório da gestão e as contas de cada exercício;
→ Destinar os resultados de cada exercício;
O modo tradicional de exercício dessas competências é a reunião em assembleia. No entanto, também é permitida a deliberação por escrito e nas sociedades por quotas, deliberações mediante voto escrito expresso.
Para além disto, os sócios são titulares de direitos e deveres como o dever de contribuição, o dever de lealdade, o direito aos lucros, o direito a participar nas deliberações…
O estatuto dos sócios parte do plano da igualdade, mas os eu poder tende a variar em função da dimensão relativa da sua participação no capital social. Esta é uma dimensão que se verifica sobretudo nas sociedades anónimas e por quotas.
Temos vários tipos de sócios. Distinga-‐se:
→ Sócio-‐empresário: para além de investidor, contribui também para a gestão da sociedade. É um sócio que contribui não só com bens, mas também com trabalho.
→ Sócio-‐investidor: é um mero investidor, não intervindo na gestão da sociedade, apenas pretendendo obter um certo rendimento do seu capital
Nas sociedades anónimas abertas, por vezes há uma dispersão de capital, o que quer dizer que quase não há sócios-‐empresários, porque o resto das ações está dispersa por inúmeros pequenos sócios investidores. Este é um fenómeno muito intenso nos EUA, mas não tanto em Portugal.
Também podem ser sócias as pessoas coletivas. Neste caso temos normalmente uma de duas situações:
1. A participação de uma sociedade na outra enquanto sócia é autónoma;
a. A participação pode representar uma pura aplicação de capitais;
b. A representação poe representar uma relação de colaboração;
c. A representação pode corresponder a um estádio de um projeto de domínio sobre a participada;
2. A sociedade participada não passa de um instrumento de segregação patrimonial ou contabilística. São casos em que as sociedades participadas não têm autonomia real em relação à participante, formando com esta uma única empresa, que se pode apelidar “plurissocietária”.
1.10.2. Os titulares dos órgãos de administração, fiscalização e supervisão
O papel dos titulares dos outros órgãos das sociedades para além da assembleia-‐Geral é, muitas vezes, mais notório que o dos sócios.
Nas primeiras sociedades, estes órgãos não existiam, mas com a complexização das sociedades começaram a surgir: primeiro autonomizou-‐se o órgão de administração e depois começaram a surgir os órgãos de fiscalização e supervisão da administração.
Quando esses órgãos se formaram, regra geral, só podiam ser ocupados por sócios. Hoje, quase não existem situações em que o exercício de funções em órgãos de sociedade esteja reservado a sócios.
Nos dias de hoje, as leis tratam com minúcia o exercício das funções em causa, regulando não apenas a competência dos órgãos como os deveres dos seus titulares, os requisitos e as incompatibilidades para esse exercício, bem como a responsabilidade pela preterição dos deveres a ele inerentes.
1.10.3. Os credores
Quando se fala dos credores levanta-‐se a questão da responsabilidade limitada dos sócios das sociedades comerciais. Esta foi, e é, uma das principais bases do desenvolvimento económico dos últimos séculos e, portanto, da conformação do mundo em que vivemos.
Sem esse mecanismo de limitação de risco, não teriam surgido empresas muito especializadas, capazes dos grandes empreendimentos.
Porém do ponto de vista dos credores, essa limitação do risco representou uma alteração radical nos seus direitos.
Isto porque, como é óbvio, as regras sobre as sociedades refletem também os seus interesses.
Hoje em dia há três áreas em que isso é vincadamente notório:
1. Regras que definem a responsabilidade dos titulares dos órgãos de administração, fiscalização e supervisão perante os credores;
2. Regras que dão espaço de intervenção aos credores sempre que ocorrem alterações estruturais numa sociedade que podem afetar interesses de credores;
3. A insolvência;
1.10.4. Os trabalhadores
Também os trabalhadores não agem dentro das sociedades, mas dentro da realidade social que a empresa constitui.
Tal como acontece com os credores, há no regime das sociedades regras que acolhem os interesses dos trabalhadores.
O Código das Sociedades Comerciais abre alguma relevância aos interesses dos trabalhadores por força da referência do artigo 64º/1, b ao dever de os titulares dos órgãos de administração ponderarem “os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os sues trabalhadores, clientes e fornecedores”.
Também na União Europeia é consensual a ideia de que os interesses dos trabalhadores devem merecer acolhimento nas empresas.
1.10.5. A comunidade
As regras sobre sociedades comerciais acolhem interesses grais da comunidade.
O modo mais evidente e tradicional por que isso acontece é o da atribuição ao Estado de poderes-‐deveres de intervenção, nomeadamente quanto à inobservância da norma legal do contrato constitutivo (artigo 172º), quanto à dissolução de sociedades em certos casos específicos (artigo 143º)...
Outras regras que acolhem o interesse geral da comunidade não têm nada que ver com o Estado, mas com potenciais sócios e credores, por exemplo. É o caso dos deveres de informação ao público.
Temos também a “responsabilidade social das empresas” consistente na integração voluntária de preocupações sociais e ambientais por parte das empresas nas suas operações e na sua interação com outras partes interessadas.
1.11. A existência de um interesse próprio da sociedade
Levanta-‐se aqui a questão de saber se se deve entender que a sociedade tem um “interesse próprio” diverso dos interesses dos sócios.
Existem duas correntes a este propósito:
→ Corrente contratualista: não existe um interesse contratual diverso do interesse coletivo dos sócios. Implica reconhecer aos sócios enquanto conjunto, o poder de deliberarem livremente, tendo exclusivamente em conta os seus interesses.
→ Corrente institucionalista: existe um interesse social que transcende o interesse coletivo dos sócios. Esta tese retira aos sócios a liberdade para a definição do interesse social na medida em que os obriga a ter em conta outros interesses que não os seus. Diminui, também, o grau de liberdade de exercício dos sócios.
No atual ambiente são múltiplos os sinais legislativos de que o “interesse social” transcende o interesse coletivo dos sócios, sendo uma amálgama desse interesse com os interesses dos credores, dos trabalhadores, dos sócios potenciais e da comunidade em geral.
Temos no direito português vários preceitos legais que se referem ao “interesse da sociedade”. É o caso do:
→ Artigo 64º: “os gerentes ou administradores da sociedade devem observar (…) deveres de lealdade, no interesse da sociedade”; “os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado (…) no interesse da sociedade;
→ Artigo 3º: considera-‐se contrário ao fim da sociedade a prestação de garantias a dívidas de outras entidades “salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante…”;
→ Artigo 328º: os termos em que o contrato de sociedade pode limitar a transmissibilidade de ações, refere a subordinação da “transmissão de ações nominativas e a constituição de penhor ou usufruto sobre eles à existência de determinados requisitos, subjetivos ou objetivos, que estejam e acordo com o interesse social”
→ Artigo 329º/2, artigo 400º, artigo 460º…
1.12. A autonomia patrimonial e a limitação da responsabilidade
A autonomia patrimonial está associada à ideia de personalidade jurídica das sociedades comerciais. Se têm personalidade jurídica, têm o seu próprio património, autónomo do património dos sócios.
Também as sociedades civis têm personalidade autonomia patrimonial, o que se pode verificar pelo artigo 997º/1, CC de acordo com o qual a sociedade responde pelas suas dívidas e só se o seu património não for suficiente é que respondem as dívidas solidariamente.
O clímax da autonomia patrimonial é a responsabilidade limitada dos sócios. Esta é conhecida como a regra de ouro do capitalismo.
Nas sociedades civis, primeiro responde o património da sociedade e subsidiariamente respondem os sócios. Um sócio de uma sociedade civil pode ver o seu património pessoal afetado neste propósito.
Porém, com o aparecimento das sociedades anónimas isto alterou-‐se – os sócios não respondem pelas dívidas da sociedade.
Esta ideia de responsabilidade limitada surgiu na Holanda com a Companhia das Índias Orientais há 400 anos atrás.
Estavam em caus aos projetos empresarias de grande dimensão de fazer comércio com as Índias.
Esta é a regra de ouro porque a partir daí surgiram inúmeras empresas que possibilitaram um maior desenvolvimento económico. Isto prejudica os credores, mas a nível macroeconómico geral um grande desenvolvimento da economia.
E 1844 deu-‐se o passo seguinte: permitir que as sociedades anónimas fossem constituídas sem autorização do Estado. Passamos, então, a ter liberdade de criação de sociedades anónimas sem responsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade.
Em 1896, já quase no século XX, os alemães estendem esta regra de ouro para as pequenas empresas e criam as sociedades por quotas. Estas são semelhantes às sociedades em nome coletivo, mas com a limitação da responsabilidade dos sócios
Há 20 anos adotou-‐se uma diretiva da União Europeia que estabelece que podem haver sociedades por quotas unipessoais. Estas são sociedades por quotas com apenas um sócio. Servem, basicamente, para estender a regra de ouro do capitalismo aos empresários individuais.
A limitação da responsabilidade dos sócios pode ser contornada por alguns credores – os credores fortes. É o caso dos bancos que exigem fianças a avalos pessoais aos sócios. Isto significa que, do ponto de vista do direito das sociedades, não há responsabilidade nas sociedades anónimas e nas sociedades por quotas, mas alguns credores utilizam mecanismos civis para conseguir uma responsabilidade subsidiária ou solidária dos sócios.
Trata-‐se da distinção entre credores fortes e credores fracos.
A propósito da regra de ouro do capitalismo temos duas ideias importantes:
1. A externalização do risco dos credores
2. A proteção dos credores
A externalização do risco dos credores: esta é a ideia de acordo com a qual temos que ver de existem mais ativos ou passivos. Se houver mais capital ativo liquido, deixam de ter capital próprio da sociedade.
Quando as sociedades já têm tantas dividas quanto os seus ativos, já não têm capitais próprios positivos. Este fenómeno provoca uma alteração no mecanismo da externalização, criando a externalização absoluta do risco dos credores. Isto corresponde mais ao menos à ideia de que se já não existe capital próprio, já não há nada a perder. Se os sócios fizerem uma gestão extremamente agressiva arriscando tudo, já não perdem mais, porque não têm mais nada a perder. Só os credores podem perder.
Quando as empresas estão na iminência da insolvência, o legislador pensa que tem de arranjar maneira de permitir aos credores que tomem mão na empresa porque senão os sócios vão gerir a empresa de forma excessivamente arriscada, causando muito mais perdas aos credores.
Mecanismo de proteção dos credores: se a lei opta pela não responsabilidade dos sócios, por outro lado também desenvolve mecanismos de proteção dos credores.
→ O principal mecanismo que funciona muito mal e o da função externa do capital social. O capital social é uma cifra estatutária que funciona como barreira para a distribuição de lucro aos sócios. Aqui releva o princípio da intangibilidade do capital social. A ideia é que quando os ativos não sejam suficientes para chegar ao valor de 50mil€, por exemplo, deixa de ser possível distribuir lucros porque essa cifra corresponde ao mínimo de ativos que têm de estar na sociedade para conforto dos credores.
A garantia dos credores é o património dos devedores (artigo 601º, CC). Quando os credores não são pagos, podem executar os bens do devedor. Quando a sociedade não paga, os credores podem penhorar os bens da sociedade, já que não podem penhorar o património dos sócios. Só que as sociedades têm, frequentemente, mais dívidas do que ativos, têm um património liquido muito diminuto.
A função externa do capital social tenta evitar que o património despareça, estabelecendo limites para a distribuição de lucros aos sócios. Quando o património liquido seja inferior a um x, não se podem distribuir lucros porque esse x tem de ficar de salvaguarda para os credores.
No caso das sociedades por quotas, o patamar é de 1€ por cada sócio. Isto quer dizer que se pdoe distribuir tudo pelos sócios só precisando de deixar 1€ por cada sócio.
No caso das sociedades anónimas, o patamar é de 50mil€.
O legislador abdicou de criar uma proteção efetiva dos credores através desta função do capital externo. Os limites são tão incipientes porque se chegou à conclusão que esta proteção dos credores nãos erve para nada, é muito ineficiente, pelo que mais vale abdicar dela. Se quisermos proteger os credores tem de se partir de outros mecanismos jurídicos.
→ Assim, a principal aposta do legislador é a da contabilidade organizada. A ideia é que os credores precisam de informação contabilística para saber se emprestam dinheiro, se diferem a cobrança de dívidas, se aceitam pagamento faseado em vez de imediato, etc. Os credores ficam assim protegidos com a informação contabilística fidedigna que lhes permite verificar se vale a pena assumir o risco ou não. A forma de garantir que a informação é fiável é através de auditorias.
→ Outro regime de proteção dos credores é o da insolvência e pré-‐insolvência estabelecendo um dever de apresentação à insolvência por parte dos administradores da empresa. Quando estes se apercebam que estão na iminência da insolvência têm de ir ao tribunal para colocar a empresa nas mãos dos credores.
→ Xxxxx também a responsabilidade dos administradores perante os credores. Aqueles que ajudem a dissipar bens são responsáveis diretamente.
→ O último mecanismo é o da desconsideração da personalidade coletiva. Isto foi uma invenção dos tribunais norte-‐ americanos, de acordo com a qual se os sócios abusam da regra de ouro do capitalismo, então correspondem pessoalmente. É uma espécie de abuso de direito da regra de ouro do capitalismo.
2. As fontes normativas do Direito das Sociedades
As fontes do Direito das Sociedades dividem-‐se em fontes europeias e em fontes internas.
Fontes europeias:
→ Tratado sobre o funcionamento da União Europeia
→ Diretivas de coordenação
→ Regulamentos
→ Jurisprudência europeia
→ Soft-‐law europeia (propostas de diretiva que não chegaram a ser aprovadas, mas que o CSC acolheu à mesma)
→ Projeto de código europeu
Fontes internas:
→ Código das Sociedades Comerciais: parte geral, parte especial para cada tipo de sociedade comercial;
→ Legislação complementar: Código de valores mobiliários (sociedades anónimas abertas), CIRE, Código de Registo comercial, Regime do Registo de pessoas coletivas
→ Legislação extravagante
→ Soft-‐law:
o Recomendações da comissão de mercado de valores mobiliários (CMVM)
o Recomendações do Regulador do mercado de capitais
o Jurisprudência interna
2.1. A relevância do Direito da União Europeia em direito das sociedades
O Tratado sobre o funcionamento da União Europeia e a criação do mercado comum implica uma aproximação das relações. Só há mercado comum se houver liberdade de estabelecimento de empresas, ou seja, se não houver custos de transação.
Artigos importantes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia:
→ Artigo 49º: fala sobre princípios gerais relativos à relativos à liberdade de estabelecimento.
→ Artigo 50º/2, g: refere-‐se à coordenação de garantias para proteção de sócios e terceiros.
→ Artigo 54º: refere-‐se ao princípio da equiparação, que estabelece um tratamento igualitário de sociedades de diferentes Estados-‐membros.
→ Artigo 55º: Principio da igualdade de tratamento dos titulares de capital.
Em sede de Direito Europeu secundário, são relevantes às diretivas. Há inúmeras diretivas de coordenação em matéria de europeu das sociedades:
-‐ Primeira diretiva: publicidade, vinculação e nulidade das sociedades. Surgiu em 1968 e foi substituída em 2009.
-‐ Segunda diretiva: constituição de sociedades anónimas e conservação do capital social. Surge em 1977 e foi modificada em 2012.
-‐ Terceira diretiva: fusão de sociedades anónimas. É de 1978 e foi atualizada em 2011.
-‐ Quarta diretiva: prestação de contas. É de 1978 e foi alterada em 2006.
-‐ Sexta diretiva: cisões – surge em 1982.
-‐ Sétima diretiva: contas consolidadas. Cada sociedade comercial tem de prestar as suas contas, o que é essencial para proteger os credores e diminuir os custos de transação. Este dever de prestar contas recai, no caso de grupos de sociedades, sobre a sociedade-‐mãe. É de 1983.
-‐ Oitava diretiva: fiscalização de contas. É de 1984 e foi alterada em 2006.
-‐ Décima diretiva: fusões transfronteiriças de sociedades anónimas (2005).
-‐ Décima primeira diretiva: sucursais (representação da sociedade comercial noutro país)
-‐ Décima segunda diretiva: sociedades unipessoais (1989)
-‐ Décima terceira diretiva: ofertas públicas de aquisição
-‐ Décima quarta diretiva: diretiva dos direccionistas das sociedades cotadas. É uma diretiva de proteção dos investidores.
A quinta e a nona não chegaram a ser aprovadas. Não têm efeito jurídico, mas mero efeito persuasivo.
Também existem regulamentos:
→ Sobre o agrupamento de interesse económico;
→ Sobre a societas europeia, que é basicamente uma sociedade anónima com passaporte europeu. Não existem na sociedade sociológica porque este regulamento não detalha todos os aspetos de uma sociedade anónima, havendo uma remissão para a legislação nacional.
→ Sobre a sociedade cooperativa europeia – a ideia é a mesma do regulamento anterior aplicado à sociedade cooperativa.
→ Regulamentos em matéria de contabilidade.
Por último, temos a jurisprudência europeia
2.2. A jurisprudência europeia
A jurisprudência europeia é essencialmente sobre liberdade e estipulação. O caso mais relevante é o caso centros, um caso sobre um cidadão dinamarquês que se dirigiu ao Reino Unido para criar uma sociedade, com requisitos de capital social mais benéficos face aos que encontrava na Dinamarca. O objetivo era voltar à Dinamarca, sendo lá que o sócio queria exercer a sua atividade. Portanto, temos sede estatutária no reino Unido e sede efetiva na Dinamarca. As normas que destroem o critério da sociedade estatutária e só atribuem relevância à sede efetiva não são conformes ao princípio da liberdade de estabelecimento do artigo 55º, TFUE.
Outros acórdãos importantes:
→ Uberseeing
→ Inspire art
→ Sevic
→ Cartesio
O artigo 501º estabelece que no caso de haver uma relação de sociedades stricto sensu (quando há uma sociedade dominante e uma sociedade dominada), a lei atribui certas vantagens à sociedade dominante, mas também estabelece desvantagens, sendo que a mais relevante é a responsabilidade da sociedade-‐mãe pelas dívidas da sociedade filha.
Esta norma sé espacialmente limitada, pois o artigo 481º, CSC diz que todas as normas sobre grupos só se aplicam a grupos portugueses, ou seja, se sociedade-‐mãe e sociedade-‐filha forem ambas portuguesas. Há quem diga que isto viola o TFUE, em matéria de liberdade de estabelecimento. O tribunal europeu entendeu que não havia nenhuma violação do TFUE.
3. História das sociedades
Hoje em dia o mundo é uma aldeia global, mas tudo começou com o comércio internacional e com as sociedades comerciais.
1. Societas romana: contrato de sociedade em Roma antiga
a. Efeitos meramente internos
b. Sem personalidade e sem património autónomo
c. Fraca relevância social
2. Desenvolvimento do comércio nas cidades italianas no final da Idade Média (século XII)
a. Embrião das sociedades em nome coletivo e das sociedades em comandita (comenda, societas maris, collegantia, compagnia, societas mercatorum)
3. Criação das Companhias privilegiadas
a. Está na origem das sociedades anónimas – são as sociedades mais relevantes hoje em dia. A primeira sociedade anónima foi a Companhia das Índias Orientais em 1602. As suas principais características
são: frações de capital (o que permitia o investimento junto do público), transmissibilidade das frações de capital e a limitação da responsabilidade dos sócios.
b. Em Portugal há uma Companhia criada em 1587, mas que na realidade nunca saiu do papel. Só em 1753, com Marquês de Xxxxxx é que é efetivamente criada a primeira Companhia em Portugal. Antes disso não havia iniciativa privada para grandes projetos.
4. Codificação Liberal:
a. Código Comercial Napoleónico (1807)
b. Primeiro Código Comercial português (1833)
c. Segundo e atual Código Comercial Português (1888)
5. Passagem do sistema de concessão para o sistema de liberdade de Constituição (1844). Antes desta data, quem queria ter uma Companhia privilegiada tinha de pedir autorização ao Rei. Depois desta data estabeleceu-‐se em Inglaterra que, desde que se preenchesse os requisitos legais, poderia constituir-‐se uma Companhia Privilegiada.
6. Criação de estrutura e governo dualista – nas pequenas sociedades os sócios são também gestores. Nas sociedades grandes passou a haver um governo dualista em que, por um lado, temos os sócios, e por outro, temos o órgão de administração e um órgão de fiscalização. A lógica deste sistema de governo é o facto de os sócios não terem tempo e competência técnica para fazer esta gestão/fiscalização. Este fenómeno dualista surge com a Companhia Holandesa das Índias Orientais.
Em Portugal, a lei das sociedades anónimas de 22 de junho de 1967, com a grande novidade da criação do Conselho Fiscal, passando a haver um dualismo orgânico. A fragilidade da experiência portuguesa é que o Conselho fiscal não tem poderes reforçados.
7. Criação das sociedades por quotas – implicou a extensão da responsabilidade limitada às pequenas empresas, o que impulsionou um elevado desenvolvimento económico.
O Código das Sociedades comerciais de 1986 concedeu uma sistematização ao direito das sociedades. Mas este Código de 1986 marca a comunitarização do direito português, uma vez que adota todas as soluções previstas nas diretivas europeias de coordenação em matéria de sociedades.
Em 2006 há uma grande desburocratização do processo de criação das sociedades. Neste ano passa a haver três modelos de gestão das sociedades.
Como paradigmas de modelos internacionais temos:
→ EUA: Model business corporation act e os principles of corporate governments
→ Inglaterra: Companies Act (2006)
→ Alemanha: Lei das sociedades por ações e lei das sociedades por quotas
4. Os tipos de sociedades comerciais
Neste ponto já não interessa a sociedade civil, mas apenas as sociedades comerciais. Estas são as que mais interessam e, portanto, as mais importantes de aprofundar.
Dentro das sociedades comerciais iremos estudar, após uma comparação entre os quatro tipos de sociedades comerciais, as sociedades anónimas e por quotas, pelo critério da relevância social.
4.1. A tipicidade
Releva o principio da tipicidade das pessoas coletivas. Este principio tem um sentido de núcleo fechado que se traduz na impossibilidade de constituir pessoas coletivas atípicas – quer atípicas, quer mistas.
As sociedades comerciais têm uma dupla dimensão: são um contrato e são uma entidade. Sendo uma entidade, contactam com terceiros, fruto da sua atividade comercial. Por razões de segurança, estes terceiros têm que saber com quem estão a lidar, daí que tenha de haver uma tipicidade.
Ainda assim, os sujeitos têm uma considerável liberdade de conformação do regime das sociedades de cada um dos tipos. Isto significa que nos espaços não ocupados por lei e nos espaços ocupados pela lei dispositiva, há lugar para cláusulas atípicas, ou seja, cláusulas que, respeitando o núcleo essencial do tipo, se desviam, num ou noutro aspeto das típicas características do mesmo. As cláusulas atípicas que contrariem notas essenciais do tipo escolhido serão nulas (podendo tal nulidade parcial determinar a invalidade de todo o negócio), a menos que se conclua que essas e outras cláusulas configuram uma sociedade de tipo diverso do nomeado pelos sócios.
Ao olharmos para a legislação, vemos que cada regime jurídico é encabeçado por definições legais.
Todos os conceitos são fabricados por género e por uma diferença específica. Se é um contrato de compra e venda, pertence ao género contrato, mas tem várias características que fazem com que seja uma compra e venda e não uma doação. Depois podemos ter conceitos com características muito concretas – conceitos fechados, e outros com características muito fluídas – conceitos abertos.
Também isto se verifica quanto às sociedades. Por exemplo, o conceito de sociedade por quotas tem características muito fluídas e por isso é um conceito aberto.
O grau de liberdade de estipulação no contrato de sociedade comercial é dado pelo artigo 9º/3, CSC, de acordo com o qual “os preceitos dispositivos desta lei só podem ser derrogados pelo contrato de sociedade, a não ser que este expressamente admita a derrogação por deliberação dos sócios”.
Nesta matéria será relevante distinguir três tipos de normas:
1.
2.
3.
Normas imperativas;
Normas supletivas alteráveis pelos estatutos;
Normas supletivas alteráveis pelos estatutos e por deliberação infra estatutária: nos próprios estatutos tem de haver uma cláusula que admita a possibilidade de haver alteração da norma por deliberação infra estatutária.
Mas como sabemos que uma norma é imperativa? Umas vezes a própria lei determina se pode ser afastada ou não, outras temos que atender à ratio legis da norma. A norma será, em principio, injuntiva, se convocar a proteção de terceiros ou do contraente mais fraco.
As sociedades anónimas são o tipo de sociedade comercial com mais normas injuntivas, porque é nelas que há maior número de sócios e, consequentemente, maior dispersão.
Para além de tipos legais, podemos falar de tipos sociais o que nos permite perceber a realidade sociológica para além da lei.
Temos então as sociedades em nome coletivo como o paradigma das sociedades de pessoas, e as sociedades anónimas como paradigma das sociedades por capitais.
4.2. Caracterização dos tipos de sociedades
Para distinguir os tipos de sociedades interessem três critérios:
→ Responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais (existência/não existência da regra de ouro do capitalismo)
→ Modos de representação e transmissão das participações sociais
→ Estrutura orgânica
4.2.1. A responsabilidade dos sócios
Nas sociedades em nome coletivo existe responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais (artigo 175º). Esta é uma responsabilidade:
→ Subsidiária: há uma prévia excussão do património social e só depois desta é que respondem os sócios.
→ Solidária: qualquer um responde pela totalidade da dívida, tendo depois direito de regresso. É o facto de não existir regra de ouro do capitalismo que faz com que estas sociedades mal existam.
Nas sociedades por quotas não há responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais, salvo estipulação estatutária em contrário (artigo 197º/3). De acordo com este artigo “só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo o disposto no artigo seguinte”.
O que o artigo seguinte dispõe é que os estatutos da sociedade podem estabelecer que determinados sócios respondem pelos credores até certo montante (artigo 198º).
O artigo 197º/1 diz ainda que os sócios são solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato social. Este tema nãos el relaciona com a regra e ouro do capitalismo, mas com as obrigações de entrada. Basicamente, quando se começa a sociedade, tem de se entrar com dinheiro, bens, etc. Se alguém ficar a dever alguma coisa, todos os sócios ficam responsáveis pela dívida. A obrigação de entrada é uma obrigação que consiste num direito de crédito da sociedade em que o devedor é o sócio. Se um sócio não pagar, há responsabilidade solidária com outros sócios.
Nas sociedades anónimas não há responsabilidade limitada pura, sem exceções (artigo 271º). É a regra de ouro do capitalismo no sentido puro. Não há qualquer responsabilidade pelas dívidas sociais. O que pode acontecer é existirem credores fortes, como os bancos, que exijam nas fianças avalos pessoais e garantias.
Nas sociedades em comandita há uma diferenciação de papéis entre (artigo 465º):
→ Sócios comanditados: gerem a empresa, são sócios-‐empresários;
→ Sócios comanditários: são meros investidores que apenas põem o capital;
Os comanditários não respondem pelas dívidas sociais – existe a regra de ouro do capitalismo.
Já em relação aos comanditados, a regra de ouro não funciona e há responsabilidade pelas dívidas sociais. Esta é uma responsabilidade subsidiária e solidária com os demais sócios comanditados.
Para fugir a esta responsabilidade, há um mecanismo de articulação de títulos que faz com que o sócio comanditado não seja uma pessoa física, mas uma sociedade por quotas ou anónima com responsabilidade limitada.
4.2.2. Modos de representação e transmissão de participações sociais
Nas sociedades em nome coletivo, a participação social recebe o nome de “parte” (artigo 176º/1, c). As entradas dos sócios podem ser de:
→ Bens: bens móveis ou imóveis
→ Indústria: trabalho na sociedade
Existe uma grande restrição à transmissão das participações sociais, já que estas requerem o consentimento de todos os sócios.
Nas sociedades por quotas (artigos 202º e ss), as participações sociais são designadas por “quotas”.
Não podem haver contribuições de indústria (artigo 202º/1), mas apenas de bens, o que significa que estas são sociedades de bens e não de pessoas.
Quanto à transmissão, a regra é a transmissão com o consentimento da maioria dos sócios (artigo 228º/2). Esta regra retira-‐se deste artigo porque quando se diz “com o consentimento da sociedade”, o que está em causa é a deliberação dos sócios, e se não há uma especificação de deliberação, então é a razão simples que é a maioria simples. Este é um tipo extremamente elástico porque há liberdade de estipulação, mesmo nesta matéria da transmissão.
Pdoe estipular-‐se a necessidade de unanimidade ou afastar a necessidade de aprovação dos outros sócios.
Em todo o caso, apesar de haver liberdade de estipulação (artigos 228º e 229º), as quotas não podem ser representadas por títulos (artigo 119º). Os títulos são representações dos direitos em documento. Por exemplo, um cheque significa que o portador do cheque passa a ter o direito de levantar aquela quantia ao banco. Há títulos ao portador – em que saber quem tem o direito é dado pela posse do título, e títulos que não são ao portador.
Nas sociedades anónimas, as participações sociais chamam-‐se “ações”.
Não se aceitam contribuições de indústria, apenas de bens ou dinheiro (artigo 277º).
A regra base da transmissibilidade é a da livre transmissibilidade (artigo 328º). Podem, em todo o caso, ser estabelecidas cláusulas estatutárias que limitam de alguma forma, de maior ou menos medida, a regra da livre transmissibilidade das ações.
É possível criar títulos representativos das ações. As ações são valores mobiliários.
Nas sociedades em comandita há uma distinção entre:
→ Comandita simples: “partes” sociais;
→ Comandita por ações: os comanditários têm “ações” e os comanditados têm “partes”.
Quanto às entradas, tratando-‐se de:
→ comanditados, as entradas podem ser em bens ou indústria
→ comanditários, só podem entrar com bens
Relativamente à transmissão das participações (artigos 478º e 469º):
→ Na sociedade em comandita simples, os comanditados fazem a transmissão por consentimento da maioria e os comanditários fazem a transmissão por remissão ao regime das sociedades anónimas;
→ Na sociedade em comandita por ações, os comanditados fazem a transmissão por consentimento da maioria e os comanditados fazem a transmissão das ações pro remissão para o regime das sociedades pro quotas;
4.2.3. Estrutura orgânica
As sociedades coletivas são as que têm a estrutura orgânica mais simples. Salvo disposição em contrário, todos os sócios são gerentes, o que significa que existem alguma indistinção entre o que são sócios e o que são gerentes (artigo 191º).
A cada sócio/gerente pertence um voto – voto por cabeça. Trata-‐se do regime da democracia. Não existe qualquer órgão de controlo ou de fiscalização.
Nas sociedades por quotas, há uma maior complexidade orgânica (artigo 252º). A sociedade é administrada por gerentes que podem ser escolhidos entre estranhos e sócios. Quando se tratam de sócios, falamos da figura do “sócio-‐ gerente”. Apesar de a esfera poder coincidir, há uma diferenciação entre a qualidade de sócio e a qualidade de gerente.
Conta-‐se um voto por cada cêntimo do valor nominal da quota. O voto é atribuído em função da participação económica e não pelo número de pessoas. Trata-‐se do regime da plutocracia. Quem manda é quem arrisca mais capital.
