CHRISTOVAM CASTILHO JÚNIOR
FUNDAÇÃO DE ENSINO “EURÍPIDES XXXXXX XX XXXXX” CENTRO UNIVERSITÁRIO “EURÍPIDES DE MARÍLIA” - UNIVEM PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
XXXXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXX
O CONTRATO ELETRÔNICO COMO INSTRUMENTO DE PROVA NO PROCESSO CIVIL
MARÍLIA 2011
O CONTRATO ELETRÔNICO COMO INSTRUMENTO DE PROVA NO PROCESSO CIVIL
Dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação strictu sensu em Direito da Fundação de Ensino "Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx", mantenedora do Centro Universitário Eurípides de Marília - UNIVEM, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.
Orientador:
Prof. Dr. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx
MARÍLIA 2011
XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxxxx
O contrato eletrônico como instrumento de prova no processo civil / Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx; orientador: Xxxx. Xx. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. Xxxxxxx, XX: [s.n.], 2011.
209 folhas
Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro Universitário Eurípides de Marília - Fundação de Ensino Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx.
1. A teoria contratual clássica e a visão moderna dos contratos 2. Teoria geral da prova 3. Da prova eletrônica.
CDD: 341.4641
O CONTRATO ELETRÔNICO COMO INSTRUMENTO DE PROVA NO PROCESSO CIVIL
Banca examinadora do Exame de Defesa Pública do Programa de Mestrado da UNIVEM,/F.E.E.S.R., como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Teoria do Direito e do Estado.
Resultado:
ORIENTADOR: Prof. Dr. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx
1º EXAMINADOR: Prof. Dr.
2º EXAMINADOR: Prof. Dr.
Xxxxxxx, 04 de março de 2011.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho primeiramente a Deus, que me concedeu forças e oportunidade para a sua realização.
Dedico também aos meus pais, Xxxxxx e Xxxxxxxxxx, que sempre estiveram ao meu lado em todos os momentos e, com seus ensinamentos mostraram-me a ser uma pessoa íntegra; verdadeiros exemplos de vida.
Dedico também a minha namorada Xxx, pelo companheirismo, não medindo esforços para que eu conseguisse concluí-lo.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, a DEUS, por me conceder a vida, coragem, força e fé para nunca
desistir.
Aos meus pais, irmãos, sobrinhos e amigos, por compreenderem a minha ausência durante todo esse processo de aprendizagem.
Em especial a minha mãe Xxxxxx, por ter acreditado em mim, pelo apoio, compreensão, ajuda financeira, e por tudo que sacrificou para possibilitar que este sonho fosse realizado. E a minha namorada Xxx, por ter me acompanhado sempre durante toda esta jornada, pelo amor, apoio, companheirismo e incentivo em todos os momentos.
Ao meu primo Xxxxxx, que me confiou a guarda de seus livros pessoais e que foram imprescindíveis à conclusão deste trabalho.
À UNIVEM pela recepção amiga, aos professores pelos ensinamentos, e aos colaboradores, em especial às queridas Xxxxxxx e Xxxxxxx, pelo atendimento acolhedor que me proporcionaram no decorrer deste curso.
Em especial ao professor Dr. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, que aceitou ser o orientador, dando o apoio necessário ao longo de todo o trabalho, com críticas e sugestões oportunas, paciência e dedicação.
Aos amigos e colegas com quem mantive contato durante o tempo em que permaneci nesta instituição, em especial à estimada mestranda Xxx Xxxxxx Xxxxxxx.
Enfim, a todos que colaboraram direta ou indiretamente para a concretização de mais um sonho.
Muito obrigado!
"Se o jurista se recusar a aceitar o computador, que formula um novo modo de pensar, o mundo, que certamente não dispensará a máquina, dispensará o jurista. Será o fim do Estado de Direito e a democracia se transformará facilmente em tecnocracia."
RENATO BORRUSO1
1 Autor do livro: Computer e diritto. Milano: [s.n.], 1989, p. 29. 2 v.
XXXXXXXX XXXXXX, Christovam. O contrato eletrônico como instrumento de prova no processo civil. 2011. 209 folhas. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro Universitário Eurípides de Marília, Fundação de Ensino Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Marília, 2011.
