setembro de 2014
COLEÇÃO FORMAÇÃO INICIAL | O ASSÉDIO NO TRABALHO |
Coleção de Formação Inicial
Jurisdição do Trabalho e da Empresa
setembro de 2014
A Coleção Formação Inicial publica materiais trabalhados e desenvolvidos pelos Docentes do Centro de Estudos Judiciários na preparação das sessões com os Auditores de Justiça do 1º ciclo de Formação dos Cursos de Acesso à Magistratura Judicial e à do Ministério Público. Sendo estes os primeiros destinatários, a temática abordada e a forma integrada como é apresentada (bibliografia, legislação, doutrina e jurisprudência), pode também constituir um instrumento de trabalho relevante quer para juízes e magistrados do Ministério Público em funções, quer para a restante comunidade jurídica.
O Centro de Estudos Judiciários passa, assim, a disponibilizar estes Cadernos, os quais serão periodicamente atualizados de forma a manter e reforçar o interesse da sua publicação.
Jurisdição Trabalho e da Empresa Xxxx Xxxx xxx Xxxx (Coordenador) Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Reis Diogo Ravara Nome do caderno: O Assédio no Trabalho Categoria: Formação Inicial |
Conceção e organização: Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx |
Xxxxxxx final: Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx |
O Centro de Estudos Judiciários agradece as autorizações prestadas para publicação dos textos constantes deste e-book
Nota:
Foi respeitada a opção dos autores na utilização ou não do novo Acordo Ortográfico
ÍNDICE
“O ressarcimento dos danos decorrentes do assédio moral ao abrigo dos regimes das contingências profissionais” - Xxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx 19
“Do assédio no local de trabalho: um caso de flirt legislativo.Exercício de aproximação ao enquadramento jurídico do fenómeno”- Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx 75
“Assédio moral e dignidade no trabalho” - Glória Rebelo 91
“Algumas observações sobre o mobbing nas relações de trabalho subordinado” - Xxxxx Xxxxx 109
“Assédio – uma noção binária?” - Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx 127
“Assédio moral ou mobbing no trabalho” - Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx 135
“O assédio moral no trabalho” - Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx 151
IV – JURISPRUDÊNCIA 169
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 171
Acórdão de 03/12/2003 (Xxxxxxxx Xxxx), proc. n.º 03S2944 173
Acórdão de 13/01/2010 (Xxxxx Xxxxxxx), proc.º n.º 1466/03.2TTPRT.S1 173
Acórdão de 23/11/2011 (Xxxxxxxxx xx Xxxxx), proc.º n.º 2412/06.7TTLSB.C1.S1 175
Acórdão de 29/03/2012 (Xxxxxxxxx Xxxxx), proc.º n.º 429/09.9TTLSB.L1.S1 176
Acórdão de 16/05/2012 (Xxxxxxxxx xx Xxxxx), proc.º n.º 3982/06.5TTLSB.L1.S1 177
Acórdão de 05/03/2013 (Xxxxx Xxxxxxxxx), proc.º n.º 1361/09.1TTPRT.P1.S1 178
Acórdão de 12/03/2014 (Xxxxx Xxxx Xxxxxxx), proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1 179
Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa 181
Acórdão de 09/05/2007 (Xxxxx Xxxx Xxxxx), proc.º n.º 1254/2007-4 183
Acórdão de 14/09/2011 (Xxxxx Xxxx Xxxxx), proc.º n.º 429/09.9TTLSB.L1-4 184
Acórdão de21/03/2012 (Xxxxxxx Xxxxx), proc.º n.º 2755/10.5TTLSB.L4 184
Acórdão de 25/09/2013 (Xxxxxx Xxxxxxxxxx), proc.º n.º 11.6TTFUN.L1-4 185
Acórdão de 05/11/2013 (Xxxxxxxxx Xxxxxx), proc.º n.º 4889/11.0TTLSB.L1-4 186
Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto 187
Acórdão de 07/07/2008 (Xxxxxxxx xx Xxxxx), proc.º n.º 0812216 189
Acórdão de 26/09/2011 (Xxxxxxx Xxxx Xxxxx), proc.º n.º 540/09.6TTMTS.P1 189
Acórdão de 04/02/2013 (Xxxxxxx Xxxx Xxxxx), proc.º n.º 1827/11.3TTPRT.P1 191
Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra 193
Acórdão de 23/11/2011 (Xxxxxxx Xxxxxx), proc.º n.º 222/11.9T4AVR.C1 195
Acórdão de 07/03/2013 (Xxxx Xxxx Xxxxx), proc.º n.º 236/11.9TTCTB.C2 195
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Registo das revisões efetuadas ao e-book
Identificação da versão | Data de atualização |
Versão inicial – 30/09/2014 | |
Geral
Xxxxx, Xxxx Xxxx, As faces do assédio, in “Questões Laborais”, Coimbra Editora, 1994, A. XVI, n.º 33 (Jan - Jun. 2009), p. 117-119
Xxxxx, Xxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, O ressarcimento dos danos decorrentes do assédio moral ao abrigo dos regimes de contingências profissionais, in “Questões Laborais”, Coimbra Editora, 1994, A. 17, n.º 35-36 (Xxx-Xxx. 2010), p. 103-158
Xxxxx, Xxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, O acto suicida do trabalhador: a tutela ao abrigo dos regimes das contingências profissionais, in “ Questões Laborais”, Coimbra Editora, 2012, A. 19, n.º 40 (Jul- Dez. 2012), p. 203-251
Xxxx, Xxxxxx, Violência contra as mulheres no trabalho: o caso do assédio sexual, In Sociologia, Lisboa, Relógio d' Água Editores, nº 57 (Maio - Ago. 2008), p. 11-23
Xxxxx, Xxxxx, Algumas reflexões sobre a evolução recente do conceito jurídico de assédio moral (laboral), in Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, n.º 90 (Set-Dez. 2011), p. 71-91
Maranhão, Xxx Xxxxx Xxxxxx, Dignidade humana e assédio moral: questão da saúde mental do trabalhador/Ney Stany Morais Maranhão, In Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8.ª Região, Belém, Tribunal Regional do Trabalho, 1968, n.º 87 (Jul-Dez. 2011), p. 93-103
Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx, O assédio moral no trabalho, In Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, 2009, n.º 82 (Janeiro/Abril 2009), p. 253-268
Pacheco, Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, O assédio moral no trabalho : o elo mais fraco, Coimbra, Almedina, 2007
Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx, O assédio moral no trabalho, "V Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2003
Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx, O assédio sexual no trabalho, "IV Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2001
Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxx, Mobbing ou assédio moral no trabalho: contributo para a sua conceptualização, Coimbra Editora, 2009
Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxx Xxxxx, O assédio sexual: uma realidade necessitada de tipificação ou devidamente salvaguardada pela legislação penal portuguesa?, Editorial Minerva, 2000, 113-
135. in Separata da “Revista do Ministério Público” nº 82
Rebelo, Xxxxxx, Assédio moral e dignidade no trabalho, In Prontuário do Direito do Trabalho, CEJ, n.º 76-77-78, Xxx -Xxx. (2007), p. 105-119
Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxxx: uma noção binária? In Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, n.º 85 (Jan-Abr. 2010), p. 149-155
Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxx ou Mobbing no Trabalho, In Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Xxxx Xxxxxxx, Vol. II, Xxxxxxxx, Coimbra, pág. 833 e segs.
Xxxxxx xx Xxxxx, Xxxxxxx, Análise da figura do assédio moral: doença de trabalho ou acidente de trabalho?, Dissertação de Mestrado em Direito dos Contratos e da Empresa, Universidade do Minho, 2012, disponível em xxxx://xxxxxxxxxxxx.xxxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxxx/0000/00000/0/Xxx%X0%X0xxx%00Xxxxxx%00 da%20Silva.pdf
x Xxxxxxxxx, Xxxxxxxxx Xxxxxxx, Do assédio no local de trabalho: um caso de flirt legislativo, In: “Questões laborais", Coimbra, n.º 28 (2006), p. 241-258
Legislação
1. Legislação
Código do Trabalho (Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, que procedeu à revisão do Código do Trabalho), art.ºs 15.º e 29.º
Código de Processo do Trabalho (Lei 408/99, de 9 Novembro, e posteriores alterações), art.º 186.º-A a 186.º-F
Resolução do Parlamento Europeu sobre o assédio no local de trabalho (2001/2339 (INI), disponível em xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxx/00Xxxxx.xxx
15
O ressarcimento dos danos decorrentes do assédio moral ao abrigo dos regimes das
contingências profissionais
Publicado em Questões Laborais, Coimbra Editora, 1994, A17, n.º 35-36 (Jan-Dez. 2010), pp. 103-158.
Xxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx
Introdução
O assédio moral1 é um tema que tem vindo a ganhar crescente relevância, discutindo- se se se trata de uma nova questão, de uma contenda emergente, ou de um velho problema social e humano, como tantos outros2.
Devemos, desde já, caracterizar este fenómeno como um conjunto de actos de natureza diversa, intimidatórios, constrangedores ou humilhantes, “(…) nocivos ou
O presente estudo corresponde praticamente na íntegra à dissertação de Mestrado em Direito Privado apresentada e defendida pela autora na Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa, a 05-07-2010, perante um júri presidido pelo Professor Doutor Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, pela Professora Doutora Xxxxxxxx Xxxxxxxx, e pela Mestre Xxxxx Xxxxxxx. Desde já se agradece à Professora Doutora Xxxxxxxx Xxxxxxxx, orientadora desta dissertação, o sincero incentivo e expressivo apoio demonstrados desde o início desta cruzada.
1 No que respeita à terminologia, optámos por qualificar este fenómeno como “assédio moral”, porquanto nos parece ser esta a expressão mais adequada à concretização do mesmo. Concordamos, assim, com MAGO XXXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX, O Xxxxxxx Xxxxx em Portugal. “O Elo mais Xxxxx”, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 169.
2 Vd. XXXXX XXXXXX ENCABO, “Acoso Moral y Enfermedades Psicolaborales: un Riesgo Laboral Calificable de Accidente de Trabajo. Progresos y Dificultades”, TL, n.º 80, 2005, p. 66. XXXXXXX XXXXXXXXXX (“Harcèlement professionnel, accidents du travail et maladies professionnelles”, disp. xxxx://xx.xxxxxx.xx.xxxxxxxxxx.xxxx-xxxxxx0.xx, consult. 01-04-2010) entende que os comportamentos abusivos são tão antigos quanto o próprio trabalho. XXXXXXXXXX XX XXXXXXX, em entrevista publicada no Público, a 01-02-2010, que se pode consultar parcialmente em xxxx://xxx.xxxxxxx.xx/Xxxxxxxxx/xx- suicidio-no-trabalho-e-uma-mensagem-brutal 1420732, afirmava que “[o assédio no trabalho não é novo,] (…) a diferença é que, antes, as pessoas não adoeciam. O que mudou não foi o assédio, o que mudou é que as solidariedades desapareceram”.
indesejados”3, ocorridos no âmbito de uma relação laboral, que objectivamente atentam contra os direitos fundamentais do trabalhador, designadamente, a sua dignidade e integridade física e moral. Acresce uma exigência de sistematização desses comportamentos4, característica que se revela não só através da reiteração das condutas ofensivas, devendo estas ser prolongadas no tempo, mas também pela realização conjunta de vários actos que se complementam na prossecução do fim a que se destinam5. Porém, devemos referir que não nos revemos na posição daqueles que sustentam a necessidade de se verificar uma determinada intencionalidade6. Na verdade, não se nos afigura que seja requisito do assédio moral um qualquer propósito subjectivo, sendo o critério volitivo “acidental e não essencial”7.
O assédio moral pode, portanto, causar danos na saúde do trabalhador, nas suas dimensões física e psíquica8. Com efeito, o assédio moral é responsável por alterações cognitivas, a nível psicológico, psicossomático, hormonal, no que respeita ao sistema nervoso, à tensão muscular e ao sono, podendo, em última instância, conduzir ao suicídio9. Como tal, verificam-se frequentemente depressões, síndromes de stress pós-traumático, fadiga crónica, alergias, dependência de álcool e drogas, distúrbios cardíacos e endócrinos, entre outras lesões físicas e psíquicas10.
3 XXXX XXXXXX XXXXXXX, Mobbing ou Xxxxxxx Xxxxx no Trabalho. Contributo para a sua Conceptualização
Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 72.
4 De facto, a relevância jurídica do assédio moral surge em virtude da repetição dos comportamentos. Cfr. XXXX XXXXXXX, op. cit., p. 95.
5 XXXXX XXXXXX XXXX, “El moobing [sic] en las relaciones laborales en España”, Tribuna Social – Revista de Seguridad Social y Laboral, n.º 223, 2009, p. 17.
6 Sobre esta exigência de intencionalidade, vd. XXXX XXXXXX XXXXXXX, op. cit., pp. 87 e ss.
7 Veja-se XXXXXXXXX XXXXXX XXXXXXXXX, La Tutela Judicial frente al Acaso Moral en el Trabajo: de las Normas a las Prácticas Forenses, Editorial Bomarzo, Albacete, 2007, p. 28.
8 De acordo com XXXXXXX XXXXXXXX, danos patrimoniais e não patrimoniais, incluindo-se nestes o dano moral, o dano biológico e psíquico e o dano existencial. Cfr. “Xxxxxxx Xxxxx/Mobbing”, Revista TOC, n.º 77, Agosto 2006, p. 46. Quanto a este último dano, são profícuas a doutrina e a jurisprudência italianas. Veja-se, sobre o dano existencial no mobbing, XXXXXXXX XXXXXXXXXX, I Xxxxx alla Persona del Lavoratore nella Giurisprudenza, Cedam, Padova, 2004, p. 31. Relativamente ao dano biológico, a jurisprudência nacional tem divergido, entendendo que poderá ser ressarcido enquanto dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial. Vd. Ac. do STJ de 27-10-2009, relat. Xxxxxxxxx Xxxxxx, disp. xxx.xxxx.xx.
9 XXXX XXXXXXX, op. cit., pp. 122 a 127.
10 Num outro prisma, veja-se o interessante artigo subscrito por diversos autores de várias áreas do saber (como a Pedagogia, o Direito e a Psicoterapia), referindo os danos à saúde como sendo possíveis alterações no equilíbrio sócio-emotivo, no equilíbrio psicofisiológico, ou de âmbito comportamental: PIERANGELA
Sendo assim, o assédio moral configura um risco psicossocial11, resultando da deficiente organização do trabalho e gestão do mesmo, bem como das más condições de segurança e saúde no emprego12. A Suécia, pioneira no que respeita à regulamentação do assédio moral13, foi o primeiro país a qualificá-lo como risco profissional, fazendo recair sobre o empregador uma obrigação de promoção de um ambiente de trabalho saudável14.
XXXXXXXXX; XXXXXXX XXXXXXX; XXXXXXXX XXXXXX; XXXX XXXXXX; XXXXX XXXXX; XXXXXXXX XXXXXXXX; “II
Mobbing: dalla Malattia Professionale alla Promozione dei Benessere sul Lavoro”, in Difesa Sociale, vol. LXXXIV, 2005, n.ºs 3 e 4, p. 58.
11 Segundo a Agência Europeia de Segurança e Saúde no Trabalho (Prevenção de Riscos Psicossociais no Local de Trabalho, Serviço de Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, Luxemburgo, 2003), configuram riscos psicossociais, entre outros, a violência e o assédio moral. Estes riscos consubstanciam-se em “(…) aspectos da concepção, organização e gestão do trabalho, assim como no seu contexto social e ambiental, que têm a potencialidade de causar danos físicos, sociais ou psicológicos nos trabalhadores”, tal como definem XXXXXX XXXXXX XXXXXXXX; XXXXXX XXXXXX XXXXXXXX; XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX; GEMA XXXXX XXXXXXXX, Acoso Sexual en el Âmbito Laboral – Su Alcance en la C.A. de Euskadi, vol. 25, Universidad de Deusto, Bilbao, 2007, p. 98.
12 Editorial, “Semana europeia contra o stresse no trabalho”, Trabalho & Segurança Social, 2002, p. 7. As estatísticas demonstram a importância dos riscos psicossociais como geradores de doenças profissionais e acidentes de trabalho, sobretudo no sector terciário da economia. XXXX XXXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, “Acidente de trabalho e riscos psicossociais”, Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n.º 2180, 20-06-2009, disp. xxxx://xxx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx.xxx?xxx00000, consult. 17-10-2009, às 13h27m.
13 A lei sueca data de 21-09-1993.
14 XXXX XXXXXXX, op. cit., p. 202. Em Espanha, a Ley de Prevención de Riesgos Laborales parece contemplar já esta hipótese, tendo o empregador uma obrigação de valoração e análise do risco real, devendo adaptar as medidas pertinentes, de sorte a evitar danos nos seus trabalhadores. Neste sentido, XXXXXXX XXXXXX, “Mobbing o acaso moral en el lugar de trabajo (Comentario a la STSJ Navarra de 18 de mayo de 2001)”, RL, n.º 3, ano XVIII, 2002, p. 58. Já em 2001. XXX XXXXX XXXXX XXXX exaltava o surgimento do mobbing como novo risco profissional (“Accidente de Trabajo y Acoso Moral: Reflexiones al hilo de las Sentencias del Tribunal Superior de Justicia de Navarra de 30 de abril, 18 de mayo y 15 de junio de 2001”, Diario La Ley – Revista Jurídica Española de Doctrina, Jurisprudencia y Bibliografi, n.º 7, 2001, p. 1648). Por sua vez, XXXXXX XXXXXXXXX (La Tutela Judicial ... , cit., p. 27) afirma, mais recentemente, que a jurisprudência espanhola confirmou o enquadramento da prevenção do assédio moral no âmbito da Ley de Prevención de Riesgos Laborales. O mesmo autor fundamenta a responsabilidade do empregador, nas hipóteses de mobbing horizontal, na necessidade de aquele garantir uma protecção eficaz face aos riscos profissionais. Vd. “Una “Nueva” Patologia de Gestión en el Empleo Público: el Acoso Institucional (Mobbing). Reflexiones a propósito de la STS 3.ª, Sección 6.ª, de 23 de julio de 2001”, Diario La Ley – Revista Jurídica Española de Doctrina, Jurisprudencia y Bibliografia, n.º 7, 2001, Diario 5436, de 10-12-2001, p. 1564. Sobre este assunto veja-se o capítulo VI deste trabalho.
O tema que aqui vamos tratar exige a avaliação da possibilidade de as condutas que integram, na sua globalidade, um fenómeno de assédio moral serem consideradas como acidente de trabalho. Assim, propomo-nos analisar a eventualidade de as lesões geradoras de incapacidades para o trabalho decorrentes de um fenómeno de assédio moral poderem ser consideradas como patologias indemnizáveis a título de acidente de trabalho. Iremos debruçar-nos, ainda, sobre a faculdade de tais patologias serem qualificadas como doenças profissionais em sentido estrito, ou doenças de trabalho, e como tal, indemnizáveis nos termos em que estas contingências o são.
I. Relevância prática da inserção do assédio moral no âmbito dos regimes das contingências profissionais
A relevância do nosso estudo afere-se pela resposta à seguinte questão: não será adequada e suficiente a previsão no CT (art. 28.º) de responsabilidade civil pela prática de assédio moral?
A utilidade desta investigação prende-se não só com as vantagens que os institutos das contingências profissionais15 poderão carrear para a análise desta matéria, mas também com a necessidade de conferir um tratamento adequado á figura do assédio moral, que tem, na actualidade, ganho uma dimensão preocupantemente crescente.
Afigura-se-nos que os regimes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais vêm trazer uma resposta a um problema diferente daquele que é resolvido pelo recurso à responsabilidade civil. Na verdade, esta consubstancia-se no ressarcimento dos danos sofridos pelo assediado na sua integridade física e moral16, na sua honra, na sua intimidade, na sua
15 Em benefício da simplificação da nossa exposição, optámos por utilizar a expressão “contingências profissionais” para abarcar os conceitos de acidente de trabalho e doença profissional em sentido lato. Embora tenhamos encontrado na doutrina nacional apenas uma autora que emprega expressão semelhante (XXXX XXXXXX XXXXXXX refere-se a “contingências laborais” – op. cit., p. 206), ela é bastante utilizada pela doutrina espanhola.
16 Incluindo-se aqui o direito à saúde, que para alguns autores corresponde a um verdadeiro direito à “incolumidade'”, como refere XXXXX XXXXXX ENCABO, “Acoso Moral y Enfermedades Psicolaborales…”, cit.,
p. 72. Sempre se poderá afirmar que a saúde não corresponde apenas à ausência de doença ou invalidez, mas a um estado de completo bem-estar físico, psíquico e social (XXXXXX XXXXX; XXXXXX XXXX; XXXXXX XXXX; Acoso Psicológico en el Trabajo (Mobbing), Madrid, Ediciones GPS-Madrid X/ Xxxxxxxxx Xxxxxxx, 0000, p. 161).
personalidade, ou na sua dignidade17, tratando-se de responsabilidade aquiliana, ou na reparação dos prejuízos resultantes de uma violação contratual por parte do empregador, na medida em que se considere que esta é uma responsabilidade contratual18. Já os regimes das contingências profissionais são previstos legalmente com o intuito de ressarcir situações danosas para o trabalhador, em virtude do cumprimento da sua prestação laboral. Assim, reparam-se aqui danos à saúde do trabalhador e prejuízos que diminuam a sua capacidade de ganho ou de trabalho.
De facto, tem-se aceite que possam decorrer acções judiciais não só no âmbito laboral, mas também administrativo, civil e penal, designadamente nos ordenamentos francês, italiano e espanhol19. A jurisprudência francesa debateu, ainda, a vantagem de se examinar no mesmo momento (na jurisdição laboral) todos os danos consequência do assédio moral, ou seja, na
17 Dependendo da escolha que se faça quanto ao bem jurídico protegido pelas normas que sancionam o assédio moral. Para uma análise das várias posições, vd. XXXX XXXXXXX, op. cit., p. 39, nt. 76. De qualquer forma, certa parece ser a afirmação de que se trata de um fenómeno de “carácter pluriofensivo”. Cfr. XXXXXX XXXXXXXXX, “Una “Nueva” Patologia de Gestión…”, cit., p. 1555. De acordo com XXXX XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 120, o assédio viola cinco direitos fundamentais: direito ao respeito da dignidade pessoal, direito à igualdade e não discriminação, direito à integridade tisica e moral, direito à segurança no emprego e direito ao trabalho.
18 Poder-se-ia discutir, ainda, se a responsabilidade civil terá aqui uma finalidade punitiva (XXXX XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 216). Contudo, entendemos que o nosso ordenamento não tem, até ao momento, uma tal configuração da responsabilidade civil. Sobre este tema, veja-se o estudo de XXXXX XXXXXX XXXXXX XXXXX, “Uma função punitiva para a responsabilidade civil e uma função reparatória para a responsabilidade penal”, Revista de Direito e de Economia, ano XV, 1989, pp. 105-144. Relativamente ao ordenamento espanhol, vd. XXXXXXXXX XXXXXX XXXXXXXXX, “La tutela frente a la “violencia moral” en los lugares de trabajo: entre prevención e indemnización”, disp. xxxx://xxx.xxxxxxx.xx/xxx/xxxx.xxx/000000, p. 54, consult. 28-11-2009, às 13h16m.
19 Vd XXXX XXXXXX XXXXXXXXXX; XXXXXX XXXXXXXX XXXXX; “Acoso moral en el trabajo: tratamento jurídico (mobbing)”, AL, n.º 2, 2002, p. 650, e XXXXX XXXXXX XXXX XXXXXXXX, “Los Riesgos Psicosociales en el Trabajo: el Estrés Laboral, el Síndrome del Quemado y el Acoso Laboral. Su Consideración como Accidente de Trabajo”, RDS, 17, 2002, p. 197. Neste sentido, veja-se o Ac. do Juzgado de lo Social n.º 14 de Madrid, de 24-03-2004, estabelecendo que as acções para tutela de direitos fundamentais e para indemnização por danos e prejuízos são compatíveis e cumuláveis no âmbito da jurisdição social. Cfr. XXX XXXXX XXXXXXX; XXXX XXXXXXX XXXX; El Mobbing o Acoso Laboral, Tebar, Madrid, 2005, p. 76. Vd., entre outros, XXXX XXXXX XXXXXXXX XXXXXXX (“Acoso moral: su tipificación jurídica y su tutela judicial”, AS, n.0 5, 2002, p. 397), referindo que as lesões decorrentes de assédio moral poderão ser compensadas através das prestações reparadoras e indemnizatórias do regime dos acidentes de trabalho e, ainda, a título de responsabilidade civil.
mesma acção discutir da licitude da ruptura do contrato e da reparação dos prejuízos físicos ou psíquicos, tendo concluído pela possibilidade de se intentar uma acção com base na responsabilidade civil, mesmo havendo prévia protecção no âmbito da legislação relativa às contingências profissionais, admitindo o pedido de indemnização pelos factos danosos anteriores à declaração da doença profissional20.
Na verdade, não se justificará uma espécie de “imunidade” civil quando os danos na saúde do trabalhador resultam de actos que consubstanciam igualmente uma violação de direitos fundamentais da vítima que, deste modo, ficaria privada de justa compensação21.
XXXXXXX XXXXXXXXX00 afirma a necessidade de distinguir claramente entre a eventual indemnização (das consequências do assédio moral) a título de contingência profissional da indemnização (dos danos da vítima) própria do direito comum. Com efeito, a tutela indemnizatória do lstituto Nazionale per l'Assicurazione contra gli lnforttuni sul Lavoro (entidade equiparada à SS) não terá um propósito meramente ressarcitório, mas sim de rápida liberação do trabalhador do estado de necessidade decorrente do acidente ou doença. A tutela social será devida pelo simples facto de o trabalhador ter sofrido um prejuízo causado pela actividade laboral, e derivará do dever de protecção social que incumbe à colectividade, independentemente do ressarcimento que venha a ser conferido ao trabalhador nos termos do 2043 do Codice Civile23.
20 XXXXXX XXXXXX, “Harcèlement moral. Réparation du préjudice causé par un harcèlement moral et législation relative aux AT-MP”, Jurisclasseur Périodique – La Xxxxxxx Xxxxxxxxx – Édition Saciale, n.º 5, 30- 01-2007, pp. 39 e 40.
21 XXXX-XXXXX XXXXXXXX, “Harcèlement psychologique, accident du travail et responsabilité civile”, RDT, Janeiro 2008, pp. 60 e 62, nt. 52, criticando o sistema existente no ordenamento do Quebec, onde se recusa o recurso à tutela civil, embora se permita a qualificação das hipóteses de assédio moral como acidente de trabalho.