De acordo com o artigo 259º, os gerentes devem atuar respeitando as deliberações dos sócios, o que quer dizer que os sócios podem dar instruções à gerência.
Nas sociedades por quotas pode haver um órgão de controlo, o conselho fiscal (artigo 262º), mas este não é obrigatório, pelo que não é muito comum que exista realmente.
Nas sociedades anónimas (artigos 390º/3 e 425º/6), os administradores podem não ser acionistas. Não interessa se é sócio ou não, quer-‐se é uma gestão profissional.
Cada ação corresponde a um voto, pelo que temos uma plutocracia (artigo 384º/1).
Do artigo 373º/3 resulta a proibição da instrução dos sócios à administração. Podem receber instruções, mas só se as pedirem.
Temos aqui uma grande complexidade orgânica porque existe sempre um órgão de gestão e outro de controlo (artigo 278º). Há três modelos orgânicos, todos eles com vários órgãos e sempre com diferenciação entre a gestão e o controlo. O modelo germânico é o que encontramos na alínea c.
Temos uma grande complexidade orgânica com uma clara diferenciação entre a gestão e o controlo de forma que não se encontra nas sociedades por quotas.
Nas sociedades em comandita, só os comanditados podem ser gerentes, salvo estipulação estatutária (artigo 470º/1).
Nas sociedades em comandita simples há uma remissão para as sociedades em nome coletivo (artigo 474º) e nas sociedades de comandita por ações há uma remissão para as sociedades anónimas (artigo 478º).
O esquema da articulação por tipos permite que em vez de A, o sócio seja A Lda., em que o único sócio seja A. Assim, pode atacar-‐se o património de A Lda., mas nunca o de A que estará sob o regime da sociedade por quotas.
5. A empresa e o sujeito jurídico
5.1. Considerações gerais
Os conceitos de sociedade e de empresa são amplamente confundíveis, dadas as inúmeras relações que se estabelecem entre os dois conceitos.
A sociedade é a forma jurídica da empresa, a sua técnica jurídica de organização. Assim, empresa e sociedade relacionam-‐se como matéria e forma.
A empresa é uma organização de meios de produção com uma exploração profissional de uma atividade económica:
→ Organização de meios de produção: capital/dinheiro
→ Exploração profissional: estável e autónoma, entregue a profissionais e não a amadores
→ Atividade económica: desenvolve uma atividade suscetível de expressão monetária, que pode ser destinada ao lucro, ou não. Por exemplo, as cooperativas não pretendem o lucro, mas desenvolvem uma atividade económica
Também se pode distinguir empresa em sentido subjetivo e empresa em sentido objetivo:
→ Empresa em sentido subjetivo: corresponde ao substrato da personalidade jurídica. Por detrás das sociedades comerciais estão empresas, mas nem todas as formas jurídicas têm subjacente uma empresa. Por exemplo, uma fundação é uma pessoa coletiva que tem como substrato um património e não uma empresa
→ Empresa em sentido objetivo: empresa enquanto objeto de negócio jurídico.
Há vários aspetos a levantar:
→ Há sociedades que não correspondem a empresas em sentido objetivo, tais como sociedades de profissionais liberais ou as SGPS puras;
→ As empresas têm conteúdos e formas próprias, distintos dos conteúdos e formas das sociedades;
→ A sociedade, embora signifique também ordenação de empresa além de ordenação patrimonial é, em boa medida, organização da empresa – quando exista – mas não só;
→ O exercício da atividade empresarial para que é constituída a sociedade é normalmente posterior a essa constituição (a sociedade precede a empresa), mas o inverso também pode acontecer, ou seja, alguém proprietário de uma empresa, entre com ela para a sociedade já constituída para a explorar;
→ O património da sociedade, mesmo depois de formada a respetiva empresa (ou empresas), não é idêntico ao património empresarial. Ainda que se considere tão-‐só o conjunto de bens do ativo social, é normal que o património da sociedade compreenda bens e valores não afetados à empresa;
→ A sociedade pode sobreviver à sua empresa, ou seja, em caso de dissolução, a sociedade mantém-‐se até ao final da liquidação, podendo verificar-‐se antes desse termo a extinção da empresa. Tal como pdoe extinguir-‐
se antes dela, isto é, num processo de liquidação da sociedade é a empresa alienada, continuando na titularidade do adquirente;
→ A sociedade pode efetuar negócios, tendo por objeto a respetiva empresa (vendendo-‐a, locando-‐a, etc.) – relação sujeito-‐objeto separáveis;
5.2. Negócio jurídico sobre empresas
Existem dois grandes tipos de negócios jurídicos sobre empresas:
→ Asset Deal – consiste na venda direta da empresa através do trespasse de estabelecimento. O trespasse é uma compra e venda de estabelecimento comercial. Há quem diga que não é bem uma compra e venda porque tem regras específicas, mas do ponto de vista analítico é uma compra e venda, à qual aplicamos os artigos 874º e ss.
→ Share Deal – venda indireta através das participações de controlo.
Ainda que a venda de empresas seja muito frequente, é muito raro que seja feita através de asset deal. Na esmagadora maioria dos casos a venda é feita através de share deal, através da venda de ações ou cessão de quotas, quer por razões de praticabilidade, quer por razões fiscais. Por vezes, pode haver razões jurídicas que fazem com que se use o asset deal.
Uma venda de participações sociais é sempre equivalente a um trespasse? É necessário vender 100% do capital social? Basta que seja apenas 50%?
Há uma grande querela doutrinária acerca deste assunto. Predominam três ideias:
→ Só quando é vendido 100% é que há um trespasse;
→ Basta que seja vendido 50% para que haja um trespasse;
→ Depende da dispersão do capital;
O professor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx defende a terceira conceção. É essencial saber aplicar os artigos 913º e ss, CC, sobre a compra e venda de coisas defeituosas.
Quando se compra uma coisa complexa, como uma empresa, é provável que se considere que há defeitos e que o valor da coisa não seja aquele que se acha que teria e, por isso, há uma grande tendência para a aplicação do regime da compra e venda de coisa defeituosa.
Podemos argumentar que as quotas e as ações não têm defeitos, mas têm subjacente o domínio da empresa – se a empresa afinal tem imensos defeitos, as ações e as quotas têm menos valor.
Quando é que podemos sustentar que o objeto indireto é relevante para aplicar o regime de coisa defeituosa? Interessa também saber qual a vontade das partes no contrato que foi redigido porque, por vezes, a própria vontade indicia que o que se está a querer vender é a empresa porque as cláusulas se referem à empresa na sua globalidade.
5.3. Alternativas às sociedades comerciais para formalizar uma empresa
Na esmagadora maioria dos casos, as empresas assumem a forma de sociedade. Mas existem alternativas:
1. Em primeiro lugar podem existir comerciantes em nome individual, que são pessoas singulares que têm uma empresa nos eu património pessoal, sem criação de um ente jurídico autónomo. Em alternativa, podem criar uma sociedade prr quotas a título individual, que beneficia da regra de ouro do capitalismo.
2. EIRL – Estabelecimento individual de responsabilidade limitada: figura específica para proteger o comerciante individual. Basicamente, consistia na existência de um património autónomo, o que significava que o comerciante tinha dois patrimónios: o geral e o autónomo. Esta figura já não existe do ponto de vista sociológico, porque deixo de fazer sentido a partir do momento em que a lei passou a admitir as sociedades por quotas a título individual.
3. Empresa pública: Há uma distinção entre sociedades privadas com capitais públicos e as entidades públicas empresariais. No primeiro caso, temos pessoas coletivas de direito privado, mas com aspetos especiais de regime; no segundo caso temos pessoas coletivas de direito público.
4. Sucursais: A sucursal é uma parte do estabelecimento comercial localizada no estrangeiro. Não é uma pessoa coletiva distinta. Em todo o caso, as sucursais constituem o património autónomo, sendo que essa autonomia se revela em vários aspetos: na contabilidade, nas relações com o fisco, ao nível da gestão da clientela... Há uma personalidade jurídica rudimentar, pois para diversos efeitos jurídicos pontuais, a lei trata a sucursal como uma entidade jurídica autónoma. Por exemplo, o CPC atribui personalidade judiciária às sucursais.
5. Cooperativa: é uma pessoa coletiva sem fins lucrativos, que visa a satisfação das necessidades, económicas, sociais ou culturais dos membros. Na cooperativa, pretende-‐se a realização e vantagens diretamente no património dos membros. Por exemplo, na cooperativa de habitação obtém-‐se a vantagem direta de obter um apartamento por valor mais baixo. Com as cooperativas, joga-‐se com uma alternativa ao sistema capitalista. Na CRP, na parte social e económica, são apontados três setores de iniciativa económica: a privada, a pública e a cooperativa. Há um código cooperativo de 2016 – tema dos excedentes e do retorno. Não havendo lucro, podemos ter excedente e quando há excedente, temos o retorno aos membros (figura semelhante à distribuição de dividendos). O retorno dos excedentes deve ser proporcional às transações efetuadas e não à participação social, como na distribuição de dividendos.
As cooperativas são uma figura das sociedades ou uma sub-‐espécie da sociedade?
o Para quem considera que as sociedades comerciais têm uma finalidade necessariamente lucrativa (não admitindo as sociedades sem finalidade lucrativa), as cooperativas são distintas das sociedades porque não visam o lucro.
o Para quem considera que as sociedades não têm necessariamente uma finalidade lucrativa, as cooperativas serão uma sub-‐espécie das sociedades. Noutro quadrantes, como no regime alemão, é pacífica a recondução da cooperativa a uma sub-‐espécie da sociedade.
Nota: há um regulamento sobre a sociedade cooperativa europeia que consiste numa pessoa coletiva de direito europeu. Basicamente, é uma cooperativa com passaporte europeu.
5.4. A cooperação interempresarial
Fala-‐se a este propósito de cooperação horizontal entre empresas, por oposição às relações de cooperação vertical (concessão comercial, franchising, etc.).
Aqui temos uma relação horizontal -‐ as empresas cooperam umas com as outras na prossecução de atividades económicas.
A este propósito, relevam quatro figuras, sendo que é possível haver sobreposição destes mecanismos:
→ Consórcio (uncorporated joint venture): é regulado pelo DL 231/81. É o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou coletivas, que exercem uma atividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa atividade. O dever primário é um dever de mera concertação e não de contribuição. Há, portanto, uma contraposição à ideia de sociedade, em que o dever primário da sociedade é a contribuição. Outro traço distintivo é que no consórcio não há personalidade jurídica e não há, sequer, um património autónomo. Há, inclusivamente, uma proibição de constituição de fundos comuns.
No artigo 2º, DL 231/81, temos uma série de atividades que podem ser objeto de consórcio:
¬ Realização de atos, materiais ou jurídicos, preparatórios quer de um determinado empreendimento, quer de uma atividade contínua;
¬ Execução de determinado empreendimento;
¬ Fornecimento a terceiros de bens, iguais ou complementares entre si, produzidos por cada um dos membros do consórcio;
¬ Pesquisa ou exploração de recursos naturais;
¬ Produção de bens que possam ser repartidos, em espécie, entre os membros do consórcio;
O consórcio pode ter duas modalidades (artigo 5º):
• Consórcio externo: aquele que é visível perante terceiros. Dentro do consórcio externo, podemos ter consórcio com organização e sem organização (artigo 7º). As competências do chefe do consórcio e do conselho de fiscalização são competências meramente internas. Pode acontecer que seja atribuída uma procuração ao chefe do consórcio, para ele interagir com terceiros, nos termos do Código Civil, uma vez que o regime do consórcio resulta que não há poderes externos atribuídos ao chefe.
• Consórcio interno: aquele que não é visível perante terceiros.
Do regime do consórcio não há uma responsabilidade comum dos membros. O que pode acontecer é que nos contratos com terceiros seja estipulada uma responsabilidade solidária, mas mais uma vez temos o uso de mecanismos civilísticos.
→ Associação em participação (conta em participação): Associação de uma pessoa a uma atividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros, ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda (artigo 21º, DL 231/81). Esta noção é próxima da noção da sociedade em comandita, mas difere pelo facto de a associação em participação não ter personalidade jurídica e não ter património autónomo. No entanto, noutras ordens jurídicas, a associação em participação é um tipo de sociedade.
Não tem personalidade jurídica e também não é um património autónomo.
A associação em participação surge frequentemente à ideia de secretismo do associado – esta figura permite ter algo semelhante a um sócio oculto. Por outro lado, este secretismo não permite ao sócio fazer uma gestão efetiva, nem ter poderes efetivos.
Não há exigências de forma para esta forma de cooperação. Isto faz com que haja uma tendência na jurisprudência para, tudo o que é acordos orais, ser reconduzido à figura da associação em participação.
→ Agrupamento complementar de Empresas (ACE): regulado pela lei 4/73 e pelo DL 430/73. Nos termos da lei, parece que os membros da ACE devem ser empresas em sentido subjetivo a que correspondam empresas em sentido objetivo. Destina-‐se ao exercício de uma atividade complementar sem finalidade lucrativa, com personalidade jurídica. Assim, a atividade-‐objeto do ACE há-‐de ser não só diversa, mas também auxiliar ou complementar das atividades exercidas pelos agrupados. Tal atividade é dirigida a melhorar as condições de exercício ou de resultado das atividades dos membros, não podendo o ACE ter por fim principal a realização e partilha de grupos.
O que existe é, pois, um escopo acessório de realização de lucros – derivados de operações do ACE com terceiros – e a sua partilha pelos membros será licita somente quando autorizado expressamente no contrato constitutivo do agrupamento.
O aspeto central do regime jurídico é a responsabilidade dos membros pelas dívidas sociais.
Os ACE adquirem personalidade jurídica com a inscrição do contrato de constituição no registo comercial. Tem um órgão deliberativo-‐interno -‐ tendo cada agrupado um voto – e um órgão de administração e podem ter, em certos casos, um órgão fiscalizante. Os agrupados respondem em regra solidariamente, embora subsidiariamente, pelas dívidas do ACE, não se aplicando a regra de ouro do capitalismo – há responsabilidade dos membros pelas dívidas sociai -‐, o que leva à questão do porquê de não se optar, antes, pela constituição de uma sociedade por quotas para que haja externalização do risco.
O direito subsidiariamente aplicável é o das sociedades em nome coletivo.
Exemplo: duas empresas de produção de têxteis constituem um ACE para comprarem em conjunto matérias-‐primas a transformar nos respetivos estabelecimentos fabris, ou para prospetar mercados, ou publicitar os seus produtos. Em qualquer dos casos, não visa ao ACE lucrar à custa dos seus próprios membros; visa é proporcionar matérias-‐primas mais baratas, ou possibilitar que os membros vendam mais e/ou mais caro. O ACE é instrumento para os agrupados, no essencial, realizarem economias ou conseguirem vantagens económicas diretamente produzíveis no património de cada um deles.
Serão os ACE’s distintos das sociedades?
• Xxxxxxxx xx Xxxxx – Os ACE’s são figuras distintas das sociedades, pois não há finalidade lucrativa;
• Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx – as sociedades não são caracterizadas por terem uma finalidade lucrativa, pelo que esta figura é um exemplo de sociedades comerciais.
→ Agrupamento Europeu de interesse económico (AEIE): regulado pelo regulamento 2137/85, é uma figura próxima ao ACE, mas para uma pessoa coletiva de direito europeu. É um Ace com um passaporte europeu.
6. Aspetos gerais da dimensão institucional das sociedades comerciais
6.1. A personalidade jurídica
Formado o substrato societário e cumpridos requisitos como a forma especial e o registo definitivo do ato constituinte, a lei atribui personalidade jurídica às sociedades civis de tipo comercial e às sociedades comerciais de acordo com o artigo 5º, CSC.
“As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem sem prejuízo quanto à constituição de sociedades por fusão cisão, ou transformação de outras”.
Estas (novas) sociedades também adquirem personalidade jurídica com o registo definitivo (artigos 112º, 120º e 130º, CSC).
A personalidade jurídica é o centro de imputação de efeitos das normas jurídicas. Distingue-‐se entre:
• Personalidade jurídica plena: temos normas jurídicas que expressamente atribuem a personalidade, significando que o novo ente jurídico pode, em principio, ser centro de imputação de toda e qualquer norma jurídica
• Personalidade jurídica rudimentar: figura que corresponde à situação em que apenas pontualmente temos normas jurídicas que atribuem efeitos jurídicos ao ente.
As sociedades comerciais têm todas personalidade jurídica plena. O CSC aplica-‐se às sociedades comerciais nos termos do artigo 1º, pelo que o artigo 5º, ao estabelecer que “as sociedades gozam de personalidade jurídica”, se refere a esta sociedades às quais o código se aplica.
Por sua vez, as sociedades civis não têm personalidade jurídica plena, mas podem ter um património autónomo e, por isso, para esse efeito, têm personalidade jurídica rudimentar. Às sociedades civis sob forma comercial é-‐lhes aplicável o CSC e, por isso, têm também personalidade jurídica plena. Aqui, segue-‐se a lógica do parágrafo anterior.
-‐sintetizando, todas as sociedades comerciais e civis de tipo comercial têm personalidade jurídica; e todas a têm a partir do registo do ato constituinte.
Existem dois sistemas de atribuição da personalidade jurídica às sociedades comerciais:
• Conceção administrativa, isto é, aquele que vigorava para as companhias comerciais
• Reconhecimento normativo condicionado, de acordo com o qual existe uma lei que estabelece o enquadramento normativo para a referida atribuição e, verificados os requisitos estabelecidos pelo mesmo, automaticamente por efeito ope legis, a sociedade passa a ter personalidade coletiva.
6.1.1. Teorias da natureza jurídica da personalidade coletiva
A primeira teoria sobre a natureza a personalidade coletiva é a Teoria da Ficção de Xxxxxxx. Os verdadeiros sujeitos das relações jurídicas são as pessoas naturais – os seres humanos, mas a ordem jurídica trata as pessoas coletivas como sujeitos de relações jurídicas como se fossem seres humanos, como uma ficção.
A esta teoria foi contraposta a Teoria Orgânica que invoca a ideia do organismo social e a ideia de que há um substrato sociológico real.
Temos, ainda, a Teoria do Realismo Jurídico de Ferrara, e acordo com a qual a pessoa coletiva é um produto da ordem jurídica. Esta ideia é uma espécie de ideia intermédia entre as duas outras teorias.
Existem ainda autores italianos desconstrutivistas que dizem que quando uma norma jurídica diz que a sociedade tem responsabilidade para pagar, o que o direito está a fazer é uma regulação indireta dos seres Humanos.
6.2. Capacidade jurídica
No nosso ordenamento jurídico existe uma distinção entre personalidade jurídica, capacidade de gozo e capacidade de exercício. Esta distinção não existe em todos os ordenamentos jurídicos. Por exemplo, no Direito Alemão, a personalidade jurídica e a capacidade de gozo são a mesma coisa. A tendência portuguesa deve-‐se ao facto de a capacidade de gozo se configurar como uma “meia medida”, entre o nada e a capacidade de exercício.
A capacidade jurídica é a medida da suscetibilidade de imputação dos efeitos da norma jurídica. A capacidade de exercício é a suscetibilidade de exercício jurídico.
Nem toda a gente faz a distinção entre personalidade e capacidade, dizendo que não é possível distingui-‐las.
A capacidade de gozo surge no artigo 6º/1, CSC: “A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, excetuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular”.
Esta questão levanta um problema: ode saber a medida de direitos e obrigações de que as sociedades podem ser titulares.
No século XIX circunscrevia-‐se a capacidade das sociedades aos atos previstos nos seus estatutos. Já recentemente, domina em alguns países (Alemanha e Itália, p. ex), a ideia de capacidade jurídica geral das sociedades. Estas podem ser titulares de todos os direitos e obrigações que não sejam incompatíveis com a sua natureza não humana e que não sejam contrários à lei.
No direito anglo-‐saxónico, um ato praticado por uma companhia fora do objeto estatutário é nulo, não podendo sequer ser ratificado pelos sócios.
Por fim, temos a possibilidade vigente me Portugal – a de balizar a capacidade das sociedades pelo escopo lucrativo que às mesmas se reconheça.
O artigo 6º/1 começa por dizer que “a capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, excetuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular”. Excluem-‐se, então, os direitos e obrigações vedados por lei e os inseparáveis pela natureza das coisas, da personalidade singular (direitos familiares, p. ex.) e incluem-‐se os indispensáveis à prossecução do fim da sociedade – princípio da especialidade.
Para este aspeto aponta o artigo 6º/2, CSC que tem por trás a ideia de finalidade lucrativa: estando em causa atos gratuitos, isto não joga bem com o fim lucrativo. Assim, “as liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta”, todas as outras, serão.
À primeira vista, parece haver uma limitação com base no fim lucrativo. No entanto, há quem diga que a capacidade é plena. Para quem discorda, e defende limites à personalidade de gozo, havendo uma atuação fora da capacidade de gozo, o ato praticado será, em principio, nulo.
Assim, nos termos do artigo 6º/2, as liberalidades não usuais são nulas. Liberalidades são atos gratuitos, sendo liberalidades usuais, por exemplo, o mecenato, o patrocínio de um jogador de futebol… Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx não concorda com esta avaliação casuística, considerando que a sociedade tem capacidade para todos os atos gratuitos.
A capacidade jurídica das sociedades comerciais não é limitada pelo objeto social, como resulta do artigo 6º/4, que permite que a sociedade vá para lá do seu objeto social, sendo isto um dado que reúne consenso na doutrina nacional. Assim, não será nula, por exemplo, ca compra de uma empresa de fabrico de tapetes de automóveis feita por uma sociedade dedicada ao comércio por grosso de artigos domésticos.
Ainda assim, não é em vão que as sociedades têm um objeto estatutário. Da parte final do artigo 6º/4 resulta o dever de os órgãos sociais não excederem o objeto. A violação deste dever acarreta sanções.
Aqui temos que fazer em distinção entre dois grupos:
• Sociedades em nome coletivo e em comandita simples: os gerentes não têm competência; têm falta de poderes de representação para a prática de atos fora dos limites do objeto social (artigo 192º/2 e 3). Estes atos serão ineficazes, a menos que sejam ratificados por unanime deliberação, expressa ou tácita, dos sócios (artigo 192º/3);
• Sociedades por quotas, anónimas e em comandita por ações: têm, em regra, os gerentes ou administradores os poderes de representação suficientes para as vincularem por atos alheios ao objeto social (artigos 431º/3 e 478º); só assim não é quando se verifique o disposto nos artigos 260º/2 e 409º.
Sobre este tema há três tradições europeias:
• Tradição de Common Law: a capacidade de gozo é limitada e, por vezes, atuava-‐se para lá da capacidade de gozo, culminando na nulidade do negócio. Esse limite e tipicamente o objeto social. O objeto social é a cláusula estatutária que limita a atividade exercida. Esta doutrina protege os sócios minoritários, sendo esta a sua rácio.
• Tradição francesa: a capacidade de gozo é limitada pelo fim (teoria da especialidade). Não está em causa o objeto social, mas o fim, que pode ser lucrativo, ou não. Esta teoria é tipicamente adotada em conjunto com a ideia de que a finalidade das sociedades comerciais é a sociedade lucrativa. Nesta teoria, protege-‐se os sócios minoritários e os credores. Deixa-‐se em proteção os terceiros e o tráfego jurídico.
• Tradição germânica: há uma capacidade de gozo plena, independentemente do objeto e do fim social. Protege-‐se essencialmente o tráfego jurídico.
A posição germânica foi adotada na primeira diretiva de coordenação (Diretiva 2009/101/CE), embora de forma tácita, uma vez que esta diretiva não trata diretamente do tema da capacidade, mas sim da representação. Diz esta diretiva que há sempre vinculação, exceto se houver abuso de representação.
O artigo 6º, CSC acolhe a tradição francesa. Na opinião do professor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, numa leitura literal, este artigo não é válido porque não pode ir contra a diretiva, que diz que a capacidade jurídica tem de ser plena.
Nos termos do artigo 6º/2, as liberalidades não usuais são nulas. Liberalidades são atos gratuitos, sendo liberalidades usuais, por exemplo, o mecenato, o patrocínio de um jogador de futebol… Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx não concorda com esta avaliação casuística, considerando que a sociedade tem capacidade para todos os atos gratuitos.
O artigo 6º/3 já se torna mais complexo relativamente à interpretação. Neste número são proibidas garantias reais ou pessoas a favor de terceiro, com duas exceções: se houver interesse próprio, ou se houver relação de domínio ou de grupo.
As garantias a favor de terceiros são, em princípio, atos gratuitos. É esta a rácio da norma ao dizer que este tipo de operações são contrárias ao fim da sociedade, que pressupõe a finalidade lucrativa.
A ideia de justificado interesse próprio pode ter o sentido de prestar garantias onerosas, mas pode significar também a prestação de garantias gratuitas e, ainda assim, haver esse interesse próprio. É, por exemplo, o caso de uma empresa que presta garantias a outra quando as duas mantenham uma relação imensa, sendo uma fornecedora de outra, por exemplo. Alguns autores, como Xxxxxxxx xx Xxxxx, defendem que só faz sentido abrir a exceção de domínio de relação ou grupo quando é a sociedade-‐mãe a beneficiar a sociedade-‐filha. Se for a sociedade-‐filha a prestar garantias à sociedade-‐mãe, essa garantia já não será válida
Dizer que há relação de domínio ou de grupo significa dizer que uma sociedade detém mais de 50% do capital social da outra.
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Sintetizando, na opinião do professor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, dado o imperativo de interpretação conforme à Diretiva, o artigo 6º/1 e 3 deve ser interpretado no sentido da plena capacidade das sociedades comerciais.
Como tal, e uma vez que se verifica na doutrina uma querela sobre a possibilidade das sociedades comerciais realizar, ou não, atos gratuitos, tal interpretação permite afirmar a validade dos mesmos. Estes serão plenamente válidos e eficazes, sem prejuízo de aplicação de institutos gerais, como os do abuso do poder de representação, do negócio consigo mesmo, da impugnação pauliana e da resolução em benefício da massa insolvente. Esta eficácia dos atos gratuitos, ao nível da relação externa com terceiros, não se confunde com os problemas da ilicitude, ao nível da relação interna dos administradores com a sociedade.
A prática de atos gratuitos pelos administradores poderá consistir, em determinadas circunstâncias, numa violação do dever de gestão ou do dever de lealdade, podendo convocar os remédios da responsabilidade civil e da destituição com justa causa.
Quanto à capacidade de exercício, não se fala expressamente na lei. Deve afirmar-‐se que as sociedades têm capacidade de agir ou de exercício de direitos, têm aptidão para atuar juridicamente, exercendo direitos e cumprindo obrigações direta e permanentemente (através de órgãos) ou indireta e pontualmente (através de representantes voluntários).
Elas são capazes de querer e de atuar, de formar vontade e de manifestá-‐la para o exterior. Fazem-‐no, é certo, através de órgãos, contudo, o que liga os representantes desses órgãos à sociedade não é um nexo de representação, mas antes um nexo de organicidade. Os órgãos são parte componente das sociedades, a vontade e os atos daqueles são parte componente das sociedades, a vontade e os atos daqueles são a vontade e os atos destas.
Porém, as sociedades não atuam apenas através de órgãos de representação. Podem fazê-‐lo através de representantes voluntários, como por exemplo, mandatários incumbidos de celebrar certos contratos ou advogados para as representarem em tribunal. Esta possibilidade está prevista nos artigos 252º e 391º/7 para as SQ e as SA, respetivamente.
A doutrina adota algumas posições nesta matéria:
• Uma teoria inspirada em Xxxxxxx, que diz que as pessoas coletivas não têm capacidade de exercício, pois não são elas por si que celebram negócios jurídicos, têm de ser os seus representantes. Esta é a posição tradicional e é também a posição defendida pelo professor Xxxxxxx Xxxxx. Há incapacidade de exercício e problemas de imputação. Não é a pessoa jurídica que atua através do órgão, por isso tem que se saber quando é que o administrador tem comportamento imputável à sociedade e outros momentos em que não é. O que importa é verificar se há imputação delitual aferindo se estão ou não, a atuar no exercício da função.
• Outra teoria diz que são os órgãos da pessoa coletiva que atuam e isso significa que as pessoas coletivas têm capacidade de exercício. Quando há qualquer negócio que foi celebrado pela pessoa jurídica, há uma operação de imputação do comportamento dos seres humanos à pessoa coletiva (Oliveira Ascensão).
• Outras teorias organicistas em Portugal dizem que não há incapacidade de exercício porque a sociedade age através dos órgãos.
6.3. A desconsideração da personalidade jurídica
A desconsideração da personalidade jurídica é uma teoria de jurisprudência que não tem qualquer apoio na letra da lei -‐ é puramente uma ficção. Do ponto de vista técnico, a melhor forma de enquadrar legalmente esta criação é através do artigo 344º, CC sobre o abuso de direito. Temos também o regime jurídico do artigo 84º, CSC sobre a responsabilidade do sócio único que é contudo, pelo que se pode constatar da epígrafe, de aplicação bastante limitada.
A desconsideração da personalidade jurídica é uma figura que se relaciona com o facto de o património da sociedade não estar ao serviço da pessoa jurídica em si, mas sim dos sócios, o que leva à tendência de, por vezes e em certos casos, não se atribuir efeitos absolutos à personalidade jurídica das sociedades comerciais.
A desconsideração da personalidade jurídica pode, então, ser definida como a “derrogação da autonomia jurídico-‐ subjetiva e/ou patrimonial das sociedades em face dos respetivos sócios”.
Esta derrogação apoia-‐se principalmente em dois pilares:
• A interpretação teleológica de disposições legais e negociais
• O abuso de direito
No fundo, o que ocorre é uma operação jurídica contra legem em que se desconsidera a personalidade jurídica da sociedade e se quebra a regra de ouro do capitalismo, em que os sócios não respondem pela sociedade. Assim sendo, esta é uma situação perigosa para o Direito das Sociedades, o que a torna de verificação pontual.
Existem dois grupos de casos em que se aplica a desconsideração da personalidade jurídica:
• Casos de imputação: determinados conhecimentos, qualidades ou comportamentos dos sócios são referidos ou imputados à sociedade e vice-‐versa.
• Casos de responsabilidade: a regra da responsabilidade ou da não responsabilidade que beneficia certos sócios e quebrada
Casos de imputação (exemplos):
a) Uma pessoa, por efeito de um trespasse, fica obrigada a não concorrer com o trespassário durante certo tempo, viola tal obrigação ao constituir uma sociedade unipessoal com objeto idêntico ao do estabelecimento alienado, ou quando entra para uma sociedade concorrente nela passando a exercer funções de administração, ou ficando numa posição maioritária. Se afastarmos o panorama societário, temos o sócio a concorrer com o trespassário. Neste caso, podem os tribunais decretar que se considera a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade e imputar o comportamento à própria pessoa.
b) O código civil proíbe, sob pena de anulabilidade, a venda a filhos ou netos sem o consentimento dos outros. Também assim será quando esteja em causa a venda de um estabelecimento feita pelos pais a uma sociedade constituída por um ou mais filhos sem que os outros consintam. Levantando o véu da personalidade societária, vêm-‐se os filhos a adquirir dos pais, embora indiretamente.