RESUMO
O despontar e a divulgação da internet trouxeram para as relações jurídicas decorrentes dos contratos clássicos uma nova roupagem: a eletrônica. Os canais de comunicação se difundiram de tal maneira que praticamente não se cogita em pode falar em fronteiras ou longos percursos físicos como barreira à celebração de negócios jurídicos. Com a vinda de sistemas computacionais interligados à rede mundial de computadores, a contratação pactuada por meio eletrônico passou a fazer parte do cotidiano das pessoas, gerando relações jurídicas, e que necessariamente devem ser objeto de compreensão e interpretação pela doutrina, jurisprudência, e pelos operadores do direito. É nesse contexto que o presente trabalho exibe um estudo sobre a validade jurídica dos contratos eletrônicos e sua admissibilidade como meio de prova no processo civil. A verificação das condições de existência e validade dos negócios jurídicos celebrados de forma clássica, sob a ótica dos meios eletrônicos de comunicação, divulga-nos a inexistência de impedimento legal que desautorize a aceitação desta nova forma de contratar. Outrossim, verifica-se, em nosso ordenamento jurídico, dispositivos normativos não-específicos que oferecem suporte legal à validade dos contratos pactuados por meio eletrônico, o que leva à conclusão que, mesmo sem a vigência de normas que tratam especificamente sobre a regulamentação das transações eletrônicas, há de ser sustentada a eficácia jurídica e a força probante dos contratos eletrônicos no processo civil.
Palavras-chave: Comércio eletrônico (e-commerce). Contrato eletrônico. Prova eletrônica.
XXXXXXXX XXXXXX, Christovam. The electronic contract as an instrument of proof in civil proceedings. 2011. 209 leaves. Dissertation in Law - University Center Euripides Marília, Education Foundation Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Xxxxxxx, 0000.
ABSTRACT
The emergence and dissemination of the Internet brought to the legal relations arising out of contracts a classic new-style: electronics. The communication channels are broadcast in such a way that hardly can speak in considering boundaries in long journeys or physical barrier to concluding legal transactions. With the advent of computer systems connected to the worldwide network of computers, agreed to contract by electronic means has become part of everyday life, creating relationships, which necessarily must be the object of understanding and interpretation by the doctrine, jurisprudence, and operators law. In this context, this paper shows a study on the legal validity of electronic contracts and their admissibility as evidence in civil proceedings. The verification of the conditions of existence and validity of legal transactions concluded in classic form, from the viewpoint of electronic media, announces us that there is no legal impediment deauthorize acceptance of this new form of contract. Moreover, there is, in our legal system, non-specific regulatory provisions that provide legal support to the validity of the contracts agreed by electronic means, which leads to the conclusion that even without the presence of rules that deal specifically on the regulation of transactions electronic, must be sustained and effective legal evidential weight of electronic contracts in civil procedure.
Keywords: Electronic commerce (e-commerce). Contract Electronic. Proof Electronic.
XXXXXX Xxxxxxxx, Xxxxxxxxx. El contrato electrónico como instrumento de la prueba en un procedimiento civil. 2011. 209 hojas. Tesis en Derecho - Centro de la Universidad de Eurípides Marília, Fundación para la Educación de Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Marília, 2011.
RESUMEN
El surgimiento y la difusión de Internet llevado a las relaciones jurídicas derivadas de los contratos de un nuevo clásico de estilo: la electrónica. Los canales de comunicación se difunden de manera que difícilmente se puede hablar en la consideración de los límites en viajes largos o barrera física a la celebración de negocios jurídicos. Con el advenimiento de los sistemas informáticos conectados a la red mundial de computadoras, acordó contrato por medios electrónicos se ha convertido en parte de la vida cotidiana, la creación de relaciones, que necesariamente debe ser objeto de comprensión e interpretación por la doctrina, la jurisprudencia, y los operadores ley. En este contexto, este trabajo muestra un estudio sobre la validez jurídica de los contratos electrónicos y su admisibilidad como prueba en procedimientos civiles. La verificación de las condiciones de existencia y validez de los actos jurídicos celebrados de forma clásica, desde el punto de vista de los medios electrónicos, nos anuncia que no hay impedimento legal retirar la autorización de la aceptación de esta nueva forma de contrato. Por otra parte, no es, en nuestro sistema jurídico, las disposiciones reglamentarias no específicos que sirven de apoyo jurídico a la validez de los contratos acordados por medios electrónicos, lo que lleva a la conclusión de que, incluso sin la presencia de las normas que tratan específicamente sobre la regulación de las transacciones electrónico, debe ser sostenida y eficaz peso legal probatoria de los contratos electrónicos en el procedimiento civil.