22 XXXXXXX XXXXXXXXX, “Mobbing e INAIL”, disp. xxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx_x_xxxxx_xxxxxxxxx.xxxx, consult. 29-11-2009, às 16h23m.
23 XXXXXXX XXXXXXXX, “La Riconoscibilita “della Malattia Professionale da Costrittivita” Organizzativa e la Recente Sentenza n. 1576/2009 del Consiglio di Stato”, disp. xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/Xxxxxxxxxxxxxx!Xxxxxxx%00xxx/x00xxxxxxxxxxxx%00xxxxxxxxx denziali/Documenti/2009/luglio%202009/26-7- 2009/LA%20RICONOSCIBILITA%E2%80%99%20DELLA%20MALAT.doc, p. 7, consult. 17-01-2010, às 12h34m.
Já MENEZES LEITÃO asseverava que o que a lei pretende garantir com a previsão de um sistema de reparação dos acidentes de trabalho é um efectivo ressarcimento do dano do trabalhador, e não propriamente a responsabilização da entidade patronal24.
Ora, poder-se-á afirmar que o direito infortunístico repara o dano biológico25, enquanto diminuição da integridade psico-fisica, em si e por si mesma, incidindo sobre toda a concreta dimensão do homem, não só quanto à sua capacidade de gerar riqueza, mas também relativamente à soma de todas as funções por si exercidas no ambiente que o rodeia, com relevância económica, social, estética, cultural, biológica, incluindo o dano à saúde26, mas, em regra, não o dano moral e existencial27. Note-se que, face ao actual regime, admitindo-se a possibilidade de tutela dos danos derivados do assédio moral no âmbito dos regimes dos acidentes de trabalho ou das doenças profissionais, o trabalhador com maior capacidade de resistência ao processo de perseguição, em última análise, não será ressarcido, na medida em que sofrerá apenas um dano na sua dignidade e no seu direito geral de personalidade28. O regime da responsabilidade civil, por seu turno, reparará danos patrimoniais e não patrimoniais, baseando-se em todos os aspectos estáticos e dinâmicos do bem tutelado (vida).
Acresce que os regimes de reparação são distintos, na medida em que a compensação através do direito civil será, em regra, integral, enquanto a indemnização no âmbito infortunístico terá uma lógica de seguro, sendo apenas parcial, na medida do estipulado legal ou contratualmente. Todavia, ainda que o regime da responsabilidade civil possa ser muito
24 XXXX XXXXXX TELES DE XXXXXXX XXXXXX, “A reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho”, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho – vol. I, coord. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxxx, Coimbra, 2001, p. 566. O mesmo autor fundamenta a insuficiência do regime da responsabilidade civil para a reparação dos acidentes de trabalho não só na necessidade de tutela do trabalhador, mas também na ideia de que os encargos decorrentes da reparação de danos de acidentes de trabalho devem ser arcados por toda a colectividade (op. cit., p. 549).
25 Ou, pelo menos, poder-se-á sustentar que a tendência doutrinal e jurisprudencial caminha nesse sentido. Cfr., entre outros, o aresto do STJ de 10-07-2008, relat. Xxxxxxxx xx Xxxxx, disp. xxx.xxxx.xx, consult. 22-05- 2010, às 15h47m. O conceito de dano biológico tem sido fruto de enérgica produção doutrinal e jurisprudencial no ordenamento italiano. Veja-se, exemplificativamente, XXXXXXXX XXXXXXXXXX, I danni alla persona…, cit., pp. 157 e ss.
26 Para XXXXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 46, consubstanciar-se-á num dano-evento, ou seja, é o evento do facto lesivo. Este dano opõe-se ao dano-consequência, que será o dano moral. Cfr. XXXXXXXX XXXXXXXXXX, “Tutella della persona e aggressioni alla sfera psichica del lavoratore”, RTDPC, ano LXI, n.º 4, 2007, p. 1154. 27 XXXXXXX XXXXXXXXX, op. cit.
28 Cfr. XXXXX XXXXX, Direito do Trabalho. Volume I. Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 438.
abrangente no tipo de danos que vem ressarcir, bem como nos respectivos montantes, já que não há, em regra, qualquer limite legal aos seus quantitativos, é prática habitual dos nossos tribunais não atribuir indemnizações de montantes muito avultados29. Por outro lado, nos regimes das contingências profissionais, os critérios para a determinação das indemnizações são estabelecidos com base na tipificação dos danos30, o que significa que sempre haverá um limite quantitativo.
De facto, relativamente às doenças profissionais, a reparação concedida é variável31, e não abrangerá danos não patrimoniais. Quanto à protecção concedida em caso de acidente de trabalho, mesmo quando se prove uma actuação culposa por parte do empregador ou seu representante (cfr. n.ºs 1 e 3 do art. 18.º da LAT), embora o trabalhador e seus familiares vejam os seus danos ressarcidos na íntegra, quer os patrimoniais quer os não patrimoniais, nos termos gerais32, a sua reparação consubstanciar-se-á, em regra, nas prestações previstas nos n.ºs 4 e 5 do mesmo preceito, o que significa que sempre terá como limite máximo a retribuição auferida pelo trabalhador33. Assim, é difícil perceber qual dos regimes garantirá ao lesado uma maior amplitude da reparação, embora MENEZES LEITÃO entenda que, na prática,
29 Um dos motivos que o justificará será o facto de os tribunais mais facilmente se inibirem de atribuir grandes indemnizações quando os responsáveis por elas são particulares, e já não no que respeita à responsabilidade de seguradoras ou do próprio Estado (através da SS). Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 01- 10-2009, relat. Souto de Xxxxx, disp. xxx.xxxx.xx, estabelecendo uma indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de 220.000 €. Lê-se no sumário do referido aresto que a vítima “(…) ficou paraplégica de forma definitiva, que se desloca em cadeira de rodas e faz auto-algaliação, que lhe foi atribuída uma incapacidade parcial permanente de 70% e que à data do acidente não apresentava qualquer defeito físico nem era portadora de qualquer incapacidade, bem como era uma aluna muito interessada tinha bom aproveitamento escolar (…). Veja-se, porém, o Ac. do STJ de 11-07-2007, relat. Xxxxxxx Xxxxxxxx, disp. xxx.xxxx.xx, fixando a indemnização no montante de 35.000 € para “(…) a compensação pela perda do direito à vida, e em 10.000 € o dano moral advindo nos momentos que antecederam a morte. (…). E os danos morais sofridos pela viúva (…) merecem uma compensação de € 10.000”, montantes a ser suportados pelo particular em virtude de crime de homicídio.
30 Cfr. XXXXX XXXXXXX, Manual de Direito da Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, Almedina, Coimbra, 2006, p. 186; vd. a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, actualmente prevista no DL 352/2007, de 23-10.
31 Veja-se, designadamente, os arts. 114.º e ss. da LAT.
32 XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Direito do Trabalho, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 840.
33 O que, na perspectiva de XXXX XXXX XXXXXX XX XXXXX, é criticável (“Segurança e Saúde no Trabalho. Responsabilidade Civil do empregador por actos próprios em caso de acidente de trabalho”, ROA, ano 68, vol. 1, 2008, p. 343).
“(…) os sistemas de Segurança Social (…) raras vezes atribuem uma reparação completa para os danos, limitando-se a aliviar a situação do lesado”, pelo que a responsabilidade civil acaba por surgir subsidiariamente34.
Estabelecidas as devidas distinções entre aqueles dois regimes, devem elencar-se as numerosas vantagens em comum aos regimes dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais. Ora, em primeiro lugar, estes regimes permitem uma maior eficácia no acesso a uma pensão ou indemnização por parte do trabalhador35, na medida em que englobam mecanismos menos onerosos e mais céleres do que o acesso aos tribunais, designadamente, à jurisdição civil, de sorte a obter ressarcimento dos prejuízos ao abrigo da responsabilidade civil36.
34 MENEZES LEITÃO, “A reparação de danos…”, cit., p. 553. Neste sentido também XXXX XXXX XXXXXX XX XXXXX, op. cit., p. 341, referindo-se ao ressarcimento dos danos patrimoniais directos através das regras gerais da responsabilidade civil. Também XXXXXX XXXXXX afirma (Regime Jurídico dos Acidentes de Xxxxxxxx e das Doenças Profissionais, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 73, 74 e 77) que o direito à reparação que decorre do art. 10.º da Lei 100/97, de 13-09 (que regulava o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais), é menos amplo do que o direito que deriva da obrigação civil, tendo aquele mero carácter compensatório, e perseguindo três propósitos: o “(…) restablecimento do estado de saúde da vítima, [a] reposição da sua capacidade de trabalho ou de ganho e a sua recuperação para a vida activa geral”.
35 De facto, a tutela da segurança económica do trabalhador é fundamento comum à estipulação de um seguro de acidentes de trabalho e à protecção das doenças profissionais através da SS. A reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho terá um carácter simultaneamente alimentar e indemnizatório, baseando-se numa situação de necessidade. Vd. XXXXXXX XXXXXX, “A reparação de danos…”, cit., pp. 568 a 570.
36 XXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX (“O Assédio Moral no Trabalho”, in X Xxxxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 242) defende a necessidade de se equiparar o “(…) assédio moral aos acidentes de trabalho e as doenças mentais daí resultantes às doenças profissionais, para efeitos da aplicação do respectivo regime (responsabilidade pelo risco; obrigação de transferência dessa responsabilidade para uma seguradora; processo urgente, não passível de acordo; indemnizações determinadas e gerais pela culpa da entidade empregadora) (…)”. Em primeiro lugar, devemos aplaudir a enumeração que a autora faz das várias vantagens que trará a aplicação dos regimes das contingências profissionais a esta hipótese. Em segundo lugar, devemos apontar que estranhamos a referência a duas equiparações: por um lado, do assédio moral aos acidentes de trabalho e, por outro lado, das patologias consequência do assédio moral às doenças profissionais. Ora, a nossa estranheza fundamenta-se no facto de entendermos que bastará uma dessas equiparações para que haja reparação dos danos. Compreendemos, contudo, a posição da autora, se com estas duas equiparações ela quis, porventura, aceder às vantagens de cada um dos institutos (dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais), e acautelar situações como a morte do trabalhador, que poderá ficar sem qualquer reparação, caso se aplique
Em segundo lugar, estes regimes dispõem de soluções alternativas, que o regime da responsabilidade civil não prevê, como a que consta do n.º 8 do art. 283.º do CT: a obrigatoriedade de o empregador assegurar uma ocupação em funções compatíveis ao trabalhador lesado e com capacidade de trabalho ou de ganho reduzida37. A LAT prevê, ainda, outros mecanismos a que duvidamos que o trabalhador assediado possa aceder por via da responsabilidade civil, sem que se force o âmbito deste instituto, tais como a possibilidade de reabilitação profissional e adaptação do posto de trabalho (arts. 44.º e 154.º e ss.)38 e, bem assim, o subsídio para frequência de acções no âmbito da reabilitação profissional (arts. 69.º e 108.º).
Deve salientar-se, ainda, que estes regimes permitem a actualização constante das prestações, e sua revisão em função da melhoria ou agravamento do estado de saúde do lesado, o que constitui uma vantagem em relação ao regime da responsabilidade civil. Além do mais, os créditos resultantes do direito à reparação estabelecida na LAT são “(…) inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis (…)”, gozando das garantias previstas no CT (cfr. art. 78.º daquele diploma). Como tal, trata-se de créditos privilegiados, o que configura mais uma diferença relativamente aos créditos resultantes de responsabilidade civil.
Finalmente, e em última instância, a consideração de determinadas hipóteses como contingências profissionais pode trazer a vantagem de afastar a difícil prova39 de que houve
apenas o regime das doenças profissionais. Porém, devemos explicitar que os benefícios enumerados cabem, na sua totalidade, no regime de reparação de acidentes de trabalho, pelo que nos parece um pouco confusa a posição da autora.
37 No ordenamento brasileiro, o acesso ao regime dos acidentes de trabalho permitirá ao trabalhador, entre outras vantagens, um período em que poderá recuperar da patologia de que sofre, tendo garantia de manutenção do seu posto de trabalho. Cfr. XXXXX XXXXXXXXX XXXXX, “O Assédio Moral nas Relações de Emprego”, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª região, n.º 31, 2007, p. 221, disp. xxxx://xxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxx/0000/00000/0/xxxxxxx_xxxxx_xxxxxxxxxxxxxxx.xxx, consult. 27-01-
2010, às 10h15m.
38 No mesmo sentido, veja-se o Acordo-Quadro Europeu sobre Assédio e Violência no Trabalho, celebrado entre a Confederação Europeia de Sindicatos, a BUSINESSEUROPE, a Associação Europeia do Artesanato e das Pequenas e Médias Empresas e o Centro Europeu das Empresas Públicas, em 26-04-2007, e que inclui no seu texto a possibilidade de as vítimas de assédio moral ou violência no trabalho receberem apoio e, se necessário, ajuda à reintegração no local de trabalho. Acordo disp. xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxxxxx/Xxxxxx_xxxxxx_xxxxxxx_xxxxxxx_xxxxxxxxx_xxxxxxxx.xxx, consult. 18-03-2010, às 22h54m.
39 Por vezes não tão difícil assim, porquanto nas hipóteses em que o assédio é discriminatório se inverte o ónus da prova (ao abrigo do n.º 5 do art. 25.º do CT). Sobre a interpretação extensiva deste preceito,
um fenómeno de assédio moral, porquanto não é necessário o preenchimento desse conceito para que se verifique um acidente de trabalho ou uma doença profissional (embora possa vir a ser necessária a prova dos seus elementos constitutivos, para efeitos de preenchimento dos requisitos de causalidade).
Seguidamente, cabe indicar os vários benefícios da aplicação do regime específico dos acidentes de trabalho às hipóteses de assédio moral, designadamente no que respeita à salvaguarda dos cofres do Estado, na medida em que este se veria livre de pagar as devidas pensões às vítimas daquele fenómeno, que sempre as solicitarão a título de doença comum40
41. Em sistemas como o francês, a vantagem do recurso ao regime previsto para os acidentes
aplicando-o a qualquer tipo de assédio, vd. XXXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXX, “Assédio – uma noção binária?”, PDT, n.º 85, Janeiro a Abril 2010, 149-156.
40 Veja-se as estatísticas apresentadas por XXXXX XXXXXXX XX XXXXXXX (“Xxxxxxx Xxxxx no Trabalho. Resultados de um estudo”, Dirigir, n.º 98, 2007, Lisboa, p. 45), quanto ao sector bancário, relativas ao ano de 2004, em que as situações de assédio moral no trabalho tiveram como repercussão, em 11,8% dos casos, a doença prolongada, e em 5,9% das hipóteses, a reforma por invalidez. Note-se que, entre nós, cerca de 60% das baixas médicas têm origem laboral, de acordo com a reportagem da RTP denominada “Escravos do poder”, no programa “Linha da Frente”, transmitida a 06-01-2010, disp. xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxx/?xxXXXXXXXX-XX-XXXXX.xxx&xxxxx0000.
41 A reparação a título de doença comum será de aplicação mais restritiva do que o ressarcimento a título de contingência profissional. Assim, de acordo com o art. 8.º do DL 28/2004, de 04-02 (que estabelece o regime jurídico de protecção social na eventualidade de doença), no âmbito do subsistema previdencial de segurança social, a atribuição do subsídio na eventualidade de doença dependerá cumulativamente: de um prazo de garantia de 6 meses com registo de remunerações; de um índice de profissionalidade correspondente a 12 dias com registo de remunerações nos 4 meses anteriores à incapacidade temporária para o trabalho (excepto para os trabalhadores referidos no n.º 2 do art. 12.º); e de uma certificação da incapacidade temporária para o trabalho efectuada pelos serviços competentes. Além disto, podemos apontar outra diferença essencial: no regime jurídico de protecção social na eventualidade de doença verifica-se uma variação dos montantes indemnizatórios, de acordo com a duração do período de incapacidade para o trabalho ou com a natureza da doença (art. 16.º), e uma limitação percentual dos mesmos (atingindo 100% da remuneração de referência apenas em casos muito excepcionais – art. 16.º, n.º 3), sendo as prestações indemnizatórias, em regra, de valor inferior ao efectivamente auferido pelo trabalhador. Com efeito, encontramos diversas diferenças de tutela relativamente ao regime aplicável às contingências profissionais, verificando-se neste um “(…) particular e complexo esquema de benefícios (…) quer no que respeita à concepção das prestações quer no que se refere à técnica da graduação das incapacidades(…)”. Cfr. XXXXXX XXX XXXXX, Direito da Segurança Social. Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, p. 463. Veja-se, sobre idêntico regime no ordenamento espanhol, XXXXXXX XXXX XXXXXXXXX XXXX; XXXXXX XXXXX XXXXXX XXXXXXX; XXX XXXXXX
de trabalho consistirá, em especial, no facto de a SS poder sub-rogar-se nos direitos da vítima em relação ao assediador (autor culposo do acidente de trabalho), seja ele empregador ou não42. Contudo, entre nós, como é sabido, o sistema previdencialista abrange apenas as doenças profissionais, cabendo a protecção dos acidentes de trabalho aos empregadores, com recurso a seguros privados.
Assim sendo, no ordenamento nacional, considerando-se o acontecimento integrado no comportamento de assédio moral como acidente de trabalho, nos termos que enunciaremos no próximo capítulo, fará sentido para as Seguradoras apelar à qualificação daquele evento como culposo, de modo a poderem afastar a sua responsabilidade, ou por forma a responderem apenas excepcionalmente, na medida em que o acidente seja devido a terceiro ou colega de trabalho (art. 17.º da LAT) ou nos casos do art. 18.º, da mesma lei43.
XXXXXX; El Acoso Laboral antes Llamado Mobbing. Un Enfoque Integrador, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2008, p. 220.
42 XXXXXXXX XXXXXX, Le Harcèlement Moral au Travail, Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxx, 0000, p. 85. Também no ordenamento italiano, como afirma XXXXXXX XXXXXXXXX, op. cit., havendo doença profissional indemnizável, tendo como causa comportamento culposo, poderá o Istituto Nazionale per l’Assicurazione contro gli Inforttuni sul Lavora intentar acção de regresso contra o empregador, ou subrogar-se nos direitos da vítima face ao terceiro responsável. XXXX XXXXXX XXXXXXX preconiza solução semelhante. Na reportagem da RTP referida supra, a autora afirma que o Estado deveria poder ver-se ressarcido das quantias que paga a título de baixa médica, quando esta tenha causa no assédio moral. Seria uma solução semelhante à que prevê o art. 7.º, n.º 3, do DL 28/2004 - possibilidade de reembolso às instituições de SS dos valores atribuídos ao lesado, a título provisório, até reconhecimento ou assunção da obrigação de indemnização por parte de terceiro – ou o art. 70.º da Lei 4/2007, de 16-01 (que aprova as bases gerais do sistema de SS) – faculdade de sub-rogação das instituições de SS no direito do lesado, na eventualidade de concorrerem o direito a prestações indemnizatórias no âmbito da SS e o direito a ser indemnizado por responsabilidade civil de terceiros.
43 XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “Modificações na Legislação sobre Contrato de Seguro – Repercussões no Regime de Acidentes de Trabalho”, disp. xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxx/Xxxxxxxxx/X.X.XxxxxXxxxxxx.xxx, consult. 21-04-2010, às 22h05m. De acordo com este autor, a doutrina dividia-se: para uns, a Seguradora responderia, neste caso, pelas prestações normais, e não pelas que resultam do agravamento, tendo benefício de excussão prévia, enquanto para outros, a Seguradora teria obrigação de pagar a prestação ao lesado, embora pudesse exigir o montante despendido ao empregador, em regresso. Face ao disposto no n.º 3 do art. 79.º da LAT, certo parece ser que a Seguradora responderá sempre, tendo direito de regresso, nos casos do art. 18.º da LAT.
Também os empregadores poderão beneficiar desta tese, tendo a possibilidade de exercer o direito de regresso, ao abrigo do n.º 3 do art. 18.º do mesmo diploma44.
No que respeita às vantagens do regime dos acidentes de trabalho para os trabalhadores, importa referir que a estes se aplica uma presunção de irrelevância de predisposição patológica, o que tem consequências a nível da prova de causalidade, porquanto a existência de tal predisposição poderá afectar o ressarcimento dos danos ao nível da responsabilidade civil, na medida em que exclua o nexo de causalidade exigido45. Além disto, os créditos do trabalhador resultantes de acidente de trabalho gozam de uma garantia reforçada de pagamento, na medida em que o Fundo de Acidentes de Trabalho se responsabiliza pelo pagamento das pensões estabelecidas na LAT (art. 1.º, n.º 1, al. a), do DL 142/99, de 30-04 e art. 82.º da LAT).
Finalmente, cumpre descrever os beneficias da qualificação dos danos decorrentes do assédio moral como doença profissional, salientando os aspectos preventivo e, consequentemente, económico (este, na medida em que conduzirá a um menor custo para as empresas e para a sociedade, face à diminuição do número de situações encontradas), aos quais acresce a contribuição para uma discussão mais lata quanto aos vários fenómenos psicopatológicos ligados ao trabalho46.
44 Pode haver sub-rogação do empregador ou da seguradora nos direitos do lesado em relação a terceiro. Cfr. XXXXX XX XXXXXXX XXXXX XXXXXXX, Direito do Trabalho. Parte II. Situações Laborais Individuais, 2.ª ed. revista e actualizada, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 759 e 760. Note-se que, por exemplo, no ordenamento francês, o regime dos acidentes de trabalho prevê um mecanismo de recurso contra o responsável pelo acidente apenas em caso de faute inexcusable ou intentionnelle por parte do mesmo.
45 Segundo a doutrina da causalidade adequada, adoptada no âmbito da responsabilidade civil, só haverá nexo quando o facto seja condição sem a qual o prejuízo não teria ocorrido, e sendo o concreto facto, em geral e em abstracto, adequado a produzir o dano. Neste sentido, veja-se, entre muitos outros, o aresto do STJ de 02-11-2005, relat. Xxxxxxx Xxxxx, disp. xxx.xxxx.xx, consult. 24-01-2010, às 20h35m. Já a formulação negativa da teoria da causalidade consiste na consideração de que o facto que é condição do dano deixará de ser causa adequada quando para a sua produção tenham contribuído determinantemente circunstâncias extraordinárias que influenciaram o caso concreto.
46 XXXXXX XXXXXX, “Le Harcèlement Moral Au Travail”, disp. xxxx://xxx.xxxxxxx-xxxxxxxxxx-xx- xxxxxx.xx/xxxxxxxx/xxxxx.xxx?Xxxxxxxxxxx00000000 &ref=NS002110, pp. 84 e 85, consult. 03-01-2010, às 17h27m. Adita o mesmo autor que o reconhecimento como doença profissional tem consequências em matéria de reintegração ou reclassificação profissional, na medida em que a vítima poderá beneficiar de várias medidas de protecção social, tais como a suspensão do contrato de trabalho
Em comum às doenças profissionais em sentido lato, deve evidenciar-se, ainda, a garantia de solvência da entidade que responde pela indemnização, o que configura um importante beneficio para o trabalhador. Acresce que o regime da responsabilidade civil dificilmente tutelará uma situação de doença como causa do dano sofrido pelo trabalhador47. Em último lugar, devemos destacar, no que respeita às vantagens do recurso ao regime das doenças profissionais em sentido estrito48, a desnecessidade de prova do concreto nexo de causalidade49.
Como tal, propugnamos por uma aplicação alternativa50 dos regimes da responsabilidade civil e das contingências profissionais, na medida em que são respostas distintas para um mesmo fenómeno. Na realidade, sempre que se verifica um acidente de trabalho poderá haver, paralelamente, acção de responsabilização civil51 contra o verdadeiro responsável, seja ele o empregador, colega de trabalho ou terceiro. Acresce a esta a responsabilidade do empregador a nível contra-ordenacional, também prevista legalmente52, e
durante a paragem (baixa médica), a fase de readaptação ou formação profissional, e as condições de retorno ao trabalho.
47 Cfr. MENEZES LEITÃO, “A reparação de danos…”, cit., p. 553, nt. 45.
48 Conceito que se distingue das doenças de trabalho, cabendo ambos na categoria mais vasta de doenças profissionais em sentido amplo. Sobre este conceito, vd., mais desenvolvidamente, o capítulo IV deste trabalho.
49 Neste sentido, XXXXX XX XXX XXXXX XXXXXXXX XXXXXXX, «Sobre las Enfermedades Profesionales No Listadas. A Propósito de un Supuesto “Síndrome de Desgaste Personal” o de “Burn-Out””, RDS, n.º 10, 2000, p. 191.
50 Entenda-se a expressão utilizada como respeitando a ópticas distintas, mas cumuláveis, e não disjuntivas, como se a opção por uma hipótese determinasse a exclusão da outra. Veja-se a posição de CARBONELL VAYÁ et alli, op. cit., p. 243, afirmando que as várias vias possíveis são, muitas vezes, interdependentes.
51 Vd., contudo, XXXXXXX XXXXXX (Código do Trabalho Anotado, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 229), afirmando, relativamente ao art. 294.º do CT 2003, que “a reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho se apresenta como que subsidiária em relação à responsabilidade civil. Efectivamente, o dever da assistência social (…) cessa no momento em que a vítima adquire uma indemnização através da responsabilidade civil”, cabendo repetição do indevido ou direito de regresso contra o responsável. Veja-se os regimes dos arts. 17.º e 18.º da LAT.
52 Art. 29.º, n.º 4, do CT. Acrescerá, ainda, a sanção acessória de publicidade da decisão condenatória, quando a contra-ordenação (in casu, muito grave) tenha sido praticada com dolo ou negligência grosseira (art. 562.º do CT). Note-se, porém, que só haverá responsabilidade do empregador quando este for o
a eventual responsabilidade criminal do assediador, na medida em que o comportamento em causa configure um facto ilícito típico53. Assim sendo, o legislador não terá querido excluir a possibilidade de haver diversas soluções para uma mesma hipótese, pelo que vimos apenas propor mais uma possibilidade de reacção ao fenómeno do assédio moral. Os dois percursos são, de facto, autónomos e independentes, daí que um não prejudique o êxito do outro54.