Casos de responsabilidade (exemplos): estão sempre ligados com a derrogação da regra de ouro do capitalismo para que os sócios sejam responsabilizados em lugar da sociedade. Nestes, por regra, a sociedade já tem várias dívidas, mas vê-‐se que a atuação dos sócios foi errada e em prejuízo dos credores sociais, podendo ser de outra maneira menos gravosa para estes, pelo que se desconsidera a personalidade jurídica da sociedade e se responsabiliza os sócios.
a) Descapitalização provocada pelos sócios: caso em que estamos perante uma sociedade de responsabilidade limitada que tem problemas de liquidez, perante a qual os sócios deslocam a produção para uma nova sociedade com um objeto similar e por eles constituída. A primeira sociedade acaba por cessar ou diminuir drasticamente a sua atividade, ficando impossibilitada de cumprir obrigações para com terceiros. Verifica-‐se um abuso de direito, uma vez que os sócios podem dissolver a sociedade, mas não podem agravar ou aumentar a crise liquidando-‐a com total prejuízo para os credores. A regra de ouro do capitalismo não pode ser utilizada como instrumento de inflição de danos aos credores. Deveria então desconsiderar-‐se a personalidade jurídica da primeira sociedade, não sendo observada a regra da autonomia do património social em face do património dos sócios, passando estes a responder, excecionalmente, perante os credores sociais de forma subsidiária.
b) Mistura de patrimónios: se uma pessoa singular usa e abusa do património da sociedade em seu favor e prejuízo dos credores sociais, levando a que seja inviável distinguir o património do sócio e o da sociedade, se a sociedade cair em situação de insolvência, não se observará a regra da responsabilidade limitada nem o principio da separação, constituindo-‐se o sócios numa situação em que terá que responder pelos credores.
6.4. A representação e vinculação das Sociedades
As sociedades intervêm eficazmente em atos jurídicos por meios de órgãos, ou seus titulares e de representantes voluntários. Os órgãos aqui em causa são os de administração e representação, nomeadamente, de gerência, conselho de administração. Mais raramente, a representação orgânica da sociedade pode também competir ao órgão deliberativo da sociedade (assembleia-‐geral), ao fiscal único ou conselho fiscal, ao conselho geral e de supervisão e, excecionalmente, aos sócios, mas não enquanto órgão.
No entanto, esta representação não é a representação propriamente dita. Os órgãos são parte componente da sociedade; os titulares dos órgãos não querem, nem atuam como terceiros em substituição ou em vez da sociedade (vontade e atos orgânicos são vontade e atos da sociedade). Fala-‐se, por isso, de representação orgânica.
Pela análise dos artigos 192º/1, 252º/1, 405º/2 ou 431º/2, conclui-‐se que existe uma equivalência entre os termos vinculação e representação civil. Esta não é, porém, uma representação propriamente dita já que os órgãos das sociedades e os seus titulares não atuam como terceiros em substituição ou em vez da sociedade. Fala-‐se, por isso, de representação orgânica.
É preciso distinguir as duas competências das sociedades:
• Competência interna: poder de administração ou gestão
• Competência externa: poder de representação
Na letra da lei, esta distinção é muito visível no regime das sociedades por quotas e das sociedades anónimas.
Podemos verificar esta distinção em vários artigos:
→ Artigo 252º, “A sociedade é administrada e representada”
→ Artigo 261º, “(…) os gerentes-‐delegados só vinculam a sociedade (…)”
→ Artigo 405º, fala no seu nº1 na competência interna e no seu nº2 na competência externa
→ Artigos 406º e 407º, falam de poderes de gestão e, portanto, de competência interna
→ Artigos 408º e 409º, falam de representação e vinculação, portanto de competência externa
A competência interna é interorgânica. Por vezes, é um único órgão que toma todas as decisões, mas nas decisões mais complexas, há decisões que passam por vários órgãos. Tudo isto é competência interna, que se distingue da atuação perante terceiro.
Delegada
Representação orgânica conjunta
Originária
Temos vários tipos de vinculação:
Representação aparente
Representação voluntária
Vinculação
A regra da vinculação na representação é a da representação orgânica conjunta.
Não basta a atuação de um único administrados ou gerente, mas de vários administradores e gerentes para vincular
a sociedade.
(artigos 408º e 261º)
A representação orgânica divide-‐se em (artigos 408º/2 e 261º/2):
• Originária
• Delegada
As sociedades vinculam-‐se também por meio de representantes voluntários (artigos 252º/6 e 391º/7). Porém, nestes casos, o regime aplicável é o do Código Civil e não o do Código das Sociedades Civis e Comerciais.
Por fim, temos a vinculação aparente segundo a qual há vinculação quando há algo semelhante a uma procuração (artigo 23º, DL 178/86). Aqui não há uma atuação de um número suficiente de administradores nem procuração e pode ainda assim haver vinculação. Isto quando existam razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa-‐fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança no terceiro. Quanto à justificação da confiança, interessa aqui a medida em que o representante contribuiu.
Exemplo: Caso em que foi apenas um gerente a assinar (artigo 261º) e não havia nenhuma procuração. Depois o gerente lega que nos outros contratos anteriores, no âmbito daquela relação, tinha sido sempre apenas ele a assinar.
Se nenhuma das normas anteriores puder ser aplicada, significa que o negócio foi aplicado com falta de poderes de representação, cuja consequência jurídica é a ineficácia (artigos 268º e 269º, CC).
Para as situações de representação passiva temos um regime especial, para efeitos de a sociedade ser destinatária de declarações negociais. Nestes casos, a regra é a da representação orgânica passiva singular.
Assim, de acordo com os artigos 408º/3 e 261º/3, CSC, “As notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos administradores/gerentes, sendo nula toda a disposição em contrário do contrato de sociedade”.
Quando é que sabemos que temos uma atuação em representação? Invocando o nome do representado, de acordo com o artigo 258º, CC. Não há nenhuma norma no Código das Sociedades Comerciais que regule os pressupostos da eficácia da representação no que toca às sociedades. Aplicamos, por isso, o artigo 258º do CC, o que significa que há dosi requisitos para a representação ser eficaz:
1. Haver poderes de representação
2. Invocar o nome do representado (expressa ou tacitamente)
Muitas vezes, sobretudo nos negócios mais complexos, temos expressamente consignado que quem atua é o administrador X em nome da sociedade Y, mas depois no mundo dos negócios alguém pega no telefone e diz que encomenda 100kg de plástico, sendo o “encomendamos” tácito para que a compra é feita pela sociedade.
6.4.1. Patologia da representação social
Vamos agora falar do abuso do poder de representação e do negócio consigo mesmo que funcionam como válvulas de escape em matéria de representação negocial
Quer o abuso do poder de representação, quer o negócio consigo mesmo são aspetos negativos do regime de representação que estão consagrados no Código Civil, respetivamente nos artigos 269º e 261º.
Em todo o caso, existem também normas no Código das Sociedades Civis que são consagrações dos mesmos institutos, ainda que sejam manifestações mais reduzidas, não preenchendo todas as possibilidades. Assim, teremos sempre que recorrer ao Código Civil.
O regime do Código Civil também não é perfeito, pelo que, por vezes, o Código das Sociedades Civis acaba por oferecer a melhor solução.
6.4.1.1. O abuso de poder de representação
O regime do abuso de poder de representação encontra-‐se no artigo 269º do CC. Este artigo encontra-‐se numa secção sobre representação voluntária, o que levanta a questão de poder ser aplicado à representação orgânica ou não. A doutrina é nesta situação pacífica, assumindo que este artigo também se aplica à representação orgânica.
Temos dois requisitos para que seja aplicável a ineficácia quanto ao negócio celebrado:
1. Abuso dos poderes pelo representante
2. Conhecimento ou dever de conhecimento pelo terceiro
O que está aqui em causa é uma atuação no âmbito formal dos poderes, mas que viole os deveres ou extravase a permissão/autorização de atuar. Temos dois casos paradigmáticos:
• A atuação em conflito de interesses (violação do dever de lealdade)
• A atuação com falta de diligência no exercício do mandato (violação do dever de diligência, de mandato)
Em relação à teoria do direito civil, há aqui uma distinção entre poder e dever/permissão.
O poder é a possibilidade de produzir efeitos jurídicos neste regime. Esta conceção de poder opõe-‐se aos outros direitos e deveres.
Temos, então, por um lado a questão da eficácia jurídica ligada à representação e, por outro lado, os deveres e os direitos ligados à responsabilidade civil do representante para com o representado. A lógica desta norma prende-‐se com a proteção do tráfego jurídico. O abuso de representação funciona como válvula de escape: em casos excecionais em que o terceiro conhecia ou devia conhecer o abuso, a lei permite que o negócio seja ineficaz em relação ao representado.
Este abuso de representação funciona como escape para o sistema, com a ideia de que os poderes são formais, o terceiro não tem de saber nada, mas se o terceiro sabia ou devia saber que havia uma atuação em conflito de interesses, então já não merece proteção e já não há eficácia.
No Código das Sociedades Comerciais temos o artigo 409º/3 para as sociedades anónimas e o artigo 260º/2 para as sociedades por quotas a manifestar a ideia do abuso de representação.
Então, qual será a diferença entre o 260º/2 e o 269º, CC? é que este regime apenas se refere a um caso pontual de abuso de representação – o abuso de representação contra o objeto social. A atuação em conflito de interesses, a má gestão… não estão previstas no CSC, sendo para estes casos necessária a aplicação do Código Civil.
O mesmo se verifica relativamente ao artigo 490º sobre as Sociedades Anónimas.
É costume distinguir as situações de abuso de poder de representação em sentido estrito, das situações de conluio ou colusão. O conluio é quando o terceiro se associa intencionalmente ao representante para prejudicar o representado. Há uma atuação concertada e dolosa entre o terceiro e o representante.
Quando não há esta intenção podemos, em todo o caso, ter um caso de abuso de representação porque o terceiro sabia, ou devia saber que a atuação era abusiva, dependendo das circunstâncias do caso.
Por inspiração germânica, parte da doutrina portuguesa acredita que as situações de conluio, por serem mais graves, não devem ser sancionadas pelo artigo 269º, CC, mas pelo artigo 280º, CC e pela nulidade.
6.4.1.2. O negócio consigo mesmo
O negócio consigo mesmo é o segundo desvalor da eficácia da imputação social. É uma segunda válvula de escape. Temos na mesma o regime dos poderes abstratos que se contrapõem aos poderes e deveres cuja ideia é que, havendo situações em que o conflito de interesses é tão evidente, que o legislador se antecipa e diz que nesses casos há ineficácia. Assim, eu nem tenho de fazer prova de se houve ou não abuso, ou se o terceiro sabia ou devia saber. As
circunstâncias eram tão graves que se risca este contrato do mapa. Este é o caso do negócio consigo mesmo.
Este regime está previsto no artigo 261º, CC e no artigo 397º/2, CSC para as sociedades anónimas. Não existe norma para os outros tipos societários, o que conduz a uma querela doutrinária: ou se aplica o Código Civil, ou se aplica o artigo das sociedades anónimas analogicamente aos outros tipos de sociedades.
O primeiro artigo, o do Código Civil, prevê como sanção a anulabilidade, enquanto que o artigo do Código das Sociedades Civis prevê como sanção a nulidade.
Existem quatro sub hipóteses de negócio consigo mesmo:
1. Negócio consigo mesmo stricto sensu: o administrador-‐representante vende a si próprio.
2. Dupla representação: o administrador vende a um terceiro do qual também é administrador ou representante, intervindo na compra e venda como representante quer do comprador, quer do devedor. Surge em ambas as partes do negócio jurídico.
3. Sub-‐representação: situação em que o administrador delega os seus poderes e a pessoa em quem delegou vai fazer-‐lhe uma venda a si. Não vendeu a si próprio, mas arranjou um sub-‐representante que o fez.
4. Co-‐representação: o gerente não vendeu a si próprio, mas o seu colega na gerência vendeu-‐lhe a si.
No artigo 261º, CC estão previstas as três primeiras formas de negócio consigo próprio, mas não a última – a co-‐ representação.
Já no artigo 397º/2 não está prevista a dupla representação, apenas as outras três modalidades de negócio consigo mesmo.
Existe ainda a possibilidade do negócio consigo mesmo indireto. Se olharmos para a letra do artigo 397º/2, vê-‐se logo que são nulos os negócios celebrados por administradores diretamente ou por pessoa interposta. Se eu usar uma sociedade veículo para esconder que sou eu, é proibido na mesma
Independentemente da maneira de atacar o tema da interposição de pessoas, temos algumas normas que sancionam determinados casos específicos. Para efeitos do negócio consigo mesmo, só temos que olhar para os artigos 397º/2 e para o artigo 261º e é o bastante.
A única norma do ordenamento jurídico que aplica o que é uma pessoa interposta é o artigo 579º/2. É o caso do cônjuge, do herdeiro presumido, de uma pessoa com xxxxxxx. Ainda assim, esta norma é insuficiente porque não inclui, sequer, a sociedade veículo.
Este esquema de interposição é apenas um acréscimo às outras quatro hipóteses referenciadas acima.
Existe, todavia, um regime de autorização. Se houver autorização que dissipe o conflito de interesses, admite-‐se o negócio.
→ Nas Sociedades Anónimas, resolve-‐se por deliberação do Conselho de Administração, com impedimento de voto do visado e parecer favorável do órgão de controlo;
→ Nos outros tipos de sociedade, ou se aplica por analogia o artigo 397º/2, ou o 261º do CC que apenas exige a autorização do representado;
6.5. A imputação delitual
6.5.1.A imputação extracontratual ou delitual
Está aqui em causa a imputação da responsabilidade extracontratual (artigos 483º, CC e ss.). As pessoas coletivas também são responsabilizadas por delitos, ilícitos ou pelo risco.
Por exemplo, quando há um atropelamento por parte de um autocarro da carris, a carris enquanto sociedade é responsável. Quando cai um cabo de alta tensão e isso provoca um incêndio, a EDP é responsabilizada.
Na teorização inicial de Xxxxxxx sobre as pessoas coletivas, este sustentou que as pessoas coletivas não podiam ser responsáveis delitualmente. A história, porém, veio dar razão à ideia de que as pessoas coletivas devem responder pelos ilícitos.
Para esta matéria temos dois artigos importantes:
→ Artigo 6º/5, CSC: “A sociedade responde civilmente pelos atos ou omissões de quem legalmente a represente, nos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos comissários”.
→ Artigo 165º, CC: “As pessoas coletivas respondem civilmente pelos atos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos seus comissários” – remissão para os artigos 500º e ss., CC.
Artigo 500º, CC – responsabilidade do comitente
1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
3. O comitente que satisfazer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, exceto se houve também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o disposto no artigo 497º/2.
O que é relevante é averiguar se o representante está a atuar no âmbito dos seus poderes. A pessoa coletiva não tem de ter culpa, respondendo objetivamente pela atuação do comissário. Porém, o comissário cuja atuação é imputável à pessoa coletiva tem de ter culpa – tem de haver responsabilidade subjetiva.
Isto é o que resulta da letra da lei, mas a doutrina vai mais além. Xxxxxxx cordeiro defende que em vez de ter de se identificar o representante, encontrar a sua culpa individual para depois se responsabilizar objetivamente a pessoa coletiva, deve falar-‐se da culpa da organização sem ter de se colocar no credor o ónus de provar que houve atuação com culpa.
Basicamente, não tem que se identificar o administrador, o gerente, o colaborador, o que seja, que atuou em concreto praticando o ato culposo. Apenas tem de se dizer que o facto que gera responsabilidade tem a ver com a organização da pessoa coletiva. É o ilícito culposo da pessoa coletiva em vez do ilícito culposo do comissário. Não vale a pena entrar em detalhes -‐ há uma culpa da pessoa coletiva.
O problema desta doutrina é a falta de base legal. Ainda assim, se olharmos para a law in action e para a jurisprudência, na maior parte dos litígios culpa-‐se as sociedades sem se detalhar quem foi o culpado.
Temos um fenómeno reflexo quanto a este tema. Associada à responsabilidade delitual, surge a irresponsabilidade do administrador ou do colaborador. Se uma conduta era imputável à pessoa coletiva, não faz sentido responsabilizar o administrador se ele atuou em representação da pessoa coletiva, devendo ser esta a pessoa atacada e não o ser humano que agiu em concreto. Trata-‐se do privilégio da irresponsabilidade dos administradores orgânicos.
Assim, se, por exemplo, há uma queixa contra o barulho do metropolitano. Nãos e vai culpar os administradores da sociedade.
6.5.2. Imputação negocial de estados subjetivos
Está aqui em causa um contexto negocial contratual. É aplicável o artigo 259º, CC:
1. “À exceção dos elementos em que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do representante que deve verificar-‐se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vicio de vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem intuir nos efeitos do negócio”.
2. “Ao representado de má-‐fé não aproveita a boa-‐fé do representante”.
Há que distinguir a imputação de estados subjetivos vantajosa e desvantajosa. No artigo 259º/2, CC está prevista a hipótese da desvantagem; já no nº1 estabelece-‐se regras para a situação vantajosa.
A situação desvantajosa relaciona-‐se com o facto de o representante nãos e poder prevalecer pelo estado subjetivo do representante: não interessa que o representante esteja de boa-‐fé, se o representado estiver de má-‐fé não pode aproveitar a boa-‐fé do representante.
A situação vantajosa permite que estando o representante de má-‐fé, o representado de boa-‐fé (caso contrário aplicar-‐se-‐ia a situação desvantajosa do nº2) poderá arguir a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, não sendo prejudicado pela má-‐fé do representante.
Assim, tudo passa pela interpretação dos estados subjetivos do representante e do representado.
Passando isto para o plano das sociedades, temos dois protagonistas na representação voluntária: o representante e o representado. Ora, a pessoa coletiva não é de carne e osso, pelo que o representado não pode ter estados subjetivos de boa-‐fé ou má-‐fé. Isso convoca problemas que fazem com que tenha que se fazer uma interpretação criativa do artigo 259º para resolver os problemas de imputação de estados subjetivos que digam respeito à pessoa coletiva.
Outro problema que se coloca na aplicação deste regime às sociedades tem a ver com o facto de que as sociedades são tipicamente representadas por mais do que um administrador que acabam por encarnar a figura do “representado”. Bastará apenas que um dos representados esteja de má-‐fé? Se estivermos na perspetiva desvantajosa sim, bastará um.
É preciso ter cuidado na aferição dos estados subjetivos, uma vez que muitas vezes o administrador atua enquanto representante, mas é ao mesmo tempo o representado já que é em si que reside a “vontade da sociedade”. Assim, não teremos verdadeiramente um estado subjetivo do representante e um estado subjetivo do representado já que se tratam da mesma pessoa.
7. Constituição das sociedades comerciais
7.1. Considerações gerais
A constituição de uma sociedade comercial não se trata de um ato, mas sim de um processo (conjunto de atos). Temos um negócio jurídico (artigo 7º), o registo (artigo 5º) e a publicidade (artigo 167º). o regime geral do negócio jurídico é convocado na criação de um contrato elaborado na criação da sociedade. São estes os atos mínimos necessários.
Consoante as modalidades de constituição podemos ter necessidade de mais atos, o que torna tudo mais complicado.
Exige-‐se também um certificado de admissibilidade. Ao ser constituída, a sociedade terá que ter um nome que lhe permitirá não ser confundida com outras sociedades, que a permita diferenciar-‐se. A necessidade do certificado de admissibilidade surge neste sentido.
As últimas décadas são regras de desburocratização. Assim, com a reforma de 2006 foi abandonada a escritura pública: já não é necessário constituir sociedades comerciais por escritura pública. A primeira diretiva de coordenação exige, ainda assim, um controlo público da constituição das sociedades comerciais que é realizado pelos conservadores do registo comercial, pelos notários ou por ambos. Em Portugal, tradicionalmente, eram ambos. Atualmente, a tendência é ser apenas o conservador.
Há uma tendência cada vez maior da utilização de suportes eletrónicos, sendo já possível criar uma empresa online.
Desta forma, sobrepõem-‐se o negócio constitutivo e o registo online.
Ainda na ótica da desburocratização, mais uma ideia: a constituição das sociedades comerciais, sendo um processo, implica sempre algum tempo, tradicionalmente, muito tempo. Hoje existe uma facilidade neste sentido, através da criação de empresas através da modalidade “Empresa na hora”, uma facilidade para a criação de empresas pela sua rapidez e pelo facto de mostrar já alguns nomes disponíveis para empresa. Um dos problemas desta modalidade relaciona-‐se com o registo prévio: muitas delas ficam-‐se pelo ato constitutivo transformando-‐se em sociedades fantasma, de forma a mover-‐se no mercado ilegal/económica paralela.
O artigo 18º/4 permite o registo prévio do contrato de sociedade, o que permite à sociedade ter alguma personalidade jurídica, já que esta se torna assim já oficial.
Esta permissão acarreta, contudo, alguns problemas, uma vez que muitas vezes as sociedades não se chegam a constituir na sua plenitude, mas realizam negócios jurídicos. Sendo a constituição de uma sociedade um processo composto por uma sequencia de atos, se não se terminar essa sequencia, teremos uma sociedade clandestina.
Antigamente, acontecia muito as sociedades fazerem o negócio jurídico, mas não o registo e a publicidade, por exemplo. Hoje isto já não se verifica com frequência.
7.2. Modalidades de constituição
Existem várias modalidades de constituição de sociedades:
• Comum
• Empresa na hora
• Empresa online
• Registo prévio
• Subscrição pública
• Fusão/cisão
• Saneamento por transmissão
• Ato legislativo formal
7.2.1. Comum
A modalidade de constituição comum de sociedade exige três atos:
• Negócio jurídico institutivo (artigo 7º): “deve ser reduzido a escrito e as assinaturas dos seus subscritores devem ser reconhecidas presencialmente, salvo se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade, devendo, neste caso, o contrato revestir essa forma (…)”.
• Registo (artigos 5º e 18º/5): “as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do regime definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras”. O registo é feito na Conservatória do Registo Comercial
• Publicidade (artigos 166º e 167º): antes a publicidade era feita na terceira série do DR, hoje é no sitio do registo Notarial das Pessoas coletivas, sendo acessíveis por qualquer terceiro. Quem promove isto é a Conservatória e não os particulares.
7.2.2. Empresa na hora
Esta modalidade de constituição de sociedade vem disposta no DL 111/2005. Acaba por ser um modelo similar ao modelo comum, mas com um negócio institutivo e com uma firma previamente aprovadas. É por isso que é de criação rápida.
Requisitos:
• Só pode ser utilizada para sociedades anónimas e para sociedades por quotas (artigo 1º);
• Subscrição de um negócio jurídico institutivo numa sociedade de modelo previamente adotado (artigos 3º e
8º/1, d); este pdoe vir a ser recusado nos termos do artigo 9º.
• Adoção de uma firma previamente criada e reservada a favor do Estado; as firmas nãos e podem confundir e por isso há um controlo prévio das firmas em que temos uma entidade pública que verídica a nulidade das firmas, autorizando, ou não, a sua utilização.
• Registo (artigo 8º/1, g);
• Publicidade (artigo 8º/1, d e artigo 13º/1, a);
7.2.3. Empresa online
Esta modalidade de constituição de sociedade vem disposta no DL 125/2006. Basicamente é uma empresa na hora, mas online e em que o registo e a publicidade são automáticos.
Requisitos:
• Só pode ser utilizado para sociedades anónimas e para sociedades por quotas (Artigo 1º);
• Subscrição online do negócio jurídico institutivo – pode ser um modelo previamente aprovado ou não, podendo consistir num texto da autoria dos subscritores, distinto do modelo (artigo 6º/1, a)
• Firma previamente aprovada ou pedido com antecedência do certificado de admissibilidade de firma (artigo 6º/1, a e b);
• Registo e publicidade (automáticos);
7.2.4. Registo prévio
Consiste na modalidade comum, mas com mais um ato: o registo prévio do primeiro ato, o negócio jurídico institutivo (artigo 18º/4).
7.2.5. Subscrição pública
A modalidade de subscrição vem regulada nos artigos 279º -‐ 283º, CSC e ainda nos artigos 13º/1, a, e 168º CVM. A própria constituição é feita através de subscrição pública.
Características:
• Só vale para sociedades anónimas
• Projeto de negócio jurídico institutivo;
• Registo provisório;
• Elaboração de prospeto de oferta pública de subscrição: no regime dos valores mobiliários (ações, ex), visa-‐ se a proteção do investidor e esta está um regime de informação, assim, a oferta pública de um valor mobiliário implica a elaboração de um documento com a informação mais importante dirigida aos investidores (documento é um prospeto, havendo, inclusive um regime de personalidade civil ligada a esta);
• Aprovação do prospeto pela Comissão dos Mercados dos valores mobiliários (CMVM);
• Lançamento da oferta pública de subscrição: do ponto de vista técnico jurídico é uma proposta dirigida ao público;
• Subscrição de ações: é feita com auxilio dos intermediários financeiros, os investidores fazem os pedidos de subscrição aos bancos. Tem de haver contrato entre promotores da subscrição pública e conjunto de intermediários financeiros no sentido de colocarem no mercado a oferta e subscreverem pedidos de subscrição.
• Assembleia constitutiva para se deliberar a constituição;
• Celebração do contrato de sociedade por dois promotores: têm que subscrever nos estatutos o contrato de sociedade. É uma mera formalização, o contrato deriva de um processo, conjunto de atos, e o mais importante é a Assembleia constitutiva e a sua deliberação – é a exteriorização de vontade -‐, mais importante que esta subscrição;
• Registo definitivo
• Publicações obrigatórias;
Este não é um processo frequente porque há alternativas: constituir sociedade nos termos normais e colocar nos estatutos autorização para conselho de administração delibere um aumento de capital. Nas sociedades anónimas, o conselho de administração, sem ser os sócios, podem deliberar um aumento de capital.
A constituição de uma sociedade com forte participação e uma instituição de crédito que tenta vender as participações sociais que tomaram no inicio, menos frequente do que a primeira. Nestes casos, combino estabelecer sociedade com um grande banco: eu, empresária fico com uma pequena percentagem e os bancos maior, mas passando x tempo, colocam a sua parte junto ao público.
7.2.6. Fusão, cisão ou transformação
Estas matérias encontram-‐se:
→ Artigos 97º e ss – fusão
→ Artigos 118º e ss – cisão
→ Artigos 130º e ss -‐ transformação
Na fusão temos duas modalidades:
1. Incorporação: uma sociedade recebe a outra. Por exemplo, A e B juntam-‐se, sendo que A absorve B e fica apenas a sociedade A (artigo 97º/4, a);
2. Fusão por constituição de nova sociedade: várias sociedades juntam-‐se para dar origem a uma nova sociedade já constituída. Por exemplo, A e B juntam-‐se para criar C (artigo 97º/4, b).
Na cisão temos uma sociedade que se desmembra para dar origem a novas sociedades. Existem várias modalidades de cisão, de acordo com o artigo 118º/1 uma sociedade pode:
1. Destacar parte do seu património para com ela constituir outra sociedade;
2. Dissolver-‐se e dividir o seu património, sendo cada uma das partes resultantes destinada a constituir uma nova sociedade;
3. Destacar partes do seu património ou dissolver-‐se, dividindo o seu património em duas ou mais partes, para as fundir com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade.
A transformação pode também ser de dois tipos:
• Extintiva: extingue-‐se uma sociedade e cria-‐se outra, noutro tipo.
• Inovatória: quando uma sociedade comercial de determinado tipo se transforma numa de outro tipo (por quota transforma-‐se em anonima, por exemplo);
No artigo 131º temos alguns impedimentos à transformação, nomeadamente:
→ Se o capital não estiver integralmente liberado ou se não estiverem totalmente realizadas as entradas convencionadas no contrato;
→ Se o balanço da sociedade a transformar mostrar que o valor do sue património é inferior à soma do capital e reserva legal;
→ Se a ela se opuserem sócios titulares de direitos especiais que não possam ser mantidos depois da transformação;
→ Se, tratando-‐se de uma sociedade anónima, esta tiver emitido obrigações convertíveis em ações ainda não totalmente reembolsadas ou convertidas.
7.2.7. Saneamento por transmissão
Esta modalidade está prevista no Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (artigo 199º, CIRE). O que aqui acontece é que, por força do processo de insolvência, a sociedade insolvente é integrada numa nova sociedade comercial. Há uma massa insolvente que ainda tem ativos, então constitui-‐se uma nova sociedade e colocam-‐se lá esses estabelecimentos comerciais.
Requisitos:
• Proposta do plano de insolvência com estatutos em anexo;
• Deliberação de aprovação em assembleia de credores do plano de insolvência;
• Homologação judicial;
• Registo
• Publicidade
Este contexto de insolvência ocorre quando só há dívida para os credores e já não há capitais, logo a assembleia relevante é dos credores que decidem o que fazer. Geralmente, 90% das empresas não são recuperadas e não se constitui qualquer empresa para manter o tecido empresarial. O destino mais frequente é a liquidação.
A situação típica é aquela em que a empresa tem ganhos em termos operacionais – vende acima dos custos, está a criar margem, porém, pode estar a dever muito dinheiro -‐, aí o caminho é a estruturação e não a liquidação. O tecido empresarial cria margem positiva, criamos fresh start, sai peso da dívida e os credores são os novos acionistas.
O saneamento por transmissão é um dos mecanismos que permite que isto aconteça; outro é a transformação dos créditos em capital – redução de capital social para saírem os antigos sócios, acompanhada de aumento do capital social a subscrever pelos credores que passam a ser os sócios: redução (saída dos sócios antigo) e aumento (entrada dos credores como novos sócios) harmónico.
7.2.8. Ato legislativo formal
Aqui não há um processo específico. O processo adotado é o legislativo.
7.3. Elementos do contrato-‐sociedade
Os contratos são um conjunto de normas privadas que criam efeitos jurídicos entre as partes. O conteúdo do contrato-‐sociedade está regulado em cada regime específico, podendo ser mais ou menos injuntivo. Assim, temos no artigo 9º os elementos obrigatórios de qualquer contrato-‐sociedade, aos quais se podem juntar elementos supletivos. Depois, para o contrato-‐sociedade de cada tipo societário podem juntar-‐se outros elementos obrigatórios.
De acordo com o artigo 9º/1, do contrato de qualquer tipo de sociedade devem constar:
1. Identificação dos sócios: Nomes ou firmas de todos os sócios fundadores e os outros dados de identificação destes;
2. Tipo de sociedade comercial: anónima, por quotas…
3. Firma da sociedade
4. Objeto da sociedade: atividade que a sociedade se propõe exercer. Neste sentido são proibidas as sociedades universais, que são sociedades que se propõem a realizar toda e qualquer atividade não proibida pela lei (ver artigo 11º);
5. Sede da sociedade: esta é importante para definir o local de realização de assembleias e definir o local de prestação de informação aos sócios (ver artigos 214º, 283º, 288º e 289º). Distingue-‐se a sede estatutária da sede efetiva. A primeira é a que falamos para efeitos dos elementos obrigatórios do contrato, a que se encontra nos estatutos. A segunda é a sede principal/efetiva, local onde a administração reúne.
6. Capital social: tem de haver uma cláusula estatutária que indique o número e o valor nominal das ações, quota sou partes.