Palabras clave: El comercio electrónico (e-commerce). contrato electrónico. Prueba electrónica.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art. - Artigo
CC - Código Civil
CD - Compact Disc ou disco compacto CDC - Código de Defesa do Consumidor CF - Constituição Federal
CPC - Código de Processo Civil
DVD - Digital Video Disc ou Disco Digital de Vídeo ICP - Infra-Estrutura de Chaves Públicas
IN SRF - Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal Min. - Ministro
MP - Medida Provisória Nº - Número
ONU - Organização das Nações Unidas PL - Projeto de Lei
PLS - Projeto de Lei do Senado Federal Proc. - Processo
Rel. - Relator
REsp - Recurso Especial RT - Revista dos Tribunais
STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça TJ - Tribunal de Justiça
UNCITRAL - Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional
§ - Parágrafo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 13
CAPÍTULO 1 - A TEORIA CONTRATUAL CLÁSSICA E A VISÃO MODERNA DOS CONTRATOS 16
1.1 Conceito de contrato 16
1.2 Princípios contratuais 19
1.2.1 Princípios, regras e garantias 20
1.2.2 Autonomia da vontade 23
1.2.3 Supremacia da ordem pública 24
1.2.4 Consensualismo 25
1.2.5 Obrigatoriedade dos contratos 26
1.2.6 Relatividade dos efeitos do contrato 28
1.2.7 Boa-fé e probidade 29
1.2.8 Função social do contrato 30
1.3 Interpretação dos contratos 33
1.4 Requisitos dos contratos 35
1.4.1 Subjetivos 36
1.4.2 Objetivos 37
1.4.3 Formais 38
1.5. Formação dos contratos 40
1.5.1 A manifestação da vontade 40
1.5.2 Negociações preliminares 41
1.5.3 A proposta e a aceitação 42
1.5.4 Momento da conclusão do contrato 48
1.5.4.1 Contratos entre presentes e ausentes 48
1.5.5 Lugar da celebração 51
1.6 Classificação dos contratos. 51
1.6.1 Quanto aos efeitos 52
1.6.2 Quanto à formação 57
1.6.3 Quanto ao momento de sua execução 59
1.6.4 Quanto ao agente 60
1.6.5 Quanto ao modo por que existem 62
1.6.6 Quanto à forma 63
1.6.7 Quanto ao objeto 66
1.6.8 Quanto à designação 67
1.7 Extinção dos contratos 68
1.7.1 Causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato 69
1.7.1.1 Nulidade absoluta e relativa 69
1.7.1.2 Cláusula resolutiva 70
1.7.1.3 Direito de arrependimento 71
1.7.2 Causas supervenientes à formação do contrato 72
1.7.2.1 Resolução 72
1.7.2.2 Resolução por inexecução voluntária 73
1.7.2.3 Exceção de contrato não cumprido 73
1.7.2.4 Garantia de execução da obrigação a prazo 75
1.7.2.5 Resolução por inexecução involuntária 76
1.7.2.6 Resolução por onerosidade excessiva 77
1.7.2.6.1 A cláusula rebus sic stantibus e a teoria da imprevisão 77
1.7.2.6.2 A onerosidade excessiva no Código Civil 78
1.7.3 Resilição 80
1.7.3.1 Distrato e quitação 80
1.7.3.2 Resilição unilateral 81
1.7.3.3 Morte de um dos contratantes 83
1.7.3.4 Rescisão 83
CAPÍTULO 2 - TEORIA GERAL DA PROVA 85
2.1 Conceito de prova 85
2.2 Classificação da prova. 87
2.3 Objeto da prova 89
2.4 Fontes e meios de prova 92
2.5 Direito à prova no processo civil. 94
2.6 Poderes instrutórios do juiz 96
2.7 Ônus da prova 98
2.7.1 Inversão do ônus da prova. 101
2.7.1.1 Inversão legal 101
2.7.1.2 Inversão convencional 102
2.7.1.3 Inversão judicial 103
2.7.2 Momento de inversão do ônus da prova. 104
2.8 Valoração e hierarquia entre as provas 106
2.9 Prova emprestada 109
2.10 Provas ilícitas 111
CAPÍTULO 3 - DA PROVA ELETRÔNICA. 119
3.1 Contrato eletrônico 119
3.2 Contrato eletrônico como relação de consumo 123
3.3 Requisitos de validade do contrato eletrônico 126
3.4 Formação dos contratos eletrônicos. 129
3.4.1 Lugar. 130
3.4.2 Momento. 132
3.5 Classificação dos contratos eletrônicos 134
3.5.1 Contratos eletrônicos intersistêmicos 134
3.5.2 Contratos eletrônicos interpessoais 135
3.5.3 Contratos eletrônicos interativos 137
3.6 Autenticidade e integridade dos documentos eletrônicos 138
3.7 Assinatura digital 140
3.8 Criptografia simétrica e assimética 142
3.9 Autoridade certificadora e o certificado digital 146
3.10 Legislação vigente e tentativas de proteção no Brasil 149
3.10.1 Projetos de lei em tramitação no Brasil 152
3.11 O sigilo eletrônico e a privacidade on-line 158
3.12 Mecanismos existentes para soluções de conflitos de interesses envolvendo contratos eletrônicos. 160
CONCLUSÃO 162
REFERÊNCIAS 166
GLOSSÁRIO. 173
ANEXOS 176
ANEXO 01 - Medida Provisória nº 2.200/2001. 176
ANEXO 02 - Projeto de Lei nº 1.589/1999. 180
ANEXO 03 - Projeto de Lei nº 4.906/2001. 190
ANEXO 04 - Lei Modelo da UNCITRAL sobre comércio eletrônico. 202
INTRODUÇÃO
Vivemos num período de revolução tecnológica, onde a internet cresce dia-a- dia, transformando o cotidiano dos seres humanos e incorporando-se à vida de cada um. Este hodierno paradigma tem causado o aparecimento de uma nova sociedade, sem fronteiras, estabelecida de estratos culturais bem heterogêneos.