Desta forma, não nos parece que vença um eventual argumento no sentido de, sendo aplicável o regime da reparação dos acidentes de trabalho, funcionar uma dupla “incriminação” do empregador, sendo este o assediador, na medida em que será punido ao abrigo da responsabilidade civil e terá ainda de responder face à seguradora, por uma indemnização pela totalidade dos danos, no âmbito do regime infortunístico. Se assim fosse, na verdade, sempre haveria uma dupla ou mesmo tripla incriminação, sendo o comportamento em causa punível a título contra-ordenacional e criminal (como aliás demonstra, nomeadamente, o n.º 2 do art. 18.º da LAT).
Contudo, sempre se dirá, com XXXX-XXXXX XXXXXXXX00, que “ce difficile arrimage entre le droit du travail contemporain, fortemente imprégné par la protection des droits fondamentaux, et le régime de la responsabilité civile, invite à la recherche de solutions nouvelles”. De facto, poderá defender-se que, optando o lesado por recorrer não só ao regime das contingências profissionais, mas também à responsabilidade civil, deverá haver “coordenação”, de modo a evitar uma acumulação de indemnizações que gere enriquecimento sem causa56.
assediador, ou se entendermos que aquele é responsável independentemente de tal qualidade, tal como desenvolveremos no VI capítulo desta tese.
53 Outros ordenamentos, como o francês e o belga, prevêem uma sanção penal específica para o assédio moral. Na Alemanha e Áustria, entende-se que tal previsão é desnecessária, na medida em que os bens jurídicos aqui lesados encontram suficiente tutela através de outras vias. Cfr. XXXX XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 31.
54 XXXXXXX XXXXXXXXX, op. cit.
55 XXXX-XXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 63.
56 Conforme apontam XXXXXX xXXXXX XXXXXXXX et xxxx, op. cit., p. 142. Assim, perfilhamos o entendimento da jurisprudência que afirma, relativamente a situações idênticas à que aqui tratámos, que “as indemnizações por acidentes simultaneamente de viação e de trabalho completam-se e não se sobrepõem (…). Mas, nesses casos, não havendo cumulação de indemnizações, há cumulação de responsabilidades. Por isso, as indemnizações são independentes (…)” – Ac. do STJ de 07-04-2005, relat. Custódio Montes, disp. xxx.xxxx.xx. Veja-se XXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 104, relativamente ao duplo ressarcimento de acidentes simultaneamente de trabalho e de viação, e à cumulação da indemnização por acidente de trabalho nos
Em sentido contrário ao acima exposto, poder-se-ia afirmar que a aplicação do regime da responsabilidade civil às hipóteses de assédio moral, ao abrigo do n.º 3 do art. 29.º do CT, excluiria a possibilidade de aplicação do regime infortunístico, na medida em que este será, ele próprio, um regime específico de responsabilidade civil. Ora, distanciando-nos da discussão relativa à sua natureza, que não cabe no âmbito deste estudo, sempre diremos que, ainda assim, os regimes responderão a situações diferentes, tal como referimos supra57.
A este argumento contrário à nossa tese, podemos aditar um outro: apesar de a vítima ser indemnizada, falta aos sistemas de reparação das contingências profissionais a tutela de um aspecto essencial para a recuperação daquela: a efectiva sanção do assediador, de efeito terapêutico para o lesado58. Contudo, esta desvantagem surge apenas quando consideramos estes regimes isoladamente. Com efeito, se aplicados em cumulação com o regime da responsabilidade civil, tal como acima defendemos, não haverá qualquer lacuna de protecção.
II. Xxxxxxx Xxxxx como Acidente de Trabalho
No ordenamento espanhol, tem-se considerado que o assédio moral pode ser constitutivo de acidente de trabalho. Na realidade, a jurisprudência do pais vizinho tem aceite esta possibilidade, quer com base na al. e) do n.º 2 do art. 115 da Ley General de la Seguridad
termos do art. 18. º da Lei 100/97 e da indemnização cível no processo-crime. O mesmo autor, op. cit., p. 150, refere, quanto ao art. 31.º da Lei 100/97, que, havendo concurso de responsabilidades (objectiva e subjectiva), haverá dois direitos a reparação, a títulos distintos. Contudo, havendo concorrência de “(…) mais do que um direito a indemnização, por virtude do mesmo acidente, em relação ao mesmo dano concreto (…)”, não será possível a cumulação de reparações. Esta posição parece vir de encontro ao nosso entendimento, de que as indemnizações serão cumuláveis desde que correspondam a danos distintos. Já XXXXXX XXXXXXXXX (La Tutela Judicial…, cit., pp. 69 e 70) refere que a jurisprudência espanhola tem admitido a livre cumulação de indemnizações.
57 Por um lado, o regime de responsabilidade civil previsto no art. 28.º, ex vi do n.º 3 do art. 29.º do CT, poderá ser de responsabilidade aquiliana ou contratual. Por outro lado, o regime dos acidentes de trabalho poderá configurar uma responsabilidade objectiva pelo risco, para uns (XXXXXX XXXXXXXX, Direito do Trabalho, cit., p. 820), ou fundamentar-se na situação de dependência económica do trabalhador, para outros (MENEZES LEITÃO, “A reparação de danos…”, cit., p. 564). De qualquer forma, seja qual for a combinação que se escolha, os regimes sempre responderão a problemas diferentes.
58 Neste sentido, embora relativamente à responsabilidade do empregador (independentemente de ser ele o assediador ou não), vd. XXXXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 165.
Social59, quer com fundamento na presunção do n.º 3 da mesma norma60 61. Há, ainda, quem sustente a possibilidade de se considerar o assédio moral como acidente de trabalho ao abrigo do n.º 1 do referido preceito62, que corresponde ao sentido entre nós atribuído ao conceito, posição que não é, contudo, unânime63. Para XXXXX XXXXXX XXXXX, será suficiente a prova de que há uma incapacidade derivada de um conflito laboral, para que se qualifique o evento como acidente de trabalho, ou bastará, ainda que o acontecimento não ocorra no tempo e local de trabalho, a prova de que a patologia tem como causa exclusiva o trabalho64.
59 Embora este preceito tenha uma particularidade, sobre a qual nos debruçaremos mais detalhadamente infra, que corresponde ao facto de o acidente de trabalho ser, nesta hipótese, próximo do nosso conceito de doença de trabalho.
60 Xxxxxxx XXXXXX XXXX, op. cit., p. 19, será esta última hipótese a que mais frequentemente se verifica. Compreende-se a dificuldade em enquadrar uma determinada factualidade na al. e) do n.º 2 do art. 115 da Ley General de la Seguridad Social, na medida em que é complexa a concretização médica da origem de uma patologia. Cfr. X.x XXXXXXXX XXXXXXX, “Sobre las enfermedades ...”, cit., p. 198. Em sentido contrário, afirmando que a jurisprudência xxxxxxxxxxx xx xxxxxx xx xxx. 000, x.x 0, xx. e), da Ley General de la Seguridad Social para sustentar a qualificação do assédio moral como acidente de trabalho, XXXXXxXX XXXXXXX XXXXX, La Tutela Jurídica frente al Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pp. 224 e 225. 61 XXXXXX-XXXXX XXXXXX XXXXXX (“Acoso moral o “mobbing”. Nuevas perspectivas sobre el tratamiento jurídico de un tema intemporal de actualidad”, REDT, n.º 115, 2003, p. 18) afirma que a ansiedade e a depressão, patologias que mais comummente são consequência do assédio moral, serão consideradas corno lesão causada por acidente de trabalho, na medida em que existirá presunção de laboralidade, nos termos do n.º 3 do art. 115 da Ley General de la Seguridad Social. Xxxxx, segundo XXXXXXX XXXXX (op. cit.,
p. 223), a interpretação jurisprudencial que admite a aplicação às doenças de trabalho daquela presunção, que decorre da “ocasionalidade” da lesão, deveria afastar a aplicação da al. e) do n.º 2 do referido art. 115, preceito com maiores exigências de causalidade. Todavia, o autor entende que o assédio moral não beneficia daquela interpretação extensiva da presunção, restringindo-se esta às doenças de surgimento súbito. Veja-se, ainda, a posição de XXXXX XXXXXX ENCABO (“Acoso Moral y Enfermedades Psicolaborales...”, cit., p. 78) que admite que a aplicação da presunção do n.º 3 às lesões psíquicas não será tão fácil como no que respeita às lesões físicas, uma vez que aquelas dificilmente se poderão manifestar no tempo e local de trabalho.
62 Nomeadamente, X.x XXXXXXXX XXXXXXX, “Sobre las enfermedades ...”, cit., p. 201.
63 Cfr. XXXXX XXXXXX ENCABO, “Xxxxx Xxxxx y Enfermedades Psicolaborales ...”, cit., p. 79, afirmando que jurisprudência tem negado esta hipótese.
64 XXXXX XXXXXX XXXXX, La Presión Laboral Tendenciosa (Mobbing), Lex Nova, Valladolid, 2005, p. 281, disp. xxxx://xxx.xxxxx.xxx-xxx.xxx/xxxxxx/xx00/xxxxxxx.xxx, consult. 10-03-2010, às 21h39m.
Já no ordenamento brasileiro65, o assédio moral é considerado acidente de trabalho para efeitos de ressarcimento dos seus danos, embora aqui o conceito de acidente de trabalho seja mais lato, abrangendo as hipóteses em que o evento está ligado ao trabalho, contribuindo directamente para a morte, redução ou perda da capacidade de trabalho, ou lesão que exija cuidados médicos, ainda que não tenha causa única66.
Afigura-se, assim, essencial analisar o conceito de acidente de trabalho, destrinçando os seus elementos, de modo a perceber se cabem aqui os comportamentos qualificados como assédio moral.
Em primeiro lugar, cabe advertir, com XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX, para a necessidade de não confundir o acidente com a lesão: o objecto de reparação são as consequências do acidente de trabalho, ou seja, a lesão que decorre deste evento67. Porém, como sugere XXXXXX XXXXXXXX, o conceito de acidente de trabalho é delimitado pelo legislador em função dos danos68. Em segundo lugar, devemos referir que o acidente de trabalho não tem de ter uma causa exterior física, podendo esta ser moral69.
65 Cfr. XXXXXXX XXXXXXXXX XXXXX, “Assédio moral no ambiente de trabalhe a responsabilidade civil: empregado e empregador”, disp. xxxx://xxx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxx.xxx?xxx0000, consult. 14-03-2010, às 20h22m.
66 Além dos ordenamentos referidos, também no Japão foi já qualificada como acidente de trabalho uma situação de assédio moral, pela Inspecção do Trabalho de Odawara. Veja-se xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx/xx/Xxxxxxxx/Xxxxx/Xxxxxxx-xxxx-xxxx-xx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxxx, consult. 24-10-
2009, às 15hl5m.
67 XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX, “Algumas Questões Relacionadas com o Conceito de Acidente de Trabalho”, PDT, n.º 76, 77 e 78, 2007, p. 38. De facto, gera-se por vezes alguma confusão entre os dois. Assim, XXXX XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 63, afirma que a jurisprudência se tem debruçado sobre questões como a “(…) qualificação das patologias originadas pela exposição prolongada ao assédio moral como acidente de trabalho”. Salvo o devido respeito, entendemos que a autora identifica o problema de modo errado, embora na nota que corresponde a esta passagem refira a hipótese de tentativa de suicídio, essa sim, potencialmente constitutiva de acidente de trabalho, como adiante veremos.
68 XXXXXX XXXXXXXX, Direito do Trabalho, cit., p. 843. Também a doutrina espanhola afirma que só há acidente de trabalho se houver dano, embora o conceito de acidente de trabalho se refira ao conjunto, englobando causa e efeito. Cfr. XXXXXXXXX XXXX XXXXX, “Las Enfermedades del Trabajo y su Manifestacion “ln Itinere”. Comentario a la sentencia del Tribunal Supremo de 20 de marzo de 0000”, XXX, x.x 0, 0000, p. 146.
69 Vd. XXXXXX XXXXXX, op. cit., pp. 36 e 37, para quem a causa será moral, designadamente, quando o trabalhador repreendido cai, desmaiando e sofrendo, em consequência, lesões corporais. Deve, ainda, distinguir-se a causa exterior do acidente do evento em si mesmo.
Todavia, a característica que tem sido apontada pela doutrina como sendo fundamental à definição do acidente de trabalho, bem como à distinção entre este e a doença profissional, é a subitaneidade70. Como tal, o acidente de trabalho deve ser datável, determinável no tempo, ou, pelo menos, “(…) de duração curta e limitada (…)”71. Do exposto pode facilmente entender-se que, para alguma doutrina e jurisprudência, esta exigência será um forte impedimento à eventual consideração de uma situação de assédio moral como acidente de trabalho72.
70 Cfr. X.x XXXXXXXX XXXXXXXX, op. cit., pp. 41 e 42. Vd. o Ac. do TRL de 10-11-2005, relat. Xxxxxx Xxxxxxxxx, disp. xxx.xxxx.xx, onde se afirma, curiosamente, que, em teoria, é possível seccionar qualquer acontecimento da vida, sendo o elemento distintivo entre acidente de trabalho e doença profissional o nexo causal que se poderá estabelecer entre uma determinada lesão e um facto súbito ou de curta duração.
71 XXXXXX XXXXXX, Tratado Teórico e Prático da Legislação sobre Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, em comentário à Lei Francesa de 1898, vol. I, p. 261, apud XXXX XXXXXXX XXXXXXX E XXXX XXXXXX, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Direito do Trabalho, BMJ, Suplemento, Lisboa, 1979, p. 62.
72 Neste sentido, entre outros, XXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 238. Cfr., ainda, o Ac. do TRP de 10-03- 2008, relat. Xxxxxxxx xx Xxxxx, disp. xxx.xxxx.xx, do qual coube recurso para o STJ, tendo este proferido o aresto de 13-01-2010, relatado por Xxxxx Xxxxxxx, disp. xxx.xxxx.xx, no mesmo sentido que o anterior. Tratava-se de uma hipótese de alegado (mas não provado nos autos) assédio moral, em que a Autora vem invocar a existência de um acidente de trabalho. Essa qualificação foi negada por ambos os acórdãos, que se baseiam, fundamentalmente, nas características de subitaneidade, imprevisibilidade e origem externa do evento constitutivo de acidente de trabalho. O Ac. da segunda instância reconhece a existência de posições favoráveis, entre nós, ao alargamento do direito infortunístico aos casos de assédio moral. De facto, o aresto parece afastar que a situação em apreço seja qualificada como acidente de trabalho ou doença profissional face à impossibilidade de tipificação daquela hipótese concreta como assédio moral. Já a decisão do STJ afirma que, ainda que se provasse a existência de mobbing, nunca este poderia ser considerado acidente de trabalho, “(…) pelo menos enquanto perdurar a actual noção normativa de “acidente” (…)”. Devemos referir, ainda, um aresto do TRP, relat. Xxxxxxxx Xxxxxx, que data de 10-09- 2007, onde se diz que o “(…) conceito de acidente de trabalho está em permanente actualização, devido às mutações sociais, comportamentais (atente-se por exemplo em certos casos de mobbing), e de mobilidade geográfica dos trabalhadores, novas situações que potenciam múltiplas e complexas causas de acidentes de trabalho” [sublinhado nosso]. No mesmo Ac. argumenta-se, ainda, que “(…) uma intensa pressão psicológica poderá enquadrar-se nas “Situações particularmente angustiantes”, porque se tratará de um exemplo de uma acção indirecta, actuando insidiosamente e que se insinuará sem violência” (CJ, n.º 201, ano XXXII, tomo IV, 2007, pp. 236 e 237). Saliente-se que, nesta hipótese, o comportamento sofrido pelo Autor não foi qualificado como acidente de trabalho, porquanto aquele não fez prova do nexo de causalidade entre o acidente e os danos sofridos.
No entanto, a jurisprudência mais recente, bem como alguma doutrina, têm questionado esta característica. Na verdade, há que reconhecer a existência de “(…) zonas cinzentas em que a subitaneidade se esbate perante uma evolução lenta, como é por exemplo, a que resulta da acção contínua de um instrumento de trabalho ou do agravamento de uma predisposição patológica ou das afecções patogénicas contraídas por razão do trabalho”73. De facto, há vários exemplos na jurisprudência nacional que confirmam o atenuamento da exigência de subitaneidade74. É notória a ténue fronteira entre acidente de trabalho e doença profissional, embora o STJ afirme que ainda há acidente de trabalho quando a causa da lesão não é imediata, mas se circunscreve a um período curto e limitado de tempo, podendo os seus efeitos sofrer evolução gradual75.
XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX centra a análise do problema na subitaneidade ou não da acção, decompondo aquele conceito nos elementos da imprevisão e da limitação no tempo76. A autora afirma, ainda, que as “zonas cinzentas” decorrem de circunstâncias em que a acção tem duração variável mas continuada no tempo, sem que se verifiquem elementos que caracterizam a existência de doença profissional, como a especial perigosidade do ambiente de trabalho ou dos produtos utilizados. Acresce que, efectivamente, a letra da lei não caracteriza o evento constitutivo de acidente de trabalho, pelo que não se poderá afirmar que a subitaneidade corresponde a um requisito legal.
Na realidade, na vizinha Espanha discute-se a eventual fusão dos conceitos de acidente de trabalho e doença profissional77. Sustenta alguma doutrina que o primeiro conceito está em revisão, face aos riscos que têm emergido nos últimos anos, havendo, portanto, uma
73 Cfr. XXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 37. Neste sentido, também alguma doutrina francesa, afirmando que a exigência de subitaneidade é mais teórica do que real, e que no assédio moral o mal-estar da vitima piora bruscamente, ainda que tenha aumentado progressivamente. Vd. XXXXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 81.
74 Veja-se, entre outros, o Ac. do TRC de 22-01-1981, XX, ano VI, tomo I, 1981, p. 83, onde se afirma que “(…) a intoxicação (…) ocorreu, senão de maneira súbita, pelo menos com duração curta e limitada”.
75 Cfr., designadamente, a decisão do STJ de 21-11-2001, relat. Xxxxx Xxxxxx, disp. xxx.xxxx.xx. Também para a doutrina belga o critério parece ser o da possibilidade de localizar no tempo e espaço o evento súbito. Cfr. XXXXXXXX XXXXXXX, L 'Accident (sur le Chemin) du Travail: Notion et Preuve, Études Pratiques de Droit Social, Waterloo, Kluwer, 2006, p. 29.
76 M.ª XXXXXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 43.
77 Discussão que se alia a uma outra, mais ampla, relativamente à manutenção da dualidade riscos profissionais/riscos comuns. Cfr. XXXXX XXXXXX XXXXXXX, “Delimitación de las Contingencias Profesionales: Nuevos Riesgos Laborales”, Revista lnformación Laboral, Legislación y Convenios Colectivos, n.º 20, 2003, p. 4.
necessidade de o ampliar, abarcando também a doença progressiva. Neste sentido, a noção deverá abranger não só a referência a um acontecimento repentino que provoca um problema fundamentalmente tisico e externo, mas também a alusão à origem paulatina de lesões que podem ser psíquicas78.
Alguma doutrina francesa refere que a recente evolução jurisprudencial no que respeita ao conceito de acidente de trabalho79 favorece a consideração de uma hipótese de assédio moral como tal, uma vez que a Cour de Cassation afirmou já que será acidente de trabalho um evento ou uma série de eventos ocorridos em datas determinadas, por causa ou por ocasião do trabalho80. Desta forma, parece que os problemas de natureza psicológica surgidos após comportamentos de assédio moral determináveis temporalmente poderão ser ressarcidos como lesões decorrentes de acidente de trabalho81.
Na Bélgica, a doutrina afirma que, pese embora a característica da subitaneidade do evento que constitui infortúnio laboral, poderá aquele não ser imediato ou instantâneo, e a jurisprudência admite serem eventos súbitos situações como o stress e um estado de tensão ou nervosismo82.
No que respeita à exigência de reiteração que particulariza o assédio moral, também há autores que entendem que o conceito nem sempre exigirá a prática de várias condutas, pelo que não deverá excluir-se da definição o facto isolado que tenha tal gravidade que produza o mesmo resultado que vários incidentes menores, ou acarrete sérias consequências
78 AAVV, “El Acoso Moral en el Trabajo (Mobbing): Diagnostico, Prevencion y Reparacion [sic] de una Nueva Enfermedad Laboral”, disp.
xxxx://xxx.xxxxxxxxx-xxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/xxxxxxxxxxx/xxxxx.xxx?xxxx00&xxxx00, p. 21, consult. 14-
12-2009, às 2lh33m.
79 Designadamente, uma interpretação aberta deste conceito. Cfr. bibliografia citada por XXXXXXX XXXXX,
op. cit., p. 219, nt. 27.
80 E. CASTEL-TURBANT; C. XXXXXXXXXX-XXXXXXXXX; M. GRASER; O. JARDÉ; C. XXXXXXXX, X. VERRIER, «Le
harcèlement moral au travail: apports de xx xxx xx 00 xxxxxxx 0000”, Xxxxxxxx & Droit, n.º 73, 2005, p. 126.
81 Vd. o aresto da Cour d'Appel de Versailles, de 14-03-2000, Caisse Primaire d'Assurance Maladie 78 vs Viard, em que uma chamada telefónica de reprimenda a uma trabalhadora origina graves transtornos psíquicos, constituindo acidente de trabalho. Entende a Cour de Cassation (decisão de 01-07-2003) que o conceito de “facto súbito” inerente ao acidente de trabalho é substituído pelo carácter de “certeza” desse acontecimento. Veja-se em xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx un specialiste_faq/souffrance au travail harcelement moral questions a des medecins specialises_en sante au travail/je suis victime de harcelement moral une declaration daccident du travail a ete effectuee mais elle a ete rejetee par le medecin canseilquels sont mes recours, consult. 08-11-2009, às 16h33m.
82 XXXXXXXX XXXXXXX, op. Cit., pp. 23 e ss.
para o trabalhador83. Aliás, a legislação nacional parece não exigir aquela característica, ao referir-se ao assédio no singular, como “comportamento indesejado” (art. 29.º, n.º 1, do CT)84.
XXXXXXXX XXXXXXX assevera que a característica da reiteração no assédio moral não impede a qualificação de um dos seus comportamentos, isoladamente considerado, como acidente de trabalho, desde que se trate de evento súbito, isto é, ocorrendo uma situação de intensidade extrema, que origine uma lesão física ou psíquica85.
Já XXXXXX DEBOUT sustenta que a qualificação do assédio moral como acidente de trabalho não é conveniente, uma vez que o assédio é um processo cujos comportamentos são repetidos no tempo. Contudo, havendo no decurso deste processo um facto de particular gravidade que provoque, por si próprio, um traumatismo psicológico ou descompensação brutal no estado da pessoa já fragilizada pelo assédio, será possível a qualificação do mesmo como acidente de trabalho86.
Note-se, ainda, que XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX aceita que uma hipótese de “trabalho excessivo” desencadeadora de uma lesão na saúde do trabalhador possa ser considerada como acidente de trabalho87. Daí que possamos concluir que a autora admite que uma situação não súbita, mas que corresponda a uma hipótese enquadrável como causa única, possa ser considerada acidente de trabalho, na medida em que cause danos à saúde da vítima88.
83 Cfr. J. XXXXXXXX, “Le droit du travail comme insecticide: le harcèlement professionnel”, in (coll.) Le Droit du Travail et la Nouvelle Économie, Éd. du Jeune Barreau de Bruxelles, 2001, p. 212, apud XXXXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 54, e XXXX XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 113, nts. 197 e 198.
84 Neste sentido, vd., designadamente, GLÓRIA REBELO, «Xxxxxxx Xxxxx e Dignidade no Trabalho», PDT, n.º' 76, 77 e 78, 2007, p. 115, e XXXXX XXXXXXXXX XXXXX, «Ü Assédio Moral no Trabalho», PDT, n.º 82, 2009, p.
261.
85 Designadamente, as técnicas relacionais, de isolamento, punitivas, entre outras. Vd. XXXXXXXX XXXXXXX, op. cit., pp. 54 e 55. De facto, aplicando aqui a ideia exposta supra, referida no Ac. do TRL de 10-11-2005, poder-se-á afirmar que todos os comportamentos que integram o mobbing serão seccionáveis. A doutrina italiana discute a eventualidade de o mobbing abarcar as hipóteses, por alguns denominados de straining, em que há uma única agressão, de duração constante, causadora de um efeito negativo no ambiente laboral. Cfr. XXXXXXXX XXXXXXXXXX, “Tutela della persona...”, cit., pp. 1131 e 1132.
86 Havendo sinais e testemunhos do evento. Cfr. XXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 83.
87 M.ª XXXXXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 44.
88 Em sentido semelhante, vd. XXXX XXXXX XX XXXXXX, «Assédio moral no meio ambiente do trabalho», p. 18, disp. xxxx://xxxxxxx.xxx/xxxxxxx/xxxx/xxxxxxxxx/xxxxx/xxxxxx/xxxxxx_xxxxxxxx_xxxx_xxxxx_xx_xxxxxx.xxx, consult.
01-12-2009, às 19h21m.
Como tal, para alguns autores, comportamentos que se possam agrupar, originando um fenómeno único que apelidamos de assédio moral, caberão no conceito de subitaneidade para efeitos de consideração como acidente de trabalho89. Assim, poder-se-á afastar o argumento de que o nosso sistema de acidentes de trabalho impede a qualificação de uma situação de assédio moral como infortúnio laboral, na medida em que se exige que o evento seja repentino e imprevisível. Resultando de tal hipótese uma lesão ou incapacidade, poder-se- ia qualificar esta como sendo derivada de acidente de trabalho.
Como verificámos, para chegar ao resultado da consideração do assédio moral como acidente de trabalho podem seguir-se duas vias: o alargamento do conceito de acidente de trabalho, ou a modificação da perspectiva no que respeita ao assédio moral, concebendo-o como comportamento único.
Contudo, em nossa opinião, tal fundamentação revela-se improfícua: assédio moral é toda uma cadeia de comportamentos, e não uma conduta isolada90, ainda que causadora de danos de grande seriedade, já que não são estas consequências ou a sua gravidade que caracterizam este fenómeno. Entendemos que, mesmo considerando todo o processo como evento único causador de um dano, nunca o assédio moral terá as características de subitaneidade e certeza (ainda) inerentes ao conceito de acidente de trabalho.
Pelo contrário, conceptualmente, não nos choca a primeira via, face à amplitude das situações que o legislador tem vindo a prever. Pense-se na tutela dos casos de acidente de trabalho não ocorrido no local e tempo de trabalho, como a protecção do trabalhador durante o crédito de horas para procura de novo emprego, onde não existe propriamente uma ligação entre o empregador e o trabalhador, encontrando-se o risco diluído91. Assim, na medida em que se considere que o regime dos acidentes de trabalho se fundamenta no risco da colocação da prestação de trabalho no mercado, isto é, aquele derivado do facto de o trabalhador “(…)
A autora sustenta que o assédio moral deverá poder configurar-se como conduta abusiva única.