7. Descrição e valor das entradas: dinheiro, bens em espécie ou entradas de indústria.
Em relação a estes elementos:
→ Para as sociedades por quotas ver o artigo 199º
→ Para as sociedades anónimas ver o artigo 272º o qual acrescenta aos elementos acima descritos a imposição da estrutura orgânica adotada para a administração e fiscalização da sociedade (alínea g). A estrutura da administração e da fiscalização é depois abordada no artigo 282º.
Como cláusulas supletivas podemos ter:
• Duração (artigo 15º), embora uma cláusula com este tipo de conteúdo seja rara;
• Cláusulas sobre participação noutras sociedades (artigo 11º/4 e 5). Estas são muito frequentes, pois são o que origina grupos de sociedades. É também frequente para fugir ao regime supletivos sobre esta matéria patente no nº4 que não tem um regime muito vantajoso: proibição de comprar participações sociais em sociedades comerciais com um objeto diferente;
• Cláusulas quanto ao período de exercício (artigo 65º-‐A);
• Direitos e obrigações decorrentes de outros negócios jurídicos realizados em nome da sociedade, antes de registado o contrato (artigo 19º/2);
• Autorização para aumento de capital a deliberar pelo órgão de administração (artigo 456º) no caso das sociedades anónimas;
• Obrigação de prestações suplementares;
• Direito à informação (artigo 214º/2);
• Regime de distribuição de lucros, quer quanto às sociedades anónimas, quer quanto às sociedades por quotas
(artigo 217º/1);
• Convenções sobre a transmissão de participações sociais (artigo 226º e 328º/2)
• Vantagens, indemnizações e retribuições associadas à constituição da sociedade (artigo 16º) que podem ser atribuídas a determinadas pessoas associadasà constituição da sociedade, por exemplo, promotores.
O artigo 9º/3 diz que as normas injuntivas da lei têm que ser cumpridas, mas as dispositivas podem ser afastadas pelos estatutos. Se estes o permitirem, podem também ser afastadas por deliberação dos sócios.
Este é um artigo bastante relevante pois pdoe fazer constar dos estatutos a cláusula que permita que os sócios, por mera deliberação simples, derroguem os estatutos da lei.
Se os estatutos forem contrários aos elementos obrigatórios do contrato, a consequência é a nulidade. Pode, contudo, haver redução.
7.4. Interpretação dos estatutos
Não se trata, aqui, da interpretação do contrato nem do negócio jurídico institutivo, mas sim dos estatutos do contrato de sociedade, que tende a perdurar no tempo.
Temos sobre a interpretação dos estatutos uma querela doutrinária, na qual se discute se à interpretação dos estatutos se deve aplicar as regras de interpretação dos negócios jurídicos, ou as regras de interpretação da lei:
• Há quem diga que se aplica o artigo 236º, CC – regras de interpretação do negócio jurídico
• Há quem diga que se aplica os artigos 9º e ss, CC – regras de interpretação do contrato
O mais evidente seria aplicar as regras de interpretação do contrato, visto que o que está na base da sociedade é um contrato. Mas então, porque existe esta querela doutrinária?
1. Porque frequentemente as sociedades têm muitos sócios e, portanto, muitos destinatários;
2. Porque a sociedade é uma realidade que perdura no tempo e, tal como em relação à lei, surge problemas de aplicação no tempo; os sócios que constituem a sociedade, normalmente não são os que a acompanham até ao fim.
Para o professor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, quem se afasta do artigo 236º e vai para o artigo 9º está a interpretá-‐lo mal, isto porque o artigo 236º consagra a teoria da impressão do declaratário comum, e o CC é essencialmente objetivista, quando aqui se deve fazer uma ressalva de imputação ao declarante pela clara influencia do subjetivismo Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx explica que o declaratário do 236º pode ser uma pluralidade de pessoas, nomeadamente quando há proposta dirigida ao público. Neste caso, o declaratário é o menor denominador comum do público. O declaratário não é uma pessoa, mas sim todos, e o artigo 236º funciona apesar de não haver apenas um.
Assim, se se adapta a situações de pluralidade de declaratários, não devemos interpretar o artigo 9, devemos é interpretar no sentido de os declaratários não serem só os institutivo, mas os que também entram na sociedade ao longo da sua vida; não o fazendo, devemos adotar a posição intermédia.
Em situações e fronteira, é importante perceber quem é o declaratário, quais as regras e interpretação, e neste contexto aplicar-‐se o artigo 236º com o enquadramento explicado acima.
7.5. Registo
O registo e a publicação são sempre obrigatórios. O registo tem dois efeitos:
• Aquisição de personalidade jurídica (artigo 5º), apesar de existir doutrina que discorde e entende que as sociedades têm personalidade jurídica antes do registo (Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxx);
• Assunção de posições jurídicas (artigo 19º); pode consignar-‐se nos estatutos que determinados negócios anteriores à celebração do contrato de sociedade são assumidos por esta, a partir do registo, logo o registo tem também efeito de assunção.
7.6. Sociedades irregulares
Sociedades irregulares são sociedades que ainda não concluíram o processo constitutivo, não estando ainda registadas. Assim sendo, coloca-‐se quanto a elas o problema do inicio da atividade comercial antes do registo.
Em termos de análise económica levantam a questão da transitoriedade – período de tempo antes do registo -‐ e falsa transitoriedade – atua-‐se à sombra da lei e não se regista a sociedade porque não se quer.
Para além disto, sendo o processo de constituição um processo que leva tempo, tornou-‐se frequente que as sociedades arranquem com as respetivas atividades económicas antes mesmo de terem concluído o processo de constituição, o que traz também problemas, sobretudo no campo da responsabilidade.
Temos quatro modalidades de sociedade irregular:
• Sociedades aparentes
• Sociedades sem forma legal
• Sociedades sem registo
• Sociedades sem publicação
7.6.1. Sociedades aparentes
Temos uma sociedade aparente quando há uma aparência externa de acordo de vontades, não havendo nem contrato de sociedade, nem um simples projeto, nem tão pouco qualquer intenção genuína das partes em se associar. Se apenas há a aparência, então quer dizer que não há negócio jurídico institutivo
Aqui o regime aplicável é o do artigo 36º/1. Nestes casos, quanto à responsabilidade perante terceiros, os sócios são responsáveis solidária e ilimitadamente pelas dívidas sociais.
“Se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum, quer por qualquer outro meio criarem a falsa aparência e que existe entre eles um contrato de sociedade responderão solidária a ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles”.
7.6.2. Sociedades sem forma legal
São sociedades em que as partes celebraram ou se preparam para celebrar um autentico contrato de sociedade, mas sem a forma legal exigida (Artigo 7º). Aqui temos negócio jurídico institutivo, mas sem forma legal.
Quanto à questão do inicio da atividade:
→ Artigo 36º/2: regula a hipótese de haver uma sociedade, um acordo quanto à constituição da mesma, mas nem sequer é celebrado contrato. Estabelece o artigo que “se for acordada constituição de uma sociedade comercial, mas, antes da celebração do contrato de sociedade, os sócios iniciarem a sua atividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as disposições sobre sociedades civis”.
-‐ relações internas: artigos 983º a 995º, CC
-‐ relações externas: artigos 996º a 1000º, CC
7.6.3. Regime de sociedade antes do registo
Temos aqui a questão da transitoriedade, momento entre a celebração do contrato com a forma legalmente exigida e o registo.
→ Artigo 37º: relações entre os sócios antes do registo – “No período compreendido entre a celebração do contrato de sociedade e o seu registo definitivo são aplicáveis às relações entre os sócios, com as necessárias adaptações, as regras estabelecidas no contrato e na presente lei, salvo aquelas que pressuponham o contrato definitivamente registado.”
→ Artigos 38º e 39º -‐ relações das sociedade em nome coletivo ou em comandita simples não registadas com terceiros.
→ Artigo 40º – relações externas em relação às sociedades anónimas e por quotas com terceiros -‐ “Pelos negócios realizados em nome de uma sociedade por quotas, anónima ou em comandita por ações, no período compreendido entre a celebração do contrato de sociedade e o seu registo definitivo, respondem ilimitada e solidariamente todos os que no negócio agirem em representação dela, bem como os sócios que tais negócios autorizarem, sendo que os restantes sócios respondem até às importâncias das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de reservas”. Isto “cessa se os negócios forem expressamente condicionados ao registo da sociedade e à assunção por esta dos respetivos efeitos”.
É um regime benévolo para os que não participam no negócio, pois já beneficiam da regra de ouro do capitalismo. O professor defende a seguinte solução: antes do registo respondem apenas aos sócios, depois do registo apenas responde a sociedade.
Na sequencia deste regime, surge uma querela doutrinária sobre a natureza jurídica da sociedade irregular. Após registo são coletivas plenas, mas e antes?
→ Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro – são pessoas jurídicas desde o início.
→ Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx – não tem qualquer personalidade.
→ Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx – não tem personalidade jurídica plena, mas subjetividade, personalidade jurídica rudimentar.
→ Engrácia Antunes -‐ teoria da separação: até haver registo respondem os sócios, a partir do registo, não respondem os sócios. Esta é a teoria partilhada por grande parte da doutrina.
7.6.4. Sociedades sem publicação
Uma sociedade comercial sujo contrato observa a forma exigida e foi registado, mas não foi publicado, tem personalidade jurídica plena, pelo que o problema que se coloca é apenas ao nível da oponibilidade perante terceiros (artigos 168º/2, CSC e 14º/2, CRC).
Assim, não havendo publicação dos atos para os quais a mesma é necessária, estes não são oponíveis a terceiros pela sociedade, salvo se:
1. A sociedade provar o seu registo; e
2. O conhecimento do mesmo pelo terceiro;
7.7. Sociedades inválidas
Sociedades inválidas são sociedades com vícios no negócio constitutivo, com exceção do vicio de forma que se reporta às sociedades irregulares.
Distinguem-‐se duas situações: aquelas em que há registo, daquelas em que não há registo, sendo que nas em que após o registo é mais difícil invocar os vícios.
• Antes do registo (artigo 41º): a invalidade do contrato ou das declarações negociais rege-‐se pelas disposições aplicáveis aos negócios nulos ou anuláveis, sem prejuízo do disposto no artigo 52º, que dispõe que não há efeitos retroativos, ao contrário das disposições do CC (artigo 289º). Haver efeitos retroativos seria mal jogado da parte do legislador e desadequado à realidade das sociedades.
• Depois do registo (artigo 42º -‐ SA e SQ): Depois de efetuado registo definitivo do contrato de sociedade por quotas, anónima ou em comandita por ações, o contrato só pode ser declarado nulo por algum dos seguintes vícios:
a) Falta do mínimo de dois sócios fundadores, salvo quando a lei permita a constituição da sociedade por uma só pessoa;
b) Falta de menção da firma, da sede, do objeto ou do capital da sociedade, bem como do valor da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta desta;
c) Menção de um objeto ilícito ou contrário à ordem pública;
d) Falta de cumprimento dos preceitos legais que exigem a liberação mínima do capital social;
e) Não ter sido observada a forma legalmente exigida para o contrato de sociedade;
São sanáveis por deliberação dos sócios, tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato, os vícios decorrentes da falta ou nulidade da firma e da sede da sociedade, bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta desta.
Subjacente à ideia de taxatividade está a da estabilidade das sociedades comerciais enquanto entidades e a da proteção dos terceiros no tráfego jurídico, ou seja, a proteção de terceiros a partir do momento em que a sociedade está registada. Há uma tutela do tráfego dos efeitos jurídicos que têm mais peso após o registo. A lei passa a ter elenco taxativo de causas de invalidade. Em principio, após registada não é possível destruir a sociedade por vícios, o elenco é bastante restrito.
Apos o registo, para além deste elenco de causas de invalidade, podem haver vícios que afeta apenas uma das declarações negociais, através da remissão para o artigo 45º que trata do problema dos vícios das declarações negociais e não do negócio jurídico. Assim, temos o artigo 42º que trata os vícios que afetam todo o negócio e o artigo 45º dos vícios que afetam apenas uma declaração negocial, não provocando a nulidade de todo o negócio jurídico, mas sim o direito à exoneração.
O direito à exoneração consiste no facto de, por estar em erro, o sócio ter direito a sair e a receber algo se a sua participação social valer algum dinheiro (240º, CSC). Mas atenção, a exoneração também não tem efeitos retroativos – o sócio não tem diretamente direito ao dinheiro com que entrou, o que se faz é avaliar a sociedade. Exemplo: Imaginemos que, embora cada um dos 5 sócios tenha entrado com 10000€ (o que perfaz um capital social de 50000€), a sociedade vale agora 5000€. Ora, aquando da exoneração o sócio só irá receber 20% dos 5000€ (porque eram 5 sócios). A participação social daquele sócio é excluída, mas a sociedade “continua” e o contrato de sociedade permanece válido.
8. Direitos e deveres dos sócios
Os direitos e deveres dos sócios encontram-‐se, respetivamente, nos artigos 20º e 21º.
Quanto aos deveres dos sócios temos:
• Dever de contribuição
• Dever de quinhoar
• Dever de lealdade, que apesar de não constar da norma é dos mais importantes Quanto aos direitos dos sócios temos:
• Direito aos lucros
• Direito a participar nas deliberações sociais
• Direito de informação
Estes são apenas os direitos e deveres principais, existindo outros de menor importância ou que simplesmente são instrumentais aos principais
É importante fazer aqui algumas distinções. Nomeadamente entre direitos organizativos (políticos) e patrimoniais (económicos); e entre direitos sociais e direitos extrassociais.
→ Direitos organizativos (políticos): são, por exemplos os direitos a participar nas deliberações sociais e o direito à informação.
→ Direitos patrimoniais (económicos): são direitos com valor patrimonial, como o direito ao lucro, por exemplo. Levanta-‐se a questão dos limites desta classificação, já que os direitos organizativos ou políticos também têm relevo patrimonial. Por exemplo, um voto maioritário tem um conteúdo patrimonial de um direito de voto minoritário. Se eu vender uma participação maioritária vou receber mais do que se vender ações.
→ Direitos sociais: são direitos corporativos, estatutários e societários que relevam no regime jurídico das sociedades
→ Direitos extrassociais: são direitos que se autonomizam, que não relevam no direito societário. São direitos que , a partir de determinado momento, passam a ter caráter simbolístico, passando a ser entendidos como direitos de crédito, de ser cedidos a terceiros.
Exemplos:
-‐ O direito de lucro vai-‐se concretizando à medida que a sociedade vai tendo mais-‐valias. A partir de determinada altura, a sociedade pode deliberar a distribuição de dividendos, consolidando-‐se na esfera jurídica do sócio um direito aos dividendos que se autonomiza da posição societário e pode, inclusive, ser cedido. Passa-‐se de um direito aos lucros para um direito de crédito contra a sociedade. Parte-‐se de um direito aos lucros em que, a partir do momento em que passo a ter direito a determinado dividendo, passa a um direito ao dividendo (posição jurídica ativa).
-‐ O direito de preferência na subscrição de um aumento de capital. Aquando dos aumentos de capital os sócios que não forem ao aumento de capital que não forem subscrever novas ações correm o risco de passar a ter uma participação inferior. Este direito de preferência em determinadas circunstâncias também pode ser autonomizado e cedido a terceiros não sócios. Ou mantenho para mim os direitos de preferência para garantir que mantenho ou reforço a minha posição de acionista ou então vendo os meus direitos de subscrição e ganho direito com isso.
-‐ Os direitos que decorrem de acordos parassociais são outros direitos extrassociais. Estes acordos são celebrados pelos sócios ao lado do contrato-‐sociedade e, por isso, também não são direitos societários, são direitos paralelos autónomos face aos direitos sociais.
8.1. Deveres dos sócios
O conjunto dos deveres dos sócios constitui o seu estatuto passivo.
8.1.1. Dever de contribuição
O dever de contribuição é, na opinião do professor, um dever primário, com uma prestação caracterizadora do contrato de sociedade. Este é a prestação essencial num contrato de sociedade, contrato através do qual os sócios contribuem para o exercício de uma atividade económica, o essencial está na contribuição.
Para a doutrina germânica, o dever principal é o de lealdade, pois este não é mero dever acessório de conduta como consagrado no artigo 762º/2, CC, mas sim um dever de prossecução do fim comum. Aqui, a contribuição e um mero aspeto parcial do dever de lealdade de prossecução do fim social (Xxxxxxxx xx Xxxxx).
Na opinião do professor, o dever de lealdade é um mero dever de conduta, acessório, que joga a par com o dever de contribuição que é o verdadeiro dever característico.
A ideia germânica relaciona-‐se com a ideia de um filósofo sociológico – Tommies – de que há determinadas áreas da sociedade em que as pessoas põe fins que a transcendem à frente de tudo (como a família, por exemplo, a nação…). O professor diz que esta ideia só funciona nas sociedades fechadas em que se pode dizer que há uma comunidade gregária, para os outros tipos não faz sentido. A intensidade da lealdade vai depender, então, do tipo de sociedade.
Por exemplo, numa sociedade anónimas, em que as pessoas são meros investidores, não se conhecem, portanto, falar de lealdade entre meros investidores é errado.
Não caracterizando o dever de lealdade todos os tipos de sociedades, este não pode ser um dever primário, como o dever de contribuição.
O dever de contribuição tem duas finalidades:
→ Meios para a realização da atividade social – se não houver contribuição dos sócios, não há meios para exercer uma atividade económica;
→ Proteção dos credores.
8.1.1.1. O dever de entrada
O principal desdobramento do dever de contribuição é o dever de realização de entrada (artigos 25 e ss.), mas podem existir outras contribuições para lá do dever de entrada, prestações acessórias e prestações suplementares.
A entrada inicial permite que haja algum património que servirá como garantia para os credores e é tão ou mais importante quando vigora a regra de ouro do capitalismo
Existem três tipos de entrada:
• Dinheiro
• Espécie: podem ser imóveis, móveis, propriedade intelectual, créditos, direitos reais menores, estabelecimentos comerciais…; para as entradas em espécie temos dois critérios: a economicidade e a
penhorabilidade, o que quer dizer que só servem como entrada bens com valor económico e que possam ser penhoráveis (artigo 28º)
• Indústria ou serviços: por exemplo, uma sociedade comercial que se dedique à engenharia, o sócio pode entrar oferecendo os seus serviços na área;
Temos dois valores que importam distinguir:
• Valor de subscrição: cifra correspondente à fração do capital social, também conhecido como valor nominal ou valor de emissão relevante para saber quais os valores políticos. Podem haver ações sem valor nominal.
• Valor de realização: valor efetivo da prestação monetária ou em espécie
Exemplo: Dois sócios, A e B, cada um com 50% da sociedade. O valor de capital é 100€, portanto sendo o valor de subscrição igual ao de realização, cada um entrou com 50€. Se o valor de subscrição for superior ao de realização cada um entrou com 100€, mas do ponto de vista da subscrição, daquilo que o valor monetário corresponde em fração do capital social, o valor é de 50€.
Se C e D entrarem com 50€ e o valor de subscrição for igual ao valor de realização, fica cada um com 50€ e, portanto, A, B C e D terão cada um 25% da sociedade. Para evitar que A e B, sócios iniciais, mandem o mesmo que C e D, os 50€ de valor de realização destes últimos passam a ter valor de subscrição de 25€: C e D têm valor de subscrição inferior ao da realização, permitindo que o contributo económico seja superior aos direitos políticos.
❖ Ver artigo 276º para as Sociedades Anónimas
O artigo 25º/1 contém uma proibição de emissão de participações sociais abaixo do par: “o valor nominal da parte, da quota ou das ações atribuídas a um sócio no contrato de sociedade não pode exceder o valor da sua entrada, como tal se considerando ou a respetiva importância em dinheiro ou o valor atribuído aos bens no relatório do revisor oficial de contas, exigido pelo artigo 28º”. Esta é um proibição que visa proteger o credor.
É, contudo, permitido emitir participações acima do par. Emitir acima do par é quando o valor de realização está acima do valor de subscrição.
Exemplo: O valor de subscrição é 50€ e o de realização é 50€ -‐ está ao par. Se o valor de realização é 50€ e o de subscrição é 25€, é acima do par, logo, há prémio de emissão. É um ónus para a sociedade, porque o efetivo que entregaram é superior.
O momento da realização das entradas é dado pelo artigo 26º
1. As entradas devem ser realizadas até ao momento da celebração do contrato – até às assinaturas;
2. Se a lei o permitir, as entradas podem ser realizadas até ao tero do primeiro exercício económico, a contar da data do registo da sociedade;
3. Nos casos e termos em que a lei permitir, os sócios podem estipular contratualmente o diferimento das entradas em dinheiro;
Nas sociedades anónimas temos uma disposição sobre entradas no artigo 277º que oferece algumas especificidades para este tipo de sociedade. Nomeadamente:
→ Só são permitidas entradas em dinheiro e em espécie
→ Só 30% tem de ser pago imediatamente, o restante pode ser pago a prazo, até 5 anos (artigo 277º/3 e 285º)
→ As entradas têm de ser somadas em dinheiro e depositadas
Nas sociedades por quotas temos disposições sobre entradas nos artigos 202º e artigo 203º que oferece algumas especificidades para este tipo de sociedade. Nomeadamente:
→ Só são admitidas entradas em dinheiro e em espécie
Entradas em dinheiro:
→ Os sócios devem declarar no ato constitutivo que já procederam à entrega do valor de entrada ou que se comprometem a entrega-‐lo até ao final do primeiro exercício económico. Os sócios que tenham atuando de acordo com esta segunda parte, devem declarar na primeira assembleia geral anual da sociedade posterior ao fim de tal prazo, que já procederam à entrega do respetivo valor
→ Temos a possibilidade de pagar a prazo 100% no valor nominal em 5 anos
Entradas em espécie:
→ Podem ser realizadas até ao termo do primeiro exercício (Artigo 199º/b)
Artigo 27º/5: proibição da compensação -‐ a obrigação de entrada não pode extinguir-‐se por compensação, isto é, não posso dizer que tenho um crédito sobre a sociedade e que por isso não vou pagar a obrigação de entrada. O que é, sim, possível é entrar para a sociedade com o meu suprimento, ou seja, entrar para a mesma com um crédito sobre ela. É uma entrada em espécie. Não posso é entrar com dinheiro e depois dizer que quero compensar.
Artigo 27º/6: a falta de realização de uma prestação relativa à entrada importa o vencimento das restantes (Artigo 780º, CC).
Artigo 29º: proteção de flanco (regime de aquisição de bens a credores) – tem a ver com a efetividade das obrigações de entrada. A aquisição de bens por uma sociedade aos sócios deve ser objeto de uma avaliação. Há regras e compensação. Se tenho que fazer uma obrigação de entrada, mas no dia seguinte a sociedade me compra o bem com que entrei, recebo logo o dinheiro de volta. Há uma sub-‐rogação de credores
Artigo 30º -‐ sub-‐rogação de credores -‐ os credores da sociedade podem exercer em sub-‐rogação os créditos de entrada não realizados a partir do momento em que estes sejam exigíveis. Podem ainda promover judicialmente as entradas antes de estas se terem tornado exigíveis, nos termos do contrato, desde que isso seja necessário para a conservação ou satisfação dos seus direitos.
8.1.2. Dever de quinhoar nas perdas
De acordo com o artigo 20º/b todo o sócio é obrigado “a quinhoar nas perdas, salvo o disposto quanto a sócios de indústria”.
Este é um dever de participação nas perdas, mas que não é, em rigor, um dever jurídico. Significa uma mera exposição ao risco empresarial. A participação nas perdas não é um dever e entrar com dinheiro, é uma mera exposição ao risco que o sócio aceita. Se o projeto empresarial correr mal, eu tenho perdas, estou exposto ao risco empresarial e aos capitais que lá coloquei, mas não tenho que responder por mais nada.
Nas sociedades em nome coletivo, por exemplo, a responsabilidade dos sócios é superior, pelo que existe mais risco. Neste tipo de sociedades não há regra de ouro do capitalismo.
8.1.3. Dever de lealdade
Os sócios das sociedades em nome coletivo têm uma proibição de concorrência (Artigo 180º). Esta proibição quer dizer que não se pode exercer uma atividade concorrente nem por conta alheia, nem por conta própria. Não posso exercer uma atividade concorrente nem por conta alheia, nem por conta própria. A ideia da concorrência é atacar os mesmos consumidores, o mesmo mercado.
Nem as sociedades anónimas, nem as sociedades por quotas têm prevista na lei uma proibição de concorrência.
Diferente disto, é a proibição de concorrência dos administradores ou gerentes.
O que por vezes acontece é os estatutos clausurarem uma proibição de concorrência dos sócios, nomeadamente nas sociedades por quotas, onde isso acontece muito frequentemente. Esta proibição é uma manifestação do dever de não concorrência, já que concorrer com a própria sociedade pode ser considerada uma deslealdade, uma atuação em conflito de interesses.
Também não se prevê uma proibição de utilização de informação privilegiada nem uma proibição de apropriação de oportunidade de negócio societário. Por exemplo, se a sociedade inventou um novo processo de fabrico e qualquer coisa muito valiosa, o sócio não pdoe apropriar-‐se dessa informação e fazer um uso privado da mesma. O sócio sabe que a sociedade recebe uma proposta de aquisição de um terreno rico em petróleo, sabendo disso vai lá e faz um negócio ele próprio em vez de dar tempo à sociedade de o fazer.
Isto não está previsto na lei portuguesa, mas é possível fazer uso das cláusulas gerais da boa-‐fé e do dever de lealdade para dizer que não é legitimo e que tem que haver indemnização, por exemplo.
Acerca disto, os juízes dizem o seguinte:
1. Quando a lei estabelece que existem estatutos de lealdade, criam estatuição normativa ampla, permitindo a receção ética no direito, fazendo com que o discurso ético ou moral seja trazido aos tribunais, deixando de ser interno e passando a poder ser imposto aos demais;
2. A delegação ao juiz do poder de conformação do direito;
3. Adaptação de um direito à evolução das normais sociais;
Hoje em dia, defende-‐se cada vez mais que o direito é feito não apenas de normas jurídicas, mas também de princípios. Assim os juristas devem fazer uma análise daquilo que dizem os tribunais português acerca do que é a lealdade ou, neste caso, deslealdade:
→ Utilização de informação privilegiada
→ Apropriação de oportunidades societárias
Sendo que não há norma jurídica sobre isto, o que fazer quanto a atuações desleais?
→ Se se tratar de um sócio, podemos aplicar, analogicamente o artigo 180º/2;
→ Se se tratar de sócio ou administrador podemos aplicar o artigo 180º/2 por analogia, ou o 253º do Código comercial
“Xxxxxx gerente poderá negociar por conta própria, nem tomar interesse debaixo do seu nome ou xxxxxx em negociação do mesmo género ou espécie da de que se acha incumbido, salvo com expressa autorização do proponente.
Se o gerente contrariar a disposição deste artigo, ficará obrigado a indemnizar perdas e danos o proponente, podendo este reclamar para si, como feita em seu nome, a respetiva operação”.
O professor considera que a melhor aplicação é a do artigo 253ºm já que é a estatuição que permite a responsabilidade civil e a restituição dos lucros.
8.1.4. Situações jurídicas passivas que não são deveres
• Sujeição à alienação potestativa no artigo 490º, CSC para as sociedades anónimas e por quotas.
• Dever de exclusão nos artigos 241º e 242º para as sociedades por quotas, no artigo 256º para as sociedades em nome coletivo. Tal não esta previsto para as Sociedades anónimas, no qual apenas há um regime de amortização de ações.
8.2. Direitos dos sócios
8.2.1. Direito aos lucros
O artigo 21º/2 estipula o direito aos lucros, consagrando uma proibição ou inadmissibilidade de os sócios receberem juros ou outra importância em retribuição do seu capital ou indústria.
Os sócios são titulares de pretensão jurídica residual, logo, tendo muitos lucros, têm mais valias; não tendo muitos lucros, ganham pouco. Contrariamente, os credores que têm pretensões sobre a sociedade recebem sempre. São os sócios que não têm remuneração garantida, tendo vantagens incertas: a sua remuneração é estipulada pelo risco.
Esta norma permite fazer a distinção entre a posição dos sócios face à de outros interessados na sociedade de empresa. Os shareholders (acionista) têm pretensão residual, os outros têm sempre quantias certas.
Temos três tipos de lucro:
• Lucros de exercício: lucros do exercício anual. São regulares e existem normas de proteção de sócios minoritários que determinam que salvo maiorias bastante qualificadas, tem de haver uma distribuição mínima destes lucros (artigos 217ºe 294º).
• Lucros periódicos eventuais: para além dos lucros anuais, as sociedades podem distribuir mais lucros. Se se chegar a um ponto em que haja lucro em massa, pode fazer-‐se distribuição de lucro constantemente.
• Lucros finais: lucros auferidos em sede de liquidação da sociedade. Vende-‐se tudo e o dinheiro que se faz distribui-‐se pelos sócios. A liquidação é uma venda de todo o património e o que sobra distribui-‐se pelos sócios.
Dentro do direito ao lucro, temos o direito aos dividendos que é, em sentido macro, o direito aos dividendos é uma componente do direito aos lucros. No entanto, é preciso fazer a sua distinção e forma mais precisa porque a partir do momento em que se delibera a distribuição de lucros, surge um direito ao dividendo. O dividendo assume uma natureza extrassocial.
A partir do momento em que se estabelece a distribuição de dividendos, o crédito aos dividendos deixa de ter uma natureza societária e passa a ter uma natureza civilista. Há uma emancipação da participação social e dos direitos e deveres inerentes à qualidade de sócio. Surgindo o direito ao dividendo, passa a haver um direito de crédito ao dividendo com vencimento de 30 dias (artigo 217º).
Este direito, é um direito autónomo em relação ao direito ao lucro e à participação social.
O artigo 22º/3 consagra proibição do pacto leonino, isto é, a proibição da exclusão de sócios dos lucros. Esta cláusula garante que todos os sócios participem nos lucros e vejam efetivado os eu direito.
Podem, depois, existir revisões estatutárias que prevejam que se atribuam os lucros de forma diferente aos diferentes sócios. Isso é muito frequente nas Sociedades Anónimas, por exemplo, através da criação de diferentes categorias de ações. As da categoria A são as comuns e as da categoria B são preferenciais (dão lucros e dividendos preferenciais e não têm os mesmos direitos políticos).
No mundo do capitalismo é possível distribuir os lucros de forma diferente, só não é possível excluir um sócio dos lucros.
O direito aos lucros depende muito da boa gestão. Associado à ideia de boa gestão está a ideia de proteção residual de se dar aos sócios o poder para gerir a empresa porque eles é que têm o incentivo à boa gestão.
Esta ideia parte, sobretudo, da análise económica do direito cuja ótica é a de que quanto mais investiu o sócio, mais interesse terá na boa gestão da empresa.