O mundo digital vem se difundindo em dimensões geométricas, fazendo-se acompanhar de novas relações jurídicas, com particularidades e peculiaridades próprias. Sem restar dúvidas, o meio eletrônico de comunicação é algo que predomina e veio para ficar e modificar os usos e costumes da sociedade.
Nesse contexto, o Direito, aqui estabelecido como um instrumento de controle social, precisa prestar atenção às novas perspectivas de relacionamento humano que, aos poucos, vão sendo produzidas pelos diversos avanços tecnológicos, entre os quais, os contratos eletrônicos, cada vez mais comuns e propagados entre nós. A urgência na elaboração de leis atualizadas ou a modificação de institutos e conceitos já consagrados, com o escopo de açambarcar as recentes situações jurídicas geradas por meio eletrônico, é assunto controvertido, que vem separando a opinião de magistrados, juristas, doutrinadores e demais estudiosos do Direito.
Uns acreditam que, juridicamente, não ocorreu nenhuma inovação por parte da internet, sendo esta vista como um mero canal de comunicação emergente. Nesse diapasão, Xxxxx (2001, p. 88), referindo-se aos contratos eletrônicos, constata que “[...] em nada inovaram, a não ser o meio físico utilizado, continuando, por ser uma expressão de vontades, perfeitamente aceitáveis em sua forma, principalmente por não haver restrições legais [...].” Outros, constatam que o repositório jurídico está defasado, em desuso, reclamando a atualização de seus conceitos e normas para que possa acompanhar os avanços e as conquistas sociais surgidos nos dias de hoje.
Nesse sentido, Barbagalo (2001, p. 90) entende que “[...] a legislação pátria dá abrigo aos contratos eletrônicos, prescindindo, destarte, da edição de novas regras para que esses surtam seus efeitos no mundo jurídico [...].”
Dessa forma, os contratos eletrônicos se tornam conhecidos e, com eles, questões como: Poderá o contrato eletrônico tomar o lugar com segurança os contratos tradicionais? Quais garantias podem ser ofertadas aos contratantes que usam a internet como meio de negociação? Existe algum meio efetivamente seguro que admita
pactuar negócios jurídicos eletronicamente? É a internet um local ou meramente um meio? Como não ter dúvida quanto a autenticidade e a integridade de um documento transmitido em meio eletrônico? Como enfrentar as situações litigiosas onde dois ou mais internautas contratantes, de nacionalidades diferentes, que não tenham a capacidade de chegar a um acordo sobre um contrato confeccionado eletronicamente, estando cada qual em seu país de origem? Qual legislação empregar? Se faz necessário gerar novas normas jurídicas para regrar as negociações por meio eletrônico ou somente tornar amplo o conceito dos institutos já tradicionalmente consagrados no direito contratual? Um contrato eletrônico pode ser empregado de forma válida como meio de prova?
Essas dúvidas produzidas pelo comércio eletrônico e pelos contratos via Internet tem enorme importância no mundo jurídico pela sua vasta complexidade e pelo fato de não estar disposta de maneira normativa, jurisprudencial e doutrinariamente. Nesse sentido, as relações jurídicas contratuais virtuais estabelecem uma realidade, que não se pode desprezar.