89 Vd XXXX-XXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 60. A autora afirma que se preenche o requisito da subitaneidade e imprevisibilidade pela sobreposição dos vários comportamentos que constituem o assédio moral, ainda que isoladamente pareçam inofensivos.
90 Embora, como vimos, ao contrário do que exige a doutrina, o legislador nacional não reclame a repetição e sistematização dos comportamentos abusivos ao longo do tempo para que sejam qualificados como assédio moral, tal como o não determina o texto das Directivas (cfr. XXXXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 53), entendemos que a ilicitude do assédio moral provém da repetição e progressão dos actos isolados.
91 XXXXX XXXXX, “Breves Reflexões sobre a Noção de Acidente de Trabalho no Novo (mas Não Muito) Regime dos Acidentes de Trabalho», in I Congresso Nacional do Direito dos Seguros, coord. Xxxxxxx Xxxxxxx x X. Xxxxx Xxxxxxx, Almedina, Coimbra, 2000, p. 209.
oferecer a outrem a disponibilidade do seu trabalho (…)”92, poder-se-á afirmar que faz todo o sentido considerar esta hipótese como acidente de trabalho, cabendo aqui quer a tese do nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente de trabalho, quer a exigência de nexo entre o acidente e o dano93, ou mesmo o nexo entre a lesão e a incapacidade ou morte da vítima94. Por conseguinte, em virtude da tendente expansão do conceito de acidente de trabalho, não nos repugna que venha a ser estendido à hipótese de assédio moral95.
III. Suicídio como Acidente de Trabalho
Embora se discuta a eventualidade de o suicídio do trabalhador ser considerado infortúnio laboral, não nos debruçaremos longamente sobre esta hipótese no presente estudo, uma vez que a mesma levanta inúmeros problemas que não cabe aqui discutir96. Contudo, devemos salientar que, já em 0000, XXXXXXX XXXXX MENDONÇA afirmava que o empregador deveria ser responsabilizado face ao acidente que resultasse da privação do uso da razão do sinistrado, na medida em que esta derivasse da própria prestação do trabalho97.
No Brasil, foi já declarada como constitutiva de acidente de trabalho uma hipótese de suicídio derivado de depressão alegadamente com causa na actividade laboral98. Em Espanha,
92 Ibidem, pp. 208 e 211, e MENEZES LEITÃO, “A reparação de danos…”, cit., designadamente, pp. 560 e 579.
93 XXXXX XXXXX, “Breves Reflexões sobre a Noção de Acidente de Trabalho…”, cit., pp. 209 e 210.
94 Nexo exigido, designadamente, por XXXX XXXX XXXXXX XX XXXXX, op. cit., p. 344.
95 XXXXX XXXXX (Direito do Trabalho, cit., p. 442) admite a eventual aplicação ao domínio da compensação ao assediado de certos princípios decorrentes do regime dos acidentes de trabalho, “(…) designadamente quando tiver sido afectada a capacidade de trabalho ou de ganho – pense-se, por exemplo, na irrelevância de uma predisposição patológica que não tenha sido propositadamente oculta”.
96 A gravidade do assédio verifica-se pelo n.º de suicídios: estima-se que 20% dos suicídios ocorridos na Europa resultam de circunstâncias profissionais. XXXX XXXXXXX, op. cit., p. 129.
97 XXXXXXX XXXXXXXX XXXXX, “Da responsabilidade patronal por acidentes de trabalho», XXX, n.ºs 3 e 4, ano 7, vol. II, 1947, pp. 217 e 221. Esta ideia encontra-se consagrada legalmente na al. c) do n.º 1 do art. 14.º da LAT. Aquele autor sustentava, ainda, a necessidade de responsabilizar o empregador pelo suicídio do trabalhador que põe termo à sua vida num acto de loucura consecutivo ao traumatismo provocado por acidente de trabalho. Vd. o recente Ac. do TRC de 28-01-2010, CJ, ano XXV, tomo I, 2010, 57-60, entendendo que a morte do sinistrado, por suicídio, dá lugar a reparação em virtude de acidente de trabalho, porquanto se preenche o nexo de causalidade exigível.
98 Nippo Jovem Notícias, “Suicídio é considerado acidente do trabalho”, São Paulo, 05-07-2006, disp. xxxx://xxx.xx.xxxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx 20060705.php, consult. 20-09-2006, apud XXXX XXXXX XX XXXXXX, op. cit., p. 16, nt. 14.
XXXXXXX XXXXXXXX afirma ser frequente a exclusão da qualificação do suicídio como acidente de trabalho no caso concreto, embora a jurisprudência tenha vindo a aceitá-la na sua generalidade99. Em todo o caso, deverá em cada hipótese verificar-se uma razoável conexão entre o trabalho e a determinação suicida, atendendo a uma série de circunstâncias particulares do trabalho em causa. Em França, o Tribunal des Affaires de Securité Sociale aceitou já a consideração de uma tentativa de suicídio consecutiva a uma situação de assédio moral como acidente de trabalho100, e a Cour d'Appel de Riom qualificou da mesma forma um suicídio101. XXXXX XXXXXX afirma mesmo que a questão da aplicação da legislação relativa aos acidentes de trabalho no âmbito do assédio moral se coloca essencialmente no caso em que a vítima se suicida, ou tenta fazê-lo, no local de trabalho, ou na hipótese em que o assediado sofre um acidente por causa da situação de ansiedade e nervosismo em que estava em virtude de uma última disputa com o assediador102.
XXXX XXXXXX XXXXXXX afirma que, na impossibilidade de considerar estas hipóteses como doença profissional (na medida em que este regime supõe que o trabalhador esteja vivo), deverão qualificar-se como acidentes de trabalho, em benefício dos elementos do agregado familiar103.
Devemos referir, contudo, que estas situações se devem distinguir claramente daquela que explanámos no capítulo anterior. De facto, aqui trata-se da consideração como acidente
99 Pelo menos desde 1970, a jurisprudência tem averiguado a existência de uma qualquer conexão, ainda que ocasional, do suicídio com o trabalho. Cfr. DIAL, “Suicidio del trabajador, depresión anímica y accidente de trabajo (C9/09)”, AL, n.º 9, 2009, p. 1100. Para exemplos de jurisprudência nos dois sentidos, vd. XXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 10, nt. 19.
100 Decisão do Tribunal des Affaires de Securité Saciale de Vosges, de 28-06-2000, Petites Affiches, 2000, 209, pp. 15-21, apud E. CASTEL-TURBANT et alli, op. cit., p. 131, nt. 15.
101 Caso Brucker/SA Diamantine vs Caisse Primaire d'Assurance Maladie del’Allier, Ac. de 22-02-2000. Cfr. XXXXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 395. Mais recentemente, em Março de 2010, também o Tribunal des Affaires de Securité Saciale de Versailles veio decidir neste sentido. Cfr. xxxx://xxxxx-xx- xxxxxxx.xx/0000/00/00/xx-xxxxxxx-xxxxxx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxx-xxxx-xxxxxx-xxxxxxx/, consult. 15-07-2010, às 23h04m.
102 XXXXX XXXXXX, “De la nécessité d'une législation spécifique au harcèlement moral au travail”, DS, n.' 5, 2000, p. 502.
103 XXXX XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 212.
de trabalho de hipóteses que são elas próprias consequência do assédio moral, e não da consideração como acidente de trabalho do próprio assédio moral104.
Desta forma, o que se deverá aqui questionar é a eventual ruptura do nexo causal, para quem considere que o suicídio ou tentativa de suicídio é acto auto-lesivo, doloso, portanto, excluído do conceito de acidente, como evento involuntário que será105. Em sentido contrário, poder-se-á arguir que aqui a vontade está condicionada por determinismos fundamentais para a intenção suicida106.
Não vislumbramos, portanto, qualquer problema na qualificação do suicídio ou tentativa de suicídio como acidente de trabalho, em determinados casos concretos. Tal implicará, contudo, que o assédio moral seja relevante apenas na medida em que justifica a relação causal entre o evento e o dano. Assim, entendemos que, ainda que o suicídio ou tentativa de suicídio ocorra por outro motivo qualquer, poderá ser acidente de trabalho, desde que preenchidos os vários requisitos desta contingência107, isto é, tratando-se de evento de carácter anormal, involuntário, que produza “lesão corporal, perturbação funcional ou doença, de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte” (art. 8.º da LAT), verificando-se o referido nexo causal, ou verificando-se uma das presunções legais108.
104 Ou seja, aqui, o evento (suicídio ou tentativa de suicídio) a considerar como acidente de trabalho é ele próprio uma consequência do assédio moral. Logo, parece-nos que XXXX XXXXXX XXXXXXX (op. cit., p. 212) confunde os aspectos, ao referir que “(…) o evento que determinou o dano [morte] pode ter sido súbito (…)”, sendo “(…) um determinado evento (…) que o leva a desistir da vida”, que conduz a que haja “(…) nexo causal entre o estado de sujeição que caracteriza o vínculo laboral e o dano, pelo que se justifica em pleno a qualificação como contingência laboral”. Xxx, entendemos que a autora está a qualificar corno acidente de trabalho o próprio assédio moral, tal como tentámos fazer no capítulo anterior. Porém, parece-nos que a questão deve ser aqui colocada noutros termos: o evento a ter em causa para efeitos de consideração como acidente de trabalho deverá ser, em nossa opinião, o suicídio, ou tentativa de suicídio.
105 Será a posição da jurisprudência alemã, segundo aponta XXXX XXXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, “EI suicidio como accidente de trabajo. Comentario a la STSJ Galicia 4 abril 2003», AL, n.º 27, 2003, p. 2332.
106 Ibidem, p. 2331.
107 Claro que o nexo causal entre o dano e a actividade (exigível para XXXXXX XXXXXXXX, embora autores como XXXXXXX XXXXXX exijam apenas um nexo entre o acidente e os danos – cfr. XXXXX XXXXX, “Breves Reflexões sobre a Noção de Acidente de Trabalho ...”, cit., p. 210) sempre será de difícil prova, pelo que, além das hipóteses de assédio moral, vislumbramos apenas a possibilidade de ocorrência destas situações em virtude de burn out ou stress laboral. Parece, contudo, que essa causalidade não terá de ser exclusiva: cfr. XXXX XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 212.
108 XXXXXXXXXX XX XXXXXXX, na entrevista referida supra, afirma que não deverá haver dúvidas de que o suicídio ocorreu por causa do trabalho quando tem lugar no local de trabalho.
Consideramos ser esta posição justificada, tal como aponta XXXX XXXXXX XXXXXXX, não só “(…) por imperativos de justiça social (…)”, mas também porque “(…) juridicamente defensável”109.
IV. Xxxxxxx Xxxxx como Doença Profissional Xxxxxxx Xxxxx
As doenças profissionais são patologias provocadas por agentes nocivos a que os trabalhadores, por força da sua função laboral, estão habitual ou continuamente expostos, no local e no tempo em que desempenham essa função110. Resultam, portanto, da natureza das tarefas laborais executadas, do ambiente laboral, ou de uma atitude particular imposta ao trabalhador111. Além disto, cabe salientar que são doenças testadas e confirmadas pelo progresso científico, e que podem ser reconhecidas a priori, daí que gozem de um sistema privilegiado de prova, porquanto estão previstas taxativamente numa lista emanada pelo legislador, presumindo-se a sua laboralidade112.
O nosso sistema previdencial é misto: as patologias constantes do quadro legalmente previsto e periodicamente revisto (neste momento, o Decreto-Regulamentar n.º 76/2007, de 17-07), em relação às quais funciona uma presunção de causalidade (entre a contracção da doença e a natureza do trabalho) serão, para alguma doutrina, as doenças profissionais propriamente ditas ou típicas, enquanto as que não constam dessa lista serão as doenças de trabalho ou doenças profissionais atípicas113. Característica idêntica é o facto de todas terem etiologia relacionada com as condições de exercício da actividade laboral.
É comum aos vários sistemas comunitários a estipulação taxativa das patologias que configuram doenças profissionais, não prevendo qualquer um dos ordenamentos jurídicos a consideração das consequências do assédio moral como tal114. Assim sendo, a taxatividade do quadro legal impedirá uma eventual qualificação de patologias psíquicas decorrentes de assédio moral no local de trabalho como doenças profissionais115, ainda que pareça não haver igual impedimento no que respeita outras patologias (designadamente, físicas) que possam surgir em consequência do assédio moral, estando elas previstas no quadro legal. Neste
109 XXXX XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 213.
110 Cfr. XXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 140.
111 XXXX-XXXXXXX XXXXXXXXX, Droit de la Securité Saciale, 8.ª ed., Xxxxxx, Xxxxx, 0000, p. 536.
112 AAVV, “El Acoso Moral en el Trabajo (Mobbing)…”, cit., p. 43.
113 No capítulo seguinte analisaremos a eventualidade de consideração do assédio moral como fenómeno constitutivo desta categoria de doenças.
114 XXXXXX XXXX, op. cit., p. 18. Relativamente ao ordenamento francês, vd. XXXXXXX XXXXXXXXXX, op. cit.
115 Neste sentido, entre nós, cfr. XXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 238.
sentido, XXXX XXXXXX XXXXXXX parece aceitar que doenças como a “depressão reactiva ou problemas cardíacos”, constantes do referido quadro, sejam ressarcidas como doenças profissionais, quando têm origem em assédio moral116. Porém, o instrumento legislativo que tipifica as doenças profissionais vincula-as a determinados riscos específicos, o que, em nossa opinião, exclui a possibilidade de extensão destas patologias às situações de assédio moral.
Em Espanha, a doutrina pugna pela inclusão das hipóteses de danos decorrentes de assédio moral na lista taxativa de doenças profissionais117, embora afirme que os riscos psicossociais sempre estarão abrangidos pela genérica obrigação de segurança que impende sobre o empregador118. Desta forma, destaca-se a necessidade de consideração de situações como o assédio moral, o burn out e o stress laboral como doenças profissionais, a incluir na enumeração legalmente prevista119, Neste sentido se pronuncia DOLORS HERNANDEZ NAVARRO120, quando expõe que Espanha é o país da UE com menos doenças catalogadas, sendo o seu quadro muito antigo121. Assim, a evolução da medicina permitirá, actualmente, uma melhor identificação da etiologia das doenças, o que poderá implicar uma alteração dos
116 XXXX XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 210.
117 X.x XXXXXX XXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 200.
118 XXXXX XXXXXX XXXXXXX XXXX, “La nueva lista de enfermedades profesionales y la inamovilidad respecto a las dolências derivadas de riesgos psicosociales”, AL, n.º 22, 2007, p. 2693.
119 Vd. XXXxX XXXXXXXX XXXXXXX (Las Enfermedades Asimiladas aL Accidente de Trabajo en la Doctrina de los Tribunales, Consejo General de Colegios Oficiales de Graduados Sociales xx Xxxxxx, Xxxxxx, 0000, pp. 41 e 107), explicando que o novo conceito de riscos profissionais implica a necessária revisão daquele catálogo de doenças profissionais. Reconhecendo, ainda, a necessidade de reforma e ampliação do quadro de doenças profissionais, bem como a necessidade de actualização do próprio conceito de doença profissional, XXX XXXXX XXXXX XXXX, op. cit., p. 1647. Contra, XXXXX XXXXXX ENCABO (“La incidencia del acoso moral en el ámbito dei sistema de Seguridad Social: hacia la equiparación de las enfermedades psicolaborales”, in Acaso moral en el trabajo: concepto, prevención, tutela procesal y reparación de danos, coord. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxxx, Pamplona, 2006, p. 181), afirmando que não concorda com a tipificação das doenças psicolaborais como doenças profissionais, face ao automatismo destas.
120 Apud AAVV, “El Acoso Moral en el Trabajo (Mobbing) ... “, cit., p. 14. Enquanto não se revê este quadro, a cláusula do art. 115, n.º 2, ai. e), da Ley General de la Seguridad Social incluirá no seu amplo conceito de acidente de trabalho padecimentos como o assédio moral.
121 TOLOSA TRIBIÑO (op. cit., pp. 3 e 4) argumenta que a estagnação sofrida pelo conceito de doença profissional causou o alargamento da concepção de acidente de trabalho. Consequentemente, lesões que, na verdade, deveriam considerar-se derivadas de doença profissional, na medida em que decorrem de um processo patológico, não se produzindo de forma súbita, têm sido enquadradas nos acidentes de trabalho.
limites entre as doenças comuns e as doenças profissionais122. Outra hipótese debatida ao nível comunitário e da OIT é a evolução para um sistema de duas listas, sendo uma de carácter fechado e outra aberta123.
Entre nós, XXXX XXXXXXX sustenta a necessidade de uma “(…) reformulação do conceito de doença profissional (…)” de modo a que possa incluir as eventuais lesões decorrentes do assédio moral124. Salvo o devido respeito, discordamos da posição assumida, na medida em que, havendo alterações, estas não deveriam respeitar ao conceito de doença profissional, mas sim ao elenco de doenças profissionais legalmente previsto (designadamente, alargando este elenco, permitindo a inclusão de determinadas patologias do foro psíquico e psicológico).
Não defendemos, porém, uma consideração das lesões decorrentes do assédio moral como doenças profissionais típicas, porquanto entendemos que sempre deverá o trabalhador provar a existência de nexo de causalidade entre o evento e o dano, ou seja, deverá demonstrar que houve uma situação (in casu, constitutiva de assédio moral) que originou uma determinada lesão na sua saúde, que deverá ser tutelada ao abrigo dos regimes das contingências profissionais. Além disto, como de seguida referiremos, julgamos que o ordenamento nacional prevê já um conceito no âmbito do qual aqueles danos poderão ser ressarcidos.
V. Xxxxxxx Xxxxx como Doença Profissional Xxxxxxx Xxxxx
XXXXXXX XXXXXX terá sugerido, em 1929, a existência da categoria das doenças de trabalho. O que distinguiria estas patologias das doenças profissionais seria o facto de aquelas serem comuns a qualquer trabalhador, por virtude de qualquer trabalho, enquanto as doenças profissionais propriamente ditas atingem trabalhadores que exercem a sua actividade em ambiente nocivo à saúde, pelas substâncias utilizadas ou pelo meio125.
122 AAVV, “El Acoso Moral en el Trabajo (Mobbing) …”, cit., p. 14. Contudo, sempre deverá haver um avanço científico que sustente a referida integração no quadro legal das doenças profissionais, determinando-se forçosamente elementos objectivos diferenciadores de uma doença provocada por assédio moral, tal como aponta SOFÍA ÜLARTE ENCABO, “Acoso Moral y Enfermedades Psicolaborales ... cit., p. 78.
123 XXXXXXX XXXXX, op. cit., p. 218. Porém, o autor entende que este sistema não iria resolver o problema da qualificação das doenças psíquicas.
124 XXXX XXXXXXX, op. cit., p. 249.
125 Cfr. XXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 38.
O nosso legislador consagra estas doenças no n.º 2 do art. 94.º da LAT e no n.º 3 do art. 283.º do CT, configurando-as como uma espécie intermédia entre acidente de trabalho e doença profissional, necessária face à imprevisibilidade da origem e fontes de doenças126. De facto, este preceito configura uma regra especial de determinação do nexo de causalidade, na medida em que se revela necessário demonstrar a relação entre a actividade exercida e a patologia ou perturbação funcional, provando que esta não deriva do normal desgaste do organismo. Estas patologias partilham, na realidade, do mesmo fundamento que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais: o funcionamento da empresa como factor objectivo desencadeador do risco127. Todavia, enquanto nas doenças profissionais stricto sensu o elemento característico será o processo patológico concreto, nas doenças de trabalho ou atípicas o elemento essencial é a origem daquele processo, não bastando aqui mera ocasionalidade entre o trabalho e a patologia, devendo o primeiro ser factor desencadeante e causa exclusiva da segunda128.
No ordenamento espanhol, como já referimos, aceita-se pacificamente que as consequências do assédio moral sejam indemnizadas como acidente de trabalho129. Contudo, convém esclarecer que, neste sistema jurídico, cabem no conceito de acidente de trabalho não só os acidentes de trabalho stricto sensu, mas também aquelas patologias que, entre nós, são denominadas doenças de trabalho130, isto é, aquelas doenças que, embora não previstas na
126 Entre nós, veja-se o exemplo de uma tendinite crónica, retirado da jurisprudência por XXXXXX XXXXXXXX Direito do Trabalho, cit., p. 824, nt. 3. Também parecem caber aqui hipóteses como a do enfermeiro que contrai uma doença infecciosa comum no exercício das suas funções num hospital. Vd. OIT, introdução à Segurança Social, tradução por Xxxxxxxxx Xxxxx, Ministério para a Qualificação e o Emprego, Centro de Informação Científica e Técnica, Lisboa, 1996, p. 56.
127 X.x XXXXXXXX XXXXXXX, “Sobre las enfermedades profesionales…”, cit., p. 189.
128 Ibidem, p. 191.
129 Veja-se urna exemplificação da numerosa jurisprudência neste âmbito, designadamente, em XXXXXXX XXXXX, op. cit., p. 219, nt. 33. O autor afirma mesmo que esta jurisprudência expansiva se inspira no princípio pro operaria (op. cit., p. 216).
130 De facto, encontramos na doutrina espanhola autores que denominam estas situações de “enfermedades del trabajo”, equiparando-as aos acidentes de trabalho; outros sustentando que são acidentes de trabalho por assimilação ou interpretação extensiva do conceito de acidente, e pela sua etiologia laboral; outros, ainda, afirmando que se trata de urna ficção jurídica; ou dizendo que de um ponto de vista jurídico-formal não se trata de categorias diferentes, derivando do art. 115, n.º 1, da Ley General de la Seguridad Social; ou, finalmente, qualificando aquelas patologias corno espécie dentro do género “acidente de trabalho”. Cfr., designadamente, LUELMO MILLÁN, op. cit., p. 18; XXXXX ÜLARTE ENCABO, “Acoso Moral y Enfermedades Psicolaborales…”, cit., p. 73; XXXXXX XXXXXXXXX, “La tutela frente a la
lista taxativa de doenças profissionais, vêm a provar-se serem consequência do trabalho, nos termos do art. 115, n.º 2, al. e), da Ley General de la Seguridad Social131. Assim, havendo conexão com o trabalho, e inexistindo qualquer quebra na relação causal entre a doença e a actividade profissional, as patologias derivadas de assédio moral poderão ser consideradas como acidente de trabalho132.
Refere XXXXX XXXXXX XXXX XXXXXXXX que a aspiração principal destas “doenças não listadas” será a sua progressiva inclusão na lista oficial, constituindo o preceito referido um escape legal ao carácter fechado do art. 116 da Ley General de la Seguridad Social.
Além disto, deve referir-se que a jurisprudência espanhola reconhece, desde 1903, um conceito amplo de lesão, compreendendo tanto aquela sofrida de forma violenta e repentina, como a insidiosa ou lenta, ou mesmo a manifestada externa ou internamente e, bem assim, o transtorno fisiológico ou funcional que, unido a um evento desencadeador (que poderá ser de natureza variada, abrangendo, por exemplo, as situações de ansiedade e preocupação), origina a lesão corporal133. Logo, não será determinante para a definição de acidente de trabalho o carácter de subitaneidade do evento, pelo que a tutela do trabalhador abarcará também as hipóteses de lesões psicológicas, produzidas de modo mais complexo e lento134.
Desta forma, a jurisprudência e doutrina espanholas aceitam, ao que apurámos, incontestadamente135, que o assédio moral seja considerado como doença de trabalho, na medida em que caiba na al. e) do n.º 2 do art. 115 da Ley General de la Seguridad Social. Assim, uma vez que a delimitação do conceito é negativa, tratar-se-á de uma doença de natureza
“violencia moral”…”, cit., p. 40; SOTO RIOJA, op. cit., p. 1451; X.x XXXXXXXX XXXXXXX, “Sobre las enfermedades profesionales…”, cit., p. 187, nt. 1, respectivamente.
131 X.x XXXXXX XXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 185.
132 XXXX XXXXXX XXXXXXXXXX; XXXXXX XXXXXXXX XXXXX, op. cit., p. 648.
133 XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, “EI acoso moral u hostigamiento psicológico en el trabajo. Un problema laboral con incipiente respuestajurídica», REDT, n.0 110, p. 243. Note-se que o conceito de acidente de trabalho foi fruto de uma elaboração jurisprudencial, sendo ''resultado de interpretação, mais do que objecto de interpretação” (expressão de X.x XXXXXXXX XXXXXXX, “Sobre las enfermedades profesionales…”, cit., p. 187). Esta interpretação extensiva terá como finalidade garantir a mais ampla tutela do trabalhador. Cfr. XXXXXXX XXXXX, op. cit., p. 220.