8.2.2. Direito de participação social
O direito de participação social, ou de participar nas deliberações sociais, encontra-‐se no artigo 21º/1, b. Este é um direito complexo que pode ser dividido em vários aspetos. Dentro deste, podemos encontrar:
• Direito de voto
• Direito de assistência nas reuniões
• Direito de intervenção (colocar questões, expressar a opinião)
• Direito de formular propostas de deliberação
• Direito de impugnação (quer seja através de ações principais de invalidade, quer através de providências cautelares de suspensão)
8.2.2.1. Direito de voto
É importante, ao falar deste direito, olhar para os diferentes tipos de sociedades e para as diferenças que acarretam:
→ Nas sociedades comerciais o voto é atribuído por pessoa e não por participação no capital (artigo 190º/1);
→ Nas sociedades por quotas e anonimas o voto é atribuído em função da participação no capital -‐ plutocracia
(artigos 250º/1 e 284º/1);
Há uma margem de estipulação estatutária para limitar ou expandir o direito de voto:
→ No artigo 384º/2 temos a possibilidade estatutária de proceder a limitações ao direito de voto no que toca as sociedades anónimas. Estas limitações provocam uma incapacidade ou um limite ao controlo societário. Exemplo: Eu tenho 20%, mas posso tentar comprar mais ações e quando subir acima dos 50% já ninguém pode obstar às minhas decisões. Se os estatutos tiverem as limitações possibilitadas na alínea b), mesmo que atinja mais que 50% continuo a votar apenas correspondentes a 20% do capital social. Se houver um sócio ao lado que apenas tem 20% e não 50% como eu, ele tem o mesmo peso no direito de voto que eu que investi muito mais. São mecanismos de blindagem societária.
→ No artigo 250º/2 relativo às sociedades por quotas é permitido o direito o voto plural, isto é, o voto a dobrar. Isto é menos frequente que as blindagens sociais nas Sociedades Anónimas.
Nos termos do artigo 251º -‐ Sociedades por quotas – e do artigo 384º/6 – sociedades anónimas, existe um regime de impedimento ao voto que pdoe fazer com que um sócio possa ser impedido de votar. O sócio não pode votar nos casos enunciativos (e não taxativos) dos artigos.
Artigo 251º -‐ SQ:
→ Liberação de uma obrigação ou responsabilidade própria do sócio ou acionista, quer nessa qualidade quer como gerente ou membro do órgão de fiscalização;
→ Litigio sobre pretensão da sociedade contra o sócio ou deste contra aquela, em qualquer das qualidades referidas no ponto anterior, quer antes, quer depois do recurso a tribunal;
→ Perda, pelo sócio de parte da sua quota, na hipótese prevista no artigo 204º/2
→ Exclusão do sócio
→ Consentimento previsto no artigo 254º/1
→ Destituição, por justa causa, da gerência que estiver exercendo ou de membro do órgão de fiscalização
→ Qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a sociedade e o sócio estranha ao contrato de sociedade
Artigo 384º/6 – SA:
→ Liberação de uma obrigação ou responsabilidade própria do sócio ou acionista, quer nessa qualidade quer na de membro do órgão de administração ou e fiscalização;
→ Litigio sobre pretensão da sociedade contra o sócio ou deste contra aquela, em qualquer das, quer antes, quer depois do recurso a tribunal;
→ Destituição, por justa causa, dos eu cargo de titular do órgão social;
→ Qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a sociedade e o acionista, estranha ao contrato de sociedade
Aplicando-‐se um destes artigos, o sócio fica impedido de votar, mas não de assistir, intervir e de impugnar.
O impedimento de voto é um regime de prevenção de conflitos de interesses. Por exemplo, quando um sócio se apropria de informação privilegiada está a atuar em conflito de interesses. Aqui, os conflitos de interesses são aferidos de forma abstrata – são potenciais. A lei apenas atua em prevenção.
8.2.3. O direito à informação
O direito à informação encontra-‐se no artigo 21º/1, c e é um direito instrumental face ao direito de participação social.
Este é essencial para, por exemplo, votar, já que para votar tenho que saber o que se passa.
É também importante no que toca ao direito de transmissão das participações sociais, já que para saber se quero ou não vender tenho de estar informado. Em sociedades anónimas abertas de maiores dimensões, em que as
participações sociais são fáceis de vender, um investidor em ações cotadas nacional depende de ter informação para poder vender racionalmente e investir.
O direito ao voto divide-‐se em:
→ Direito de informação stricto sensu: é o recurso apalavras, e números fornecidos pelos administradores;
→ Direito de consulta: incide sobre documentos;
→ Direito de inspeção: incide sobre os bens sociais;
Vejamos como funciona pata os diferentes tipos de sociedade.
Sociedades em nome coletivo (artigo 181º): qualquer socio tem um amplo direito á informação nas três modalidades. Podem fazer tudo. Por exemplo “os gerentes devem prestar informação”, é a informação stricto senso. Temos ainda referencia a “consulta da informação e o poder de “inspecionar os bens sociais” no nº4.
Sociedades por quotas (artigos 214º, 215º e 216º): qualquer socio tem direito a informação independentemente da sua participação social. Essa informação abrange a legalidade da informação stirctu sensu, a consulta (nº4) e a inspeção de bens sociais (nº5). Aqui é possível regulamentar o direito à informação. É, portanto possível restringir este direito. Frequentemente é clausulado nos estatutos limitações quanto á consulta de documentos ou inspeção de bens, prazos de resposta de gerentes quanto a obtenção de informação stricto sensu, exclusão de certas informações ou matérias…
Sociedades anónimas (artigo 288º e ss.): o regime é mais restritivo
→ Direito de consulta (288º e 289º): está em causa a consulta de documentos. No artigo 288º temos o regime geral de consulta e no artigo 289º o regime especial preparatório de uma assembleia social. O regime geral estabelece que o direito de consulta apenas assiste a acionistas titulares de uma participação de pelo menos 1% do capital social. Há aqui uma querela doutrinária quanto ao artigo 288º/1 que é a de saber se este direito de consulta é singular (só um sócio individualmente que tenha participação não inferior a 1% é que pode exercer o direito), ou se é coletivo (podendo vários sócios agregar ações para efeitos de exercício do direito), sendo esta última a opinião mais seguida. Quem tenha pelo menos 1% pode exercer direito de consulta os documentos elencados nas alíneas abaixo.
→ Informação strictu sensu (artigo 290º e 291º): quanto a informações da ordem do dia, qualquer sócio pode obter qualquer informação, na assembleia geral. Isto apenas é atinente a temas da ordem do dia, não se incluindo temas que não vão ser discutidos na assembleia geral. Fora das assembleias gerais, os acionistas cujas ações atinjam 10% do capital social podem solicitar, por escrito, ao conselho de administração executivo que lhes sejam prestadas, também por escrito, assuntos sociais.
→ Direito de inspeção: não esta previsto na lei. O que se pode discutir é se é possível ao abrigo da liberdade estatutária prever em sociedades anónimas fechadas atribuir este direito de inspeção dos bens sociais. Em principio será. Nas abertas, é imperioso que possa ser feito.
→ Regulamentação do direito à informação: não está prevista na lei, mas é equacionável a aplicação analógica.
A violação do direito de informação pode ter como consequências:
• Anulabilidade (artigo 290º/3)
• Responsabilidade do administrador perante a sociedade ou eventualmente perante o sócio (artigo 72º e 79º);
• Inquérito judicial (artigo 292º, 67º e 216º) – é uma forma de processo especial que permite aos sócios dos diferentes tipos de sociedades comerciais tentar junto do tribunal obter essa informação e obter outras medidas, como seja a da destituição de membros de órgãos sociais.
Pode haver um problema de utilização ilícita da informação pelo sócio, o que pdoe gerar a recusa de informação.
Essa ideia vem prevista nos artigos 290º/2 – sociedades anónimas, 215º -‐ sociedades por quotas.
Esta utilização ilícita pode gerar a recusa de informações: se o sócio exerce uma atividade concorrente, a prestação de informações pode ser prejudicial porque pode tratar-‐se de dar informações à concorrência. Pode, ainda, reagir-‐se através das sanções para as violações do dever de lealdade do sócio.
Da parte dos administradores há um poder-‐dever de prestar as informações aos sócios, já que são eles que estão na posse de muita da informação. O dever de prestar prende-‐se com a licitude do pedido da informação. Se o pedido for ilícito têm o dever de não dar a informação.
Este tema relaciona-‐se também com os deveres dos administradores, já que estes têm poderes relativamente à informação.
No artigo 291º/7 temos uma norma muito preocupante para as empresas de maior dimensão. A ideia é que, prestada a informação a um sócio, tem de ser prestada a todos.
O que o professor sustenta é que esta norma tem de ser interpretada restritivamente. Tem de se ver primeiro se a pessoa que requere a informação a pode vir a utilizar de forma ilícita. Se há uma informação relevante o suficiente para ser dada, então deve poder ser dada a todos.
8.2.4. Outros direitos
Temos, ainda, outros direitos, como:
¬ Direito a quota de liquidação.
¬ Direito de preferência em aumentos de capital a realizar em dinheiro – artigos 265º e 266º (sociedades por quotas), e artigos 458º e ss. (sociedades anónimas). Se for aumento de capital em espécie já não há igualização através do direito de preferência.
¬ Direito de igualdade de tratamento dos acionistas – artigo 321º (sociedades anónimas).
¬ Direito de exoneração – artigo 240º (sociedades por quotas) – direito potestativo de saída da sociedade.
¬ Direito de propor ações de responsabilidade social do administrador em substituição processual da sociedade (artigo 77º): quando o administrador é responsável perante a sociedade, frequentemente a sociedade não exerce essa responsabilidade porque o administrador cuja administração está em jogo é o socio maioritário ou próximo de maioritário. Este direito permite a um sócio minoritário propor uma ação em tribunal perante a sociedade.
¬ Direito de alienação potestativa (artigo 490º/5): quando há relações de grupo e há um sócio maioritário, ele tem o direito de aquisição potestativa – squeeze out. Quando ele não exerce este direito, então os sócios minoritários têm este direito de alienação potestativa.
Temos ainda direitos especiais que se contrapõe aos direitos gerias. Os direitos gerais aplicam-‐se a todos os sócios; já os direitos especiais são direitos de um único sócio ou de uma categoria de sócios.
São, por exemplo:
¬ Direito especial à gerência (artigo 24º e 257º/3 – sociedades por quotas);
¬ Quotas com voto plural (artigo 250º)
¬ Ações preferenciais sem voto (artigo 341º)
¬ Dividendo de lealdade – quanto mais tempo fica como sócio, mais dividendos recebe.
Nas Sociedades Anónimas, os direitos especiais estão estabelecidos por categorias de ações (artigos 24º e 302º). O artigo 24º é a norma geral sobre direitos especiais que se aplica não só às sociedades anónimas, mas a mais tipos societários. De acordo com este artigo, só por estipulação estatutária podem ser criados direitos especiais de
algum sócio.
Os direitos especiais não podem ser suprimidos sem autorização do respetivo titular, salvo disposição estatutária.
9. Acordos parassociais
Os acordos parassociais são aquilo que compõe o mundo da parassocialidade. Como o nome indica, não se trata da socialidade, dos direitos e deveres dos sócios, mas sim de deveres que decorrem de acordos laterais aos estatutos. O acordo parassocial é o acordo celebrado entre sócios, autónomo face ao contrato de sociedade aos estatutos, que regula a posição de situações jurídicas societárias. Apesar de dos estatutos resultar algo, através destes acordos,
os sócios combinam fazer de determinada forma.
Assim, de acordo com o artigo 17º¸ ”os acordos parassociais celebrados entre todos ou entre alguns sócios pelos quais estes, nessa qualidade, se obriguem a uma conduta não proibida por lei têm efeitos entre os intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados atos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade”.
Exemplos de acordos:
• Sindicatos de voto: alguns sócios de uma sociedade com muitos sócios celebram um acordo parassocial, através do qual formam um sindicato, comprometendo-‐se a votar de forma coordenada para controlar a sociedade; é uma cordo distinto do contrato de sociedade, pois nos estatutos cada acionista tem uma participação social e exerce o seu direito de voto de forma livre.
• Sindicatos de voto de minoria: não são sócios maioritários, mas se coordenarem conseguem ter uma maioria suficiente para impedir alterações dos estatutos, que têm de ser aprovadas por maioria qualificada. Todavia, estes acordos são raros.
• Convenções de bloqueio: podem sócios acordar que, se um quiser vender a participação social, terá de dar preferência a um. Exemplo: A tem 20%; B tem 51%. A tem o know-‐how da empresa. Podem celebrar um acordo parassocial em que se diga que se A quiser sair terá primeiro de encontrar um terceiro que compre também uma participação social de B (B não quer ficar na sociedade com um terceiro a substituir A que não conhece e que, provavelmente, não terá o know-‐how).
Esta não é uma classificação exaustiva porque há acordos que regulam outras matérias para além destas e é frequente que o mesmo acordo regule ambas as matérias
Elementos do acordo:
→ Elemento subjetivo – é celebrado entre sócios, podendo ser celebrado por todos eles (omnilaterais), ou apenas por parte deles. Podem, ainda, aparecer terceiros nestes acordos. Por exemplo, pode ser um banco que se compromete a financiar a atividade.
Na prática dos negócios, temos pessoas que aina não têm a qualidade de sócio e que podem nunca o vir a ter, mas que fazem estes acordos parassociais. Do ponto de vista técnico-‐jurídico isto levanta uma questão: o artigo 17º fala, expressamente, em acordos celebrados por sócios, logo aparecendo terceiros, não teremos um acordo parassocial, mas sim outra coisa. Para o professor isto resolve-‐se com facilidade: se se concordar que a situação não se subsume diretamente ao artigo 17º, pode-‐se sempre aplicá-‐lo por analogia, já que este seria um acordo muito próximo do acordo parassocial e por isso aplica-‐se as suas regras.
As regras sobre acordos parassociais são, essencialmente, regras proibitivas que limitam o conteúdo dos acordos parassociais e impõem deveres a quem celebra acordos parassociais, assim, só por aparecer terceiro deixo de aplicar as regras injuntivas ou tenho necessariamente que as aplicar? Estes acordos podem, no fundo, não ser parassociais, mas aplicamos as regras destes: se não for diretamente, então por analogia.
→ Tempo da celebração – os acordos parassociais podem ser celebrados em três momentos:
1. Antes do contrato de sociedade – muitas vezes surge mesmo antes, mas em simultâneo com um contrato-‐ promessa de contrato de sociedade.
2. Em simultâneo ao contrato de sociedade – é tudo montado num projeto comum; parte da matéria é regulada do contrato-‐sociedade e outra no acordo parassocial. Isto é sobretudo frequente nos casos omnilaterais.
3. Depois do contrato de sociedade – isto acontece nas situações em que entra um novo sócio, novo investidor, e nesse momento em há aumento de capital se torna conveniente celebrar o acordo. Pode também acontecer no caso em que determinados sócios se unem no propósito do equilibro de forças ou para um domínio da sociedade.
Os acordos parassociais são muito frequentes nas sociedades anónimas, nomeadamente nas abertas, que têm um regime estatutário extremamente injuntivo. Nos estatutos temos regras gerais que vinculam os acionistas empresários e meros investidores e constam dos estatutos limitações ao direito de voto do artigo 394º/1, a, por exemplo, e o acordo pode ter regrar que valem apenas para os acionistas empresários, daí ser tão frequente. Há também acordos parassociais em sociedades anónimas fechadas.
Estes acordos parassociais são, tendencialmente, confidenciais, pois este é um dos grandes motivos para haver acordos parassociais. Se os sócios minoritários se juntam para unir forças contra sócio maioritário, não é do seu interesse mostrar-‐lhe o acordo. Temos, contudo, regras de publicidade para alguns casos e são principalmente para instituições de crédito das sociedades financeiras, valores mobiliários e seguradoras.
O artigo 17º é a regra principal, porém, aponta-‐se também o artigo 405º, CC, sobre a autonomia privada que compõe a base legal para a constituição de acordos parassociais. Reflexamente, apesar de os acordos parassociais se basearem na autonomia privada, o artigo 17 também acaba por ser limitativo da mesma
9.1. Conteúdo
Nos acordos parassociais temos, normalmente, cláusulas sobre:
🡺 Composição e funcionamento dos órgãos sociais
o numero de administradores
o numero de administradores a indicar por cada uma das partes no acordo parassocial (equilíbrio de forças)
o quórum dos Conselhos de Administração
o Delegação da gestão corrente – há Comissão Executiva ou não
o Designação dos membros de outros órgãos – fiscalização, auditor externo, mesa da Assembleia Geral
o Quórum da Assembleia Geral – regras sobre sócios minoritários
o Órgãos consultivo – sócios de referência
🡺 Modo de gestão
o Planos de negócios a médio ou longo prazo
o Rácios económico-‐financeiros – objetivos de percussão, capital próprio ou alheio…
o Cláusulas sobre política de dividendos – percentagem mínima de dividendos a distribuir
🡺 Transmissão de participações sociais
o Cláusulas com obrigação de manutenção da titularidade das ações – lockup. Geralmente têm um prazo e costumam ressalvar as transmissões intragrupo, porque geralmente a entidade gestora quer reorganizar o seu grupo e geralmente esta é o investidor, não os acionistas, que estão por detrás.
o Cláusulas com direito de preferência – uma das partes vender as ações a outra parte tem direito de preferência;
o Cláusulas com direitos de aquisição – direitos potestativos, por exemplo, opção e compra por sócio maioritário (adquiro potestativamente as ações de te incluíres numa das cláusulas apresentadas, por exemplo, por má gestão).
o Cláusulas de drag along – o sócio maioritário quer vender a terceiro (vende posição maioritária), mas o comprador pode não querer ficar com um sócio que lá está, logo, esta cláusula permite que o maioritário force o minoritário a vender, para que o comprador tenha 100%, uma vez que dificilmente quer ficar com 60% quando o outro tendo 40% pode não gostar e entra logo com litigio. Direito de aquisição a favor de terceiro.
o Direitos de alienação – opção de venda por minoritário (se o maioritário não cumprir os pressupostos do acordo, pode o minoritário vender as suas ações [do maioritário], por determinado preço);
o Cláusulas de tag along -‐ maioritário vende o minoritário tem direito potestativo de vender também, porque só tendo, por exemplo 8%, não lhe convém ficar com um novo sócio maioritário.
🡺 Proibições de competência: podem ser clausuladas nos estatutos, mas sobretudo no caso das Sociedades Anónimas, proibições como proibições de concorrência são estabelecidas nos estatutos e não nos acordos parassociais.
🡺 Modos de resolução de divergências ou de potenciais litígios: são exemplos a arbitragem (cláusula compromissória), reuniões das partes ou mecanismos de mediação.
🡺 Cláusulas instrumentais ou cláusulas sancionatórias:
o Clausulas penais
o Depósitos fiduciários – em que um terceiro fica com uma obrigação de guarda da coisa e com a obrigação de a devolver à pessoa ou a um terceiro
o Procurações irrevogáveis – por exemplo, para o direito de voto, quem aparece para votar não é
o sócio, mas quem tem a procuração. Isto só funciona em sociedades que não limitem o exercício de voto nestes termos no seu estatuto
o Confidencialidade e sigilo
o Duração do acordo
o Denunciabilidade ou não do acordo
o Cláusulas sobre direito aplicável
9.2. Socialidade e parassocialidade
Há dois princípios que regem esta matéria:
• Principio da autonomia: a autonomia face aos estatutos e ao contrato de sociedade. O acordo parassocial é distinto destes, é autónomo.
• Principio da eficácia relativa: os acordos parassociais têm uma eficácia relativa por contraposição com os estatutos que têm uma eficácia erga omnes. Estão vinculados aos estatutos todos os que interajam com a sociedade, mas só estão vinculados aos acordos parassociais as suas partes.
Estes princípios geram alguns problemas.
O primeiro relaciona-‐se com o facto de nada impedir que o acordo parassocial possa funcionar como um contrato a favor de terceiro, nomeadamente com cláusulas a favor da sociedade, em vez de como uma cordo em benefício de terceiro.
Por exemplo, posso estipular que uma das partes tem obrigação de prestar suprimentos a favor da sociedade e se não cumprir, o outro sócio pode pedir-‐lhe que o faça e realize a obrigação. É uma obrigação em benefício da sociedade, em que o credor é parte do acordo parassocial
Diferente, é para além de exigir isto diz que a sociedade pode exigir o cumprimento da prestação destes suprimentos. Neste caso, temos um contrato a favor de terceiro, tal como regulado no Código Civil.
Um contrato em benefício de terceiro é feito entre duas partes, mas para conferir um benefício a um terceiro. Nestes moldes, o próprio terceiro não pode pedir a prestação. Porém, se se fizer um contrato em que o credor é a parte, e quem pode pedir a prestação é os eu beneficiário, então temos um contrato a favor de terceiro. Basicamente, a distinção entre ambos prende-‐se com a parte que pode exigir a prestação.
O segundo relaciona-‐se com eficácia das cláusulas estatutárias limitativas dos acordos parassociais. Se um acordo social tem eficácia relativa, então só vincula as suas partes. Já o inverso é possível: que o contrato de sociedade, com eficácia erga omnes possa limitar o acordo parassocial. Se o contrato de sociedade disser que os acordos parassociais valem zero, então assim será.
Isto constitui uma querela doutrinária: em relação a sociedades abertas, a lei esclarece (podem limitar), já em relação a sociedades fechadas, coloca-‐se a dúvida de saber se é possível haver limitação por parte do contrato-‐ sociedade ou não.
• Posição maioritária: sim, é possível. O contrário seria oposto ao artigo 7º que se inspira na autonomia privada e na eficácia relativa dos acordos.
• Posição minoritária (Carneiro da Frada): quanto a acordos parassociais omnilaterais os dois princípios caracterizadores da parassocialidade não se observam. Nestes casos, as cláusulas do acordo são para cumprir dentro da sociedade. O professor xxxx que está posição é contra legem.
A montante deste tema, temos um problema prévio de saber se temos um contrato ou dois: estatutos ou estatutos e outra coisa (acordo parassocial). É o problema da união de contratos.
É importante saber se há uma mera união económica de vários contratos jurídicos ou apenas um.
Sendo os estatutos sujeitos a registo e podendo os acordos parassociais ser confidenciais, o critério de distinção tende a ser formal e não substancial em função do conteúdo clausulado, assim, o que conta é o registado.
9.3. Limitações ao conteúdo dos acordos parassociais
O artigo 17º/1 refere que “com base neles [nos acordos parassociais] não podem ser impugnados atos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade”. Estamos num panorama em que o artigo 17º estabelece limites à liberdade contratual denotando algumas restrições, sobretudo sobre aspetos políticos.
Assim, são não impugnáveis:
• Os atos da sociedade em atuação externa (transações da sociedade com terceiro;
• Deliberações sociais, quer sejam deliberações sociais, quer sejam deliberações por sócios ou por outros órgãos da sociedade;
• Transmissão de participações sociais;
Outra limitação é a proibição de serem respeitantes “à conduta de intervenientes ou de outras pessoas no exercício de funções de administração ou de fiscalização” (artigo 17º/2).
Isto é, os acordos podem estipular, por exemplo, sobre o exercício do direito de voto, mas não podem estipular sobre a adequação da atuação de administradores., quer estes sejam parte do acordo ou não.
Esta é a proibição mais violada de que há memória. É violada em quase todos os acordos parassociais, já que o principal objetivo de um acordo é controlar o poder que está centralizado no órgão de administração. Assim, tenta-‐se sempre estatuir sobre a atuação dos administradores.
Existem, ainda, acordos que tentam contornar esta proibição. Os sócios comprometem-‐se a que o administrador que nomeiam atue de acordo com a sua instrução – isto é ir frontalmente com a lei. Agora se disser que os sócios se comprometem aos melhores esforços, temos uma obrigação de meios e já de torna dúbia a sua validade.
Por fim, temos as proibições do artigo 17º/3 de acordo com o qual “são nulos os acordos pelos quais um sócio se obriga a votar”:
• Seguindo sempre as instruções da sociedade ou de um dos seus órgãos
• Aprovando sempre as propostas feitas por estes
• Exercendo o direito de voto ou abstendo-‐se de o exercer em contrapartida de vantagens especiais
9.4. Denunciabilidade
Há acordos sociais que têm um prazo – termo certo, mas há outros que não têm termo e têm uma duração indeterminada.
Há um problema que é o da validade das obrigações perpétuas – denunciabilidade ad mutuo imediata das obrigações temporalmente indeterminadas.
Estas obrigações perpétuas podem ser consideradas uma ofensa aos bons costumes. A solução é a de denunciação ad muto – como não têm prazo, podem ser denunciadas a todo o tempo. Assim sendo, é mais arriscado não ter prazo, do que ter prazo. Não ter prazo significa que pode haver denúncia amanhã.
Existem três posições doutrinárias acerca disto:
1. Há Denunciabilidade ad nutum, não podem existir obrigações perpétuas – Xxxx Xxxxxxx;
2. Não são denunciáveis;
3. As obrigações parassociais são umas espécie de obrigações propter renem, isto é, obrigações associadas à socialidade. Assim, deve considerar-‐se que não são perpétuas, mantendo-‐se só enquanto existir a socialidade, ou seja, enquanto se for sócio – Xxx Xxxxx Xxxxxx.
9.5. Relevância legal dos acordos parassociais noutros locais do ordenamento jurídico
Vamos olhar para normas legais que têm na sua previsão a existência de um acordo parassocial. Estão em causa quatro regimes para os quais a existência de acordos parassociais são importantes:
→ 83º, nº 2 – 4: sobre a responsabilidade solidária dos sócios: este artigo está numa secção que aborda a responsabilidade dos administradores. Esta norma estabelece uma responsabilidade solidária do sócio com o administrador. Em determinadas circunstâncias a lei estabelece que o sócio seja responsável com o administrador, já que este pode estar por detrás da violação de poderes pelo administrador, através de instruções.
A responsabilidade solidária pode surgir por:
o Culpa pela eleição do administrador
o Culpa nas instruções (ideia da influência determinante)
Há um efeito legal desfavorável associado à celebração de um acordo parassocial.
→ Código de valores mobiliários para SA e Sociedades abertas (19º e 245º-‐A): para as sociedades abertas não pode haver confidencialidade: há um regime de registo e divulgação. No artigo 182ºA/1, a), temos ainda aa regra da suspensão societária em caso de oferta pública de aquisição (OPA). Muitas vezes quando estas existem, estas não são eficazes pro causa de acordos parassociais que a conseguem bloquear.
O dever de lançamento de OPA obrigatória: Nas sociedades abertas, quando os sócios maioritários ultrapassam determinados patamares, são obrigados a lançar uma OPA sobre as restantes ações para proteção dos sócios minoritários. Os critérios a que tem de se chegar são critérios de imputação previstos no artigo 20º. (???)
→ Regime dos bancos (artigo 11º, RGIC): registo de acordos parassociais com quebra de confidencialidade. Se é com bancos, não pode ser confidencial, o mesmo para as seguradoras.
→ Lei de defesa da concorrência: os acordos parassociais também relevam num regime de livre concorrência.
10.O capital social
As regras do capital social são essenciais para se perceber o funcionamento de uma sociedade.
Capital social -‐ Cifra pecuniária estatutária correspondente ao somatório dos valores nominais das participações sociais, com exclusão das entradas de indústria.
Uma cifra pecuniária é um número representativa de um valor nominário porque é em moeda. Trata-‐se de um número em euros que vem nos estatutos.
Nota: podem existir sociedades coletivas sem capital social por só existirem bens de indústria
Há que fazer a distinção entre capital social, património e capital próprio
Património social – conjunto das posições jurídicas ativas e passivas avaliáveis em dinheiro (património líquido).
→ Xxxxxxxxxx xxxxx: só ativo (só há posições jurídicas ativas)
→ Património líquido: ativo e passivo (conjunto de posições jurídicas ativas e passivas)
O património líquido pode ser positivo ou negativo. Se eu tiver mais ativo que passivo, tenho um património positivo.
O património é a garantia geral das obrigações e não deve ser confundido com o capital social. O património é um valor real e dinâmico – está em constante mutação, enquanto o capital social é estático e apenas um número nos estatutos.
Capital próprio e capital alheio – meios financeiros fornecidos pelos sócios versus meios fornecidos por terceiro. São exemplos de capital próprio as prestações suplementares, prestações acessórias e as entradas.
São exemplos de capital alheio mútuos bancários de várias formas: contas correntes caucionadas, empréstimos a longo prazo, locações financeiras (leasing)… temos que destacar aqui as obrigações que são direitos de créditos iguais e homogéneos.
Existem situações cinzentas, como os suprimentos. Os suprimentos são empréstimos dos sócios. A matéria vem regulada nos artigos 243º e ss. Estes estão a meio caminho do capital próprio e do capital alheio.
São também hibridas as obrigações convertidas em ações.
Desde os anos 70 que os economistas chegaram a conclusão que uma das competentes da gestão é a gestão financeira. A gestão financeira começa por estabelecer uma adequada proporção e equilíbrio entre capitais próprios e capitais alheios.
O gestor deve ir buscar dinheiro aos sócios e a terceiros e maximizar o financiamento. Se eu, gestor, tenho duas possibilidades de retorno de investimento não devo ser conservador, desde que tenha boa perspetiva de retorno.
Trata-‐se da forma como os gestores olham para o capital próprio e para o capital alheio.
10.1. Funções do capital
O capital social tem duas funções:
• Função interna: função de suporte de distribuição de direitos e deveres entre os sócios. O peso relativo dos sócios é dado pela sua fração no capital social, logo é critério. Só sei os meus direitos e deveres pela minha fração no capital social, através da minha proporção.
Exemplos: Nas sociedades anonimas só há direito à informação ou certas componentes deste para quem tiver mais 10% ou 20% do capital social – serve de critério para perceber se determinado sócio tem ou não direitos e deveres e a medida dos mesmos (artigo 288º e 281º).
Quanto ao direito de voto (artigo 348º/1) nas sociedades anónimas, quem tem mais de 20% do capital não pode votar em mais de 20%, verifico a distribuição do direito de voto por estas regras. Quando falamos em sócio dominantes, falamos em função de uma participação no capital social e por isso, para as sociedades capitalistas, a generalidade, o capital social é um mecanismo jurídico essencial: obrigatório nos estatutos.
Quanto aos quóruns de deliberações sociais, podem ser também em função da proporção do capital social.
• Função externa: função de tutela dos credores. É um limite que funciona como limite à evolução do património na sociedade. Estabelece um limite por ser uma cifra de retenção patrimonial. Isto significa que tenta que o património não desça abaixo dessa cifra.
Temos depois três princípios associados à ideia de capital social que invocam o seu regime. Vamos olhar para eles e analisar as regras que os concretizam.
1. Princípio da rigidez – este princípio traduz-‐se na fixação estatutária. O capital social é rígido porque consta dos estatutos, só se podendo alterar através de uma alteração estatutária. Relaciona-‐se com a função interna do capital.
2. Princípio da efetividade ou da exata formação – reclama que a sociedade seja integrada por um património não inferior ao valor do capital social. Relaciona-‐se com a função externa do capital. A este princípio estão associadas várias regras: o dever de deliberação das entradas, o regime de avaliação das entradas em espécie, a proibição de realização abaixo do par (pode pagar-‐se a mais, mas não se pode entrar com património inferior ao das participações sociais.