Há algumas barreiras à aceitação tranqüila e mansa dos documentos eletrônicos como meio de prova juridicamente válido, uma vez que a elevada volatilidade do meio magnético admite que os referidos documentos sejam alterados sem deixar qualquer indício de alteração. Isso traz muita insegurança às partes no que diz respeito à legitimidade e à integridade dos documentos eletrônicos, sendo preciso, porém, certo procedimento assecuratório que permita aos contratantes identificar a autoria do documento recebido e verificar a inalterabilidade de seu conteúdo. Nesse passo, tem papel essencial a questão da assinatura digital, criptografia simétrica e assimétrica, assim como a autoridade certificadora e o certificado digital.
Venosa (2006, p. 523, grifos do autor), ressalta a importância de regulamentação da assinatura digital ou eletrônica:
Dúvidas são levantadas quanto à forma de assinatura dos contratos realizados no comércio eletrônico (e-business, e-commerce). Na maioria das vezes, esses contratos são firmados por meio de um simples toque no mouse. Apesar de serem distantes das formas tradicionais, as assinaturas eletrônicas, cujo procedimento deve ser regulamentado, devem ser consideradas válidas e capazes de gerar uma relação contratual. Cuidados devem ser tomados para que se possa verificar a real intenção de contratar. Os meios para tal averiguação não são jurídicos, mas da seara da tecnologia da informática, cabendo a seus técnicos implementá-los.
Oportuno ressaltar que, conforme apontamentos de Xxxx e Xxxxx (2001), a eficácia probante do contrato eletrônico pode ser certificada pelo precavido arbítrio judicial, por intermédio recurso dos meios probatórios permitidos juridicamente e, em especial, do acompanhamento de um técnico em informática, ou seja, da prova pericial para verificar a autenticidade e integridade do documento informático, comprovando que o estabelecimento virtual está organizado de forma a conferir os maiores níveis de segurança quanto à identificação das partes e inalterabilidade do registro.
Outro ponto importante que se pretende discorrer diz respeito aos contratos estabelecidos entre pessoas que se encontram em países diversos e dessas relações jurídicas nasce a questão acerca da legislação de qual país deverá ser aplicada às transações comerciais eletrônicas.
O objetivo do presente trabalho é justamente esclarecer essas questões e, sobretudo, demonstrar os motivos pelas quais se acredita ser juridicamente válida a contratação transacionada de forma eletrônica pela rede mundial de computadores.
Ao iniciar o questionamento acerca dos contratos eletrônicos e seus pressupostos de validade, é preciso demonstrar um sucinto estudo sobre a tradicional concepção dos contratos, seus princípios fundamentais e requisitos indispensáveis. Para tanto, far-se-á uma breve abordagem da Teoria Contratual Clássica, mostrando seus institutos e procedimentos mais relevantes, na visão de alguns dos mais renomados doutrinadores brasileiros. Posteriormente, irá ser demonstrada a compatibilidade dos institutos tradicionais com a concepção eletrônica de contrato, documento, proposta e oblação, informando que, em determinados casos, será indispensável a ampliação de alguns conceitos clássicos para que possam se adequar às novas tecnologias.
Outrossim, faz-se necessário dispor de algumas considerações relevantes a respeito da Teoria Geral da Prova, dando ênfase à prova documental, a fim de que, com isso, esse novo e revolucionário meio de contratação, pela via eletrônica, possa ser compreendido de maneira mais clara.
Ao término, discorrer-se-á sobre a Prova Eletrônica, dando ênfase ao contrato eletrônico e seus reflexos nas relações consumeiristas, onde se apresentará ainda as legislações mais pertinentes ao tema, em especial a Lei Modelo da UNCITRAL, aprovada por uma comissão especial da ONU em 1996, com o escopo de auxiliar os países a uniformizar e produzir suas leis que versam sobre o comércio eletrônico.
Em seguida, serão apontados os principais projetos de lei que cuidam da matéria, e outros que porventura de alguma forma refletem nos contratos eletrônicos, e
para concluir, a defesa da tese da força probante dos contratos eletrônicos e sua validade no mundo jurídico.
CAPÍTULO 1 - A TEORIA CONTRATUAL CLÁSSICA E A VISÃO MODERNA DOS CONTRATOS
“Antes de assinar um contrato, leia-o minuciosamente. Lembre-se de que as letras grandes dão e as miúdas tomam.”
(H. Jackson
Brown)2
1.1 Conceito de contrato
Vários são os conceitos sobre contrato, originados essencialmente da descrição legal, repositório de todos os seus elementos objetivos e subjetivos. Sem dúvida é um dos mais importantes institutos jurídicos, tendo em vista ser a base de quase todas as relações humanas em sociedade.
