PARECER CRM-MG Nº 138/2019 – PROCESSO-CONSULTA Nº 95/2019
PARECER CRM-MG Nº 138/2019 – PROCESSO-CONSULTA Nº 95/2019
PARECERISTA: Cons. Cícero de Lima Rena
EMENTA: É direito do médico, empregado em instituição de saúde, solicitar sua despedida indireta, em caso de descumprimento de contrato por parte da instituição, com base no artigo 483 da CLT, observando as leis vigentes e recomendações formais do Conselho Regional de Medicina. Caso a prestação de serviços médicos à instituição de saúde seja por meio de pessoa jurídica, a rescisão contratual será entre a instituição contratante e/ou a empresa contratada, não envolvendo responsabilidade trabalhista da empresa contratante para com os médicos da contratada.
DA CONSULTA
Consulta encaminhada por Dr. xxxxx - CRM: xxxxx e outros, nos seguintes termos: “xxxxx, Diretor Clínico do Hospital xxxxx, em xxxxx, solicito, por gentileza, avaliação e parecer diante de documento elaborado e assinado por parte do corpo clínico do Hospital xxxxx no qual comunica data de paralisação dos serviços de sobreavisos da rede de urgência conforme cópia em anexo I.
Depois de tomar conhecimento do documento, imediatamente, oficializei as partes de interesse comunicado de ciência da decisão e busca de respostas/pareceres junto ao CRM-MG perante o exposto, conforme cópia em anexo II. Levei conhecimento dos fatos ao conselheiro Dr. Xxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e também ao Dr. Xxxxxxx Xxxx Xxxxx, delegado regional do CRM de Divinópolis, por meio de contato telefônico, ambos me aconselharam enviar formalmente pedido de parecer a Vossa Senhoria e ao e-mail do Conselho”.
Na folha 03, ofício ao prefeito Municipal da cidade de xxxxx, Sr. xxxxx, subscrito pelos médicos, nos seguintes termos: “
Considerando que a xxxxx é a mantenedora do Hospital xxxxx que é o único estabelecimento que garante a assistência hospitalar no município pelo SUS; Considerando que o Hospital xxxxx não está conseguindo arcar com as responsabilidades de pagamentos aos médicos prestadores de serviços contratados desde Agosto/2018;
Considerando que as cirurgias eletivas de Média Complexidade estão suspensas desde a data de 01/04/2019, devido ao débito com os médicos prestadores de serviços;
Considerando que as ações e serviços de saúde são de relevância pública e que os direitos do cidadão à saúde e à vida devem ser preservados, mas que a má gestão do hospital vem causando prejuízo a todos, tanto à população como ao corpo clínico; Considerando que é de notório conhecimento que a referida xxxxx encontra-se com pendências financeiras junto ao corpo clínico e que vários profissionais desligaram-se
do corpo clinico da entidade, cessando a prestação de serviços, em decorrência dos reiterados atrasos nos pagamentos;
Considerando que a inadimplência do Hospital xxxxx vem causando danos e desassistência à população com a paralisação de vários serviços essenciais do SUS; Considerando que, após várias tentativas de recebimento dos valores em débito sem sucesso, vislumbramos a suspensão de outros serviços essenciais, como CTI, e Plantão de Urgência/Emergência;
Considerando que a prestação de serviço de maneira deficitária e insuficiente coloca em risco o cidadão que poderá vir a precisar dos serviços;
Considerando que, de acordo com o Parecer CRM/MS 05/2013, é direito dos médicos utilizarem a paralisação como recurso extremo de pressão para defesa de interesses da categoria. A assistência básica nos setores de emergência deve ser garantida pelos agentes envolvidos no conflito – Gestores e Diretoria Técnica. Não se encontrando solução deverá a especialidade notificar com o prazo sugerido de trinta dias, evitando, assim, prejuízos maiores à população podendo ainda ser assentada na notificação que, na reincidência, a data da notificação em tela será considerada a data do início do prazo para a paralisação;
Considerando que, no capitulo 11, inciso V do Código de Ética Médica é direito do médico:
''Suspender suas atividades, individual ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições mínimas para o exercício profissional ou não o remunerar condignamente, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina.
Considerando que, com a judicialização da medicina, estamos sujeitos a processos éticos profissionais e/ou judiciais gerados pela desassistência causada pela ausência de pagamentos dos serviços prestados ao Hospital xxxxx, que descumpre as cláusulas contratuais.
Diante do exposto, nós, médicos da xxxxx, vimos comunicar a V.Exa. que os serviços médicos eletivos já estão suspensos desde o dia 01/04/2019 e que os serviços de urgência e emergência prestados à referida fundação e que já se encontram funcionando precariamente, por falta de profissionais médicos para cumprir a escala, serão suspensos a partir do dia 23/05/2019, mediante rescisão contratual.
Reiteramos na oportunidade protestos de elevado apreço e distinta consideração e nos colocamos à disposição para qualquer esclarecimento ou informações adicionais que se fizerem necessárias”.