3. Princípio da conservação ou intangibilidade – aqui trata-‐se de impedir a saída do património em função da cifra de retenção. Relaciona-‐se com as seguintes regras:
a. proibição de retribuição certa (artigo 21º/2)
b. proibição de distribuição de bens (artigo 32º/1 – esta norma que é corolário deste princípio deve também ser lida de forma substancial através da ideia de proibição de distribuição oculta de bens)
c. Perda de metade do capital (artigo 35º)
d. Regime de limitação de auto participações
Esta última matéria é muito relevante do ponto de vista prático, mas que não vamos abordar no programa. As auto participações são as quotas próprias, ou seja, participações sociais detidas pela própria sociedade. É como se a sociedade surgisse como sócia de si própria.
10.2. Valores mínimos do capital social
→ Sociedades por quotas: 1€ por cada sócio (artigos 219º e 201º) – regime do capital social livre;
→ Sociedades anónimas: 50mil€ (artigo 276º/5);
Tendo em conta os limites mínimos do capital social, qual é a relevância do mecanismo do artigo 32º/1?
Artigo 32º/1: “sem prejuízo do preceituado quando à redução do capital social, não podem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio desta, incluindo o resultado líquido do exercício, tal como resulta das contas elaboradas e aprovadas nos termos legais, seja inferior à soma do capital social e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição”
O limite das sociedades por quotas é completamente irrisório, e mesmo o das sociedades anónimas é por vezes reduzido face ao volume de negócios que por vezes existe.
A estipulação deste baixo valor do capital social tem em vista incentivar a criação de empresas, não criando barreiras. Mas, por outro lado, assistimos à crise da função externa do capital social, havendo uma menor proteção dos credores.
Quais são então os mecanismos de tutela dos credores já que o capital social não é um deles? O principal mecanismo de tutela dos credores é a informação financeira. O que o sistema faz é disponibilizar aos credores informação financeira a cada três meses. Além disso, há profissionais independentes a validar essas informações, tornando-‐as credíveis. Em Portugal, esta figura é do revisor oficial de contas. Lá fora, este trabalho é feito por auditorias.
Por ser pela certificação das contas que se exerce a tutela dos credores é que nos EUA se abandonou a função externa do capital.
Há determinados setores de atividade em que há valores de capital social mais elevados. Isto convoca o tema da congruência do capital social com o objeto social. O que se diz é que para cada setor de atividade, deviam ser estabelecidos valores mínimos congruentes. É muito difícil fazer esta congruência porque não há legislação para tudo. Para determinados setores extremamente regulares como o setor bancário, estas regras de congruência entre o capital social e o objeto social existem. O problema é que quando um banco vai à insolvência, estes têm entre si
empréstimo e a falência de um, pode significar a fragilidade de outro.
A propósito desta ideia de congruência, há quem diga que deve ser convocada a ideia de desconsideração da personalidade jurídica.
Existe outra pista para criar uma melhor sofisticação na proteção dos credores: os rácios providenciais entre capitais próprios e capitais alheios. Esta é a ideia de que, para montar uma empresa não basta capitais alheios, tem que se meter também capitais próprios. Tem que se ter pelo menos 20% de capital próprio.
11. As Reservas
Reservas são cifras limitativas da distribuição de bens aos sócios que acrescem ao capital social. Na gíria, são “quase capital social”. Estamos a falar de novo de cifras pecuniárias e que, portanto, não são património. São um mecanismo que joga com a cifra do capital social para efeitos da limitação à distribuição de bens aos sócios. Isto é, para efeitos de saber se o património está demasiado baixo vou atender ao valor do capital social, mas também às reservas. Se o capital social for 50mil e as reservas 5mil, para efeitos do artigo 32º, conta-‐se com o valor de 55mil.
Há três tipos de reservas:
• Legais – impostas pela lei de forma injuntiva
• Estatutárias – impostas pelos estatutos
• Facultativas – impostas por deliberações sociais sem caráter de alteração estatutária O critério é o da origem.
O sentido das reservas estatutárias e deliberações sociais prende-‐se, normalmente, com o acesso a fundos públicos, de outra forma parece fazer pouco sentido.
Há reservas legais com origem em (artigo 295º/1 e 2 – sociedades anónimas e 118º -‐ sociedades por quotas):
• Lucros
• Ágios (ações subscritas acima do par – a diferença entre valor nominal e o entregue são os ágios, as vantagens que a sociedade recebe e que vão para reserva para fortalecer o mecanismo de proteção dos credores consagrado no artigo 32º)
• Saldos positivos de reavaliações monetárias que forem consentidas por lei
• Importâncias correspondentes a bens obtidos a título gratuito
• Diferença entre o resultado atribuível às participações sociais financeiras reconhecido na demonstração e resultados e o montante dos dividendos já recebidos ou cujo pagamento possa ser exigido relativamente às mesmas participações
11.1. Lucros e perdas
Os lucros são aumentos patrimoniais das sociedades; as perdas são diminuições patrimoniais da sociedade.
Os lucros distribuíveis são aumentos patrimoniais que podem ser distribuídos aos sócios, atendendo, por referência, ao capital social e às reservas indisponíveis. Basicamente, fazendo as contas com o artigo 32º.
Podem ainda existir lucros de exercício, mas não haver direito a lucros distribuíveis. Posso ter num exercício anual lucros (a sociedade aumentou o seu património), mas mesmo assim não haver distribuição. Apesar de ter havido lucro, não foi ultrapassado o patamar do artigo 32º.
É uma questão de verificar se são, ou não, lucros de exercício da sociedade, ou seja, se a sociedade teve aumento patrimonial – variação patrimonial positiva -‐, e de saber se haverá lugar a lucros distribuíveis, ou não.
11.2. variações do capital social
O aumento do capital social regulado nos artigos 87º e ss, consiste num aumento da cifra estatutária. Existem dois tipos:
¬ o aumento através de novas entradas e
¬ o aumento através da incorporação de reservas (91º e ss)
O aumento por incorporação de reservas significa que as reservas que eram “quase capital social” passam a ser capital social. Nesta sequência, as reservas passam, imagine-‐se a 0.
Surge, então, a obrigação de construir mais reservas e a partir daí vai aumentando o limite do artigo 32º. Se, por exemplo, o capital social era de 100 e as reservas eram de 20. Já se tinha chegado ao limite de exigência de reserva (1/5 do capital social). Resolve transformar-‐se as reservas em capital, passando o capital social a ser 120. Tem de se construir novas reservas até que elas sejam 1/5 de 120.
No aumento de capital por novas entradas, estas novas entradas podem significar, ou não, que surjam novos sócios. Para proteger os sócios face à possibilidade de verem diminuir o peso relativo da sua participação social, a lei atribui direitos de preferência nos artigos 266º e ss para as sociedades por quotas e artigos 456º e ss. para as sociedades anónimas (artigo 458º).
O direito de preferência diz respeito à subscrição de novas ações por aumentos de capital em entradas em dinheiro.
A propósito deste direito, duas notas:
1. É possível a alienação do direito de preferência (artigos 458º/3 e 267º). Isto acontece bastante em sociedades cotadas porque os direitos de preferência são valores mobiliários que se destacam e podem ser alienados a quem não seja sócio.
2. O regime de supressão do direito de preferência – pode ser deliberada a supressão do direito de preferência num aumento de capital com entradas em dinheiro, mas só com determinados requisitos. Aqui joga-‐se a proteção dos sócios, sobretudo dos minoritários (artigos 460º e 266º/4).
A parte geral da redução do capital social vem prevista nos artigos 94º e ss. temos duas modalidades
→ Com libertação de capital: quando o património é superior ao valor do capital social e, portanto, há uma libertação de património. O património que exceda o valor do património social pode ser libertado. Estas reduções de capital social com libertação de excesso têm que observar os requisitos de credores relacionados com a intangibilidade do capital social. Não posso libertar excesso de capital se depois fico com um capital social inferior a 50mil€ (para as Sociedades anónimas).
→ Cobertura de perdas: o que acontece é que a sociedade tem um património inferior ao limiar do capital social e os sócios resolvem diminuir o capital social para suprir essa insuficiência de capital.
11.3. Operações harmónio/acordeão
A operação harmónio é uma redução do capital social seguida do aumento de capital por novas entradas. Estas operações estão associadas à restruturação financeira.
A ideia é que ao reduzir o capital social se faz com que os sócios tenham valores de participação social mais reduzidos e depois, segue-‐se um aumento de capacidade social e as pessoas que concorrem a esse aumento vão passar a ter um peso relativo muito superior.
Exemplo: a sociedade vale 100mil (capital social), A tem 50mil e B tem 50mil. A sociedade está à beira da insolvência. A e B não têm dinheiro para meter na sociedade e precisam de novos sócios. Vão entrar C e D, cada um com 100mil€. Cada um ficou com um valor nominal igual aos antigos (25%).
Nas sociedades que estão a ser alvo de reestruturação, os novos sócios não querem ficar com os antigos que deixaram a sociedade ir à insolvência. Por vezes, o que se faz é reduzir as participações. O capital social reduz-‐se de 100mil para 10mil e, no momento seguinte, há um aumento de capital com as entradas de C e D. Cada um entra, depois, com 100mil, pro exemplo, depois de A e B terem diminuído o seu peso relativo, através da redução do capital social e então do seu valor nominal. A ideia é retirar peso aos sócios antigos e dar mais poder a quem põe o dinheiro novo.
Sintetizando: Primeiro há uma operação de redução de capital. Em segundo, há um aumento de capital porque C e D entraram cada com um 100mil. A primeira operação pode levar abaixo do capital social mínimo, desde que num curto período se aumente.
E pode ir a 0? Sim. Isto significa que, no momento da redução deixa de haver sócios com participações sócios e que, no segundo momento, surgem os novos sócios investidores.
As operações harmónio fazem-‐se frequentemente porque se chega a acordo com os credores. Outras vezes, fazem-‐ se em processo de insolvência ou de processo pré-‐insolvência como forma de saneamento, por imposição do juiz. Nestes casos tem o nome de medida de saneamento financeiro.
12. Contribuições dos sócios para além do capital social
Existem três tipos de contribuições dos sócios, para além do capital social:
• Prestações acessórias (artigos 209º e 287º): surgem nas sociedades anónimas e nas sociedades por quotas);
• Prestações suplementares (artigos 210º -‐ 213º): surgem apenas nas sociedades por quotas;
• Suprimentos (artigos 243º -‐ 245º): só estão previstas para as sociedades por quotas, mas é pacifico que se aplicam por analogia às sociedades anónimas;
As prestações acessórias e complementares são impostas pelos estatutos, isto é, têm origem estatutária:
• quer diretamente,
• quer na sequência da deliberação social.
Em rigor terminológico, as prestações acessórias e as complementares enquadram-‐se num dever societário de contribuição enquanto dever característico do contrato sociedade.
Os suprimentos não são impostos pelo contrato sociedade, tendo uma natureza civil. Decorrem:
• da vontade própria do contrato de mútuo ou
• da não exigência de créditos à sociedade (ser credora da sociedade e não o exigir)
12.1. As prestações acessórias
As prestações acessórias têm fonte direta nos estatutos. Podem ser:
• Pecuniárias/Não pecuniárias (serviços).
• Remuneradas/Não remuneradas (onerosas/não onerosas)
Prestações remuneradas significa juro (se a prestação for dinheiro) ou salário (se forem serviços).
Origem:
Hoje em dia as prestações acessórias podem ser serviços ou dinheiro, mas a sua origem está nos serviços. Quando foram criadas as sociedades por quotas na Alemanha, foi estabelecido que só podiam ser de capital, mas achou o legislador alemão que tinha de se acomodar a possibilidade de alguém querer fazer prestações de serviços.
Nas sociedades oitocentistas alemãs também era frequente haver prestações em indústria. Isto não era visto como uma contribuição de entrada, mas como uma prestação acessória.
Em Portugal, não se colocou isto na lei inicial. Apesar de a lei não prever isto, na prática negocial e estatutária era frequente estabelecer clausulas que o sócio X fica atrás do balcão.
Quando se fez o código das sociedades comerciais, as prestações acessórias em vez de serem só em serviços passaram a ser pecuniárias. Esta originalidade portuguesa não se sabe bem de onde veio.
Hoje em dia, é pouco frequente existirem prestações acessórias de serviços, apesar de na origem de tudo, ser esse o requisito inicial. O que se costuma fazer é essas prestações acessórias de serviços não serem fixadas nos estatutos, mas o equivalente ser fixado num acordo parassocial. Outras vezes, está nos estatutos, mas não está de forma expressa.
12.2. Prestações suplementares
As prestações suplementares têm fonte estatutária indireta. A fonte é indireta porque é preciso uma previsão nos estatutos e uma deliberação a dizer “agora é que vamos exigir as prestações complementares”.
Estas prestações são sempre pecuniárias e nunca são remuneradas.
Origem:
A origem está na lei alemã. A lei portuguesa prevê as prestações suplementares que são sempre não remuneradas.
12.3. Suprimento
Os suprimentos têm fonte contratual civil. Só podem ser dinheiro ou outras coisas fungíveis e podem ser remuneradas ou não.
Saber se se quer fazer suprimentos, prestações suplementares ou acessórias porque a sociedade precisa de dinheiro é importante. Normalmente, não se quer fazer aumentos de capital para não se aumentar o capital social.
O que mais se faz são suprimentos, quer pelas vantagens oferecidas no código, quer por serem os mais mobilizáveis.
Se se precisa de dinheiro, liga-‐se ao gestor da sociedade, e diz-‐se que se precisa do dinheiro de volta com os juros.
Aplicação analógica às SA: esta matéria no Código das Sociedades Comerciais apenas ficou consagrada na parte das Sociedades por Quotas. O autor material do código, passado uns meses, veio defender a aplicação analógica das normas.
Os termos desta aplicação são controversos. Há quem diga, com razão, que só faz sentido aplicar este regime que prejudica o sócio no confronto com os credores se for um sócio-‐empresário. Se for um sócio-‐investidor não faz sentido prejudicá-‐lo desta forma. Deve ficar sujeito ao regime dos suprimentos quem for sócio-‐empresário, e quem for sócio-‐ investidor não.
13.Estrutura orgânica das sociedades comerciais
13.1. Noção de órgão
Existem várias conceções quanto a esta matéria:
• Conceção tradicional: o órgão são as pessoas singulares que integram uma organização
• Conceção institucional: vê o órgão como centro de imputação dos efeitos de normas jurídicas
• Conceção eclética: distingue dois conceitos, consoante esteja em causa a teoria da organização (estática) ou para a teoria administrativa (dinâmica). Se estiver em causa a organização, temos o conceito institucional; se estiver em causa a teoria administrativa, o que existe é a pessoa singular – FREITAS DO AMARAL.
Para o professor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, órgão será a pessoa física ou a instituição consoante o tipo de atuação negocial.
🡺 Estando em causa um poder ou competência singular ou conjunta atribuída a uma pessoa singular ou conjunto de pessoas singulares, o que está a atuar é uma pessoa física – conceção tradicional;
🡺 Quando o poder ou competências é atribuído a um colégio, há uma subjetividade jurídica distinta dos seres humanos – conceção institucional.
Assim, órgão será uma pessoa singular ou um centro de imputação dos efeitos de normas no interior da organização.
De acordo com uma perspetiva normativista, para sabermos o que é uma pessoa coletiva, temos de perguntar às normas jurídicas. As pessoas coletivas são subjetividades jurídicas que atuam no exterior; os órgãos são subjetividades jurídicas que atuam no interior da pessoa coletiva.
Frequentemente as pessoas que estão na organização, têm dúvidas de que estão associados a deveres que, por sua vez, estão associados a poderes que eles têm. Mas há protagonistas que têm direitos não associados a deveres, como os sócios que tomam decisões em assembleias gerais. Assim, os poderes no interior da organização podem estar associados quer a direitos subjetivos ou a deveres.
Para saber se estamos perante um órgão temos de estar perante um poder orgânico associado a um regime jurídico estatutário. Os órgãos são aqueles que atuam ao abrigo deste regime corporativo-‐orgânico, ao qual se aplica o Código das Sociedades Comerciais.
Isto não impede que a sociedade não tenha representantes voluntários ou outros colaboradores, aos quais se aplica o Código Civil.
13.2. Modalidades de atuação negocial
Os órgãos por vezes atuam através de deliberações (atuação colegial), outras vezes temos uma atuação em conjunto de várias pessoas (atuação conjunta) e podemos ter ainda uma só pessoa a atuar (atuação disjunta).
Temos aqui duas modalidades de atuação negocial:
• Atuação plural:
o Atuação colegial (deliberativa) – geralmente só acontece no caso das pessoas coletivas, daí a especificidade; aqui a regra é a da maioria – o que for decidido pela maioria é vinculativo. Regra geral dão origem a um negócio jurídico unilateral, mas podem dar origem a um contrato (bilateral)
o Atuação conjunta – tenho um ato conjunto caracterizado pela ativação de uma pluralidade de pessoas em unanimidade. Há realmente uma pluralidade de pessoas no negócio jurídico. Muitas vezes surge sobre a forma de proposta, nem sempre concorrendo para a formação de um contrato.
• Atuação singular:
o Atuação singular (disjunta) – temos uma só pessoa a atuar;
Isto não surge apenas na atuação orgânica, mas em toda a atuação negocial. Isto é um tema do negócio jurídico – as organizações praticam negócios jurídicos e por isso deve conjugar-‐se a teoria das organizações com a do negócio jurídico e aí temos estas atuações que se constituem em rigor a modelos relativos à formação do negócio jurídico, isto é, modalidades de declaração negocial.
Assim, por exemplo, quando três comproprietários vão a uma escritura pública para vender um imóvel, temos uma atuação conjunta; quando é apenas um proprietário a vender, temos uma atuação disjunta. Assim, estas classificações relevam da teoria do negócio jurídico.
Por exemplo, se tenho um negócio jurídico plural entre A (sociedade) e B. Tenho duas declarações negociais, mas uma com pluralidade de pessoas.
Da declaração de A fazem parte X0, X0, X0… Temos não uma pluralidade de partes, mas uma pluralidade de pessoas na declaração negocial.
Nota: É quando há uma atuação orgânica deliberativa que o professor entende que há um órgão em sentido institucional, pois a vontade não é atribuída a todos.
13.3. Modalidades de poder orgânico
Temos dois tipos de poder:
• Competência externa: poder de representação – é um poder face a terceiros; por aproximação, podemos dizer que este poder corresponde ao poder de vinculação;
• Competência interna: poder de administração – é um poder face aos outros órgãos; por aproximação, podemos dizer que este poder corresponde ao poder decisório;
Em ambos os casos, quando o administrador atua nestas duas competências, ele não atua em nome próprio, mas em nome da sociedade. Assim, também a competência interna implica a representação da pessoa coletiva (o órgão representa sempre a pessoa coletiva). Mas atenção, a terminologia tradicional é a de que o poder de administração corresponde ao poder interno, ao passo que a representação diz respeito à competência externa. Mas não esquecer que também a competência interna é representativa, apenas não o é perante terceiros.
O poder de representação ou competência externa é abstrato, e não pode ser limitado para efeitos de proteção de tráfego jurídico/ proteção de terceiros por força da 1ª diretiva de coordenação de direito das sociedades de inspiração germânica em que se estabeleceu que o objeto social e estatutos não podem limitar o poder de limitação (terceiros têm de poder confiar que os administradores têm poder de representação). Estes poderes de representação estão tendencialmente concentrados no órgão de administração, quem vincula a sociedade perante terceiros são os gerentes e administradores, não os sócios, pelos mesmos motivos de proteção de terceiros: diminuir custo de transação e contexto para as empresas. É sempre o administrador que vincula.
Há outros órgãos com competência pontual face ao exterior: sócios quando designam administradores, contratam externos, competência externa. Os órgãos de controlo (conselho fiscal e conselho geral de supervisão), a lei permite que contratem peritos, peçam informação a terceiros – competência externa pontual. A tendência é para a concentração do poder externo.
Há situações complexas. No caso da venda de um imóvel por uma sociedade anónima o poder externo é dos administradores, sendo o poder interno dos órgãos. Se houverem assinaturas dos administradores em número suficiente, mas a deliberação interna não tiver ocorrido dentro das conformidades, há vinculação, mas haverá responsabilidade interna.
Por vezes faz-‐se uma distinção entre órgãos internos e órgãos externos. Esta distinção não é correta, porque não há órgãos internos e órgãos externos, o que há é poderes externos e poderes internos, sendo que os órgãos podem ter mais poderes externos ou mais poderes internos, mas raramente se pode dizer que um órgão tem única e exclusivamente apenas um destes poderes.
Há ainda uma outra classificação que se refere às modalidades de órgãos, em que se distingue:
• Órgãos originários: têm fonte direta nos estatutos; são os sócios e o coletivo dos sócios.
• Órgãos derivados: têm fonte indireta nos estatutos e fonte direta numa designação pelos sócios ou outro qualquer órgão derivado; são todos os outros órgãos que não os sócios: tipicamente os gerentes, o conselho de administração, o conselho fiscal…
Esta classificação releva apenas para a sociedade anónima que é mais complexa. Como órgãos derivados temos:
• Órgão de administração ou gestão
• Órgãos de controlo
o Controlo contabilístico
o Controlo político
▪ Fiscalização pura
▪ Supervisão
Nos órgãos originários distinguem-‐se normalmente duas funções:
• Função de administração
• Função de fiscalização
• Função de supervisão (acrescenta o professor e Xxx Xxxxx Xxxxxx)
A Supervisão é a função do conselho geral e de supervisão nas SA que adotam o modelo germânico; fiscalização é o mero controlo, quer da contabilidade, quer das existências
– é uma função essencial. No Modelo germânico os membros dos órgãos de supervisão têm funções acrescidas de nomeação e destituição dos executivos e funções de autorização para a prática de atos mais importantes. Assim, a fiscalização é feita com “mais garras” porque se o supervisor detetar problemas pode: destituir e, preventivamente, os administradores vão ter mais cuidado com o que fazem; pode fixar a remuneração; autorização par os atos de gestão mais importantes.
13.4. Identificação dos órgãos nas sociedades comerciais
Nas sociedades coletivas, os principais órgãos são:
→ conjunto dos sócios (artigo 191º)
→ gerência – coincide com o colégio de sócios
→ conselho fiscal (pode ou não haver)
Nas sociedades por quotas os principais órgãos são:
→ conjunto dos sócios (artigos 252º e ss.)
→ gerência – é o órgão a quem compete a gestão e a representação da sociedade; pdoe ser composto por sócios ou terceiros. (artigos 252º -‐ 261º)
→ conselho fiscal – a sua existência é admitida, mas bastante rara (artigo 262º)
Nas sociedades anónimas há três modelos orgânicos (art. 278º, nº1):
→ O modelo tradicional (alínea a) – conjunto dos sócios, conselho administração (Artigo 405º e 406º), conselho fiscal (Artigo 420º) e, por vezes, comissão executiva (modelo tradicional complexo).
→ O modelo germânico (alínea c) – conjunto dos sócios, e conselho administrativo e executivo, conselho geral (órgão de controlo político de supervisão). Temos ainda o revisor oficial de contas.
→ O modelo anglo-‐americano (alínea b) – conjunto dos sócios, conselho de administração e comissão e auditoria.
13.5. Competências do conjunto dos sócios
Temos cinco grandes temas de competência dos sócios:
1. Alterações estatutárias
2. Designação de outros órgãos
3. Apreciação periódica da situação da sociedade
4. Afetação de resultados
5. Competência de gestão
O colégio dos sócios tem essencialmente competência internas – como as acima mencionadas, mas pontualmente há competências externas.
13.5.1. Alterações estatutárias
As alterações estatutárias são da competência dos sócios com maiorias qualificadas. Estas altera-‐se consoante o tipo de sociedade.
🡺 Nas sociedades anónimas – artigo 265º: “as deliberações de alteração do contrato só podem ser tomadas por maioria de 2/4 dos votos correspondentes ao capital social ou por numero ainda mais elevado de votos exigido pelo contrato sociedade”. Esta possibilidade de ser este órgão a deliberar um aumento de capital é uma exceção a esta ideia-‐regra de que as alterações estatutárias são da exclusiva competência dos sócios. Um aumento de capital é, do ponto de vista material, uma alteração estatutária.
🡺 Nas sociedades por quotas – artigo 386º: “a Assembleia Gral delibera por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado, salvo disposição diversa da lei ou do contrato; as abstenções não são contadas”.
13.5.2. Designação de outros órgãos
Por regra, são os sócios que têm esta competência da designação de outros órgãos.
Os órgãos derivados são aqueles que necessitam de um ato de designação, cabendo esta, por regra, aos sócios.
Mas existem exceções. A situação figura no seguinte:
→ Competência da designação de gerentes, podem ser designados nos estatutos, fora esses casos, são designados pelos sócios (artigo 252º).
→ Designação dos administradores das sociedades anónimas (artigo 391º).
→ Criação dos membros do Conselho Fiscal (artigo 415º)
→ Nomeação dos membros do Conselho de Auditoria. 435º, nomeação dos membros do Conselho Geral e de Supervisão (artigo 423º-‐C).
→ Nomeação do Secretário da Mesa da Assembleia Geral (artigo 446º).
→ Os administradores executivos podem ser designados pelos sócios, se os estatutos assim o disserem (artigo 425º).
13.5.3. Apreciação periódica da situação da sociedade
A apreciação periódica da situação da sociedade consiste, basicamente, na aprovação do relatório de atividades e contas (artigo 246º e 376º).
13.5.4. Afetação de resultados
O tema da competência da afetação de resultados (246º e 376º). Aprova-‐se o relatório e chega-‐se a conclusão que há resultados positivos de 200mil€, o que se faz com eles? Afetar os resultados é decidir se se vai distribuir dividendos, se se vai reinvestir… o que se vai fazer.
13.5.5. Competência de gestão
Em todas as sociedades comerciais o órgão executivo tem competências de gestão, agora nem todas as decisões de gestão são tomadas apenas ao nível do órgão de gestão. Há decisões de gestão mais importantes que têm de ser partilhadas por outros órgãos, nomeadamente com os sócios.
→
→ Nas Sociedades por quotas há determinadas situações de gestão que têm de ser levadas aos sócios, nomeadamente as situações previstas no artigo 246º. As situações do nº1 são injuntivas e as do nº2 dispositivas.
Nas Sociedades Anónimas, onde há uma complexidade estrutural superior é onde os sócios têm menores competências a níveis de gestão, mesmo assim, em algumas decisões estruturantes de gestão os sócios têm competência. Aqui as decisões corriqueiras só são adotadas pelo órgão de administração executiva; depois há medidas importantes que têm de ser tomadas pelo conselho geral de supervisão; e as decisões essenciais, têm de ser tomadas pelos sócios.
-‐ Querela doutrinária: relativamente às alíneas c)e d) do nº2, será esta uma nroma com efeito externo ou meramente interno? Isto releva para efeito da validade perante terceiros.
→ Professor e Xxxxxxxx xx xxxxx: não há eficácia externa; não são deliberações injuntivas, pelo que não devem repercutir-‐se na esfera externa da sociedade.
→ Outros autores: há eficácia externa;
-‐ Querela doutrinária: o artigo 373º/3 diz que “sobre matérias de gestão da sociedade, os acionistas só podem deliberar a pedido do órgão de administração”. De acordo com esta conceção os sócios passam a ter menos poderes porque o órgão de administração passa a ter competências próprias. Mas então, até que ponto os estatutos podem prever que é necessária uma autorização dos sócios para a prática de determinados atos nas Sociedades Anónimas?
→ Para o professor a competência exclusiva de gestão não é exclusiva por causa das decisões essenciais que são sempre da competência dos sócios (interpretação restritiva);
No que toca às sociedades anónimas, o conselho geral, nos termos do artigo 442º, tem também competências de participação na gestão. Isto é, há determinadas matérias de gestão que devem ser aprovadas pelo conselho geral de supervisão.
É novamente a questão da hierarquia. Temos também que fazer a distinção entre instrução e mera aprovação.
Associada a esta distinção está associada à ideia da iniciativa de gestão. o que se reserva para o conselho de gestão é, sobretudo, a iniciativa de gestão, o que significa que os outros órgãos não podem dar instruções ao órgão de administração.
Em concreto, para além dos casos previstos na lei é possível que os estatutos coloquem outras situações como sendo necessária a exigência dos sócios?
→ Professor, Engrácia e Xxxxxxx xxxxxxxx -‐ Sim
→ Xxxxxxxx xx xxxxx -‐ Sim, exceto no modelo germânico.
→ Tudo é possível, instruções e atos de gestão.
13.6. Órgãos derivados de sociedades anónimas
Os órgãos derivados contrapõem-‐se aos órgãos originários. São eles:
• Órgão de gestão
• Órgão de controlo Não verificam apenas a regularidade do relato financeiro, mas tem muitas outras tarefas: controlar as medidas de gestão,
controlo da legalidade (“compliance”). 69
A propósito deste controlo usa-‐se a expressão “vigilância horizontal” que tem a ver com o conceito de controlo político; e a expressão “vigilância vertical” associada aos aspetos da
o Politico
▪ Fiscalização
▪ supervisão
o Contabilístico
A fiscalização relaciona-‐se com o controlo político com poderes reforçados;
A supervisão tem duas competências:
• Nomeação e destituição do executivo
• Participação na gestão
Meramente contabilístico – feito por auditorias e revisores oficiais de contas
13.7. Competência dos gerentes (sociedades por quotas)
Ao contrário das Sociedades Anónimas em que os administradores têm uma competência exclusiva de gestão, nas Sociedades por Quotas os gerentes ou a gerência não tem quaisquer poderes exclusivos. A consequência prática disto é que os sócios podem dar instruções aos gerentes, tomar a iniciativa de gestão…
Quanto à gerência das sociedades por quotas interessa o artigo 261º. Na análise das competências ou poderes dos gerentes das Sociedades por Quotas temos que distinguir:
→ Competência interna: tem a ver com a validade das deliberações internas, responsabilidade, destituição dos gerentes…
→ Competência externa: tem a ver com o tema da vinculação da sociedade e dos contratos;
O artigo 261º não ajuda a distinguir estas competências porque as tem a ambas, fala tanto de competência interna (“deliberações”), como de competência externa (sociedade considera-‐se vinculada”). Assim, as deliberações consideram-‐se tomadas validamente se reunirem os votos da maioria, bem como a sociedade se considera vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos agentes.
Quando se fala nas deliberações por maioria, o legislador estabelece uma regra sobre a competência interna (distinta da que fala da externa ou da vinculação da sociedade através da atuação dos gerentes). Os votos da maioria são a competência interna. Aos olhos de XXXXXXXX XX XXXXX, num poder deliberativo ou decisório as decisões são adotadas por maioria dos gerentes por via da deliberação. Pormenor: neste contexto, faz sentido não falar apenas na atuação dos gerentes, mas também nas decisões da gerência enquanto subjetividade jurídica.
Esta norma regula simultaneamente a competência interna (“deliberações”) e a competência externa (“sociedade considera-‐se vinculada”). Assim, as deliberações consideram-‐se tomadas validamente se reunirem os votos da maioria, bem como a sociedade considera-‐se vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos gerentes.