134 X.x XXXXXX XXXXXXX XXXX, op. cit., p. 2701.
135 Contudo, XXXXXXX XXXXX critica o casuísmo que domina no ordenamento espanhol no que respeita às doenças de trabalho, e sustenta a necessidade de intervenção legislativa, de modo a garantir a segurança jurídica. O autor refere, ainda, que não se alcançou a pretendida homogeneização entre acidentes de trabalho e doenças de trabalho. Op. cit., pp. 217 e 220.
comum136, contraída por motivo da realização do trabalho ou com causa nessa actividade laboral137. Será, portanto, uma patologia causada por factores ou agentes nocivos genéricos ou comuns, na medida em que não são específicos de um determinado ambiente laboral, podendo actuar na execução do trabalho138. Exige-se aqui um nexo de causalidade mais forte do que aquele que é exigido nos acidentes de trabalho stricto sensu139. Deste modo, face a uma baixa médica, a jurisprudência discute se a correspondente situação de depressão, por exemplo, deverá ser qualificada como doença comum ou como acidente de trabalho (ou doença de trabalho)140. Neste caso, no sistema espanhol, as vantagens serão, entre outras,
136 X.x XXXXXXXX XXXXXXX, “Sobre las enfermedades profesionales…”, cit., p. 189.
137 Cfr., entre outros, X.x XXXXXX XXXXXXX XXXX, op. cit., p. 2700.
138 Ibidem.
139 X.x XXXXXXXX XXXXXXX, “Sobre las enfermedades profesionales…”, cit., p. 196. Contudo, é discutível a exigência de exclusividade da causa, na medida em que frequentemente se verifica um concurso de factores ou concausas, nomeadamente no que respeita à capacidade de resistência de cada trabalhador, às circunstâncias familiares e sociais que o envolvem, e os seus antecedentes psíquicos, pelo que a jurisprudência espanhola tem atenuado este requisito. Cft. X.x XXXXXX XXXXXXX XXXX, op. cit., p. 2701. Afirmando que essa jurisprudência é claramente excepcional, XXXXXXX XXXXX, op. cit., pp. 229 e ss. O autor defende, ainda, que a interpretação literal do art. 115, n.º 2, al. e), da Ley General de la Seguridad Social impõe verdadeira prova diabólica a cargo do trabalhador, contrastando com a interpretação ampla da característica da ocasionalidade nos acidentes de trabalho, que permite maior extensão deste conceito. Neste sentido, apesar da letra da lei, não se pode afirmar que haja unanimidade de opinião no que respeita ao grau de causalidade (causa exclusiva, predominante, concorrente, significativa ou remota), nem no que diz respeito à distribuição do ónus da prova e intensidade probatória, defendendo a doutrina que o legislador deverá clarificar estes aspectos. Cfr. XXXXX XXXXXX ENCABO, “Acoso Moral y Enfermedades Psicolaborales…”, cit., pp. 70 e 78. Esta autora entende que a causalidade deverá ser exclusiva: havendo concorrência de factores pessoais para a produção da lesão, deverá ser afastada a qualificação da mesma como doença de trabalho, salvo se o julgador tiver interpretação mais flexível do preceito, o que exigirá prova reforçada de causalidade, op. cit., p. 88. Contudo, entendendo que se possa aplicar o n.º 1 do art. 115 (o que a autora refuta, como já vimos), a exigência de causalidade será menor op. cit., p. 89. Xxxxx, a autora sustenta que, face à disparidade de soluções apontadas pela jurisprudência, o legislador deveria atenuar a exigência de causalidade para as doenças de trabalho, equiparando-a à exigida para o acidente de trabalho em sentido estrito (“La incidência del acoso moral...”, cit., pp. 182 e 183). Também X.x XXXXXXXX XXXXXXX (Las Enfermedades Asimiladas ... , cit., p. 45) entende que a causalidade será obrigatoriamente única. Já MOLINA NAVARRETE (La Tutela Judicial ... , cit., p. 28) opina que não deve exigir-se a exclusividade da causa. XXXXX XXXXXX ENCABO (“La incidencia del acosso moral…”, cit., p. 181), menciona que o Tribunal Supremo evita tomar posição quanto a este aspecto, proferindo afirmações evasivas.
140 De facto, o mais habitual será que, inicialmente, a eventual incapacidade para o trabalho sofrida seja caracterizada pelo médico como tendo derivado de uma doença comum, concluindo-se apenas mais tarde
uma menor exigência no que respeita aos requisitos para beneficiar das prestações sociais, bem como o acesso a uma mais ampla e intensa protecção141.
Também o ordenamento francês permite o reconhecimento como doença profissional a uma patologia não prevista no quadro legal de doenças profissionais, se esta tiver relação directa com a actividade habitual do trabalhador142, e desde que conduza à morte ou constitua uma incapacidade permanente parcial superior a 25% (art. L 000-0, xx. 0, xx Xxxx xx xx Xxxxxxxx Sociale). Preenchidos estes requisitos, poderá o assédio moral ser integrado nesta hipótese143.
Em Itália, por um lado, o Decreto dei Presidente della Repubblica, de 22-05-2003, que aprovou o Plano Sanitário Nacional para 2003-2005, inseriu na Tabela 3B – Patologias de riscos emergentes, a “patologia dos factores psico-sociais associados ao stress”. Por outro lado, na deliberação n.º 473, de 26-07-2001, o Istituto Nazionale per l'Assicurazione contra gli Inforttuni sul Lavora havia afirmado que as patologias psíquicas e psicossomáticas em consequência do stress podem ser objecto da sua tutela, caso o segurado prove a origem laboral144.
De facto, concretiza-se, assim, uma hipótese de doença de trabalho (no sentido que atribuímos entre nós ao conceito, enquanto doença profissional “não tabelada”145, prevista na
que, afinal, a patologia terá como causa exclusiva o ambiente laboral do trabalhador. Neste sentido, cfr. XXXXXXX XXXXX, op. cit., pp. 214 e 215. Veja-se, ainda, CARBONELL VAYÁ et alli, op. cit., p. 221, expondo o percurso que o trabalhador deverá seguir para ver declarada a origem profissional da sua patologia.
141 Vd., mais desenvolvidamente, XXXXXXX XXXXX, op. cit., p. 213, nt. 2. Para uma análise das diferenças entre os regimes aplicáveis aos riscos profissionais e aqueles que tutelam os riscos comuns, veja-se CARBONELL VAYÁ et alli, op. cit., pp. 219 e 220.
142 FABRlCE BOCQUILLON (op. cit.) destaca que se deve entender as condutas de assédio como parte integrante da execução do trabalho habitual, para que possa estabelecer-se aquela ligação.
143 E. CASTEL-TURBANT et alli, op. cit., p. 126. Contudo, XXXXXXX XXXXXXXXXX (op. cit.) conclui que, embora a legislação francesa da Segurança Social permita abarcar os acidentes e doenças que resultam do assédio moral, ela deveria ser revista, de modo a ter em consideração as particularidades que resultam deste fenómeno.
144 O Ministero del lavoro, por decreto de 27-04-2004, acrescentou, ainda, o desajustamento crónico e o stress pós-traumático, patologias que surgem frequentemente em consequência do mobbing, à lista dos distúrbios de origem profissional, determinando a obrigatoriedade de denúncia destas patologias psíquicas e psicossomáticas derivadas das disfunções na organização do trabalho, embora reconhecendo a probabilidade limitada da origem laboral das mesmas. Cfr. XXXXXX XX XXXXXXXX, “Mobbing e Malattie Professionali, finalmente un Passo in Avanti”, Ambiente & Sicurezza Sul Lavora, ano XXI, n.º 3, 2005, p. 56. 145 Expressão que os autores italianos utilizam para designar as patologias não previstas taxativamente na lista de doenças profissionais. Cfr., entre outros, XXXXX XXXX; XXXX XXXXXXXX XXXXXXXX; XXXXXXX XXXXX; Mabbing - Vessazioni sul Lavoro, Giuffrè Editore, Milano, 2000, p. 113, e XXXXXXXXX XX XXXXX,
legislação italiana no art. 10, 4.º, do Decreto-Legge 38/2000), e não propriamente uma nova doença profissional a acrescentar às taxativamente previstas146, uma vez que o trabalhador terá sempre o ónus da prova do risco no ambiente de trabalho, e da ligação entre este risco e a doença contraída. Sem esta prova de causalidade, que para a Corte di Cassazione deverá necessariamente garantir uma certeza razoável da origem profissional da doença147, não haverá qualquer reconhecimento como doença profissional, nem direito a qualquer indemnização.
Neste sentido, no início de 2002, o Istituto Nazionale per l'Assicurazione contra gli Inforttuni sul Lavoro atribuiu pela primeira vez a um trabalhador compensação por danos causados em virtude de assédio moral.
Contudo, devemos referir a polémica instalada em torno da Circular do Istituto Nazionale per l 'Assicurazione contra gli Inforttuni sul Lavoro n.º 71, de 17-12-2003, que, para alguns, elevava o assédio moral a verdadeira doença profissional em sentido estrito, eliminando a necessidade de prova por parte da vítima da relação causal entre a doença e a actividade laboral148, o que seria ilegal, na medida em que tal tipificação nunca poderia ser atribuída através daquele instrumento149. Para outros, o documento salvaguardava a exigência de prova adequada a fundamentar quer o risco quer a doença150, reconhecendo o assédio moral apenas como doença profissional “não tabelada”151. Embora possamos admitir que não havia sido estabelecida a necessária evidência científica da origem laboral das patologias152, a circular baseava-se num dado que consideramos absolutamente essencial: em 15% das
“L'orientamento ed il comportamento dell'Istituto di Assicurazione per le patologie psichiche lavoro – correlate”, Pescara, 22-09-2001, p. 2, disp. xxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx_xx_xxxxx.xxx, consult. 17-01-2010, às 15h25m.
146 Lista prevista no Decreto dei Presidente della Repubblica n.º 1124, de 1965.
147 XXXXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 2.
148 Contudo, deve referir-se que a Circular estabelecia a necessidade de existir sempre averiguação dos factos relatados. Cfr. XXXXX XxXXX, «Il TAR, l'NAIL ed il mobbing. Tribunal Amministrativo del Lazio, sez. Roma – Sentenza de 4 luglio 0000, x. 0000”, Xx Lavora nella Giurisprudenza, n.º 12, 2005, p. 1203.
149 Ibidem, p. 1199.
150 Cfr. XXXXXX XX XXXXXXXX, op. cit., p. 55.
151 Exigindo-se, portanto, a demonstração da origem profissional da patologia. XXXXXXX XXXXXX, “Brevi riflessioni sui dati ufficiali, riferiti al quinquennio 2000/2004, relativi ai mobbing quale malattia professionale”, II Diritto Sanitario Moderno, 2005, n.º 3, 55, p. 231.
152 Tal como argumentavam as associações patronais. Cfr. XXXXX XXXXX, op. cit., p. 1200.
denúncias examinadas pôde determinar-se efectivamente a natureza profissional da patologia identificada153.
A referida Circular veio a ser anulada por um aresto do Tribunal Xxxxxxxxxxxxxx xxx Xxxxx000, tendo havido recurso por parte do lstituto Nazionale per l'Assicurazione contra gli lnforttuni sul Lavoro155, o qual veio a ser julgado improcedente pela sentença 1576/2009 do Consiglio di Stato156, que concluiu que só o legislador poderá ampliar o âmbito do risco assegurado e qualificar como doença profissional as patologias relacionadas com a organização do trabalho. Esta decisão afirmou a obrigatoriedade de se aferir um risco específico, quando, na verdade, a evolução hermenêutica da legislação italiana tinha vindo a aceitar a recondução dos conceitos de “ocasião do trabalho” e “nexo de causalidade” aos riscos genéricos do trabalho157. Face àquela recente jurisprudência do Consiglio di Stato, a doutrina italiana aguarda, de modo a perceber qual será agora a posição da Corte di Cassazione, defendendo, de qualquer forma, a necessidade de previsão legislativa específica do fenómeno do assédio moral e da sua consideração como doença profissional.
Ainda assim, parece prevalecer actualmente a tese acima referida158, cabendo à vítima de assédio moral provar a existência da doença, bem como o nexo entre esta e a actividade laboral159, pelo que esta patologia constituirá uma doença de trabalho não prevista
153 Ibidem, p. 1202, nt. 1.
154 Ibidem, pp. 1199 a 1202. A anulação desta circular do Istituto Nazionale per l 'Assicurazione contra gli Inforttuni sul Lavoro veio reforçar a argumentação daqueles que consideram que o prejuízo resultante do assédio moral não deverá ser considerado doença de trabalho. Cfr. “Mobbing e Malattie Professionali non tabellari. Tribunale di Grosseto 10 ottobre 2006”, II Lavoro nella Giurisprudenza, n.º 7, 2007, p. 739. Note-se que esta mesma sentença julgou legítimo o referido Decreto del Ministero del Lavoro de 27-04-2004, considerando que o instrumento normativo em causa não determinava a indemnização automática destas doenças.
155 O Istituto Nazionale per l'Assicurazione contro gli Inforttuni sul Lavoro reagiu, sustentando que as patologias objecto da circular são doenças profissionais causadas pelas disfunções organizativas no trabalho, o que não se identifica necessariamente com o assédio moral. Ibidem, p. 1204.
156 Decisão do Consilio di Stato, in sede Giurisdizionale, Sezione VI, n.º 1576, de 31-03-2009, disp. xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxx.xx/xxxxxxxx-xxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxx-xxxxxxxx.xxxx, consult. 28-11-2009, às 12h32m.
157 XXXXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 9.
000 Xx. XXXXXXX XXXXX, op. cit., p. 219, nt. 26, afirmando que, apesar de anulada, a referida Circular é tida como orientação, segundo a qual a organização laboral é fonte de patologias profissionais.
159 Devendo essa actuação laboral corresponder a uma das actividades de risco previstas no art. 1 do
Decreto-Legge n.º 38 de 23-02-2000, publicado na Gazzetta Ufficiale n.º 66, de 20-03-2000. Contudo, na
taxativamente160. Os distúrbios psíquicos terão causa ou concausa na actividade laboral quando relacionados com as particulares condições do ambiente laboral, da actividade e da organização do trabalho, situações definidas no ordenamento italiano como “costrittività organizzativa”.
No Brasil, há doutrina que defende a admissibilidade da qualificação de patologias como a depressão como doenças de trabalho, baseada na pressão e excesso de trabalho que a podem originar161. Em sentido contrário, sustenta a jurisprudência que a depressão não possui uma causa existencial cientificamente precisa, não sendo possível provar o nexo directo entre a patologia e a actividade desenvolvida pelo trabalhador, pelo que tem sido recusada tal apreciação.
Entre nós, não vislumbramos qualquer impedimento a que uma situação de assédio moral seja considerada como doença de trabalho, ao contrário de XXXXXX XXXXXXX, que considera que esta hipótese, embora desejável, não vinga, por força dos “(…) estreitos limites da definição residual (…)”162 do conceito de doenças de trabalho. Entende a autora que a legislação exige uma causalidade entre a patologia e a actividade exercida, sendo que, no assédio moral, a primeira “(…) não é provocada pela actividade em si, mas pela forma deliberadamente penosa do seu exercício”163. Assim, XXXXXX XXXXXXX parece defender que o
verdade, o assédio moral não é reconduzível a uma destas actividades, pelo que os danos que causa não poderão ser considerados como doença de trabalho. Cfr. “Mobbing e Malattie Professionali non tabellari…”, cit., p. 739. Assim, a tutela do assédio moral como contingência profissional será bem mais limitada no ordenamento italiano do que nos restantes ordenamentos comunitários.
160 Cfr., entre outros, T. CRUDO; A. LAMBARDI; G. DI MIZIO; P. RlCCI; “Mobbing. La Violenza Morale nei Posti di Lavoro. Riflessi sull'Infortunistica Sociale”, disp. xxxx://xxxx xxxxxx.xxx/xxxxxx?xxx&xxxxxxx:xxXXxXX0XxXX:xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx/xxxx/xx/xxxxx/XxxxxX ttachment.php/L/IT/D/D.713960bae7b46684b9f6/P/BLOB:ID%253D823+molestia+nel+lavoro+malattie+tab ellate+MOBBING&hl=pt-PT&gl=pt&sig=AHIEtbQS4cCDSIn7gAwPaqYqBJKOf2CYBO. p. 113, consult. 17-01-
2010, às 13h03m.
161 XXXXX XX XXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx, apud LUIZ SALVADOR, “Xxxxxxx xxxxx. Doença profissional que pode levar à incapacidade permanente e até à morte”, Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n.º 59, Outubro 2002, disp. <http:Xxxx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxx.xxx?xxx0000>, consult. 17-10-2009, às 13h17m; XXXX XXXXX XX XXXXXX, op. cit., p. 16. A prova poder-se-ia basear nos depoimentos de trabalhadores e, bem assim, em documentos comprovativos, por exemplo, do facto de o trabalhador estar a trabalhar em excesso relativamente ao legalmente previsto, sendo forçado a tal e sofrendo humilhações constantes.
162 XXXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXX, “Xxxxxxx Xxxxx ou Mobbing no Trabalho”, in AAVV, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Xxxx Xxxxxxx, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 846.
163 Ibidem.
assédio moral, enquanto fenómeno "alheio às relações laborais com normalidade164, não poderá configurar um exercício habitual de uma determinada actividade. Contudo, em nossa opinião, a conexão da lesão ou doença com a actividade desempenhada dá-se pelo mero exercício dessa actividade, isto é, bastará que aquela patologia seja consequência da disponibilidade do trabalhador para o trabalho, da sua prestação laboral, independentemente das “condições da sua prática”165, e não necessariamente no âmbito de uma actividade isenta de qualquer risco. De outra forma, não seriam ressarcidas no âmbito deste preceito lesões sofridas pelo trabalhador com culpa do empregador, designadamente, com violação de determinadas regras de segurança e saúde no trabalho.
Portanto, entendemos que, desde que se prove que a lesão, perturbação funcional ou doença que o trabalhador sofre (em consequência de uma situação de assédio moral) tem como causa o exercício da actividade laboral, e não representando aquela normal desgaste do organismo166, será doença de trabalho.
Além disto, face à letra da lei, a causa deverá ser exclusiva, na medida em que a patologia só será "consequência necessária e directa da actividade exercida" se não concorrer qualquer outro factor que potencie o surgimento da mesma. Embora aceitemos que a exigência de uma causalidade única restringe seriamente o âmbito de aplicação desta tese, não vislumbramos que possa ser de outra forma, em virtude da estreita previsão normativa, que não nos permite outra leitura167.
VI. Xxxxxxx Xxxxx como Violação de um Dever do Empregador
O dever de cuidado e prevenção (menos amplo que o dever de assistência ou protecção, da doutrina e jurisprudência alemãs168, implicando a exigência de oferta de “boas
164 Expressão de D. XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXXX, “Tratamiento jurídico de los daños morales causados por los accidentes de trabajo”, Actualidad Xxxxxxxx Xxxxxxxx, ano XIII, n.º 567, 2003, p. 4.
165 REGINA REDINHA, “Assédio Moral ou Mobbing no Trabalho”, cit., p. 846.
166 Nem sempre é fácil o diagnóstico médico da situação de assédio moral e, em especial, da doença considerada mobbing colateral. XXXXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 45.
167 Assim, discordamos de XXXX XXXXXX XXXXXXX (op. cit., p. 211), quando afirma que a predisposição patológica da vítima não terá influência. Entendemos que esta só será irrelevante no caso das doenças profissionais em sentido estrito, mas já não no que respeita às doenças de trabalho, onde poderá afastar o nexo de causalidade exclusiva que se exige.
168 XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXXX XXXXXXXXX, Direito do Trabalho. Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 297.
condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral” (art. 127.º, n.º 1, al. c), do CT)169, e o dever de prevenção de riscos e doenças profissionais (art. 127.º, n.º 1, als. g), h) e i), do CT), estão consagrados no nosso Direito Laboral.
XXXXXX XXXXX XXXXXXXX debate longamente a essência de uma obrigação de segurança e saúde do empregador170 e, em particular, a caracterização dessa obrigação como sendo de meios ou de resultado, concluindo por esta última hipótese. Aquela obrigação, idêntica à obrigação de prevenção dos riscos psicossociais, prevista no ordenamento espanhol, conduzirá à existência de responsabilidade civil, em consequência do incumprimento da mesma171. Daqui parece-nos decorrer, de facto, tal como aponta XXXX XXXXXXX, que o empregador estará vinculado a uma obrigação de prevenção do assédio moral172.
Das conclusões de XXXXXX XXXXX XXXXXXXX pode retirar-se um outro aspecto importante no que respeita ao nosso estudo: segundo a autora, deve colocar-se a questão da possibilidade de o empregador ser responsabilizado por omissão das devidas medidas preventivas de riscos profissionais, ainda que os danos decorrentes dessa omissão não possam configurar acidente de trabalho ou doença profissional173. Ora, esta posição permitirá, ainda que uma hipótese de assédio moral com dano para a saúde da vítima não seja ressarcível nos termos referidos supra, que reste sempre ao trabalhador uma acção contra o empregador, no âmbito da violação culposa da obrigação de segurança e saúde no trabalho. Daqui resultará, portanto, que independentemente da eventual responsabilidade pessoal do empregador enquanto assediador, ele sempre será responsável pelo modelo de organização da empresa e,
169 Para M.ª DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO (op. cit., p. 554), a perspectiva física implica um dever de assegurar as adequadas condições de higiene, saúde e segurança, e o âmbito moral concretiza o dever geral de colaboração enunciado no art. 119.º do CT 2003 (actual art. 126.º, n.º 2, do CT).
170 Cfr. XXXXXX XXXXX XXXXXXXX, A Obrigação de Segurança e Saúde do Empregador, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 159.
171 LOUSADA AROCHENA, “Acidente de trabalho e riscos psicossociais…”, cit.
172 Cfr. XXXX XXXXXXX, op. cit., p. 227. Esta obrigação deve reflectir-se numa actuação que é comum a qualquer risco laboral. No ordenamento espanhol, como referimos supra, consubstancia-se numa necessidade de análise e valoração de riscos e adopção das medidas adequadas a evitar um dano na saúde dos trabalhadores. Vd. XXXXXX XXXXXXXXX, “La Respuesta Jurídico Legal ante el Acoso Moral en el Trabajo o “Mobbing””, disp. xxxx://xxxxxx.xx.xx.xxx.xx/xxxxxxxxx/ Acoso Moral.pdf, consult. 00-00-000 O, às 23h03m.
173 XXXXXX XXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 186.
bem assim, pela gestão dos conflitos interpessoais174, pelo que lhe será imputável a causa que determinou o surgimento da situação de assédio moral, ou a inacção perante um ambiente potencialmente criador de tal situação, cabendo-lhe, assim, quer obrigações positivas quer negativas175.
Tratar-se-á, portanto, de uma responsabilidade objectiva. Com efeito, segundo XXXX XXXX XXXXXX XX XXXXX000, a perspectiva da obrigação de saúde e segurança enquanto obrigação de resultado fará sentido na medida em que se configure a responsabilidade do empregador pelos infortúnios laborais como responsabilidade objectiva.
Efectivamente, tem-se entendido que a legislação tem evoluído no sentido de um modelo de obrigação de desempenho e de resultado177. Assim, no que diz respeito à obrigação de segurança e saúde que recai sobre o empregador, somos da opinião que se trata aqui de verdadeira obrigação de resultado, entendendo-se este resultado como “(…) a situação proporcionada pela adopção, nos limites do exigível, de todas as medidas aptas à eliminação de todos os riscos passíveis de remoção e redução ao mínimo possível daqueles cuja eliminação não é viável”178. Logo, deve distinguir-se com clareza a obrigação de resultado da obrigação de garantia179.
174 Neste sentido, entre outros, SOFíA OLARTE ENCABO, “Acoso Moral y Enfermedades Psicolaborales…”, cit., p. 92.
175 XXXXXXXX XXXXXXXXXX, “Tutella della persona ...”, cit., p. 1139. Note-se, ainda, que no aresto do TRP de 02-11-2009, relat. Xxxxx Xxxxxxxx (CJ, n.º 218, ano XXXIV, tomo V, 2009, p. 210), se afirma que “(…) tudo se passando fora do contexto (espacial e temporal) estritamente laboral e, por consequência, fora da esfera “tutelar” do empegador [sic], poder-se-ia dizer que não tem ele, em princípio, a capacidade, de “acautelar” os interesses do trabalhador assediado, nem a obrigação de o fazer. Não obstante, ainda assim, tendemos a considerar que tal prática poderá cair sob a alçada disciplinar do empregador”. Assim, a contrario, parece defender-se que, caso o comportamento assediante ocorra no local e tempo de trabalho, caberá na obrigação do empregador de garantir que o trabalho seja prestado em condições de segurança e saúde. Também na jurisprudência francesa se entende caber ao empregador uma obrigação de resultado de prevenção dos riscos profissionais. Vd. XXXXXX XXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 271.
176 XXXX XXXX XXXXXX XX XXXXX, op. cit., p. 336.
177 Veja-se a apresentação de XXXXX XXXXXX, “Novo enquadramento legal de XXX Xxx 000/0000, de 10 de Setembro. Avanços e Recuos”, disp. xxxx://xxx.xxx-0000.xxx/xx/Xxxxxxxxxxxxx/XxxxxXxxxxx.xxx, consult. 19-05-2010, às 12h 11 m.
178 XXXXXX XXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 265.
179 Afirmando que nunca poderá entender-se a obrigação de saúde e segurança do empregador como uma obrigação de garantia, XXXX XXXX XXXXXX XX XXXXX, op. cit., p. 337, nt. 75.
Contudo, devemos referir que a responsabilidade decorrente da obrigação de saúde e segurança, pelo menos quando entendida como obrigação de prevenção do assédio moral, deverá admitir outras causas de exclusão que não as previstas na LAT. De facto, ao contrário do que afirma XXXX XXXX XXXXXX XX XXXXX000, entendemos que não basta que o empregador possa invocar os motivos elencados no art. 7.º da Lei 100/97 (actualmente nos arts. 14.º e 15.º da LAT), uma vez que, num caso de assédio moral horizontal, estas causas não excluirão a sua responsabilidade. Na verdade, estas hipóteses de exclusão da reparação dos infortúnios laborais são “(…) mais restritas do que aquelas em que, nos termos gerais da responsabilidade civil subjectiva, se exclui a culpa do devedor”181. Deste modo, entendendo-se que se trata de verdadeira obrigação de fins, então sempre deverá esta poder ser afastada por outras causas que não as referidas nos arts. 14.º e 15.º da LAT (designadamente, por acto de terceiro, ou seja, a hipótese do art. 17.º do mesmo diploma).
Na realidade, abraçamos o entendimento de alguma jurisprudência italiana182, segundo o qual o trabalhador poderá exigir apenas um comportamento de boa fé por parte de todos os intervenientes na relação laboral183, não sendo possível reclamar um ambiente de trabalho cordial, amigável ou asséptico184. Assim, entendemos que, sendo o empregador responsável por qualquer conduta assediante que ocorra no âmbito da sua empresa, sobre ele recairá um ónus demasiado pesado, porquanto sempre poderá tal conduta ser-lhe totalmente alheia, na medida em que seja levada a cabo através de meios a que ele não tenha qualquer acesso (como o correio electrónico, por exemplo), ou ocorra fora do local e horário de trabalho.
Porém, face à jurisprudência mais recente, quer no nosso ordenamento jurídico quer nos demais sistemas jurídicos da UE, e em virtude do direito constituído, sem prejuízo das
180 Ibidem, p. 337.
181 XXXXXX XXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 262, nt. 511.
182 “Mobbing e Malattie Professionali non tabellari ... “, cit., p. 739.
183 Um aresto espanhol (STSJ de Castilla – La Mancha de 05-10-1992, n.º 5288) havia já defendido que a proibição de assédio moral se fundamenta na boa fé, entre outros deveres das partes da relação laboral. Cfr. XXXX XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 183. Entre nós, veja-se o referido Ac. do TRP de 02-11-2009, onde se afirma que o assédio horizontal, ainda que exercido sobre o trabalhador fora do tempo e local de trabalho, violará o princípio da boa fé na execução contratual e, bem assim, o dever de colaboração, afectando os interesses do empregador na produtividade da empresa e em cumprir a obrigação de proporcionar o trabalho em condições de saúde e segurança.