A vontade humana configura a sua estrutura ética, que por sua vez, se estabelece nos princípios de segurança e liberdade volitiva. Como não poderia deixar de ser, o contrato se fixa na lei ou na licitude de seu objeto, de modo que o mesmo, sendo considerado como suporte das relações jurídicas, não admite as condutas ilícitas, visto que estas infringem a ordem jurídica e social, levando certamente, à falência das instituições.
Segundo Venosa (2006, p. 360, grifo do autor), “a palavra contractus significa unir, contrair. Não era o único termo utilizado em Direito Romano para finalidades semelhantes. Convenção, de conventio, provém de cum venire, vir junto. E pacto provém de pacis si, estar de acordo”.
Convenção é a forma considerada mais abrangente e aplicável a toda espécie de ato ou negócio bilateral.
O termo pacto está relacionado com as cláusulas acessórias que se unem a uma convenção ou contrato, alterando seus efeitos naturais, como o pacto de melhor comprador na compra e venda e o pacto antenupcial no casamento. Já o pacto utilizado de maneira simples, não tem a mesma noção de contrato, pois é usado para denominar um acordo de vontades sem força cogente.
2 H. Xxxxxxx Xxxxx, Xx. é um escritor estadunidense conhecido por seu livro Life’s Little Instruction Book.
O legislador pátrio sequer teve a preocupação de estabelecer um conceito para contrato, deixando essa função para os doutrinadores.
Diniz (2006, p. 24), apresenta o contrato como sendo "o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial."
Diante da presente citação, nota-se que em termos mais técnicos, um contrato pode ser considerado como uma espécie de negócio jurídico3, de natureza bilateral ou
3 Nesse sentido, oportuno ressaltar as definições de fato jurídico, ato jurídico e negócio jurídico: Todo fato, para ser considerado jurídico, deve passar por um juízo de valoração. O ordenamento jurídico, que regula a atividade humana, é composto de normas jurídicas, que prevêem hipóteses de fatos e conseqüentes modelos de comportamento considerados relevantes e que, por isso, foram normatizados. Estes, depois de concretizados, servem de suporte fático para a incidência da norma e o surgimento do fato jurídico.
Fato jurídico em sentido amplo é, portanto, todo acontecimento da vida que o ordenamento jurídico considera relevante no campo do direito.
Para ser erigido à categoria de fato jurídico basta que esse fato do mundo, mero evento ou conduta, seja relevante à vida humana em sua interferência intersubjetiva, independentemente de sua natureza. Tanto o simples evento natural como o fato do animal e a conduta humana podem ser suporte fático de norma jurídica e receber um sentido jurídico. Os fatos jurídicos em sentido amplo podem ser classificados em: fatos naturais (fatos jurídicos em sentido estrito) e fatos humanos (atos jurídicos em sentido amplo). Os primeiros decorrem da natureza e os segundos da atividade humana. Os fatos naturais, por sua vez, dividem-se em ordinários (nascimento, morte, maioridade, decurso do tempo) e extraordinários (terremoto, raio, tempestade e outros fatos que se enquadram na categoria do fortuito ou força maior). Já os fatos humanos ou atos jurídicos em sentido amplo, são ações humanas que criam, modificam, transferem ou extinguem direitos e dividem-se em lícitos e ilícitos. Os lícitos são os atos humanos a que a lei defere os efeitos almejados pelo agente, pois são praticados conforme o ordenamento jurídico, e, portanto, produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. Os ilícitos, por serem praticados em desacordo com o prescrito no ordenamento jurídico, embora repercutam na esfera do direito, produzem efeitos jurídicos involuntários, mas impostos por esse ordenamento. Ainda quanto aos atos lícitos, são divididos em ato jurídico em sentido estrito (ou meramente lícito), negócio jurídico e ato-fato jurídico. Nos dois primeiros, exige-se uma manifestação de vontade. Já no ato-fato jurídico ressalta-se a consequência do ato, o fato resultante, sem se levar em consideração a vontade de praticá-lo. Muitas vezes o efeito do ato não é buscado nem imaginado, mas decorre de uma conduta e é sancionado pela lei, como no caso da pessoa que acha, casualmente, um tesouro. A conduta do agente não tinha por fim imediato adquiri-lhe a metade, mas tal acaba ocorrendo, por força do disposto no artigo 1.264 do Código Civil, ainda que se trate de um absolutamente incapaz. É que em certas ações humanas que a lei encara como fatos, sem levar em consideração a vontade, a intenção ou a consciência do agente, demandando