Acerca disto, deste tema duas notas:
o Poder de representação originário-‐ regime supletivo -‐ maioria dos administradores a assinar e 1 CEO. É possível a referencia nominal desde que não seja excluído o sistema supletivo legal-‐ isto é no poder de representação originário
o Poder de representação delegado (artigo 482º) -‐ o professor xxxx que podem ser delegados poderes de representação que são delimitados no próprio ato de delegação. A delegação é um negocio jurídico e os efeitos são semelhantes aos de negocio jurídico de procuração. A delegação atribui poder de representação. O âmbito e limites da delegação são afixados no negocio jurídico de delegação. Xxxxxxxx xx Xxxxx diz algo
completamente diferente -‐ que está de acordo com a letra da lei -‐ que o contrato de Xxxxxxxxx pode permitir delegação de poderes internos e poder ser acompanhada de poderes de competência externa. Se os poderes internos forem delegados, os Estatutos autorizam que também tenham poderes de delegação sobre essas matérias. É a competência externa a acompanhar a delegação de competência interna.
13.8. Competência dos administradores (sociedades anónimas)
Aqui já há normas distintas para:
• a competência interna (poder de administração ou gestão – artigos 406º, 407, 410º, 411º e 412º)
• a competência externa ou poder de representação, (artigos 408º e 409º). Aqui, a regra é a da função conjunta da administração, isto é, a assinatura da maioria dos administradores. Isto é um regime supletivo, pelo que existem possibilidades estatutárias:
1. Pode estabelecer-‐se um número inferior
2. É unanime que não se pode estabelecer um número superior: ideia de proteção dos terceiros
13.8.1. Competência externa
A regra supletiva é também a regra da atuação conjunta maioritária – existe uma declaração negocial conjunta a maioria dos administradores. A sociedade fica vinculada pelos negócios assinados pela maioria.
Os Conselhos de Administradores podem ser compostos por muitos administradores. Neste caso, imaginando que existem 20 administradores, a empresa só ficaria vinculada se, aplicando a regra supletiva, se reunissem mais de dez assinaturas. A logística é complicada, pelo que dentro das sociedades anónimas têm de haver mecanismos que facilitem este ponto.
Deste modo, admite-‐se que os estatutos possam delimitar um número mais baixo. Ex: dois administradores e o Presidente. Isto é ótimo para os terceiros, já que se aumenta a possibilidade de haver vinculação. Por contraposição, não pode haver cláusula estatutária que preveja um numero de assinaturas superior, por uma questão de proteção de terceiros.
Já a circunstância de os estatutos preverem que tenha de ser um determinado administrador a assinar é possível, desde que isso não afaste o regime supletivo de vinculação pela maioria. Ou seja, é possível dizer que “ou assina o Xxxxxxx, ou a maioria dos administradores”. Porém, XXXXXXXX DE ABREU entende que nem assim é possível haver uma atribuição de poder singular.
Isto é o poder da representação originário, temos também de falar no poder de representação delegado, regulado no artigo 408º/2. Aqui há uma grande querela doutrinária:
→ Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx: pode existir uma credencial, isto é, podem ser delegados poderes de representação e esses poderes são delimitados no próprio ato de delegação. A delegação é um negócio jurídico que tem como efeitos jurídicos efeitos semelhantes aos do negócio jurídico da representação. Os limites da delegação são os fixados no próprio negocio jurídico de delegação. Isto é o que ocorre no mundo dos negócios
→ Xxxxxxxx xx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx: a letra da lei não aponta para o sentido de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, diz que a delegação interna pode ser acompanhada de poderes de competência externa. Isto é, os estatutos dizem que quando houver delegação de competência interna, os estatutos autorizem que os administradores com isso também tenham poderes de vinculação sobre essas matérias. É no fundo a competência externa a acompanhar a delegação da competência interna. Esta posição joga bem com a letra d alei, mas mal com o que as empresas precisam e com a realidade empresária. O que as empresas precisam é de fazer credenciais.
13.8.2. Competência interna
A competência interna dos administradores manifesta-‐se no poder de administração ou gestão.
Notas introdutórias:
1. É de recordar o artigo 373º/3: Nas sociedades anónimas, os sócios têm a competência de gestão limitada, na medida em que os gerentes têm algumas reservas. Têm competência, p.e., nas fusões, porque são questões estruturais de gestão. Por regra, não tomam decisões em matéria de gestão nas SA e não podem dar ordens aos administradores. O reflexo: o Conselho de Administração tem iniciativa exclusiva de gestão nas sociedades anónimas. Ou seja, a primeira grande consequência prática – os sócios não podem dar instruções aos administradores e, se houver uma decisão por parte destes, não é vinculativa.
2. Possibilidade de autorização pelos sócios ou pelo órgão de controlo político (artigo 442º)
De acordo com o Artigo 410º/7, as deliberações são tomadas por maioria dos votos dos administradores presentes.
O Artigo 407º fala acerca da delegação dos poderes de gestão, isto é, da delegação da competência interna. Este é dos artigos mais importantes é sociedades.
Neste âmbito, há que distinguir dois modelos de delegação:
→ Delegação restrita (artigo 407º/1 e 2) ou encargo especial
→ Delegação ampla (artigo 407º /3, 4, 5) ou delegação
“Encargo especial” é a terminologia de Xxxxxxxx xx Xxxxx, que a confere por não crer que esta é uma verdadeira delegação.
Temos dois critérios cumulativos que permitem fazer a distinção dos dois modelos de delegação:
1. Critério das matérias delegáveis:
A delegação ampla permite delegar mais matérias que a delegação restrita.
Mas quais as matérias delegáveis? Há dois critérios para limitar as matérias delegáveis: há um elenco e há uma cláusula geral com o conceito de gestão corrente. A lei funciona com estas duas abordagens.
→ Cláusula geral: Diz-‐se no artigo 407º/3 que os estatutos podem delegar a gestão corrente, o que significa que a norma deve ser interpretada pela negativa, proibindo a delegação da gestão não corrente. O conceito de gestão corrente é um limite de delegação. Se eu considerar que tal coisa não é gestão corrente, mas que a extravasa, então não pode ser delegado.
Duas notas:
1. isto está previsto aqui para a delegação ampla, mas por maioria de razão aplica-‐se também na delegação restrita. Se na delegação ampla, onde se permite mais que na restrita se permite apenas delegar a gestão corrente, na delegação restrita não se pode permitir delegar mais do que isto.
2. O que extravasa a gestão corrente são as decisões sobre a nomeação dos diretores, dos trabalhadores de topo, do sistema de controlo interno, o planeamento… para além disto temos um elenco no artigo 407º por remissão para o artigo 406º.
→ Elenco: Quanto à delegação restrita não podem ser delegadas quaisquer matérias do artigo 406º, À exceção da alínea n). Quanto à delegação ampla, apenas são proibidas as alíneas a), d), f), l), m) do artigo 406º, sendo ainda aplicável o critério da gestão corrente.
2. Critério da estratificação orgânica: a estratificação orgânica tem a ver com a criação da comissão executiva. A criação de uma comissão deste tipo só é possível numa delegação ampla. Se olharmos para os números 3 e 4 do artigo 407º, fala-‐se de uma delegação da comissão executiva e nos números referentes à delegação restrita não. Na delegação ampla permite-‐se a estratificação orgânica, alterando completamente a arquitetura orgânica.
A delegação restrita, na letra da lei, parece uma distribuição de pelouros. Por exemplo, um fica com a contabilidade, outro com a investigação de desenvolvimento, outro com a produção… quem toma as decisões de
gestão corrente na matéria financeira? O pelouro financeiro. Se for uma decisão não corrente já tem de ser todo o conselho de administração, já que não se pode delegar. Esta forma de delegação acontece em todas as empresas.
→ Delegação ampla: só é possível se os estatutos o estipularem (artigo 407º/3);
→ Delegação restrita: é possível a não ser que os estatutos proíbam;
É muito frequente (acontece sempre assim), mesmo quando há uma comissão executiva, que dentro esta haja distribuição de pelouros.
Isso significa que na prática empresarial se atua um bocado para lá do que diz a lei, já que esta não prevê a dupla delegação. Primeiro há uma delegação ampla numa comissão executiva e depois lá dentro há uma delegação restrita através da distribuição de pelouros. Temos um duplo movimento de delegação que não está previsto na lei, mas que acontece em todos os casos.
13.8.3. Efeitos da delegação nos deveres dos administradores
A delegação opera uma modificação nos deveres dos administradores. Uns ficam com a gestão ativa (os delegados) e outros com a gestão passiva (os delegantes).
Esta matéria convoca a interpretação do artigo 407º/8, de acordo com o qual “a delegação prevista nos nºs 3 e 4 não excluía competência do conselho para tomar resoluções sobre os mesmos assuntos; os outros administradores são responsáveis, nos termos da lei, pela vigilância geral da atuação do administrador ou administradores-‐delegados ou da comissão executiva e, bem assim, pelos prejuízos causados por atos ou omissões destes, quando, tendo conhecimento de tais atos ou omissões ou do propósito de os praticar, não provoquem a intervenção do conselho para tomar as medidas adequadas”.
O dever geral de quem tem a gestão passiva é o dever de vigilância e ainda o dever de agir quando haja algum problema com a delegação. Esta intervenção é feita através da convocação do plenário do conselho de
administração e, a partir daí, decidir pela avocação ou pela revogação da delegação.
A lei utiliza a expressão “vigilância geral da atuação do administrador”. Distingue-‐se:
• Vigilância vertical, que é a vigilância dos administradores delegados face aos patamares inferiores da empresa;
• Vigilância horizontal, vigilância dos administradores delegantes face aos administradores delegados (e é esta que está presente no artigo 407º/8).
Distingue-‐se ainda:
• vigilância analítica: corresponde à vigilância vertical.
• Vigilância sintética: corresponde à administração horizontal.
Estes conceitos prendem-‐se com a circulação de informação. Na vertente da vigilância vertical o fluxo de informação é muito maior do que na vigilância horizontal.
O professor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx entende que esta ideia de bifurcação da gestão se aplica quer numa situação de delegação ampla quer numa situação de delegação restrita. O professor Xxxxxxxx xx Xxxxx entende que esta bifurcação apenas ocorre na delegação ampla, com base no artigo 407º/8.
E como é que isto funciona no modelo anglo-‐americano e no modelo germânico, tendo em conta que existem três modelos de governo?
Este modelo que temos no artigo 407º é o modelo tradicional.
No modelo anglo-‐americano valem os artigos 406º e 407º vistos anteriormente, com as necessárias adaptações. Quais adaptações? A norma que regula esta questão é o artigo 423º-‐B/3, que diz que é vedado o exercício de funções
executivas. A lei, noutros lugares, não utiliza a expressão “funções executivas”. Temos ainda os artigos 423º-‐B e ss.
aplicáveis ao modelo anglo-‐americano.
No modelo germânico, temos dois órgãos de dever estruturantes: o conselho de administração executivo (artigo 424º) e o conselho geral de supervisão (artigo 434º).
No artigo 433º temos normas remissivas e, portanto, parte das regras sobre o modelo tradicional também se aplicam ao modelo germânico. É então possível aplicar o artigo 407º ao modelo germânico?
→ O artigo 433º não aponta para a aplicação do artigo 407º. O professor Xxxxxxxx xx Xxxxx diz que não é possível a sua aplicação; no entanto, o professor Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx entende que a sua aplicação é possível, atendendo à natureza das coisas, com duas limitações:
o A inadminissibilidade de uma comissão executiva (ou seja, de uma estratificação orgânica), porque já temos dois órgãos de governo;
o No modelo germânico, todos têm de ser executivos;
13.9. Deveres dos administradores e gerentes
No artigo 64º temos os deveres fundamentais dos gerentes ou administradores da sociedade. São eles:
• Dever de gestão: “deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado”
• Dever de lealdade: “deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”
O dever de gestão é o dever de prestação característico que deriva do contrato.
O dever de lealdade, por sua vez, é um dever acessório de conduta. Por exemplo, quando a lei diz que o administrador não pode concorrer com a sociedade, temos aqui um dever específico. No entanto, não era necessário este dever específico estar concretizado na lei, porque ele decorre do dever de lealdade.
13.9.1. Dever de gestão
O dever de gestão é uma prestação de meios e não uma prestação de resultado1.
As ideias mais relevantes que se relacionam com o dever de gestão são as ideias de diligência, objeto social e interesse a prosseguir.
A ideia de diligencia está no artigo 64º/1, a. Isto é o equivalente ao artigo 437º, CC sobre o bom pai de família, que é uma bitola abstrata que não atende às características pessoais do devedor, mas às características médias.
Os ingleses têm duas ideias sobre esta ideia de diligência:
1. A diligência deve ser adaptada ao pelouro atribuído ao administrador, ou seja, o administrador deve ter conhecimento adequados ao seu pelouro;
2. A segunda ideia tem que ver com os não executivos – não tendo estes pelouros, os, entendendo-‐se que estes têm de ter principalmente alguma capacidade de análise financeira;
1 Esta distinção não está acolhida na letra da lei, derivando da doutrina. Isto tem reflexos no regime da responsabilidade. Se fosse uma prestação de resultado, poderia entender-‐se que o insucesso poderia levar à responsabilidade do administrador. Ora, isto não acontece, o mau resultado na gestão de empresa não faz presumir a culpa. Tem de ser o credor a provar que há uma atuação danosa do administrador que leva aos maus resultados da empresa.
O objeto social interessa na medida em que o administrador deve atuar tendo em conta o objeto social.
O interesse social é mais relevante para efeito de concretização do dever de gestão. Este é um tema polémico em direito das sociedades. A lei fala do interesse social no artigo 64º/1, b.
Uma parte substancial da doutrina, em que Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx se inclui, entende que o interesse social não releva no dever de lealdade (como indica a al. b) do art. 64), mas do dever de gestão.
O conceito de interesse social é discutido não apenas a propósito dos deveres dos administradores e da sua conduta, mas também a propósito dos limites à atuação dos sócios. Agora discutiremos interesse social em relação aos deveres dos administradores. Nesta medida, o interesse social é o fim da atuação dos administradores: estes têm de realizar a sua prestação tendo em conta o interesse da sociedade.
Sobre interesse social há três grandes teorias:
• Institucionalismo: defende a atuação no interesse da empresa.
• Monismo: o interesse da sociedade é o interesse dos sócios
• Pluralismo: os administradores não devem atuar apenas no interesse dos sócios, mas também de outros sujeitos relevantes, como os terceiros credores, por exemplo.
Há um meio caminho entre o pluralismo e o monismo, que é o valor iluminado. Este conceito de valor iluminado foi aquele que ficou consagrada na lei portuguesa, nomeadamente no artigo 64º/1, b), ao dizer que os administradores devem atuar sobretudo interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses de outros sujeitos. Isto está mais pensado para as sociedades anónimas, nas sociedades por quotas não faz tanto sentido, pela sua natureza.
Há no artigo 64º um discurso muito complexo sobre os interesses a prosseguir. Numa sociedade anónima faz sentido, mas numa sociedade anónima não. Quem é que vai dizer a um sócio gerente para decidir pelos trabalhadores?
É importante agora recordar o conceito de externalização absoluta do risco nos credores. Quando a sociedade se aproxima de uma situação de insolvência, a sociedade não deve atuar no interesse da sociedade, mas no interesse dos credores. Ou seja, consoante a situação patrimonial da sociedade, os interesses a proteger devem ser diferentes. Assim, em contexto de insolvência, a responsabilidade dos administradores é diferente.
Discute-‐se se os administradores têm um dever de legalidade (legalidade externa), isto é, perceber melhor o que está em causa. Não estão em causa os deveres legais dos administradores, mas as proibições e deveres da sociedade. Um bom administrador deve fazer com que a sociedade cumpra a lei. Na opinião de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, isto não é um dever autónomo, mas é apenas um aspeto do dever de gestão.
Ainda para lá da letra da lei, em relação a aspetos parcelares do dever de gestão encontramos as noções de gestão ativa (um bom gestor é aquele que corre certos riscos), obtenção de informação (não basta decidir bem, é preciso decidir com base em informação adequada), a planificação, a organização e a vigilância.
Ainda sobre o dever de gestão, resta fazer uma referência à business judgement rule, prevista no artigo 72º/2. Esta é uma norma de proteção das decisões empresariais, importada dos EUA. A ideia aqui é limitar a responsabilidade dos administradores por decisões de gestão. A rácio legis da norma é a não responsabilização dos administradores para que não haja uma aversão ao risco empresarial. Ou seja, a responsabilização dos administradores corrói a iniciativa privada e, consequentemente, tem impacto no desenvolvimento económico.
A estatuição normativa do artigo 72º/2, é a exclusão da responsabilidade civil. Já a previsão normativa tem três elementos:
1. Atuação em termos informados, sem conflito de interesses e não irracional. Atuar em termos informados significa que tem de haver um mínimo de informação por detrás da decisão empresarial.
2. Atuação sem conflito de interesses, determina que a atuação tem de ser livre de qualquer interesse pessoal (a atuação no interesse pessoal também constitui uma violação do dever de lealdade).
3. Que o administrador consiga apontar pelo menos um argumento racional para a tomada da decisão, mesmo que existam mais razões irracionais.
Em termos de método jurídico, como é que chegamos à responsabilização do administrador?
1. Primeiro temos de identificar o dever de gestão;
2. Depois temos de identificar a violação do dever de gestão;
3. Por fim, temos de ver se há algum requisito do artigo 72º/2 que não está preenchido para que não se possa aplicar a estatuição normativa da exclusão da responsabilidade.
13.9.2. Dever de lealdade
O tema do dever de lealdade é um tema muito tenso porque é uma relação de gestão de bens alheios e uma relação contratual fiduciária (que não se confunde com a propriedade fiduciária) – ideia de que há uma relação contratual desequilibrada em que há pessoas com muito poderes, que pode atuar no lugar de outro, mas que pode abusar dos seus poderes. Esta ideia de fidúcia é convocada para mostrar que a lealdade é muito intensa.
A deslealdade ou conflito de interesses são conceitos abertos, o que quer dizer que se aplica a intuição moral do juiz. Para além disto há manifestações com concretizações na lei e concretizações na jurisprudência.
Deslealdades previstas na lei:
→ Proibição de celebração de negócio consigo mesmo (artigo 397º/2 e 261º, CC)
→ Proibição de concorrência (artigos 254º, 398º/3 e 428º)
Deslealdades na jurisprudência:
→ Apropriação de património da sociedade
→ Apropriação de oportunidades de negócio societário
→ Utilização de informação societária
→ Vantagens patrimoniais indevidas
→ Lealdade em operações de M&A: aqui não há uma lealdade perante a sociedade, mas perante os sócios, pois o prejuízo de uma operação destas resulta para os sócios.
13.9.3. Consequências da violação dos deveres
A violação dos deveres de gestão e de lealdade gera responsabilidade civil nos termos do artigo 72º/1.
Para além de haver responsabilidade dos administradores perante a sociedade, há também responsabilidade perante sócios ou perante credores quando se violem normas de proteção de terceiros credores.
Por fim, temos também como possível sanção, a destituição com justa causa.
13.10. Competências da comissão de auditoria
Podemos encontras as competências da comissão de auditoria no artigo 423º-‐F. Neste artigo, a lei repete exaustivamente o artigo 420º acerca das competências o fiscal único e do conselho fiscal.
Isto quer dizer que no modelo anglo-‐americano estas funções de fiscalização não pertencem, então, apenas à comissão de auditoria.
No que toca ao modelo germânico, encontramos no artigo 441º/d o conceito síntese de fiscalização, entre as competências do conselho geral e de supervisão.
Além deste poder de fiscalização, o conselho geral de supervisão tem mais poderes: nomear e destituir os administradores, e participar na gestão. Tem, portanto, um poder de participação: nomear e destituir os administradores (artigo 481º/1, a) e um poder de fiscalização (artigo 442º).
14.Deliberações dos Órgãos das Sociedades Comerciais
A deliberação pode ser vista como resultado, ou como processo:
Processo: Essencialmente caracterizado por dois momentos/atos:
1. Proposta de deliberação
2. Votação.
Poderá haver mais atos; antes da proposta há discussão, depois pode haver nova discussão. Depois da votação haverá contagem dos votos e pode haver proclamação de resultado. Pode ainda haver ata e, consoante o processo deliberativo, pode ser mais ou menos formal. Temos uma proposta e o voto é exercido de forma dialética; se se quer acrescentar algo, deve fazer-‐se nova proposta de deliberação.
Resultado: É reconduzível ao conjunto dos votos que fizeram vencimento. De onde emana a eficácia jurídica? Dos votos vencidos ou dos que fizeram vencimento? O conjunto dos votos que fizeram vencimento – teoria da vontade.
Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx entende que o negócio jurídico não pode ser apenas identificado como ato de vontade, o que importa é a produção de efeitos conforme ao seu significado.
A este propósito, há uma querela doutrinária: a deliberação constitui:
1. Um negócio jurídico especial
2. Um negócio jurídico unilateral
3. Um ato que não se enquadra na teoria do negócio jurídico
4. Constitui uma modalidade de declaração negocial.
Para o professor trata-‐se de uma declaração negocial que se não tiver que ser aceite, não dá origem a um contrato.
É preciso fazer a contraposição entre deliberação e ato conjunto :
• Ato conjunto – todos emitem declarações no mesmo sentido unanimidade);
• Deliberação – cada um apresenta a sua posição (suficiência da maioria.). Apesar de ambas serem distintas, nos dois casos há uma pluralidade de pessoas
Quando a lei exige deliberação unanime, em rigor, trata-‐se de um ato conjunto. Do ponto de vista prático, se a deliberação é unanime não interesse se há proposta de deliberação e um vota a favor e outro contra: podem assinar apenas, não é necessário processo deliberativo.
Nas sociedades anónimas fechadas é muito frequente que todos estejam de acordo, logo, não se faz regra geral, Assembleias Gerais -‐ não há processos deliberativos na prática.
A propósito das sociedades por quotas unipessoais temos ainda as deliberações do sócio único – as decisões do sócio único não são deliberações, mas sim atos singulares.
Quanto à natureza dos votos e das deliberações, temos as seguintes conceções:
a) Conceção antiga – VON GIERKE – a deliberação é um ato da vontade coletiva, não integrado na teoria do negócio jurídico; é construída fora da parte geral do Código Civil.
b) Maioria da doutrina – votos são declarações negociais e fazem parte da teoria do negócio jurídico.
c) XXXXX XXXXXXX XXXXX e XXXXXXXX XX XXXXXXX – a deliberação é uma declaração negocial; os votos são enunciados negociais – são um momento anterior (formam uma unidade da declaração negocial – esta depois pode dar origem a um negócio jurídico).
As deliberações podem ser classificadas como:
• Positiva -‐ vencimento dos votos positivos;
o Conteúdo positivo – formulação positiva da proposta de deliberação;
o Conteúdo negativo – formulação negativa da proposta de deliberação;
• Negativa – vencimento dos votos negativos.
Distinguem-‐se também as deliberações orgânicas das não orgânicas:
• Orgânicas – sócios e demais órgãos societários (gestão, controlo, etc). São imputadas à sociedade. Estas deliberam em confronto com a sociedade e são imputáveis à mesma. Isto quer dizer que qualquer negócio jurídico que dali saia é imputável à sociedade.
• Não orgânicas – obrigacionistas (geram capital alheio, dão dinheiro à sociedade). São imputadas a estranhos à sociedade. Estas não são imputáveis à sociedade.
14.1. Deliberações dos sócios
As deliberações dos sócios são o mecanismo de formação da vontade da sociedade. A exteriorização da vontade dos sócios que é imputada à sociedade. O autor jurídico é a sociedade e, em rigor, é um fenómeno de representação.
Uma deliberação de um órgão, como o Conselho de Administração, por exemplo, é da mesma forma imputada à sociedade.
O colégio dos sócios forma a vontade da pessoa coletiva, mas também se pode considerar que há formação de vontade da pessoa coletiva quando haja deliberação de outro órgão. Pode, inclusive haver confronto entre a vontade de dois órgãos e em ultima análise, estes conflitos são dirimidos em tribunal: conflitos interorgânicos.
Todas as deliberações orgânicas têm imputação à pessoa coletiva, exceto as orgânicas, onde não há esta imputação.
Dentro das deliberações dos sócios, há que fazer distinção entre deliberação do colégio dos sócios e de certas categorias de sócios. Esta distinção tem subjacente a ideia de direitos especiais dos sócios ao nível das sociedades anónimas.
Por vezes é necessário formar à vontade especifica de determinadas categorias de ações com direitos especiais, nomeadamente para saber se consentem a modificação de direitos sociais (artigos 24º/6 e 389º).
Vigora, por regra, o princípio da suficiência da maioria que se concretiza na exigência de uma mera maioria simples, porém, por vezes exige-‐se maiorias qualificadas.
Exemplo: uma alteração estatutária, exigem-‐se maiorias qualificadas para as alterações estatutárias. Em função a regra do caracter pessoal ou gregários dos tipos em causa de sociedades. No limite poderá ser exigida unanimidade, será um ato conjunto.
❖ ver artigo 265º para as alterações estatutárias nas Sociedades por Quotas; e nas Sociedades Anónimas a exigência de maioria qualificada está nos artigos 383º e 386º porque há quórum constitutivo e deliberativo.
As deliberações sociais estão sujeitas ao princípio da taxatividade (artigo 53º/1), de acordo com o qual a coletividade dos sócios apenas poderá tomar deliberações segundo uma das modalidades previstas na lei.
Classificação das formas de deliberação dos sócios (artigo 53º, 54º)
1. Deliberações em Assembleia Geral (comum)
2. Deliberações em Assembleia Geral Universal ou Totalitária (artigo 54º/1)
3. Deliberações Unânimes por Xxxxxxx (DUE)
4. Vinculações por Voto Escrito (artigo 247º)
Deliberações Unânimes por Escrito (artigo 54º/1): Do ponto de vista analítico, é um ato conjunto e é bastante frequente que na prática societária se adote este tipo.
Acontece quando todos têm a mesma opinião, quando há unanimidade. Consiste, na prática, na assinatura de um mesmo documento. Em momentos sequenciais adota-‐se um ato conjunto, uma exteriorização da vontade unânime, não obstante não ter acontecido no mesmo momento.
É frequente que não seja feita com o formalismo adequado, i.e., muitas vezes simula-‐se a existência de uma Assembleia Geral devidamente convocada com a presença de todos os sócios em que deliberam por unanimidade uma proposta, mas na prática não acontece efetivamente, acaba por ser um ato simulado. Há jurisprudência que consiste que foi mal formalizada. XXXXX XXXXXXX XXXXX considera que se deve fazer uma boa ata de Deliberação Unânime por escrito.
Ao nível da formalização da ata, o grande pormenor para efeitos de produção de efeitos jurídicos é o estabelecimento a data – deve dizer-‐se que foi adotada tendo por referência determinada data, criando uma data valor para os efeitos jurídicos que se pretende produzir.
Deliberação em Assembleia Geral Universal ou Totalitária (artigo 54º/1): Os requisitos são
• Presença de todos os sócios
• Exteriorização de vontade de todos os sócios no sentido de constituição de uma Assembleia Geral, sem observância de formalidades prévias desde que todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua e delibere sobre determinado assunto. Do ponto de vista analítico o que existe é um ato conjunto quando quanto à constituição da Assembleia Geral com determinada ordem do dia, objeto. Xxxx é quando há um sócio anonimo que não vai aceitar a Assembleia Geral porque não vai estar de acordo com o que vai ser deliberado. Nestes casos, ocorre deliberação unânime por escrito ou Assembleia Geral normal ordinária ou extraordinária.
Vinculação por voto escrito (247º): aqui há deliberação por voto escrito. Para além disto, nas sociedades por quotas adota-‐se o artigo 277º/2 -‐ são fechadas.
Aqui há uma forma de voto efetivo sujeito ao principio da maioria, é diferente da deliberação unânime. Aqui a votação é feita por escrito, é a única diferença em relação à deliberação normal, porque há votação efetiva.
14.2. Deliberação em Assembleia Geral
14.2.1. Composição
A Assembleia Geral representa o órgão constituído pelos sócios e é comum a todos os tipos de sociedades comerciais.
Tradicionalmente, a Assembleia era entendida como o órgão supremo da sociedade, dotada de poderes absolutos para determinar a vida e a gestão da sociedade.
Porém, a crescente complexificação da gestão social demonstrou que tal conceção era absurda: a gestão quotidiana dos negócios sociais não poderá ser assegurada através de um corpo de sócios que poderá chegar aos milhões, que se reúne esporadicamente (de acordo com a lei, com uma periodicidade mínima de 1 ano – artigos 189º/1, 248º/1 e 376º).
Por isso, nas sociedades contemporâneas de grande e média dimensão, a gestão está confiada a um órgão próprio, seja ele o Conselho de Administração, a Gerência ou o Conselho de Administração Executivo, consoante o modelo de sociedade adotado.
Mais do que isso, grande parte das matérias de gestão são inacessíveis aos sócios por competência própria, mas apenas por meio de solicitação do próprio órgão de gestão (artigo 373º/3).
Para além disso, a Assembleia Geral vê a sua competência de gestão limitada às decisões estruturantes da vida social, tais como a alteração dos estatutos (objeto social, firma social, aumento ou redução de capital), a eleição ou destituição dos órgãos de administração e de fiscalização, a aprovação de contas anuais e distribuição de lucros, fusão, cisão, transformação ou agrupamento e, por fim, a dissolução da sociedade.
Por outro lado, a Assembleia Geral é dotada de um poder originário e não derivado de qualquer órgão social, uma vez que é a ela que cabe eleger e destituir os membros dos demais órgãos sociais, alterar os termos dos estatutos e decidir sobre matérias vitais.
Representação dos sócios
A lei permite que os sócios se façam representar na Assembleia Geral, uma vez reunidos determinados requisitos de fundo e forma que variam consoante o tipo social.
→ Nas sociedades por quotas, o sócio pode fazer-‐se representar pelo cônjuge, ascendente, descendente ou por outro sócio, salvo se os estatutos previrem outras possibilidades de representação (artigo 249º/5).
→ Nas sociedades anónimas, o acionista pode sempre fazer-‐se representar por qualquer pessoa, através de um documento dirigido ao presidente da mesa da assembleia geral (artigo 380º/2).
14.3. Competência para a convocação
Nas sociedades por quotas, a competência cabe aos gerentes (artigo 248º/3), por meio de carta registada com a antecedência mínima de 15 dias. Nas sociedades anónimas cabe a um órgão menos relevante – presidente da mesa da Assembleia Geral (artigo 377º) através de publicação da convocatória com a antecedência mínima de um mês (artigo 167º/1).
Porém, em determinados casos previstos na lei, pode ser atribuída ao órgão de controlo político: Comissão Auditoria, Conselho Fiscal, Conselho Geral e de Supervisão, etc. Contudo, estes órgãos só podem convocar, depois de, sem resultado, terem solicitado ao presidente da mesa essa convocação. As sociedades anónimas têm uma estrutura orgânica mais complexa – a mesa da AG e o seu presidente não são os órgãos principais de governo que até agora analisámos, mas sim outros órgãos com poderes orgânicos secundários.
Os acionistas e conjunto de acionistas podem requerer ao presidente da mesa, em determinadas circunstâncias, a convocação de uma determinada Assembleia Geral (artigo 378º). O artigo 378º/4 diz que esta pode ser requerida judicialmente, quando a mesa não responda à sua solicitação; este deve ser equacionado com o artigo 377º/1.