184 Em sentido contrário, veja-se XXXXXX XXXXXXXXX, La Tutela Judicial..., cit., p. 54, afirmando a existência de um direito social fundamental a um ambiente laboral livre de assédio moral.
considerações que acima tecemos, entendemos que haverá violação de um dever do empregador quando ocorra uma hipótese de assédio moral a um trabalhador da sua empresa.
Conclusão
Admitimos que sempre se poderá afirmar que as soluções acima expostas abrem as portas a uma grande litigiosidade em matéria de contingências laborais, o que poderá ser perigoso, em virtude do risco de fraude. Na verdade, tal como aponta XXXXXX XXXXXXX000, há que estar atento a eventuais simulações por parte do trabalhador, de modo a obter determinadas vantagens, bem como à possível identificação de mecanismos admissíveis pela legislação laboral (como a mobilidade funcional, entre outras) com o fenómeno do assédio moral. Contudo, afigura-se-nos mais correcto permitir que surja este caminho, do que cerrá-lo definitivamente, em prejuízo das verdadeiras vítimas do assédio moral186.
De facto, tal como apontam os instrumentos comunitários, é essencial atentar-se nas “(…) causas subjacentes ao desenvolvimento de perturbações mentais, assim como à saúde mental, à toxicodependência e aos riscos psicológicos no local de trabalho, como o stress, o assédio, a desestabilização e a violência (…)”187, especialmente quando a Organização Mundial de Saúde estima que, até 2020, a depressão será a principal causa de incapacidade laboral188.
Há uma década, poderia pensar-se que a UE iria debruçar-se sobre esta matéria189, impondo aos EM determinadas medidas legislativas. Neste momento, face à evolução legislativa e, de modo ainda mais importante, jurisprudencial, que houve em vários países comunitários, parece-nos que não será necessária essa intervenção, desde que os EM assegurem o cumprimento dos propósitos estabelecidos pelos órgãos comunitários.
Crucial será perceber se a comunidade entende ser indispensável a indemnização dos danos para a capacidade de trabalho e saúde do trabalhador nos termos dos regimes que
185 TOLOSA TRIBIÑO, op. cit., p. 17.
186 Neste sentido, XXXXX XXXXXX XXXXX, op. cit., p. 293.
187 Estratégia Comunitária 2007-2012 para a Saúde e Segurança no Trabalho, Resolução do Parlamento Europeu de 15-01-2008, sobre a estratégia comunitária 2007-2012 para a saúde e segurança no trabalho (2007/2146 (INI)), publicado no JOUE C 41E/03, de 19-02-2009, p. 22, ponto 48.
188 XXXXXX XXXX, op. cit., p. 15.
189 Neste sentido, pronuncia-se, entre outros, o Tribunal Amministrativo del Lazio, sez. Roma – Xxxxxxxx xx 0 xxxxxx 0000, x. 0000, XX Xxxxxx nella Giurisprudenza, n.º 12, 2005, p. 1202.
tutelam as contingências profissionais. Ora, os mais recentes instrumentos comunitários190 parecem demonstrar uma evidente preocupação com os novos riscos psicossociais191, e com as lesões que podem causar nos trabalhadores, essencialmente no que respeita à sua saúde mental. Acresce que o próprio Plano Nacional de Saúde Mental (2007-2016) prevê a necessidade de uma articulação intersectorial em actividades de prevenção e promoção, tendo neste âmbito destacado a área das “Políticas de emprego e promoção da saúde mental nos locais de trabalho, redução e gestão dos factores de stress ligados ao trabalho e ao desemprego, redução do absentismo por doença psíquica”, bem como a “sensibilização e informação em diversos sectores, como (…) locais de trabalho”192.
Com efeito, mais importante do que examinar o assédio moral e suas consequências, é debater os vários riscos psicossociais e as suas implicações193, dado que estes riscos se desenvolvem numa ténue fronteira entre o mundo privado e o mundo social194. Como tal, interessará considerar como contingência profissional não só o assédio moral, mas também outras situações equiparadas. De facto, a jurisprudência espanhola, mesmo antes de considerar o assédio moral como acidente de trabalho, já aceitava a qualificação de
190 Designadamente, o Relatório do Parlamento Europeu sobre Saúde Mental, de 28-01-2009 (2008/2209 (INl)), disp. xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxxxxx.xx/xxxxx/xxxXxx.xx?xxxXxxx-//XX//XXXXXXXxXXXXXXxX0-0000- 0034+0+DOC+PDF+VO//PT, consult. 10-01-2010, às 23h57m, e a Estratégia Comunitária 2007-2012 para a Saúde e Segurança no Trabalho, supra cit.
191 Designadamente, o Relatório do Parlamento Europeu sobre Saúde Mental, de 28-01-2009 (2008/2209 (INl)), disp. xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxxxxx.xx/xxxxx/xxxXxx.xx?xxxXxxx-//XX//XXXXXXXxXXXXXXxX0-0000- 0034+0+DOC+PDF+VO//PT, consult. 10-01-2010, às 23h57m, e a Estratégia Comunitária 2007-2012 para a Saúde e Segurança no Trabalho, supra cit.
192 Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/2008, publicada no DR, 1.ª série, n.º 47, de 06-03.
193 Afirmação feliz a de XXXXXX XXXX, para quem passámos de uma sociedade industrial para uma sociedade de risco. Apud TOLOSA TRIBIÑO, op. cit., p. 3. XXXXXX XXXXXXXXX (“Una “Nueva” Patologia de Gestión…”, cit., p. 1567) sustenta, relativamente à tutela do fenómeno do assédio moral, que estamos no âmbito de uma figura mais ampla, que corresponde ao "Novo Direito Social das Vítimas".
194 XXXXXX XXXXX XXXXXXXXXX XXXXX; XXX XXXXXXXX XXXXX; «Suicídio no local de trabalho - Acidente de Trabalho?», disp. xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxx.xxx?xxxxxxxxxx_xxxxxxx&xxxxxxxxx&xxx000&xxxxxxx000, consult. 25-10-2009, às 10h20m.
determinadas hipóteses de stress laboral, burn out, assédio sexual e esgotamento psíquico dos trabalhadores como acidente de trabalho195.
Deste modo, afigura-se-nos essencial que também o ordenamento nacional preveja legalmente a possibilidade de considerar as consequências do assédio moral como indemnizáveis a título de contingência profissional196.
No segundo capítulo do nosso trabalho explicámos a posição de XXXXXXXX XXXXXXX, autora belga que aceita a qualificação de um comportamento isolado, integrado num fenómeno de mobbing, como acidente de trabalho. A importância desta conclusão reside no facto de a Bélgica ser dos poucos países, a par de Portugal197, com um sistema de seguro
195 Vd., entre outros, XXX XXXXX XXXXX XXXX, op. cit., p. 1648. Na verdade, parece que a actual aceitação pacífica da consideração do assédio moral como acidente de trabalho será consequência desta gradual evolução.
196 Independentemente de o fenómeno vir a ser regulamentado autonomamente na sua globalidade, o que sempre traria vantagens, como a maior visibilidade do problema, e a maior adequação dos mecanismos existentes às suas especificidades. Neste sentido, XXXXXX XXXXXXX, “Assédio Moral ou Mobbing no Trabalho”, cit., p. 845. Face à inexistência, entre nós, de uma normativa em particular para o assédio moral, defende XXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, op. cit., p. 237, que o mais adequado seria inclui-lo no regime da Segurança e Saúde no trabalho, atento o tipo de dano que é consequência do assédio moral. Partilhamos da posição de XXXXX XXXXX (op. cit., p. 1205), quando afirma que “(…) basta non fare una legge per rendere il mobbing inesistente". Entendemos que, no ordenamento nacional, inexistindo previsão normativa que atribua às lesões consequência de assédio moral a possibilidade de consideração como contingência profissional, dificilmente se verá um Tribunal configurar esta possibilidade, ao contrário do que acontece em Espanha, onde a jurisprudência se tem adiantado numa interpretação extensiva da legislação genérica, sem que haja previsão específica quanto a esta matéria. Cfr. XXXXXXX XXXXXX, op. cit., p. 59, referindo a necessidade de tipificar o assédio moral, considerá-lo risco laboral e, ainda, reconhecer a possibilidade de as doenças dele derivadas configurarem doenças de trabalho e acidentes de trabalho.
197 A não integração do regime de tutela dos acidentes de trabalho no sistema de protecção da SS parece colocar problemas de legalidade. Veja-se XXXXX XXXXX; XXXXXXX XXXXX XX XXXXX; MALDONADO GONELHA; XXXXXXXXXX XXXXX XXXXXX; Uma Visão Solidária da Reforma da Segurança Social, União das Mutualidades Portuguesas, Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Xxxxxxx, Xxxxxx, 0000, p. 115, afirmando que se “(…) coloca o problema da violação de normas internacionais subscritas por Portugal, como é o caso da Carta Social Europeia do Conselho da Europa". Parece que para MENEZES LEITÃO (“A reparação de danos ...”, cit., pp. 551 e 552, nt. 40) poderá debater-se a constitucionalidade desta opção legislativa, já que a CRP consagra o direito à SS em caso de acidente de trabalho (cfr. art. 63.º, n.º 3, da CRP). Em sentido contrário, argumentando que o preceito referido não impõe que a reparação seja assegurada pelo sistema de SS, XXXXXX XXXXXXXX et alli, Código do Trabalho Anotado, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, p. 550. Mais interessará debater a adequação do sistema privado (enquanto cabe a empregador e seguradora a responsabilidade resultante de acidente de trabalho) à
privado obrigatório para os acidentes de trabalho198, o que significará, na prática, que a vantagem que apontámos no primeiro capítulo do nosso estudo, relativa à protecção dos cofres do Estado, existirá em sistemas como o nacional apenas no caso de qualificação do assédio moral como acidente de trabalho.
Ou seja, entre nós, a solução da configuração do assédio moral corno doença profissional (em sentido lato) acaba por não trazer um dos maiores benefícios desta hipótese: o afastamento da responsabilização patrimonial por parte do Estado e consequente responsabilização dos entes privados, que são, em última análise, os próprios assediadores, face à exoneração das seguradoras em casos de actuação culposa. Logo, entendemos que, efectivamente, no sistema nacional, seria mais vantajosa a previsão directa desta hipótese corno acidente de trabalho, face à previsível manutenção do sistema de protecção das doenças profissionais no âmbito previdencial199.
Porém, em resultado da análise realizada, entendemos que a jurisprudência nacional deveria aceitar a qualificação do assédio moral como contingência profissional, designadamente, quando preenchidos os requisitos do n.º 2 do art. 94.º da LAT, à semelhança do que vem acontecendo nos restantes ordenamentos dos países comunitários200.
justificação/fundamentação do regime dos acidentes de trabalho, uma vez que este se baseia no reconhecimento de um direito à segurança económica dos membros da colectividade. XXXXXXX XXXXXX, “A reparação de danos…”, cit., pp. 552 e 553. Este autor aponta as principais vantagens do sistema público de ressarcimento dos acidentes de trabalho: a atribuição de indemnização independentemente da causa do dano, a garantia de solvência da entidade que presta a indemnização, entre outros. Sustentando a inadequação da dicotomia de regimes jurídicos, veja-se XXXXXX XXX XXXXX, op. cit., p. 731. Outros autores afirmam tratar-se de uma divisão “paradoxal e desprovida de verdadeiro fundamento". Vd. X.x XXXXX et xxxx, op. cit., p. 116.
198 MENEZES LEITÃO, “A reparação de danos…”, cit., p. 551, nt. 40. Isto demonstra que o facto de caber a uma seguradora a reparação do assédio moral enquanto acidente de trabalho não deverá afastar o regime, porquanto o seguro assenta num risco. Em última análise, funcionarão as normas relativas à actuação culposa por parte de outro trabalhador, terceiro, ou do empregador (arts. 17.º e 18.º da LAT).
199 Atente-se que, como vimos, qualquer das soluções terá sempre um beneficiário: ora o trabalhador assediado, ora o Estado, ora as Seguradoras, ora os empregadores. A nossa perspectiva de vantagem afere- se, portanto, em relação a urna certa ideia de “justiça” e equilíbrio, entendendo que, em última análise, a responsabilidade deverá recair sobre o assediador, e o maior benefício deverá ser do assediado.
200 Vd. XXXXXX XXXXXXXXX, “La tutela frente a la “violencia moral”…”, cit., p. 42 , afirmando que, noutros países da UE, mesmo faltando legislação específica sobre a matéria, aceita-se a possibilidade de as consequências do assédio moral serem ressarcidas como doenças profissionais, embora através de técnica “(…) mais aberta e flexível (…)” do que a espanhola.
Sendo assim, a análise deverá sempre ser casuística, não se pretendendo aqui uma aplicação automática de qualquer um destes regimes às hipóteses de assédio moral. Na realidade, decorre da nossa perspectiva sobre a consideração do assédio moral como doença de trabalho que essencial não é o facto de a doença se ter desencadeado devido a uma circunstância ilegal, mas sim o facto de a doença ter como motivo o trabalho. Assim, caberão no conceito de doenças de trabalho todas as patologias com origem e causa no exercício da actividade, e não apenas aquelas que tenham tido como fonte uma situação que o ordenamento jurídico sanciona201.
Consequentemente, consideramos que poderá haver doença de trabalho ainda que não se prove a existência de assédio moral, e poderá haver assédio moral sem que exista doença de trabalho, na medida em que não haja exclusividade na causa que determinou a lesão202. Daí que, ainda que exista uma situação configurável como assédio moral, o pedido do lesado se deva fundamentar sempre na existência de uma patologia que é “consequência necessária e directa da actividade exercida”, provando a existência de tal situação psicológica ou física geradora de incapacidade e o nexo causal entre esta e a actividade laboral. Não se deve, portanto, imputar a lesão ou perturbação funcional à situação de assédio moral, na medida em que não é esta que fundamenta a atribuição de uma reparação a título de doença de trabalho203, mas a situação <lanosa em que se encontra o trabalhador.
Siglas e Abreviaturas
AAVV – Autores vários
Ac. – Xxxxxxx
AL – Actualidad Laboral
al. – alínea
als. – xxxxxxx
Art. – Artigo
arts. – artigos
AS – Aranzadi Social
BMJ – Boletim do Ministério da Justiça
Cfr. – Confrontar
201 Neste sentido, XXXXXXX XXXXX, op. cit., p. 231.
202 Ibidem, p. 232.
203 Ibidem.
| CJ – Colectânea de Jurisprudência |
| cit. – citado |
| consult. – consultado em |
| coord. – coordenação de |
| CRP – Constituição da República Portuguesa |
| CT – Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 712009, de 12-02 |
| disp. – disponível em |
| DL – Decreto-Lei |
| DR – Diário da República |
| DS - Droit Social |
| ed. – edição |
| EM – Estados-Membros |
| JOUE – Jornal Oficial da União Europeia |
| LAT – Lei n.º 98/2009, de 04-09, que regulamenta o regime de reparação dos |
acidentes de trabalho e das doenças profissionais, incluindo a reabilitação e | |
reintegração profissionais, nos termos do art. 284.º do Código do Trabalho, | |
| aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02 M.ª – Xxxxx |
| n.º – número |
| n.ºs – números |
| nt. – nota |
| nts. – notas |
| OIT – Organização Internacional do Trabalho |
| Op. cit. – obra citada |
| p. – página |
| pp. – páginas |
| RDS – Revista de Derecho Social |
| RDT – Revue du Droit du Travail |
| REDT – Civitas – Revista Española de Derecho del Trabajo |
| relat. – relatado por |
| RL – Relaciones Laborales – Revista Crítica de Teoria y Práctica |
| ROA – Revista da Ordem dos Advogados |
RTDPC – Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile
SS – Segurança Social
ss. – seguintes
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
TL – Temas Laborales – Revista Andaluza de Trabajo y Bienestar Social
TRC – Tribunal da Relação de Coimbra
TRL – Tribunal da Relação de Lisboa
TRP – Tribunal da Relação do Porto
UE – União Europeia
Vd. – Vide
vol. – volume
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Do assédio no local de trabalho: um caso de flirt legislativo.
Exercício de aproximação ao enquadramento jurídico do fenómeno
Publicado em Questões Laborais, Coimbra, n.º 28 (2006), pp. 241-258.
Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx
Considerações iniciais
O fenómeno do assédio, pelo menos ao nível específico do direito do trabalho, havia sido ignorado em Portugal até ao actual Código do Trabalho onde é, por fim, concretizado substantivamente e adjectivamente nos arts. 18.º, 23.º e 24.º do C.T. e nos arts. 31.º, 32.º, 33.º e 34.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, respectivamente.
Eram fundamentais estas normas. É que, ao celebrar um contrato de trabalho, o devedor da prestação transmite ao credor daquela a disponibilidade da sua força de trabalho, numa relação que origina, inevitavelmente, dependência. Outrossim, o próprio objecto do contrato cria um inevitável e variado conjunto de limitações à liberdade pessoal do trabalhador.
Ora, sendo certo que na relação contratual de trabalho xxxxxx, aliás como em todas as outras, aquilo que a doutrina germânica apelida de “Freiheitsvermutung”, isto é, “a presunção de liberdade” ou “in dubio pro libertate”, fácil é constatar que afinal o objecto das novas normas acaba por se centrar na problemática dos valores fundamentais e nos pilares estruturantes da nossa sociedade.
Assim, até à entrada em vigor do novo Código do Trabalho, salvo raros preceitos dispersos na Lei Geral do Trabalho que respeitavam basicamente ao dever da entidade patronal de proporcionar boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral (anterior art. 19.º, al. e), do D.L. 49408, de 24 de Novembro de 1969, e actual art. 120.º, al. e), do C.T.), e de organizar o trabalho em condições de disciplina, segurança, higiene e moralidade, devendo aplicar sanções aos trabalhadores de ambos os sexos que, pela sua
Texto extraído do projecto de investigação “Assédio no local de trabalho” promovido pelo Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho (IDET).
conduta, provocassem ou criassem o risco de provocar a desmoralização dos companheiros (art. 40.º do D.L. supra citado)1, pouco mais havia sobre o assunto.
Acresce que, no que concerne ao assédio exercido por superiores hierárquicos, que é o mais usual, existia apenas uma norma (art. 35.º, n.º 1, al. f), do D.L. 64-A/89) que se mantém no Código de Trabalho (art. 441.º, n.º 1, al. f)), que preceituava constituir justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador, as ofensas à sua integridade física (ou moral, locução acrescentada pelo actual Código de Trabalho), liberdade, honra ou dignidade, puníveis por lei, praticadas pela entidade empregadora ou pelos seus representantes legítimos.
Note-se que, na letra do art. 441.º, n.º 2, do C.T., não se prevê expressamente, como causa de resolução por justa causa, as situações relativas ao assédio, urna vez que a violação dos arts. 120.º, al. e), e 24.º do C.T. não se encontra prevista naquela norma. Todavia, corno decorre da própria letra do artigo, trata-se de um preceito exemplificativo, pelo que, não se entendendo que o assédio já está abrangido na al. f), a violação dos referidos preceitos legais constitui sempre justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador.
Discutida é a questão da indemnização devida ao trabalhador nos casos de resolução com justa causa do contrato de trabalho, nomeadamente nos casos de resolução que tem como fundamento o assédio. É que, nos termos do art. 443.º do C.T., a indemnização é limitada, o que parece ser uma restrição inaceitável, designadamente no que concerne aos danos não patrimoniais. Parece-me, portanto, que nestas situações o trabalhador pode recorrer à responsabilidade civil comum. Isto porque, se ainda se compreende a limitação da responsabilidade quando esta é objectiva e no caso dos danos serem patrimoniais, já não faz sentido esta restrição nos casos de danos não patrimoniais e lesão de direitos absolutos.
Questão diversa é a de o assédio ter lugar durante o período experimental.
Este cenário, atendendo às especificidades do regime legal naquele período, poderia conduzir a um afastamento do trabalhador do seu posto de trabalho sem qualquer direito a indemnização, uma vez que a denúncia é (quase) livre. Neste sentido, poderá sempre entender-se que o empregador está a actuar com abuso de direito, com as legais consequências.
1 Arts. 149.º e 272.º do C.T. No que respeita a sanções disciplinares, penso que, em caso de assédio, e uma vez que o elenco do art. 366.º do C.T. não é taxativo, se justificaria a possibilidade de transferência do colega agressor, não obstante o princípio da inamovibilidade. De facto, parece-me que, atenta a especial natureza da relação laboral, nomeadamente nas empresas em que o relacionamento entre trabalhadores é muito próximo, é irreal pensar que, sendo provada a existência de assédio, os dois sujeitos (assediador e assediado) possam continuar a desempenhar as respectivas funções lado a lado.
A protecção legal do assédio no local de trabalho, como figura autónoma e especial, não era, até ao novo Código do Trabalho, uma realidade no nosso país.
Com a entrada em vigor daquele diploma, em Dezembro de 2003, passou a constar expressamente na nossa lei laboral um preceito destinado à questão do assédio, mas, ainda assim, quase limitado à sua vertente sexual2. Foi, assim, assumido pelo legislador que esta questão – assédio, maxime o assédio sexual – constitui uma forma de discriminação intolerável, quer no acesso ao emprego, quer na execução do contrato de trabalho.
O preceito em questão – o art. 24.º – encontra-se sistematicamente inserido na subsecção III, do Capítulo l, do Título II, referente à igualdade e não discriminação3 4.
Todavia, se o princípio da igualdade já constava de diplomas avulsos e, nesse sentido, o Código do Trabalho não constitui significativa inovação neste domínio, a novidade é que a noção surge naquele diploma no sentido próprio da expressão5.
2 Ainda que se entenda, na esteira do que é defendido no Código de Trabalho Anotado por Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxxx Xxxx e Xxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx (2.ª edição revista, 2004, Almedina), p. 113, que o assédio a que se refere o art. 24.º “abarca também, para além do assédio sexual, o assédio moral (…)”, certo é que aquele preceito não nos dá uma definição daquele fenómeno. Por outro lado, também o art. 18.º do C.T., artigo que não encontra correspondência na anterior lei laboral, que alude, indirectamente, ao assédio moral, não fornece qualquer indicação que nos habilite a dar uma noção da figura.
3 O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes da nossa Ordem Jurídica que surge positivado – arts. 9.º e 13.º da C.R.P. – quer em termos formais (todos os cidadãos são iguais perante a lei) quer em termos materiais (situações diferentes devem ser tratadas de forma diferente). Ora, pelo facto de, no direito do trabalho, as relações jurídicas se caracterizarem por um desequilíbrio entre as partes, particulares razões aconselham uma intervenção legislativa para a protecção da parte mais fraca.
4 O assédio não se identifica, necessariamente, com discriminação, ao contrário do que parece ter-se querido consagrar no art. 24.º do C.T., embora aquela seja um dos seus instrumentos habituais. Também não se identifica, necessariamente, com acumulação excessiva de tarefas ou, pelo contrário, desocupação total, nem com a ameaça ou a injúria. O assédio é, acima de tudo, um processo de verdadeiro ataque à integridade moral e física da vítima.
5 O legislador português optou, e penso que bem, pela designação de “assédio” ao fenómeno que noutros Ordenamentos Jurídicos se apelida de mobbing, bullying ou harassment. Estas qualificações parecem-me desajustadas ao fenómeno que aqui se está a tratar. De facto, a expressão “mobbing" foi introduzida para descrever formas severas de assédio nas organizações, ou seja, trata-se de um termo usado para retratar um fenómeno de grupo recorrente numa comunidade que marginaliza uma determinada pessoa.
O termo “bullying" também não diz respeito, à partida, ao mundo do trabalho. Fala-se de “bullying"
essencialmente para descrever as humilhações ou as ameaças que certas crianças ou grupos de crianças
Mas se, aparentemente, no que respeita às noções de assédio sexual e moral, o novo preceito introduzido simplificou o trabalho que a doutrina vinha desenvolvendo, outras dificuldades continuam a subsistir.
Sublinhe-se, entre elas, a distinção entre assédio sexual e moral que nem sempre é límpida, pois não só ambos se associam frequentemente, como o assédio sexual implica facilmente assédio moral.
De facto, comparando as noções que a seguir trataremos sobre estas figuras, verificar- se-á que as consequências são idênticas (violação da dignidade do trabalhador ou criação de um ambiente intimidatório, como finalidade ou efeito).
Assim, a distinção entre estas duas vertentes de assédio reside “num tipo particular de conduta – não física, necessariamente reiterada e subtil ou insidiosa; e, sobretudo, num tipo particular de resultados – os danos psicológicos ou psico-físicos, causados pelos processos típicos de desarmação da vítima através da mais frequente violação dos seus direitos de personalidade”6.
O assédio sexual
A doutrina vinha definindo o assédio sexual como qualquer comportamento ou manifestação, por palavras, gestos ou acções, de natureza sexual, não desejado pela pessoa a quem se destina e que se considera, portanto, ofensivo.
O art. 24.º do C.T., que positivou este fenómeno7, não difere em muito da noção apontada. De acordo com esta norma, constitui assédio sexual “todo o comportamento indesejado (…) praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional” (n.º 2), de carácter sexual, sob a forma verbal, não verbal ou física (n.º 3), com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador (n.º 2)”.
XXXXX X. STERBA, na sua obra, “Feminist Justice and sexual harassment in the workplace”, reconhece duas formas de assédio sexual, no seguimento do próprio Supremo
infligem a outras. O termo “harassment” relaciona-se, sobretudo, com o assédio sexual, conotando-se mais com violências físicas e com um conceito mais lato de perseguição de uma pessoa.
6 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, O Assédio moral no Trabalho, in V Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2002, p. 232.
7
Tribunal dos Estados Unidos: “ln 1986, the U.S. Supreme Court in Meritor Savings Bank vs. Xxxxxx agreed with the E.E.O.C. ruling that there could be two types of sexual harassment that conditions concrete employment benefits on granting sexual favors (often called the “quid pro quo type”) and the harassment that creates a hostile or offensive work environment without affecting economic benefits (the hostile environment type)”8.
Também a doutrina portuguesa seguiu esta terminologia. Assim, podemos distinguir entre assédio sexual por chantagem, ou quid pro quo, e assédio por intimidação9.