apenas o ato material de achar. Assim, o louco, pelo simples achado do tesouro, torna-se proprietário de parte dele. Essas ações são denominadas pela doutrina atos-fatos jurídicos, expressão divulgada por Pontes de Xxxxxxx. No negócio jurídico há uma composição de interesses, um regramento geralmente bilateral de condutas, como ocorre na celebração dos contratos. A manifestação de vontade tem finalidade negocial, que em geral é criar, adquirir, transferir, modificar, extinguir direitos etc. Mas há alguns negócios jurídicos unilaterais, em que ocorre o seu aperfeiçoamento com uma única manifestação de vontade. Podem ser citados como exemplos o testamento, a instituição de fundação e a renúncia de herança. O novo Código Civil substituiu a expressão genérica “ato jurídico”, que se encontrava no Código de 1916, pela designação específica “negócio jurídico”, porque somente este é rico em conteúdo e justifica uma pormenorizada regulamentação, aplicando-se-lhe os preceitos constantes do Livro III. E, com relação aos atos jurídicos lícitos que não sejam negócios jurídicos, abriu-lhes um título, com artigo único (Título II, art. 185), em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposições disciplinadoras do negócio jurídico. (XXXXXXXXX, 2007, p.98-101)
Diante do exposto, qual ou quais as diferenças entre fato jurídico, ato jurídico e negócio jurídico? O fato jurídico não se subordina a qualquer condição ou requisito existencial, posto que sua ocorrência, em
plurilateral, dependente, para sua constituição, da união da vontade de pelo menos duas partes, que criam, entre si, uma norma jurídica individual reguladora de interesses privados. Nesse contexto, o contrato tem por base o concurso da vontade humana, capaz de instituir direitos e obrigações, em regra, entre as partes contratantes, restrita pela ordem jurídica.
Para a sua formação, o contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende necessariamente da interação de pelo menos duas partes, constituindo-se em um negócio jurídico bilateral ou plurilateral. No entanto, diferem-se, na teoria dos negócios jurídicos, os unilaterais, que se concretizam por meio da manifestação de vontade de somente uma das partes (DINIZ, 2006).
Enfim, nota-se que o contrato é considerado uma espécie do gênero negócio
jurídico.
Xxxxxxx (2005, p. 7, grifo do autor), menciona o fundamento ético do contrato e
passa a conceituá-lo como sendo:
[...] a vontade humana, desde que atue na conformidade da ordem jurídica. Seu habitat é a ordem legal. Seu efeito, a criação de direitos e de obrigações. [...] Com a pacificidade da doutrina, dizemos então que
o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos.
tese, independe de qualquer outra circunstância. Em si mesmo, não tem relevância jurídica, pois constituí tão somente um referencial, melhor dizendo, apenas a matéria prima em que repousam as pretensões jurídicas.
O fato jurídico pode ser derivado do ato jurídico, mas o contrário não é verdadeiro, justo porque as duas premissas são excludentes entre si. O ato jurídico é o regente; o fato jurídico é o regido. Há, entre os mesmos, uma relação de subordinação e de dependência.
Da mesma forma que o ato jurídico deve apresentar agente, objeto e forma, o negócio jurídico também. Mas, a divergência entre os conceitos está na voluntariedade, ou, num campo mais abrangente, a exigência indispensável de atuação da vontade consciente das partes.
Nesse sentido, no negócio jurídico (em um contrato de compra, por exemplo), a ação humana visa diretamente a alcançar um fim prático permitido na lei, dentre a multiplicidade de efeitos possíveis. Por essa razão é necessária uma vontade qualificada, sem vícios.
Já no ato jurídico em sentido estrito, o efeito da manifestação da vontade está predeterminado na lei, como ocorre com a notificação, que constitui em mora o devedor, o reconhecimento de filho, a tradição, a percepção dos frutos, a ocupação, o uso de uma coisa etc., não havendo, por isso, qualquer dose de escolha da categoria jurídica. A ação humana se baseia não numa vontade qualificada, mas em simples intenção, como quando alguém fisga um peixe, dele se tornando proprietário graças ao instituto da ocupação.
O ato material dessa captura não demanda a vontade qualificada que se exige para a formação de um contrato. Por essa razão, nem todos os princípios do negócio jurídico, como os vícios do consentimento e as regras sobre nulidade ou anulabilidade, aplicam-se aos atos jurídicos em sentido estrito não provenientes de uma declaração de vontade, mas de simples intenção.