O artigo 375º/1 refere que as Assembleias Gerais devem ser convocadas sempre que a lei o determine (aprovação de contas deve ser realizada todos os anos – aprovadas com periodicidade superior em alguns casos) e quando o Conselho de Administração, Comissão de Auditoria, Conselho de Administração Executivo, Conselho Fiscal ou Geral e de Supervisão entendam que seja conveniente.
Os acionistas minoritários têm um direito de requerer Assembleias Gerais ao presidente da mesa, mas apenas quando as suas ações correspondam a 5% do capital social (artigo 378º/1 remete para o 375º/2). A propósito da ação de responsabilização, o artigo 77º refere o mesmo valor.
Oportunidade da convocação – legitimidade da sua iniciativa
quanto às sociedades anónimas, temos um problema de oportunidade (artigo 375º/1):
• Ou quando a lei o determine – por exemplo, no fim de cada exercício (Assembleia Geral anual);
• Ou quando o Conselho de Administração, a Comissão de Auditoria, o Conselho de Administração Executivo, o Conselho Fiscal e o Conselho Geral e de Supervisão considerem conveniente. Podem ainda tomar a iniciativa um ou vários acionistas titulares de, no mínimo, 5% do capital social (artigo 375º/2).
Quanto às sociedades por quotas, além da lei, pode também requerer a convocação qualquer dos sócios (artigo 248º/1).
Formalidades da convocatória
De acordo com o artigo 377º/5, a convocatória que deve ser publicada e enviada por carta ou correio eletrónico deve conter:
• As menções do artigo 171º: atos externos, nome da firma, tipo, sede, nº identificação da PC, nº fiscal);
• Local, hora, espécie (só para as Sociedades anónimas);
• Indicação da espécie, geral ou especial, da Assembleia;
• Os requisitos a que porventura estejam subordinados a participação e o exercício de voto;
• A ordem do dia;
• Se o voto por correspondência não dor proibido pelos estatutos, descrição do modo como o mesmo se processa, incluindo o endereço, as condições de segurança, o prazo para a receção das declarações de voto e a data do cômputo das mesmas;
A convocatória fixa os limites materiais da competência deliberativa de cada reunião concreta, pelo que as deliberações tomadas sobre matérias estranhas à ordem de trabalhos publicitada serão, em princípio, anuláveis.
O artigo 377º/8 pormenoriza o que se entende por “ordem do dia” – esta tem de ser claramente identificada para que o sócio possa claramente perceber se quer ou não participar na Assembleia Geral. Não se pode não incluir algum assunto a ser tratado na ordem do dia.
Nota: O artigo 248º/1 faz remissão das sociedades por quotas para as sociedades anónimas. A competência de convocação e maiorias estão no artigo 265º. O que não estiver regulado nas sociedades por quotas, aplica-‐se o das sociedades anónimas.
Divulgação da convocação e sua dilação
Nas sociedades por quotas a competência para a convocatória é dos gerentes (artigo 248º/3) com carta registada, com um prazo mínimo de 15 dias.
Nas sociedades anónimas, a competência pertence ao Presidente da mesa (artigo 377º/1). Aqui não é precisa carta, basta a divulgação no sitio eletrónico especifico com 21 dias de antecedência.
Se os estatutos exigirem carta registada, a convocatória terá de ser feita desta forma.
14.4. Funcionamento das Assembleias Gerais
No artigo 386º temos as regras das maiorias exigidas nas votações. O nº1 estabelece que a assembleia geral deve deliberar por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital nela representado.
Existe, todavia, matérias que têm que ser deliberadas pro maioria de 2/3 (artigo 386º/3), mais concretamente as elencadas no artigo 383º/2:
• Alteração do contrato de sociedade
• Fusão
• Cisão
• Transformação
• Dissolução da sociedade
• Outros assuntos para os quais a lei exigir maioria qualificada
Artigo 383º -‐ tem que ver com constituição da AG e inicio dos trabalhos – quórum constitutivos. Sem determinados quóruns, a Assembleia Geral não se chega a constituir para deliberar sobre certas matérias. Logo, primeiro tem que haver quóruns constitutivos para depois em relação a determinada matéria, atentarmos nos quóruns deliberativos.
→ Regra geral: deliberação, em primeira convocação, independentemente do numero de acionistas presentes ou representados (artigo 383º/1), salvo regra especial ou disposição contrária no contrato-‐ sociedade.
→ Regra especial: para determinadas matérias, nomeadamente as mencionadas neste artigo, é necessário ter reunido ou representados acionistas que detenham, pelo menos, 1/3 do capital social (artigo 381º/2). Se isto nãos e verificar, há uma segunda convocação.
→ Caso não esteja reunido o quórum constitutivo mínimo e houver segunda convocação, a assembleia pdoe deliberar independentemente do capital social presente ou representado (artigo 383º/3).
Reunido o quórum deliberativo, devemos averiguar qual a maioria necessária para que aquela deliberação obtenha vencimento.
No artigo 386º temos as regras das maiorias exigidas nas votações. O nº1 estabelece que a assembleia geral deve deliberar por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital nela representado.
Existe, todavia, matérias que têm que ser deliberadas por maioria de 2/3 (artigo 386º/3), mais concretamente as elencadas no artigo 383º/2:
• Alteração do contrato de sociedade
• Fusão
• Cisão
• Transformação
• Dissolução da sociedade
• Outros assuntos para os quais a lei exigir maioria qualificada
Sintetizando – fases do processo deliberativo:
1. Proposta de deliberação;
2. Discussão (tem de ser dada a palavra aos sócios);
3. Votação.
Pode acontecer que não se siga exatamente este processo. Mas se depois houver dissenso, essa não observância pode implicar uma patologia/vício de uma deliberação social.
A ata – condição de eficácia das deliberações?
A ata é o documento que descreve o que se passou na Assembleia Geral e que prova as deliberações ocorridas
(artigo 63º/1).
As assembleias podem gerar ou não negócios jurídicos. Porém, grande parte das vezes as deliberações têm conteúdo jurídico, sendo esta a razão pela qual existem, maioritariamente.
Posto isto, estão sujeitas a várias formalidades que devem ser documentadas numa ata. Há duas opiniões acerca das atas:
• Há quem diga que são condições de eficácia das deliberações;
• Há quem as considere meros meios de prova (XXXXXXXX XX XXXXX e XXXXX XXXXXXX XXXXX).
Para quem considera que são condições de eficácia, a ata é uma formalidade ad substanciam (forma do negócio jurídico – 220º CC do ponto de vista de conhecimentos estruturais e reforma dos negócios jurídicos) e não ad probationem.
Esta posição tende a ser minoritária porque a ata tende a ser elaborada pelo presidente da mesa ou sócio maioritário, prejudicando os sócios minoritários -‐ estes ficam impossibilitados de ir para tribunal estruturar o que foi feito, porque não a formalizam. Assim, sendo mera formalidade probatória, este problema não se põe.
O mesmo é fazer a seguinte pergunta: uma deliberação efetivamente tomada, mas não documentada em ata sofre por isso em termos de validade ou ineficácia? Para COUTINHO DE ABREU, uma deliberação adotada pelos sócios em forma apropriada é, apesar da falta de ata, de facto e juridicamente existente.
Efetivamente, a ata não é o modo pelo qual os sócios exprimem ou exteriorizam a sua vontade deliberativa, não sendo, por isso, uma formalidade ad substantiam. Por isso, e tendo também em conta a tipicidade vertida no artigo 56º, não é nula uma deliberação sem ata. Por sua vez, a falta de ata, além de não inquinar o conteúdo da deliberação, também não vicia o procedimento deliberativo, também não havendo, por esse motivo, xxxxx x xxxxxxxxxxxxx xx xxxxxxxxxxx (xxxxxx 00x).
Não se pense, porém, que a falta de ata não acarreta qualquer tipo de consequência. Apenas essas consequências não se reconduzem à ineficácia da deliberação. As atas têm essencialmente uma função certificativa, visando promover uma maior segurança no funcionamento societário e informação mais certa dos sócios. A ata funciona, pois, como meio de prova das deliberações ocorridas na Assembleia Geral.
14.5. Vícios das Deliberações dos Sócios
Por vezes as deliberações são inválidas por força de conteúdo desconforme com a lei ou estatutos (resultado); outras vezes o problema prende-‐se com os procedimentos deliberativos (conteúdo).
Depois temos problemas ao nível da violação da lei e dos estatutos que têm reflexos no tipo de vício – a violação da lei gera mais facilmente nulidade do que estatutos.
Os estatutos são um regime jurídico corporativo que regula a vida da pessoa jurídica. Dentro da vida jurídica corporativa há alguma estatuificação normativa – podem haver atos infra estatutários, certo tipo de regulamentos
com conteúdo normativo abaixo dos estatutos (como por exemplo, um regulamento de órgão de controlo, que tem que estar conforme com os estatutos, que por sua vez tem que estar conforme com a lei).
Assim, temos:
• Vícios de conteúdo (têm a ver com o teor da deliberação)
• Vícios de procedimento (vícios estão no processo deliberativo).
Distingue-‐se ainda:
• Violação da lei (violação da lei injuntiva ou violação da lei supletiva)
• Violação dos estatutos
Quais são os vícios das deliberações dos sócios?
1. Inexistência;
2. Ineficácia (stricto sensu, porque o desvalor negativo de determinado vício pode ser inserido num conceito mais amplo);
3. Nulidade;
4. Anulabilidade;
1. Inexistência
Situação em que há uma ata de uma Assembleia Geral que nunca se realizou (forjada). Qualquer vício de um negócio jurídico constitui um desvalor, falando-‐se em valor negativo ou positivo.
Primeiro tenho de saber se existe um negócio jurídico, para depois saber se há um vício. Temos:
• Previsão positiva – saber se existem os pressupostos do negócio jurídico;
• Previsão negativa – saber se é inválido porque estão verificados outros pressupostos (temos duas previsões normativas, uma com valor positivo, outra com negativo);
Na inexistência há uma falta de verificação dos pressupostos da existência do próprio negócio jurídico, visto que o problema está na previsão positiva. Há uma aparência de verificação dos pressupostos do negócio jurídico, neste caso da deliberação negocial.
Há uma aparência de deliberação, ou, em termos mais simples, um vício de inexistência. Do ponto de vista técnico-‐ jurídico, deve ser enquadrado não como um vício, mas como uma falta de pressupostos do negócio jurídico. Tem lógica considerar que há uma patologia autónoma, ainda que a lei não considere autonomamente o vício da existência. Do ponto de vista metodológico, há uma falta de pressupostos do negócio jurídico ou da deliberação.
De acordo com Xxxxxxxx de Abreu haverá lugar à aparência de deliberação em dois tipos de situações:
(a) Não correspondência dos factos a qualquer forma de deliberação dos sócios (ex.: deliberações tomadas não pelos sócios, mas pelos trabalhadores da sociedade);
(b) Não correspondência dos factos à forma de deliberação invocada. Como exemplo deste segundo grupo pense-‐se no caso de uma ata, redigida e assinada pelos sócios, em que se diz terem sido adotadas determinadas deliberações em certa AG; porém, essa nunca se realizou. As deliberações são, pois, literalmente inexistentes.
Neste exemplo, Xxxxxxxx xx Xxxxx entende que não estamos perante deliberações da Assembleia Geral (esta é inexistente porquanto nunca se realizou), mas sim uma deliberação unânime por escrito (artigo 54º/1).
2. Ineficácia
A deliberação ineficaz não produz qualquer tipo de consequência jurídica interna ou externa: os efeitos da deliberação ficam automaticamente suspensos ou paralisados se e enquanto o sócio afetado não der o seu acordo (não necessitando de impugnação judicial).
O vício da ineficácia verifica-‐se quando haja a violação de direitos especiais. Nos termos do art. 55º CSC, “salvo disposição legal em contrário, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exige o consentimento de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o interessado não der o seu acordo, expressa ou tacitamente”.
Assim, a matéria deve ser relacionada com os direitos especiais dos sócios. Se existir consentimento do sócio afetado, sana-‐se o vício.
Exemplo: a deliberação social que determine o despedimento do gerente com direito especial à gerência será ineficaz, a menos que exista o consentimento.
Esta ineficácia é, pois, em regra, absoluta (e não relativa) e total (não parcial). Faltando o consentimento de sócio(s) exigido por lei, as deliberações não produzem, perante todos (sócios ou não), os seus efeitos.
O consentimento não tem de ser, porém, de “determinado sócio” (conforme consta da letra do art. 55º). Pode ter de ser de sócios determinados (ou determináveis), sendo suficiente o não consentimento de um deles para que a deliberação seja ineficaz; e pode, em alguns casos, ser um consentimento formado colegial-‐maioritariamente (art. 24º, nº6, CSC).
Exemplos de deliberações ineficazes:
• Deliberações que suprimem direitos especiais dos sócios sem o consentimento dos respetivos titulares (art. 24º, nºs 5 e 6, CSC);
• Deliberações de transformação da sociedade que importem para todos ou para alguns sócios a assunção de responsabilidade ilimitada (transformação em sociedade em nome coletivo) sem aprovação pelos sócios que devam assumir essa responsabilidade (art. 133º, nº2, CSC);
• Deliberações de alteração dos estatutos de sociedade por quotas excluindo ou dificultando a divisão de quotas, sem o consentimento de todos os sócios por elas afetados (art. 221º, nº7, CSC).
Nota: apesar de a regra vertida no artigo 55º ser a de que a ineficácia á absoluta, ou seja, não produz efeitos para nenhum dos sócios, existem exceções, em que a ineficácia é relativa, isto é, determinada deliberação não produz efeitos apenas para determinado sócio.
Exemplo: o caso do artigo 86º/2, que dispõe que, se uma alteração estatutária “envolver” o aumento de prestações impostas pelo contrato aos sócios, esse aumento é ineficaz para os sócios que nele não tenham consentido. Assim, as deliberações que venham introduzir prestações acessórias (artigos 209º e 287º) ou suplementares (artigo 210º) são ineficazes relativamente aos sócios que as não tenham aprovado.
Outro exemplo de deliberação relativamente ineficaz é aquela que constitui a obrigação de efetuar suprimentos – uma tal deliberação é eficaz para os sócios que votem favoravelmente e assumam a obrigação, mas ineficaz para aqueles que votem negativamente (artigo 244º/2).
As declarações ineficazes, por definição, não produzem os efeitos a que tendiam. Não obstante, pode suceder que os órgãos societários (indevidamente) pretendam atuar ou atuem em conformidade com elas. Justifica-‐se então a possibilidade de ações de simples apreciação com o fim de obter a declaração judicial de ineficácia das deliberações.
A ação de declaração de ineficácia absoluta pode ser proposta por qualquer interessado, bem como pelo órgão de fiscalização ou, faltando este, por qualquer gerente (artigo 57º, aplicável analogicamente). Se estiver em causa deliberação tão só relativamente ineficaz, parece que a legitimidade pertence apenas aos sócios que (ainda) não prestaram o consentimento exigido, bem como ao órgão ou gerentes anteriormente referidos. As ações são propostas contra a sociedade (artigo 60º, aplicável analogicamente).
A propósito da ineficácia, discute-‐se se a ata é condição de eficácia das deliberações ou se é um mero documento probatório. Ata é definível como o registo em documento escrito das deliberações tomadas pelos sócios em assembleia ou por voto escrito, e ainda de outros dados do respetivo procedimento deliberativo. Para Xxxxxxxx xx Xxxxx e PCN, a ata é um mero meio de prova e não condição de eficácia das deliberações.
3. Nulidade
No âmbito da nulidade, importa o artigo 56º/1 de acordo com o qual são nulas as deliberações dos sócios:
a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;
b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convocados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto;
c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberações dos sócios;
d) Cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permite, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem por vontade unânime dos sócios;
As alíneas a) e b) são relativas a vícios de procedimento e a c) e d) a vícios de conteúdo.
Se não se conseguir enquadrar o vício em nenhuma destas alíneas, passa-‐se para o artigo 568º -‐ decisões anuláveis.
Alínea a) -‐ “Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados”;
Quando aqui se diz “não convocada”, a referência é à total omissão de qualquer ato de comunicação (não há publicação de anuncio, carta registada, correio eletrónico…); ou ao não envio para uma das partes. Assim,
→ Pode tratar-‐se de uma assembleia não precedida de qualquer convocatória, ou seja, em que ninguém foi convocado, mas ainda assim, alguns sócios reuniram-‐se e adotaram deliberações. Ora, esta deliberação será nula, o que bem se compreende, na medida em que é um vício de procedimento muito grave, pois afasta os sócios do exercício de direitos fundamentais da socialidade, designadamente o direito de participar nas deliberações sociais e o de obter informações sobre a vida da sociedade (artigos 21º/1, b) e c));
→ Xxx pode também tratar-‐se de uma deliberação em que apenas um dos sócios não foi convocado – esse sócio é, então, privado de um dos direitos fundamentais que lhe deve assistir. Assim sendo, essa deliberação será nula (É a opinião do professor Xxxxxxx Xxxxx e de Xxxxxxxx xx Xxxxx)).
No artigo 56º/2 temos outros casos de vícios de procedimento, em que a assembleia não se considera convocada:
• Aviso convocatório assinado por quem não tenha essa competência;
• No aviso convocatório não constem o dia, hora e local da reunião;
• Reunião em dia, hora ou local diferente do que aquele que constava no aviso.
Acerca desta alínea dispõe, ainda o artigo 56º/3 quando diz que “a nulidade de uma deliberação no caso previsto na alínea a) não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados ou não participantes na deliberação por escrito tiverem posteriormente dado por escrito o sue assentimento à deliberação”.
Exemplo: imagine-‐se uma deliberação tomada em assembleia geral não convocada, mas na qual todos os sócios estiveram presentes ou representados; porém, nem todos concordaram em que a assembleia se constituísse ou deliberasse sobre assunto a respeito do qual se deliberou. Apesar da falta de convocação, todos os sócios compareceram, pelo que a finalidade da convocatória foi conseguida. Sendo assim, a deliberação não é nula, nos termos da ressalva do artigo 56º/1, a. No entanto, não foi cumprido um dos requisitos da assembleia universal, já que não houve unanimidade quanto à realização daquela deliberação (artigo 54º/1 e 2) – a deliberação é anulável, nos termos do artigo 58º/1, a.
Alínea b) – “Deliberações por voto escrito, em que nem todos os sócios foram convidados a votar por escrito e, por isso, não intervieram na deliberação”
Este tipo de deliberação ocorre, maioritariamente nas sociedades por quotas (artigo 247º).
Para poder-‐se deliberar por voto escrito é preciso que todos os sócios acordem em que assim seja (nº 2 e 3) e para se saber se tal acontece, terá de ser feita uma consulta por escrito aos sócios (nº3).
Também esta nulidade é sanável, por vontade dos sócios a quem não dada oportunidade e votar nos termos do
artigo 56º/3.
Alínea c) – “Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberações dos sócios”;
Esta alínea está a mais: as deliberações dos sócios, em matéria de gestão das Sociedades Anónimas são da competência exclusiva do Conselho de Administração. Assim, se existe competência exclusiva injuntiva, isto é inclusão da norma injuntiva que já está na alínea d).
→ Artigos 405º e 406º: elenco das competências do Conselho de Administração;
→ Artigo 373º/3: “sobre matérias de gestão da sociedade, os acionistas só podem deliberar a pedido do órgão de administração”;
Crítica quanto à existência dessa alínea: Estas normas são injuntivas, pelo que não era necessária a alínea c), podendo reconduzir-‐se à alínea d), na parte que refere a “violação de normas que não possam ser revogadas”.
Alínea d) – “Cujo conteúdo, diretamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permite, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem por vontade unânime dos sócios”;
Esta alínea faz uma dupla provisão:
¬ Bons costumes
¬ Normas legais injuntivas
Aqui está em causa uma situação de interesse público ou de terceiros que são perturbados e por isso a lei reage com a nulidade (artigo 336º ss); a rácio é exatamente esse.
Deliberações contrárias a preceitos legais imperativos: A contradição entre uma deliberação e uma norma legal imperativa é proibida, e não pode a deliberação os efeitos diretos a que tendia.
Bons costumes: No que toca aos bons costumes, temos uma cláusula-‐geral, tal como a boa-‐fé; As cláusulas gerais têm duas funções:
¬ Realização da ética do direito (apela à moral e bons costumes);
¬ Delegação do juiz do poder de conformação do direito;
Hoje em dia, as cláusulas são uma forma aberta para o peso dos princípios constitucionais do ordenamento jurídico
– infraconstitucionais. São o caminho para a eficácia horizontal dos princípios constitucionais dos direitos fundamentais. Recebo a moral do direito que não é algo que não seja constitucional e respeite direitos fundamentais e princípios constitucionais que poderem direitos fundamentais e princípios constitucionais se fizer sentido no caso concreto.
4. Anulabilidade
São anuláveis as deliberações que:
a) Xxxxxx disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56º, quer do contro de sociedade;
b) Xxxxx apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela, ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação;
Esta matéria da anulabilidade encontra-‐se no artigo 58º, onde cabe tudo o que não foi referido na nulidade. Qualquer vicio da lei que não seja fundamento de nulidade ou ineficácia, ou dos estatutos, gera anulabilidade. É a residualidade que encontramos na alínea a).
Este artigo parte da ideia de uma imputação germânica que tem por detrás a ideia de que existem determinados vícios de procedimento menos relevantes em que não faz sentido afetar a deliberação social invalidando-‐a.
É um limite para os vícios das deliberações sociais. Os vícios de procedimento só são relevantes quando se verifique uma de duas
1. afetam o resultado ou
2. direito de participação de um dos sócios/ vários sócios.
Se existe um problema de procedimento que limita direto de determinado sócio a votar ou discutir, é um vício relevante, mesmo que o sócio tenha um número reduzido de ações. Do ponto de vista metodológico, esta teoria constitui algo que se baseia numa interpretação restritiva das normas jurídicas – é um instrumento teórico.
O vício pode surgir no negócio jurídico como um todo ou num enunciado negocial, ou seja, no voto ou em toda a deliberação. Os vícios de conteúdo surgem em toda a deliberação, mas podemos ter situações em que o problema surge em apenas um dos votos, não estando presente nos restantes.
A propósito das situações em que o vício começa num voto, fala-‐se na prova da resistência, ou seja, verifica-‐se se retirado o voto afetado a deliberação continua a manter-‐se ou não. Se eu estou em erro, mas o meu voto é insignificante e não afeta o resultado da deliberação, mantém-‐se. Contrariamente, se sou um sócio bastante relevante e o meu voto afeta a deliberação, há vício.
A alínea b) trata das deliberações abusivas. Em litígios judiciais, quando não há mais nenhum argumento, utiliza-‐ se este instituto próximo do abuso de direito previsto no artigo 334º CC.
A norma do CC é mais generosa pois atribui ao juiz poder de conformação do direito muito mais amplo; neste caso a lei não atribuiu tanta discricionariedade, mas atribuiu norma com bastantes pressupostos de verificação difícil.
Aqui enquadram-‐se as deliberações que, sem violar disposições específicas da lei ou dos estatutos, são apropriadas para satisfazer o propósito de um sócio de conseguir vantagens especiais para si ou para outrem em prejuízo da sociedade ou de outros sócios; ou o propósito de prejudicar aquela ou estes, salvo se se provar que a mesma deliberação teria sido aprovada sem os votos abusivos.
A lei prevê duas situações:
• Voto com dolo de vantagem especial: tem que haver intenção, por parte de um sócio ou conjunto deles, de se obter vantagens especiais para si ou terceiro e intenção de prejudicar a sociedade ou outros sócios; a construção é subjetiva, não olhamos de forma objetiva: tenho que provar que houve duplo dolo.
• Voto emulativo: é apenas a intenção de prejudicar a sociedade ou sócios, mesmo que não haja intenção de obter benefício. Quanto ao prejuízo, o dano relevante não é o de todo e qualquer sócio. É só o dos que não votaram com os propósitos de obtenção de vantagem especial ou de causar prejuízo.
Nota: deve entender-‐se que o dolo aqui em causa não tem de ser direto nem necessário, bastando que seja eventual. Xxxxxxx provar, portanto, que um ou mais sócios, ao votarem, previram como possível a vantagem especial para si ou para outrem, ou o prejuízo da sociedade ou de outros sócios, e não confiaram que tal efeito eventual não se verificaria.
Esta alínea é de difícil aplicação dadas as dificuldades probatórias gritantes. A doutrina tenta arranjar outras soluções que contornem as dificuldades de aplicação do artigo 58º/1, b:
• Lealdade dos sócios – a violação desta podia ser subsumida à alínea a);
• Abuso de direito (artigo 334º, CC);
Para o professor, quanto ao direito de lealdade, considera-‐se -‐ contrariamente a XXXXXXXX XX XXXXX – que este não é o dever característico do contrato-‐sociedade (para o professor é dever de contribuição, apesar de admitir a sua existência.
Este dever de lealdade não existe da mesma forma em todas as sociedades comerciais. Nas Sociedades Anónimas não faz sentido dizer que há um dever geral que afeta todos os sócios, pelo menos nas sociedades abertas em relação aos sócios e gestores. Em relação aos sócios empresários faz sentido falar de dever de lealdade.
Para o professor, a previsão do artigo 334º CC é mais apta uma vez que está previsto como limite para exercício de posições jurídicas ativas – limite ao exercício de direito – aqui está em causa exercício do direito de participação social direito de voto. Se o ordenamento jurídico concede posição jurídica ativa, na pode ser afetada dizendo que é abusiva, a não ser de acordo com formulação do 334º, casos de manifesto abuso.
Na alínea c) temos a violação do dever de informação. Esta também não é fulcral, já que poderia também ser encaixada na aliena a), já que qualquer violação dos deveres de informação (214º SQ, 288º, ss. SA) pode ser considerada um vicio de procedimento, desde que reunidos os pressupostos da teoria da relevância.
Pode tratar-‐se de informação irrelevante, mas desde que seja falsa, não seja entregue, haja qualquer tipo de informação e esta seja relevante para os socio forma a sua opinião e exercer o direito, temos um vício relevante e a alínea c) refere-‐se apenas a elementos mínimos de informação.
Deliberações sem a Maioria Exigida por Lei
Ocorre quando a lei exige uma maioria qualificada, mas apenas se verifica uma maioria simples.
Se não for outro vício cabe no artigo 58º/1 a), porém, sem a maioria exigida, não se enquadra em nenhuma das alíneas. Aqui é um problema de forma, vício de procedimento. O conteúdo não ofende a lei, muito menos diretamente, por isso mesmo, nestas situações a inexistência/aparência de deliberação é o que se deve adotar. Não se preencheu previsão de deliberação com maioria qualificada.
14.6. Renovação das Deliberações Sociais
Em sede de exame, é provável que exista um problema de prazos, uma vez que saem deliberações sociais. Temos de ver se existe um vício de nulidade e anulabilidade e, no tocante aos últimos, se existem problemas de prazo.
14.7. Legitimidade
🡺 Na nulidade, nos termos gerais, existe legitimidade geral de terceiros, conhecimento oficioso, etc.
🡺 Na anulabilidade não há conhecimento oficioso, não há legitimidade de terceiros. A anulaibilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou poe qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.
O prazo para arguir a anulabilidade é de 30 dias a contar a partir das datas referidas nas diferentes alíneas do artigo 59º/2.A ideia por detrás é proteger o tráfico negocial: não se pode suspender a vida empresarial, assim, são sanados os vícios findo o prazo.
🡺 Quanto à ineficácia
o Ineficácia absoluta -‐ a ação pode ser proposta por qualquer interessado, bem como pelo órgão de fiscalização ou, faltando este, por qualquer gerente (aplicação analógica do 57º).
o Ineficácia relativa -‐ a legitimidade apenas pertence àquele sócio que não prestou o seu consentimento, bem como ao órgão ou gerente suprarreferidos. Relativamente à legitimidade passiva,
As ações são propostas contra a sociedade (art. 60º/1, aplicação analógica). Relativamente ao tema dos prazos, a ação pode ser proposta a todo o tempo.
O que acontece ao direito potestativo de anulação da deliberação se, entretanto, eu vendi a minha participação social? – ainda não exerci o direito e cedi a participação (ver artigo 61º/2)
🡺 Há uma querela doutrinária a este respeito (o professor ainda não desenvolveu a questão)
Existe providência cautelar de suspensão das deliberações sociais,destinada a salvaguardar os interesses dos sócios enquanto não for proferida decisão definitiva sobre a nulidade ou anulabilidade de determinada deliberação social (artigos 380º a 381º).
O prazo para providência cautelar de suspensão das deliberações sociais é de 10 dias e é regulado no CPC, não no CSC.
Este regime estabelece que, recebida esta providencia, se não for deferida liminarmente tem que haver citação da sociedade e esta fica impedida de executar a deliberação até decisão do juiz.
Há ainda abuso de direito da impugnação. Não são casos de abuso de direito do sócio maioritário, mas sim abuso de direito de impugnação por parte do sócio minoritário. É sustentável, nestes casos, a aplicação do artigo 334º CC Exemplo: Não há interesse verdadeiro em impugnar, apenas se quer prejudicar a progressão da sociedade. Se votar para prejudicar outrem é um voto abusivo, então pedir a anulação da deliberação sem fundado interesse também é uma conduta abusiva.
14.8. Vícios das deliberações do Conselho de Administração das Sociedades Anónimas
O artigo 411º determina o elenco das invalidades das deliberações do Conselho de Administração, sendo este muito semelhante à invalidade dos sócios.
Assim, o regime de arguição é que levante maiores problemas.
Da letra da lei resulta que os sócios, aparentemente, não podem impugnar diretamente nos tribunais as deliberações do Conselho de Administração.
O que diz o artigo 412º é que “o próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer acionista com direito de voto, dentro do prazo de um ano a partir do conhecimento da irregularidade, mas não depois de decorridos três anos a contar da data da deliberação”.
Daqui resulta que o acionista não pode impugnar diretamente a decisão do Conselho de Administração. A questão é discutida em Assembleia Geral e se obter maioria anula-‐se ou há nulidade; não havendo, recorre-‐se a tribunal.
Há quem defenda, contudo, que os sócios têm direto de impugnar diretamente em tribunal as deliberações do Conselho de administração.
Para o professor há dois pontos a ter em atenção:
• Joga-‐se um problema de proteção da iniciativa de gestão do Conselho de Administração – business judgment rule surge em sede da responsabilidade dos administradores, mas também invalidade das deliberações do Conselho. Esta ideia de proteção das deliberações sociais do Conselho de Administração aponta no sentido de os sócios não podem ir diretamente impugnar as suas deliberações, ou quando o fazem, os juízes só admitem vícios que não admitem que se questionem decisões de gestão.
• Relativamente ao artigo 20º, CRP, um dos seus corolários é direito a uma tutela cautelar efetiva – ou seja, direito à justiça em certas circunstâncias é isto, pois se me é negada, mais tarde não faz sentido pedir a tutela jurisdicional efetiva. Só é possível tutela cautelar junto dos tribunais e isso é relevante para efeitos do 412º,
ou seja, não faz sentido primeiro suscitar tutela cautelar. Para o professor o artigo é inconstitucional pontualmente quando rejeita a tutela cautelar.