O assédio sexual por chantagem ou quid pro quo
Designamos assédio sexual por chantagem os casos em que, da parte do assediador, se verifica uma exigência para que o trabalhador (assediado) se preste à actividade sexual, com a consequência inerente de, em caso de rejeição, perder o seu emprego ou sofrer qualquer outro dano injusto ou, pelo contrário, sob a promessa de benefícios ou recompensas.
Intrínseco a esta forma de assédio está um abuso de poder10. O poder subjacente a este tipo de assédio tem que ser real, caso contrário, estaremos tão só diante de uma tentativa impossível de assédio nesta vertente11. Por outro lado, não tem necessariamente de ser jurídico, bastando que seja meramente factual.
Este tipo de assédio, na medida em que recorre à chantagem, é um assédio intencional e doloso.
O assédio por intimidação
O assédio por intimidação é residual materializando-se, por exemplo, em incitações, ou solicitações sexuais inoportunas. Ou seja, todos os comportamentos que não impliquem
8 Caso Meritor Savings Bank v. Xxxxxx, 477 US 57 (1986).
9 Há ainda quem distinga um terceiro tipo de assédio – “harassment sexual third-party” –, referente aos trabalhadores que não são directamente alvo de assédio, mas são afectados, de forma indirecta, pela prática daquele relativamente a outros trabalhadores. O “harassment third-party” pode ser qui pro quo ou por intimidação.
10 Até há pouco tempo, apenas o assédio por chantagem era considerado em França. A lei de 17 de Janeiro de 2002 veio suprimir a exigência de que o assediante tenha autoridade sobre a vítima; ou seja, eliminou-se o abuso de autoridade como requisito fundamental para que se considerasse estar perante assédio sexual,
o que é aplaudido pela doutrina francesa.
11 Neste caso, porém, estar-se-á, muito provavelmente, perante um caso de assédio por intimidação.
chantagem, mas sejam levados a cabo com o intuito de prejudicar a actuação laboral do trabalhador (assediado), de provocar uma situação hostil, intimidatória, ofensiva ou de abuso no trabalho.
Ao contrário do assédio por chantagem, no assédio por intimidação não existe necessariamente dolo, contudo, para que o assediado possa invocá-lo basta que o resultado se tenha produzido, independentemente da intenção do assediador.
Por outras palavras, “o resultado final, atingido por um comportamento da autoria do assediador, é o bastante para configurar a situação de assédio”12.
O assédio moral
O assédio moral não estava, até ao novo Código do Trabalho, legislativamente enquadrado de forma a apoiar um conceito jurídico xxxxxxx00 14. Assim, o desenvolvimento da noção de assédio moral tinha sido dado, sobretudo, pela psicologia15, sociologia e medicina. Segundo estas ciências, o assédio moral (no local de trabalho) caracteriza-se por uma prática social de perseguição reiterada de um trabalhador no universo laboral com danos psíquicos e psicológicos na vítima e com consequências no seu trabalho.
Fundamental para o apuramento de uma situação assediante é, pois, a acumulação de actos praticados16 e as consequências deles resultantes. Ou seja, como salienta XXXXX XXXXXX
12 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, O Assédio Sexual no Trabalho, ob. cit., p. 177.
13 Note-se que o art. 24.º do C.T., sob a epígrafe “assédio”, não refere expressamente o assédio moral, mas tão-somente o assédio sexual (n.º 3 do art. 24.º). O n.º 2 daquele preceito contém, no entanto, elementos caracterizadores da figura a que não poderemos deixar de lançar mão neste momento do estudo.
14 Noutros Ordenamentos Jurídicos, como o francês, esta noção já é positivada. O art. 122-49 do Código de Trabalho daquele país dá-nos a noção de "harcèlement moral”: "Aucun salarié ne doi subir les agissements répétes de harcèlement moral qui ont pour objet ou pour effet une dégradation des conditions de travail susceptible de porter atteinte à ses droits et à sa dignité, d'altérer sa santé physique ou mentale ou de compromettre son avenir professionnel".
15 A este respeito, veja-se, a título de exemplo, o estudo de um reputado psicólogo alemão, Xxxxx Xxxxxxx, in “Mobbing – Xx xxxxxxxxxxx xx xxxxxxx”, Xxxxx, 0000, um dos mais reputados especialistas neste domínio desde que começou a investigar o fenómeno no início dos anos oitenta.
Xxxxxxx considera que o processo de assédio psicológico se desenvolve ao longo de quatro grandes fases: 1 – Conflitos quotidianos, 2 – Mobbing e estigmatização, 3 – Hostilidade dos serviços de pessoal, 4 – Exclusão.
16 Em termos de actuação, o assédio moral concretiza-se de variadas formas. Ou seja, o agente assediador pode ter uma ou algumas das seguintes atitudes: provocar o isolamento da vítima, referir-se à intimidade
REDINHA17, “o fenómeno não é apreensível pela desagregação das diversas acções agressivas, que, por si sós, perdem intensidade e significado, mas apenas através da sua leitura global”.
Não existe uma definição completamente consensual de assédio psicológico, no entanto, existem algumas que obtêm maior consenso do que outras. Uma das mais populares é a de FIELD18, que define assédio psicológico (moral) como a necessidade compulsiva de exteriorizar agressividade concretizada através de comportamentos inadequados (sociais, pessoais, inter-pessoais, comportamentais, profissionais) e pela projecção desses comportamentos noutros (os assediados), mediante o controlo e a subjugação (críticas, exclusão, isolamento, etc.).
A Task Force on the Prevention of Workplace Bullying, um órgão com ligações à Comissão Europeia, definiu assédio psicológico como um comportamento inapropriado repetitivo, directo ou indirecto, verbal ou físico, exibido por uma ou mais pessoas, contra uma ou mais pessoas, no local de trabalho, que pode ser visto, em termos razoáveis, como contrariando o direito do indivíduo à dignidade no trabalho.
Na doutrina francesa entende-se constituir assédio moral qualquer comportamento abusivo (palavras, actos, gestos) que atente, pela sua repetição ou pela sua sistematização19 contra a dignidade ou integridade física ou psíquica de uma pessoa (trabalhador), pondo em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente profissional xxxxxxx00.
do trabalhador assediado e/ou utilizar o trabalho com pretexto de exercer xxxxxxx, sendo que qualquer urna destas atitudes está desprovida de fundamento que justifique a atitude do assediador. Outrossim, é a ausência de qualquer sentido dos comportamentos referidos levados a cabo pelo assediador que tornam devastador este tipo de fenómeno.
17 “Assédio Moral ou Mobbing no Trabalho”, in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Xxxx Xxxxxxx, Vol. II, Almedina, Coimbra, p. 837
18 Fied, Tim, fundador da UK National Workplace Bullying Advice Line.
19 De acordo com a jurisprudência francesa o assédio pressupõe a repetição das agressões (CA Paris, 2 Outubro 1996, Cordier, Jurisdata n.º 024178). Assim, embora alguns autores defendam que um acto isolado pode constituir assédio (Xxxxxx Xxx-Xxxxxxxxxx, Droit Social, 1995, p. 547; Xxxx Xxxxxx-Xxxx, Droit Social, 2001, p. 612), esta interpretação é contrária à definição do vocábulo assédio e não tem, por isso, tido acolhimento. Entende a doutrina e jurisprudência maioritária que se o acto isolado é grave pode ser punido à sombra de outras disposições como o art. 222-27 do Código Penal Francês.
20 Vide Xxxxx-Xxxxxx Xxxxxxxxx, Assédio, Coacção e Violência no quotidiano, 1999, Ed. Pergaminho (no original, Le harcèlement moral: la violence perverse au quotidien, éd. Syros, 98, p. 53).
Em Itália, de acordo com a doutrina, constitui assédio moral “i comportamenti ostili, vessatori e di persecuzione psicológica realizzati da colleghi e/o dal datore di lavoro e dai superiori gerarchici nei confronti di un dipendente individuato come vittima”21.
Ora, de acordo com as noções apontadas, poder-se-á, numa tentativa de aproximação, apontar as seguintes características à figura em análise: “a) uma perseguição ou submissão da vítima a pequenos ataques repetidos; b) constituída por qualquer tipo de atitude por parte do assediador, não necessariamente ilícita em termos singulares, e concretizada de várias maneiras (...) à excepção de condutas, agressões ou violações físicas; c) que pressupõe motivações variadas por parte do assediador; d) que, pela sua repetição ou sistematização no tempo22; e) e pelo recurso a meios insidiosos, subtis ou subversivos23, não claros nem manifestos, que visam a diminuição da capacidade de defesa do assediado; f) criam uma relação assimétrica de dominante e dominado psicologicamente; g) no âmbito da qual a vítima é destruída na sua identidade; h) o que representa uma violação da dignidade pessoal e profissional, e, sobretudo, da integridade psico-física do assediado; i) com fortes danos para a
21 Xxxxxxxx Xxxxxxx, “Mobbing e rapporto di lavoro”, in Rivista Critica del diritto privato, Ano XIX, 2000, n.º 3, p. 251.
22 No que toca à duração média do assédio tem-se verificado um período de 3 anos. Segundo o inquérito realizado por Xxxxx-Xxxxxx Xxxxxxxxx, ob. cit., em 40,5% dos casos o assédio prolonga-se por um período superior a três anos e só em 3,5% o período de assédio tem uma duração inferior a seis meses.
23 São identificados como procedimentos hostis, por exemplo: retirar autonomia ao trabalhador-vítima; não lhe facultar informações úteis para a realização de uma tarefa; contestar todas as suas decisões de forma sistemática; entregar-lhe constantemente novas tarefas; retirar o acesso a instrumentos de trabalho; proceder de modo a que não seja promovido. São identificados como atentados à dignidade os seguintes comportamentos: utilizar propósitos de desprezo para qualificar o trabalhador; menosprezá-lo junto dos colegas; fazer circular boatos a seu respeito: criticar a sua vida privada; atribuir-lhe tarefas humilhantes; injuriá-lo com termos obscenos ou degradantes; Como exemplos de atitudes que se identificam com a violência verbal podemos apontar: as ameaças físicas ao trabalhador; a agressão física seja qual a intensidade dessa agressão; a invasão da vida privada do trabalhador, nomeadamente com cartas e telefonemas; a ignorância dos problemas de saúde daquele.
saúde mental deste24; j) colocando em perigo a manutenção do seu emprego25; k) e/ou degradando o ambiente profissional”26.
Não se confunda, pois, assédio moral com stress27, agressões ocasionais28, falta de civilidade ou más condições de trabalho29.
O assédio moral discriminatório
O assédio moral pode ter unicamente como fundamento a discriminação, sexual ou não sexual. Neste caso, e como o bem jurídico violado é o mesmo (a dignidade humana), o
24 Por exemplo: depressão, stresse, perturbações psicossomáticas, entre outras.
25 Ainda de acordo com o inquérito que temos vindo a referir, em 36% dos casos o assédio é seguido do afastamento da pessoa assediada; em 20% dos casos, o trabalhador é despedido por um erro grave; em 9% dos casos, o despedimento é negociado; em 7% das situações, o trabalhador apresenta a sua demissão; em 1 %, o trabalhador é colocado numa situação de pré-reforma.
26 Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. O Assédio moral no Trabalho, in V Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2002, p. 213 e 214.
27 O stress é, segundo Xxxxx Xxxx0xxx (Xxxxx Xxxxxxx, Mobbing, Seuil, 1996), um estado biológico normalmente causado por sobrecargas de trabalho ou pelas más condições proporcionadas. O assédio moral é mais do que stresse, ainda que, numa fase inicial, coexistam as duas realidades. Todavia, o “stresse só se toma destruidor pelo excesso, o assédio é destruidor pela sua própria natureza” (Xxxxx-Xxxxxx Xxxxxxxxx, Assédio no Trabalho – Como distinguir a verdade, Editora Pergaminho, 1.ª edição, 2002, Lisboa, traduzido do original "Malaise dans de travai[: harcèlement moral: démêler le vrai du faux". 1998, Syros, 2000, Pocket, p. 17). Enquanto o stresse pode atingir indiscriminadamente qualquer trabalhador, o assédio é uma violência provocada e dirigida. Neste sentido, veja-se, também, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, O Assédio moral no Trabalho, in V Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2002, p. 215.
28 O assédio moral caracteriza-se pela sua repetição, pelo que o termo não é apropriado para qualificar uma atitude agressiva ocasional por parte de um empregador, ainda que essa agressão tenha consequências especialmente gravosas para a vítima.
29 Distinguir as más condições de trabalho do assédio moral é tarefa complexa. A dificuldade reside en1 que, no caso do assédio moral, a degradação faz-se progressivamente, sem que o trabalhador em questão possa determinar em que momento as suas condições de trabalho se tomaram anormais. Ou seja, as más condições de trabalho não constituem assédio, pois não visam atingir um ou determinados indivíduos em particular. Por outro lado, se é verdade que as situações de más condições são ilícitas, também é certo que os trabalhadores podem defender-se em termos colectivos.
assédio discriminatório (sexual ou não) prevalece, consumindo o fenómeno do assédio moral (arts. 22.º e 23.º do C.T.30).
O assédio sexual moral
Existe assédio sexual moral quando o assediador perpetra actos de natureza moral, com a finalidade última de praticar assédio sexual. No dizer de XXXXX-XXXXXX HIRIGOYEN31, o assédio sexual não é mais do que um passo no assédio moral. Neste caso, o mais vulgar na prática, o assédio sexual consome o assédio moral. Ou seja, à semelhança da situação anterior, não podendo haver uma duplicação de regimes32 e sendo o bem jurídico a salvaguardar o mesmo em ambos os casos, aplicar-se-á o art. 24.º, n.º 3, do C.T.33.
O assédio moral simples
Caso o assédio moral não tenha finalidade sexual ou discriminatória estamos perante um caso simples de assédio moral.
Parece-me que, nestes casos, o legislador não poderá deixar de aplicar os novos arts.
18.º e 24.º, n.º 2, do C.T.34.
Em especial: os “novos” preceitos do C.T.
30 Os arts. 22.º e 23.º do C.T. transpõem, parcialmente, algumas regras da Directiva 2000/78/CE, do Conselho, de 27 de Novembro, instrumento comunitário a que se recorria para situações desta natureza.
31 Assédio no Trabalho, ob. cit., p. 87.
32 Não obstante a aplicação de um único regime, não se poderá ignorar que, nos casos em que o assediador agrida moralmente a vítima como meio para a obtenção de um fim que passa pelo assédio sexual, existirá uma agravante na ilicitude da sua conduta que terá, certamente, reflexos a nível indemnizatório.
33 O conteúdo do art. 24.º resultava já da Directiva 761207/CEE, de 9 de Fevereiro de 1976, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 2002/73/CE, de 23 de Setembro de 2002, instrumento a que se lançava mão, antes da entrada em vigor do actual Código de Trabalho, para estes casos. Neste sentido, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, ob. cit., p. 233.
34 Neste sentido, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxxx Xxxx e Xxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx, Código do Trabalho Anotado, 2.ª edição revista, 2004, Almedina, pp. 101 e 113.
Código.
Sob a epígrafe “assédio”, o art. 24.º do C.T. constitui, a este nível, a novidade do
Todavia, pela leitura do preceito, rapidamente se conclui que a noção do fenómeno
não nos é dada, pelo menos de forma expressa, em todas as suas vertentes.
Com efeito, no n.º 2 daquele art. 24.º encontramos uma noção ampla do que constitui assédio – “todo o comportamento indesejado (…) praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador” –, e logo após, o n.º 3 refere-se expressamente ao assédio sexual, avançando com a sua noção (“constitui, em especial, assédio todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob a forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo” de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
Omitiu-se, todavia, qualquer referência expressa à noção de assédio moral.
Pensamos, no entanto, que tal lacuna não implica, nem podia implicar, ausência de protecção dos trabalhadores vítimas de comportamentos moralmente assediantes. E, por isso, é de considerar, mesmo face às definições avançadas pela sociologia/psicologia e já previstas noutros Ordenamentos Jurídicos, que a noção prevista no n.º 2 do art. 24.º abarca o assédio moral.
Além do art. 24.º, o Código do Trabalho tem um outro preceito inovador – art. 18.º35 – que, sob a epígrafe “integridade física e moral”, consagra que “o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral”. Também este preceito visa garantir, entre outros, a tutela das partes contra o assédio moral.
Por fim, realce-se a novidade prevista no caso de incumprimento das regras consagradas nos arts. 23.º, n.º 1, e 24.º (a decisão condenatória poder ser objecto de publicidade – art. 642.º, n.º 2, do C.T.), bem como a clarificação das competências do CITE na questão do assédio (arts. 494.º e segs. da Lei n. º 35/2004).
35 Este é um preceito que encontra afinidades com o art. 25.º da C.R.P. e com preceitos de outros ordenamentos jurídicos, nomeadamente, o art. L. 120.2 do Code du Travail, art. 328.º do Código Suíço, art. 4.º do Estatuto de los Trabajadores (art. 4.º, parágrafo 2: "En la relacción de trabajo, los trabajadores tienen derecho; (...) al. e) al respeto de su intimidad y a la consideración debida a su dignidad, comprendida la protección frente a ofensas verbales o físicas de naturaleza sexual") e o art. 373.º da Consolidação das Leis do Trabalho (Brasil).
Dissecação normativa
Analisados os preceitos em termos globais, vejamos a amplitude atribuída pelo legislador, partindo para o exame mais pormenorizado da norma.
O conceito adoptado pelo art. 24.º é, como referi, lato, à semelhança do conceito comunitário, e aborda duas situações alternativas: o objectivo ou o efeito do comportamento assediante – “(...) com o objectivo ou o efeito de afectar (...)” – (art. 24.º, n.º 2, 2.ª parte).
Incluem-se, pois, neste preceito, quer os casos em que existe intenção do empregador de afectar a dignidade do visado, quer aqueles outros em que a dignidade é afectada ainda que não fosse esse o desiderato do empregador.
Esta última hipótese - prática de assédio não intencional – é, porém, questionada pela doutrina que a acha duvidosa, “para não dizer juridicamente insustentável”36.
A tal cenário acresce ainda a questão de se saber se a intencionalidade se presume ou se é desnecessária, isto é, se estamos perante uma inversão do ónus da prova37 ou uma responsabilidade pelo risco.
No que se refere ao assédio moral, em termos sociológicos, a posição maioritária tem defendido a existência de assédio moral não obstante a ausência da intenção do assediador, desde que este tenha consciência dos factos lesivos e dos possíveis resultados no trabalhador.
Ou seja, em termos de assédio moral, a doutrina e jurisprudência têm pendido para considerar que este existe mesmo quando não há intenção do assediador em afectar a dignidade do trabalhador, desde que esta seja efectivamente lesada.
No caso do assédio sexual, parece que, atendendo à distinção de que tratámos anteriormente, face à letra do preceito e perante o desiderato que se visa alcançar com esta
36 Código de Trabalho Anotado por Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxxx Xxxx e Xxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx, 2.ª edição revista, 2004, Almedina, p. 113.
37 No que concerne à questão do ónus da prova saliente-se que até 1998, na maioria dos Estados membros, o ónus da prova, em caso de assédio, cabia ao autor, o que podia justificar a reticência das vítimas em recorrerem ao Tribunal. Na verdade, a maior parte do tempo o trabalhador não está numa situação que lhe permita denunciar a culpa do assediador ou não dispõe de provas que estão nas mãos daquele. A situação alterou-se. Veja-se, por exemplo, o caso francês. O art. 000-0 xx Xxxx xx Xxxxxxx, comum aos dois tipos de assédio, assenta no princípio da repartição do ónus da prova. Também em Espanha existe regula1nentação particular no que respeita ao ónus da prova, segundo a qual pertence ao réu fornecer a prova contrária sempre que um autor introduz uma queixa e que das suas pretensões possa ser deduzida a existência de indícios de discriminação.
norma, podemos nela incluir quer o assédio por chantagem (que é necessariamente doloso e intencional), quer o assédio por intimidação (já que as consequências deste tipo de assédio devem ser consideradas de forma objectiva, abstraindo da intenção do assediador38). Talvez mais correcta seja agora a seguinte distinção: assédio sexual subjectivo ou intencional e assédio sexual objectivo ou de resultado.
O objectivo ou efeito é, contudo, sempre o mesmo e passa por” (…) afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador” (art. 24.º, n.º 2, in fine).
Estas expressões foram adoptadas pela maioria dos países (Austrália, Canadá, E.U.A., Nova Zelândia, Reino Unido e Suíça), mas, diversamente daqueles, o n.º 2 do art. 24.º não faz referência nem ao perigo para a manutenção do emprego, nem aos danos para a saúde mental do trabalhador39.
No que toca à avaliação desse comportamento do assediador, parece-me que cabe à vítima (assediada), de acordo com a impressão, princípios e reacção particular, determinar se certa conduta é ou não, para si, ofensiva40 41, considerando ainda a realidade social da sociedade ou comunidade da época em que se insere, pelo que, um mesmo comportamento, dependendo das circunstâncias, pode ou não afectar a dignidade.
38 Significa isto que o facto de o assediador não ter tido a intenção de ofender a dignidade do assediado não exclui a sua responsabilidade.
39 Também o art. 1.º da Recomendação 92/13/CEE de 27-11-91 avançava como noção de assédio o “comportamento de carácter sexual ou em razão do sexo que afectem a dignidade da mulher e do homem no trabalho, incluindo o de superiores e colegas, desde que sejam indesejados, despropositados e ofensivos para a pessoa a quem se dirigem, e, desde que a rejeição ou a submissão a esses comportamentos sejam, explícita ou implicitamente, utilizadas como fundamento de decisões que afectem o acesso do trabalhador à formação profissional ou ao emprego, a sua continuação no posto de trabalho, a sua promoção, o seu vencimento, ou quaisquer outras decisões relativas ao trabalho e/ou desde que tais comportamentos criem um ambiente intimidador, hostil ou humilhante para a pessoa a quem se dirigem, sendo que tais comportamentos podem, em determinadas circunstâncias, ser contrários ao princípio da igualdade do tratamento”.
40 Nas palavras de Xxxxxx Xxxxxxxx, in Assédio sexual (…), ob. cit., p. 191, é a vítima “quem distingue a ofensa do relacionamento normal”.
41 Interessante é a jurisprudência de alguns tribunais (Canadá, EUA, Reino Unido, Suíça) onde se tem recorrido ao critério de apreciação razoável por parte da mulher.
Indispensável para que actue este preceito é o carácter de indesejado por parte da vítima em relação ao comportamento assediante – “(...) todo o comportamento indesejado (…)” – previsto na 1.ªparte do n.º 2 do art. 24.º.
O comportamento indesejado revela-se no facto do assediado demonstrar que não pretende nem suporta aquele comportamento. Note-se que, não raras vezes, apesar do assediado praticar o acto sexual solicitado pelo assediador, aquele sentimento não se altera, já que a cedência ocorreu sem liberdade.
Por fim, o n.º 3 do art. 24.º, no campo especifico do assédio sexual, refere as modalidades objectivas daquele comportamento indesejado – “sob forma verbal, não verbal ou física (…)” –.
Como exemplos de contacto físico encontramos o tocar, o empurrar, o apalpar, o dar encontrões e beliscões42. Como exemplos de ofensas verbalizadas, temos as chamadas propostas indecentes, expressas ou tácitas, implícitas ou explícitas, perguntas acerca da vida privada, comentários, insinuações, conversas com segundo sentido ...43.
Ao contrário da previsão penal, a norma laboral não exige o contacto físico para que se verifique uma situação de assédio sexual.
Dúvidas permanecem quanto à necessidade de um comportamento continuado ou sistemático para que se possa falar em assédio. Com efeito, no art. 24.º, n.º 2, utiliza-se uma expressão ambígua – “comportamento” – que tanto pode indicar ser suficiente um único acto, gesto, atitude ou um conjunto de actos, gestos ou atitudes para que se possa estar perante um caso de xxxxxxx.
Há, contudo, que entender este preceito em termos hábeis. Assim, por exemplo, o apalpar pode constituir assédio ainda que tenha sido praticado apenas por uma vez. Já os olhares lascivos, nomeadamente os direccionados pelo assediador para o corpo da vítima
42 Alguns destes exemplos são referidos no Ac. da Relação de Lisboa, de 8-1-97, in Col. Jur., 1997, 1.º, p. 173: “ (…) passando-lhe o braço por cima dela ou dando-lhe palmadinhas nas nádegas (…)”.
43 O mesmo Ac. referido na nota anterior refere, como exemplos, “ (…) pedindo-lhe que o beijasse e tendo chegado a dizer-lhe, entre outras, qualquer dia violo-te ou ainda hás-de ser minha (…)”.
Outro exemplo encontramos no Ac. da Relação de Lisboa de 25-11-92, in Col. Jur., 1992, 5.º, p. 194: “ (…) II – Constituem assédio sexual, justa causa de despedimento, os seguintes factos praticados pelo arguido: a) no refeitório da empresa dirigir-se a uma colega de trabalho perguntando-lhe se ela lhe deixava apalpar os peitos, o que não conseguiu por ela ter reagido, dizendo-lhe que se ele não parasse gritaria; b) ter oferecido a outra colega de trabalho para com ele manter relações sexuais ameaçando-a com o despedimento se ela o denunciasse”.
(assediado), de forma despropositada, devem revestir um certo carácter de continuidade para que se preencha o instituto de assédio.
Além das normas referidas previstas no Código do Trabalho, também a Lei n.º 35/2004 veio regulamentar alguns aspectos deste regime.
Assim, o art. 34.º daquela lei preceitua que é inválido qualquer acto que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou submissão a actos discriminatórios44, consequência que já poderíamos retirar pela aplicação da lei civil (arts. 255.º, 256.º e 257.º do C.C.).
Antes daquela norma, o art. 31.º estabelece, e bem, uma obrigação a cargo do empregador – “o empregador deve afixar na empresa, em local apropriado, a informação relativa aos direitos e deveres dos trabalhadores em matéria de igualdade e não discriminação” – , sob pena de contra-ordenação leve (art. 473.º, n.º 3).
Continuam, no entanto, sem regulamentação alguns aspectos nesta matéria que careciam da atenção legislativa.
Veja-se, por exemplo, a ausência de qualquer previsão contraordenacional no caso de violação do art. 18.º, preceito inovador do Código do Trabalho.
Por outro lado, continua a não existir um elenco cuidado e não taxativo de danos eventualmente decorrentes do assédio, sendo que qualquer doença daí emergente também não consta da lista de doenças profissionais.