DO PARECER
Fundamentação
Há que se considerar as duas formas de prestação de serviços médicos à instituição de saúde: pessoa física, como autônomo ou empregado, e pessoa jurídica.
No caso de pessoa física, empregado da instituição de saúde, o regime será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho.
Assim se manifestaram os médicos do Hospital xxxxx: “Diante do exposto, nós, médicos da xxxxx, vimos comunicar a V.Exa. que os serviços médicos eletivos já estão suspensos desde o dia 01/04/2019, e que, os serviços de urgência e emergência prestados à referida fundação e que já se encontram funcionando precariamente por falta de profissionais médicos para cumprir a escala, serão suspensos a partir do dia 23/05/2019, mediante rescisão contratual”.
Trata-se de pretensão de rescisão contratual por iniciativa do empregado, com previsão no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que determina:
o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou xxxxxxx ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
O funcionário que for submetido a qualquer evento citado acima poderá requerer sua rescisão contratual a título de “Rescisão Indireta”, em que as verbas serão devidas na mesma proporção de uma demissão sem justa causa por parte do empregador. De modo mais claro, é uma demissão por justa causa inversa (do empregado para o empregador), porém, com verbas rescisórias diferentes.
No caso de prestação de serviços à instituição de saúde, por empresa, juridicamente constituída por médico / s (PJ), o regime contratual será entre empresas, não havendo vínculo empregatício entre os médicos da empresa contratada e a empresa contratante.
Esta é a norma legal Respondendo ao consulente.
Caso os médicos plantonistas sejam empregados da instituição a que prestam serviço, trata-se de pretensão de rescisão contratual por iniciativa do empregado, também conhecida como despedida indireta. Como já exposto, a decisão anunciada está albergada no artigo 483 da CLT, especialmente baseada em não cumprimento do empregador das obrigações contratuais. No caso, entre outras faltas, o não pagamento reiterado dos salários aos médicos plantonistas, o que vem trazendo dificuldades para que eles cumpram seus compromissos sociais e familiares, o que justifica, por si só, a atitude pretendida. Mister lembrar que os médicos que pleitearem a despedida indireta, necessariamente terão que provar o ato grave e faltoso do empregador, seja por meio de provas documentais, seja por testemunhais. Uma vez comprovado, terá o direito a todas as verbas rescisórias como se fosse demitido sem justa causa. A despedida indireta é assim denominada porque a empresa ou o empregador não demite o empregado, mas age de modo a tornar impossível ou intolerável a continuação da prestação de serviços.
Capítulo II – Direitos dos Médicos É direito do médico
III - Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe quando as julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, devendo comunicá-las ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver. O consulente cumpriu esta formalidade, pois comunicou ao Conselho;
V - Suspender suas atividades, individualmente ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições adequadas para o exercício profissional ou não o remunerar digna e justamente, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina. No caso em discussão, o consulente relata o não recebimento dos salários desde agosto de 2018, além de precariedades de recursos
da instituição, dentre outras inconformidades, portanto, cumprindo as recomendações éticas.
Assim, entende-se ser de seu direito suspender suas atividades ou até mesmo solicitar sua despedida indireta.
O Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, em face de conflitos trabalhistas e éticos, recomenda:
a) tentar, por todos os meios possíveis, a manutenção dos serviços;
b) na impossibilidade de acordo, fazer a notificação ao Diretor Técnico da Instituição, ao Gestor, ao Ministério Público e ao Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, estipulando o prazo de, no mínimo, quinze dias para seu desligamento, prazo suficiente para que o gestor tome medidas necessárias ao funcionamento da instituição.
Observação:
Após o recebimento da consulta, o interessado encaminhou o seguinte documento: “Ao conselheiro Dr. Cícero, conforme solicitado pelo Dr. Xxxxxxx Xxxxx via zap, informo-lhe que os contratos médicos realizados pela xxxxx, mantenedora do Hospital xxxxx, em xxxxx, são por meio de Pessoa Jurídica”.
Assim sendo, como a prestação de serviços médicos, à instituição de saúde, é por meio de pessoa jurídica, a rescisão contratual, também prevista em contrato, será entre a instituição contratante e a empresa contratada, não envolvendo responsabilidade trabalhista da empresa contratante para com os médicos empregados da empresa contratada.
É o parecer.
Belo Horizonte, 25 de julho de 2019
Cons. Cícero de Lima Rena Parecerista
Aprovado em Sessão Plenária do dia 25 de julho de 2019
Bibliografia
BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
Código de Ética Médica
Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943. Lei nº 1.999 – de 1º de outubro de 1953 – DOU de 7/10/53.
Decreto nº 3.048 – de 06 de maio de 1999 – DOU de 7/05/1999.
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XXXXXXX, X. Godinho. Curso de Direito do Trabalho. SP: LTR, 4 ed., 2005,p. 206. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx. Salário e Remuneração. Disponível em:
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