Lacuna no tratamento existe, ainda, nas convenções colectivas de trabalho onde, não obstante a participação dos trabalhadores e dos seus representantes naquelas45, o que era já salientado pela Recomendação da Comissão Europeia, de 27 de Novembro de 1991 (relativa à protecção da dignidade da mulher e do homem no trabalho), continua a não se regular expressamente esta matéria.
44 A violação do art. 34.º dá, ainda, origem a uma contra-ordenação muito grave (art. 473.º, n.º 2, da Lei n.º 35/2004).
45 Na maior parte dos Estados Membros, os parceiros sociais têm um papel oficial de prevenção e luta contra o assédio. Do lado das organizações dos trabalhadores os sindicatos têm, em alguns casos, competência para lutar contra o assédio no quadro de comissões para a igualdade de tratamento entre homens e mulheres no trabalho.
É o caso da Irlanda e do Reino Unido. A lei belga, na sequência da Recomendação, também já concretizou este princípio.
O ónus da prova
Preceitua o art. 23.º, n.º 3, do C.T. que “cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se sente discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1”, isto é, “ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical”.
Significa isto que basta ao trabalhador demonstrar a situação fáctica em que se encontra, competindo ao empregador provar que a mesma teria algum fundamento.
No art. 24.º não se consagra um número semelhante. No entanto, uma vez que o assédio é uma forma de discriminação, e dada a similaridade das situações, justifica-se, também, a inversão do ónus da prova nas acções relativas ao assédio. Ainda que tal posição possa implicar a propagação de falsas invocações de assédio, é, efectivamente, a alternativa mais plausível para a prova do assédio.
Aliás, esta solução não constitui novidade. Com efeito, a Lei n.º 106/97, de 13 de Setembro, tinha já introduzido no Ordenamento Jurídico Português o princípio da inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre o empregador a incumbência de provar a inexistência de qualquer prática, critério, ou medida discriminatória em função do sexo em acções interpostas pelos sindicatos para provar a existência de discriminações indirectas. O diploma parece, no entanto, ter sido concebido para situações de discriminação em massa.
Sublinhe-se que, até 1998, na maioria dos Estados Membros, o ónus da prova, em caso de assédio, cabia ao autor, o que podia explicar a reticência das vítimas em recorrerem ao Tribunal. É que, tal como já referimos anteriormente, na maioria das vezes, o trabalhador não está numa posição que lhe permita acusar o assediador ou não dispõe de provas que estão nas mãos daquele.
Desde aí a situação tem-se vindo a modificar. Exemplo desta alteração é o caso francês. O art. 122-5 du Code du Travail assenta no princípio da repartição do ónus da prova quanto aos dois tipos de assédio.
Assédio moral e dignidade no trabalho
Publicado em Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, n.º 76-77-78 (Jan-
Dez. 2007), pp. 105-119.
Glória Rebelo
1. Enquadramento sócio-económico
Denominação recente para um velho problema, o assédio moral não designa um fenómeno novo. Contudo – à medida que se reforça a consciência de que no trabalho as pessoas conservam “as qualidades determinantes da sua unicidade” (Xxxxxx xx Xxxxx, 1995: pág. 304) e, assim, mantêm a sua dignidade pessoal – tem sido nas últimas duas décadas que se vem assistindo a uma progressiva afirmação da importância da sua tutela jurídica, no âmbito de um reconhecimento amplo dos direitos de personalidade no trabalho.
Influenciado maxime por estudos científicos europeus e internacionais (a maioria de carácter pluridisciplinar) que têm enfatizado a importância do posicionamento do Direito do Trabalho face às diversas vertentes de ofensas à dignidade no trabalho, o legislador português reconheceu na Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, vulgo o Código do Trabalho, a necessidade de autonomizar o assédio moral.
De facto, à semelhança do que acontece noutros ordenamentos – e embora existam ainda poucos ensaios que permitam uma cabal avaliação empírica do problema – o fenómeno não tem sido ignorado nos trabalhos de investigação social nacionais e tende a apresentar, progressivamente, maior visibilidade (cfr. Xxxxxxx e Xxxx, 1994; e Xxxxxxx et al., 2002).
Esta visibilidade prende-se com algumas especificidades da sociedade contemporânea, designadamente: com o aumento das qualificações da população trabalhadora e um consequente conhecimento dos direitos laborais; com a visibilidade mediática conferida ao fenómeno; com o aumento da incerteza laboral e das formas de contratação especiais (verbi gratia, contratos de trabalho e termo ou contratos de trabalho temporários); e, por fim, com a feminização do trabalho.
Desde logo, porque no actual contexto sócio-económico – caracterizado pelo aumento das qualificações dos trabalhadores e, por conseguinte, por uma maior atenção aos seus direitos socio-laborais – a análise desta problemática pode ser já colocada no plano da
“cidadania na empresa”. Ora considerar a “cidadania na empresa” exige que se aprecie não apenas o plano meramente contratual mas “o plano da pessoa, existente em cada trabalhador” (Abrantes, 1999: pág. 107), ou seja, o “envolvimento integral da personalidade do trabalhador no vínculo laboral” (Xxxxx Xxxxxxx, 2001: pág. 753) e que se optimizem as condições de trabalho, promovendo, concomitantemente, “melhores relações entre empregador e trabalhador, mas também dos trabalhadores entre si, por exemplo, ao nível da cooperação” (Abrantes, 1999: ibidem).
Por outro lado, e no âmbito de uma Sociedade da Informação afirmativa, também a comunicação social tem vindo a demonstrar um interesse acentuado por estas matérias, concedendo-lhes maior visibilidade. Procurando conferir protagonismo aos cidadãos e aos movimentos sociais, uma preocupação dos media é também a de contribuir para o aprofundamento dos direitos sociais legalmente consagrados.
Depois, alguns estudos confirmam que o incremento das situações de incerteza laboral (a par do aumento, ainda que conjuntural, do desemprego) e das formas de contratação especiais flexíveis tendem a favorecer situações de assédio moral uma vez que, temendo perder o seu emprego, muitos trabalhadores suportam comportamentos indesejados no trabalho, que afectam a sua dignidade (neste sentido, Xxxxxxxxx, 1999).
Aliás, tem sido confirmado que, na sociedade contemporânea, “sendo o trabalho fisicamente menos penoso é, ao invés, no plano psíquico mais desgastante e intensivo” (Xxxxxx e Xxxxxxxxxxx, 1998: pág. 8). De facto, a nível europeu e mundial, estudos realizados sobre “satisfação no trabalho” e, em particular sobre “precariedade no emprego” – uns tendo como objecto de análise um diagnóstico e a identificação da natureza dos casos, outros medindo a extensão do fenómeno e analisando as suas repercussões ao nível social, económico, profissional, familiar e pessoal – confirmam que a precariedade pode também desencadear situações de frustração, sendo estas resultado de uma actividade de trabalho não desejada, ou não conseguida, e de exclusão social (Xxxxxx e Xxxxx, 1993; Xxxxxx, 1995; Xxxxxxxx et ai., 1 998; Rebelo, 2004).
É assim que, para alguns investigadores, as actuais condições do mercado de trabalho
– em particular a precariedade laboral e o declínio de representação sindical – constituem terreno fértil para o assédio moral1. Por exemplo, o facto de alguns dos novos métodos de
1 Identicamente nesta linha, cfr. a exposição de motivos da Lei de Modernização Social francesa, de 17 Janeiro de 2002, ao definir o assédio moral no trabalho como “uma degradação deliberada das condições de trabalho”.
gestão promoverem a aceleração das cadências, o stress permanente, ou o aumento do tempo de trabalho são responsáveis, entre outros, pelo desenvolvimento de situações de insegurança no trabalho, de pressão e de medo (Xxxxxx, 1995)2. Ora estas situações - que criam constante sobressalto, tornando alguns trabalhadores vítimas e/ou agressores – não se repercutem apenas a nível individual, projectando-se no plano familiar e social.
E, se no plano familiar podem – originando ou aumentando o nível de stress individual
– conduzir à instabilidade e/ou mesmo à desagregação familiar, no plano social podem constranger o trabalhador a recusar o benefício de certas formas de protecção social, designadamente na saúde ou na assistência à família.
Corroborando esta tese, também a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho tem alertado para o facto de a prevenção do assédio moral no trabalho dever ser encarada um elemento central no esforço destinado a melhorar a qualidade do emprego. Considerando que a mudança nos métodos de gestão dos recursos humanos veio reconfigurar o trabalho, intensificando-o, a Fundação realça que diversos estudos apontam para uma “clara relação entre, por um lado, o assédio moral no trabalho e, por outro, o stress ou o trabalho exercido sob forte tensão, uma concorrência acrescida e uma segurança profissional reduzida, bem como uma situação laboral precária” (Eurofound, 2000)3. Além do mais, inclui entre as causas de assédio moral, as deficiências de organização do trabalho, de informação interna e de enquadramento e os problemas da organização, que podem tem como corolário a “designação de “bodes expiatórios” e no assédio moral”, com inevitáveis consequências para os trabalhadores (idem)4.
Paralelamente, diversas orientações comunitárias para o emprego têm enquadrado esta preocupação e diligenciado perceber até que ponto os múltiplos factores sociais que
2 Cfr. estudos de investigadores norte-americanos que associam o stress laboral, nomeadamente, ao aumento das doenças profissionais e à degradação da saúde (Rifkin, 1995: pág. 26-31).
3 Também no sentido de incluir entre as causas de assédio moral as deficiências de organização do trabalho, cfr. Resolução do Parlamento Europeu sobre o Assédio Moral no Local de Trabalho n.º 2339 de 2001.
4 A Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho – denominada Fundação de Dublin – foi instituída em 1975, com o propósito de avaliar e analisar nos Estados das Comunidades Europeias, as condições de vida e de trabalho; dar pareceres autorizados e conselhos aos responsáveis pela política social; contribuir para a melhoria da qualidade da vida; e informar sobre as evoluções e as tendências no trabalho. A Fundação é dotada de personalidade jurídica e é administrada por um Conselho de Direcção, composto por 78 membros, dos quais 25 em representação dos Governos dos Estados- Membros, 25 em representação das organizações patronais, 25 em representação das organizações de trabalhadores e 3 em representação da Comissão Europeia.
condicionam as relações laborais estão – ou não – directamente relacionados com a emergência do assédio no trabalho e com as suas repercussões quer no bem-estar social e saúde física e psíquica do(a) trabalhador(a), quer no bem-estar da sua família (Resolução do Parlamento Europeu n.º 2339, 2001).
Resta, por fim, referir a importância da questão do género na análise do assédio moral. É reconhecido que este fenómeno designa, identicamente, um comportamento discriminatório. Diversos estudos empíricos apontam para o facto de as mulheres serem mais frequentemente vítimas de fenómenos de assédio moral do que os homens. Por exemplo, um relatório da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Trabalho e de Vida5 – datado de 2000 e cujos resultados se basearam em entrevistas efectuadas nos então quinze Estados-membros – mostrava que as mulheres estavam mais sujeitas ao assédio moral do que os homens. Do mesmo modo, a Resolução do Parlamento Europeu sobre o Assédio Moral no Local de Trabalho considera, textualmente, que o assédio moral “é mais habitual entre as
mulheres do que entre os homens” (Resolução do Parlamento Europeu n.º 2339, 2001).
De facto – e não obstante a taxa de actividade feminina ter atingido nas três últimas décadas o seu ponto mais alto - têm sido diversos os factores de desigualdade diagnosticados no trabalho (Rebelo, 2002)6, sendo que o assédio moral é disso um exemplo7. Como constata Xxxxxx, ao mesmo tempo que se abrem novas perspectivas de emprego às mulheres, estas experimentam as piores condições de trabalho (Supiot, 1999). E, em geral mais precárias do que os homens, ao nível contratual e ao nível salarial, muitas mulheres estão mais vulneráveis
5 Cfr. Eurofound (2000), Employment Options and Labour Market Participation: Now and in the Future,
European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, Dublin.
6 A legislação sobre discriminação sexual tem sido influenciada por estes factores, razão pela qual, em Portugal – à semelhança de outros países europeus – a protecção legal da mulher no trabalho passa, em primeira linha, pela consagração constitucional do princípio da igualdade ou não discriminação. Reconhecido constitucionalmente quer como uma tarefa fundamental do Estado (artigo 9.º, alínea h), da CRP) quer como um direito perante a lei (n.º 2 do artigo 13.º da CRP), o princípio da igualdade e da não discriminação é especialmente relevante para a protecção das mulheres no trabalho: desde a admissão, passando pela execução do contrato de trabalho, até à cessação contratual, este princípio interdita toda a diferença de tratamento fundada – directamente ou indirectamente – em considerações ligadas ao género (cfr., com maior desenvolvimento, Rebelo, 2002).
7 Por exemplo, em Portugal, embora existam poucos estudos, uma investigação da CITE, publicada há cerca de uma década, concluía que o assédio sexual – variante do assédio moral – era um problema que afectava já, na década de 1990, uma em cada três mulheres no local de trabalho (Xxxxxxx e Lima, 1994).
a comportamentos persecutórios no trabalho e, por consequência, mais expostas ao assédio moral (Rebelo, 2004).
2. Assédio Moral e Política Social Europeia
Corno já foi referido, as sociedades contemporâneas – em particular os países europeus – têm vindo a atribuir crescente importância à protecção dos direitos relativos à dignidade e à integridade dos trabalhadores. De facto, nas últimas décadas, maxime ao longo dos anos 1990, produziram-se mudanças profundas no ambiente de trabalho com repercussões directas ao nível da exposição a riscos no local de trabalho, tendo a percepção dos trabalhadores do que será um “bom ambiente de trabalho” vindo, igualmente, a modificar-se.
Com efeito, o assédio pode provocar sérios danos, quer no ambiente de trabalho, quer no bem-estar geral do trabalhador, para além de poder fazer aumentar os custos organizacionais, nomeadamente sob a forma de absentismo, menor empenhamento, menor produtividade e/ou publicidade negativa para a organização (Xxxxxxxx et al., 2003).
Considerando a gravidade deste problema, o combate ao assédio tem sido, justamente, contemplado em diversos normativos comunitários.
Entre outras, a Directiva 2000/43/CE, de 29 de Junho de 2000, do Conselho das Comunidades Europeias – que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica – considera o assédio moral uma forma de discriminação, traduzindo-se no “comportamento indesejado relacionado com a origem racial ou étnica, com o objectivo ou o efeito de violar a dignidade da pessoa e de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”. Ou seja, configura o assédio como uma conduta abusiva que se manifesta de múltiplas formas – nomeadamente, comportamentos, palavras, intimidações, actos, gestos ou escritos – que tenham o objectivo ou o efeito de atentar contra a dignidade de um trabalhador na execução do seu trabalho.
Identicamente a Resolução do Parlamento Europeu n.º 2339/2001, sobre o Assédio Moral no Local de Trabalho – uma verdadeira “lei do assédio moral” que no seu texto teve em conta a Resolução de 13 de Abril de 1999 sobre a Modernização da Organização do Trabalho; a Resolução de 24 de Outubro de 2000 sobre Emprego; e a Resolução de 25 de Outubro de 2000, relativa à Agenda de Política Social – é inequívoca em realçar que o assédio, sendo prejudicial ao trabalhador, na medida em que constitui um risco potencial para a saúde, representa “um problema grave da vida laboral” ainda subestimado em muitos países da
União Europeia, o que justifica uma acção comum a nível comunitário. Esta Resolução exorta assim a Comissão Europeia a promover uma estratégia comunitária que considere o reforço da dimensão qualitativa da Política Social e de Emprego, bem como da “responsabilidade social das empresas” no que se refere aos aspectos do ambiente de trabalho (v. g., de ordem psíquica, psicológica e social), propondo, concomitantemente, a concretização de uma acção a longo termo – sistemática e preventiva – contra o assédio moral no trabalho8.
Ou seja, na União Europeia começa a ganhar expressão a ideia de que urge empreender uma acção comum que passe pela concepção de um conjunto de instrumentos eficazes para prevenir e combater este fenómeno, assegurando, paralelamente, a efectivação dos direitos à dignidade e integridade física e psíquica dos trabalhadores e o respeito pelo valor do trabalho. Alguns Estados-membros têm, portanto, dedicado atenção a esta matéria, regulamentando-a nos seus mais diversos aspectos, sendo já vários os que detêm legislação laboral que contempla o fenómeno específico do assédio moral exercido nos locais de trabalho9.
3. Enquadramento nacional
3.1. Antecedentes
Historicamente foi no final do século XIX – mas sobretudo na sequência da primeira guerra mundial – que se assistiu a uma maior intervenção do Estado nas relações sociais e económicas. Afirmando o valor da dignidade da pessoa humana e do indivíduo como ser livre inserido na sociedade, o Estado Social vai assumindo, progressivamente, maior protagonismo na tutela das condições materiais de vida dos cidadãos criando, inclusive, direitos sociais em áreas como as da economia, do mundo laboral ou da protecção social.
E é esta concepção de Estado Social de Direito, acolhida pela Constituição da República Portuguesa de 1976, que permitiu distinguir entre “direitos, liberdades e garantias” por um lado e, por outro, "direitos económicos, sociais e culturais”.
8 Salienta ainda, expressamente, a responsabilidade que cabe aos Estados-membros (e a toda a sociedade) com matéria de assédio moral e de violência no local de trabalho, convidando cada Estado – na perspectiva do combate ao assédio moral e sexual no local de trabalho – a analisar a sua legislação, bem como a examinar e a qualificar, de forma unificada, a definição de assédio moral.
9 V. g., em França – país precursor na tutela do assédio, sendo actualmente um dos Estados europeus onde a tutela do assédio se encontra mais desenvolvida – a lei de Modernização Social, de 17 de Janeiro de 2002.
Em Portugal, a Lei Fundamental de 1976 ampliou a constitucionalização dos direitos de personalidade e reforçou as garantias jurídico-constitucionais dos direitos de personalidade fundamentais, garantindo os direitos de personalidade já previstos na Constituição de 193310 e alargando o catálogo de direitos pela acentuação da sua dimensão objectiva11. Assim sendo, um dos princípios básicos do Estado de Direito Democrático português é o da afirmação do valor da dignidade da pessoa humana enquanto matriz dos direitos de personalidade: a pessoa e o respeito pela sua dignidade são o bem supremo da ordem jurídica, o seu fundamento e o seu fim12.
Não obstante este reconhecimento constitucional, na ordem jurídica nacional só recentemente – no Código do Trabalho – se acolheu a figura do assédio moral, estreitamente ligada ao respeito pela dignidade da pessoa no trabalho.
Contudo, convém realçar que, antes da sua consagração, a situação de assédio era já tratada na jurisprudência portuguesa – embora indirectamente – sob diversas vertentes, nomeadamente em sede de violação do dever de ocupação efectiva13, de violação do dever de respeito, ou da ilicitude do despedimento.
10 Nomeadamente, o direito à vida, o direito à integridade pessoal, o direito ao trabalho, o direito à liberdade e à inviolabilidade de domicílio e da correspondência, e o direito à liberdade de escolha de profissão, mas sem as limitações genéricas da parte final do § 1.º do artigo 8.º da Constituição de 1933, nem as restrições dos §§ 2.º a 4.º da mesma disposição constitucional.
11 Entende-se, assim, que o Estado representa um ponto de encontro e de síntese entre as exigências que decorrem das liberdades individuais e as necessidades básicas colectivas, para cuja tutela são criados e actuam os direitos sociais.
12 Aqui o texto constitucional português é claramente influenciado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada em 10 de Dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, onde se reconhece pela primeira vez que, todos os homens, pelo simples facto de o serem, têm direitos inerentes que derivam da sua própria dignidade e que se fundamentam nos conceitos de igualdade e de liberdade.
13 A título de exemplo, e sobre a tutela do dever de ocupação efectiva, veja-se o disposto no Ac. S.T.J. de 09- 04-2003. Em síntese: o trabalhador admitido mediante um contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo em casos pontuais comparecido com atrasos (justificados) na empresa foi, como “represália”, dispensado do exercício efectivo de actividade, tendo-lhe sido retirado o telemóvel e a viatura que haviam sido confiados para seu uso. Depois, a situação profissional veio a deteriorar-se consecutivamente, tendo o trabalhador sido aconselhado pelo seu médico de família a ficar de baixa médica por um período de cerca de uma semana por motivos psicológicos. Quando regressou ao seu posto de trabalho, após a baixa médica, verificou ter sido afastado de todas as funções que desempenhava, além de ser retirado da sala de vendas que compartilhava com os colegas de trabalho – onde possuía uma cadeira, uma secretária, um telefone, uma estante e todo o demais equipamento de escritório – o trabalhador foi posteriormente colocado numa
De facto, antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, a tutela do dever de ocupação efectiva - que designa um dever do empregador relativamente ao trabalhador que se traduz no direito deste a ser efectivamente ocupado – encontrava-se estreitamente associada à figura do assédio moral. Como refere Montxxxx Xxxxxxxxx, x Constituição da República Portuguesa (CRP) acolhe uma visão do trabalhador que ultrapassa os paradigmas da “fonte de rendimento” e dos “meios de subsistência” (Montxxxx Xxxxxxxxx, 0004: pág. 284). O trabalho é reconhecido como meio de "realização pessoal" e ao modo como ele é organizado “associa-se, como conotação valorativa, a “dignificação social” do trabalhador (...)” (Montxxxx Xxxxxxxxx, xxem, ibidem). Ora, ao estabelecer a proibição de o empregador obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho, o legislador consagra o direito à ocupação efectiva, meio de satisfação do interesse próprio do trabalhador exercer a sua actividade profissional (Leite, 1991).
Por outro lado, também a violação do dever de respeito – que se filia directamente na ideia de mútua colaboração - foi, por distintas vezes e perante um verdadeiro vazio legal, argumento para proteger, de forma indirecta, situações de assédio. Isto porque frequentemente o assédio exercido pelo empregador reflecte a inobservância do princípio da mútua colaboração, princípio que leva subentendida a garantia de que ao trabalhador é reconhecida uma verdadeira “cidadania empresarial”. Neste sentido, “o empregador deve reconhecer o trabalhador como seu colaborador, como um igual que participa no processo produtivo (...), pelo que deverá tratá-lo como tal” (Pintx xx al., 1994: pág. 87). Além disso, e se o trabalhador é, maxime, uma pessoa - sujeito de direitos e deveres – e não um mero produtor de trabalho, o empregador deve asseverar que “o cumprimento do débito laboral não force o trabalhador a desumanizar-se, a abdicar daquilo que, como homem, lhe é devido” (idem, ibidem), assegurando condições de trabalho dignas através do cumprimento do dever de respeito.
Por fim, este fenómeno foi também, indirectamente, apreciado ao momento da impugnação de despedimento ilícito14. Ora, aquando da impugnação do despedimento, muito
sala onde, isolado e sem qualquer instrumento de trabalho inerente às suas funções, permanecia oito horas diárias completamente inactivo.
14 Cfr. Ac. S.T.J. de 09-04-2003. Como se lê neste Acóxxxx: “o trabalhador afectado, desgastado psicologicamente, e em franca depressão (…) consultava habitualmente o seu médico de família e a sua psiquiatra, que lhe atribuíam as necessárias baixas e justificativos”. Mas não conseguindo suportar a humilhação, profissional e pessoal, o seu estado de saúde agravou-se, sendo novamente aconselhado pela médica psiquiatra a estar na situação de baixa médica até ao momento em que, por sua iniciativa, se
embora a figura jurídica não estivesse autonomizada na ordem jurídica portuguesa, confirmada a sua ilicitude, era possível concluir que a pressão psicológica a que o trabalhador estava sujeito – e que configurava uma situação de assédio moral – era causa do despedimento15.
A autonomização jurídica do assédio traduz a possibilidade de, mesmo após impugnado, se o despedimento do trabalhador vítima de assédio for considerado lícito, poder o trabalhador, ainda assim, ver reconhecida a situação de assédio e, consequentemente, ser indemnizado por esse facto.
Procurando responder a este vazio legislativo – e seguindo ainda a sensibilização europeia para a autonomização da figura16 – em Portugal a discussão em tomo da legislação relativa ao assédio moral iniciou-se em 200017. Contudo, por vicissitudes políticas, só aquando
apresentou novamente ao serviço e a culminar toda esta situação surge um processo disciplinar que termina com o despedimento.
15 Mas, e se muitas vezes o despedimento era considerado ilícito (porque, por exemplo, ao processo de despedimento faltava fundamentação da nota de culpa e/ou a não audição das testemunhas arroladas para a defesa do trabalhador), noutros casos sendo o processo de despedimento formalmente declarado lícito, a eventual existência de assédio exigia que se analisasse de forma autónoma a figura e se consagrasse a sua tutela, independentemente da ilicitude do despedimento.
16 Também a legislação europeia influenciou a legislação portuguesa. Veja-se, por exemplo, a Resolução do Parlamento Europeu sobre o Assédio Moral no Local de Trabalho n.º 2339 de 2001; a Resolução de 13 de Abril de 1999 sobre a Modernização da Organização do Trabalho; a Resolução de 24 de Outubro de 2000 sobre o Emprego; as Orientações para as Políticas de Emprego dos Estados-membros em 2001; e a Resolução de 25 de Outubro de 2000 relativa à Agenda de Política Social. Além do mais, as conclusões dos Conselhos Europeus de Nice (Dezembro de 2000) e de Estocolmo (Junho de 2001) haviam sugerido a autonomização da figura. Paralelamente o relatório efectuado pela Fundação de Dublin, em 2000, foi decisivo para desencadear uma mudança de perspectiva na Política de Emprego dos Estados-membros, dado que o documento sensibiliza para a tutela do assédio moral no trabalho.
17 Em Junho desse ano, o Partido Socialista apresentava o Projecto-Lei n.º 252/VIII, relativo à Protecção Laboral Contra o Terrorismo Psicológico ou Assédio Moral, onde pelo argumento de que “as sociedades contemporâneas – e em particular o Modelo Social Europeu – atribuem cada vez mais importância à protecção dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente no que se refere à sua dignidade e integridade psíquicas”, se afirmava a necessidade de autonomizar o assédio moral. Ainda nesse ano, o Partido Comunista Português apresentava o Projecto-Lei n.º 334/VIII, estabelecendo Medidas de Prevenção e Combate a Práticas Laborais Violadoras da Dignidade e Integridade Física e Psíquica dos Trabalhadores. Ainda aquando da discussão destes projectos-lei, também a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) e a União Geral de Trabalhadores (UGT) consideraram o assédio moral uma das formas mais graves de actos ilícitos praticados contra os trabalhadores.