Verifica-se, assim, que o ato jurídico é menos rico de conteúdo e pobre na criação de efeitos. Não constitui exercício da autonomia privada e a sua satisfação somente se concretiza pelos modos determinados na lei. (GOXXXXXXX, 2009, pags. 280 a 306)
Diante das presentes citações, nota-se, portanto, que há entre os doutrinadores brasileiros, uma única ideia de que o contrato é um negócio jurídico firmado entre duas ou mais pessoas, que acordam sobre determinado objeto, estabelecendo entre elas obrigações e direitos não proibidos pelo ordenamento jurídico, produzindo, assim, uma norma jurídica individual que vincula as partes.
Dessa forma, sempre que o negócio jurídico proceder de um mútuo consenso, da manifestação de duas vontades, estará diante de um contrato. Essa comprovação leva à ilação de que o contrato não se delimita ao direito das obrigações, estendendo-se a outros ramos do direito privado (o casamento, por exemplo, é considerado um contrato especial, um contrato do direito de família) e também ao direito público (são em grande número os contratos celebrados pela Administração Pública, com características próprias), assim como a toda espécie de convenção. Todavia, o conceito de contrato restringe-se aos pactos que criem, modifiquem ou extingam relações patrimoniais.
O contrato, no direito civil, aparece no direito das obrigações, assim como também no direito das coisas. Cuida-se de uma figura jurídica que transpõe o âmbito do direito civil, sendo expressivo o número de contratos de direito público hoje celebrados.
No tocante aos contratos eletrônicos, o conceito permanece o mesmo, apenas com a ressalva de que, ao contrário de serem firmados pela via tradicional do documento escrito, a solenidade é concretizada de forma eletrônica, por meio de um instrumento eletrônico, pelo qual as partes manifestam o interesse e o consentimento em contratar.
Oportuno destacar ainda, que as negociações realizadas pela internet são viabilizadas em virtude de um instrumento jurídico tradicional chamado contrato e que, por assim ser, nada de novo haveria em relação aos contratos eletrônicos, salvo algumas particularidades inerentes ao próprio meio digital no qual foi formado, que serão oportunamente explicitadas no Capítulo 3.
1.2 Princípios contratuais
A teoria contratual clássica, tradicionalmente, fixou alguns princípios que têm direcionado o chamado direito contratual. Seguindo a visão moderna dos contratos, o Código Civil de 2002, buscou afastar-se das concepções individualistas que guiaram o diploma anterior para seguir orientação compatível com a socialização do direito contemporâneo.
Apesar dos contratos eletrônicos serem celebrados utilizando-se o tradicional instituto do contrato e seus princípios contratuais, as características particulares do meio eletrônico, em especial a volatilidade, encontra-se de forma não unânime na doutrina, princípios específicos. Nesse sentido, pode-se mencionar o autor Luxx Xxxxxxxx Xxxxxxx (2001) que apresenta um rol de princípios específicos, inerentes à negociação eletrônica, acrescentando aos tradicionalmente consagrados os princípios da identificação, da autenticação, do impedimento de rejeição, da verificação e da privacidade.
O princípio da identificação, conforme Vexxxxx (2001), estabelece que a validade de um contrato eletrônico só será admitida se as partes contratantes estiverem devidamente identificadas, de forma que o aceitante deve ter plena certeza de que o proponente é mesmo o proponente, e vice-versa.
O princípio da autenticação exige que as assinaturas eletrônicas das partes sejam autenticadas por autoridades certificadoras capazes de identificar com precisão os contratantes.
O princípio do impedimento de rejeição desautoriza as partes alegarem a invalidade do contrato com base única e tão somente no fato de ter sido ele celebrado por meio eletrônico.
O princípio da verificação obriga o armazenamento dos contratos em meio eletrônico para possibilitar a verificação futura.
E ainda, o princípio da privacidade exige que o ambiente onde será celebrado o contrato garanta a privacidade nas comunicações, sob pena de o contrato eletrônico ser invalidado.
Deve-se acrescentar aos referidos princípios um que é sui generis ao contrato eletrônico, qual seja, o da equivalência funcional, que equipara a mensagem eletrônica a qualquer documento tradicional (Lei Modelo de Comércio Eletrônico da UNCITRAL, artigo 6º). Pois, com fundamento nesse princípio que certas questões, como a ausência de legislação específica sobre contratos eletrônicos, são resolvidas.
Por último, deve-se fazer referência ao princípio que dá fundamento à existência dos contratos eletrônicos, que é o da liberdade das formas. Assim, como os contratos podem ser convencionados de qualquer maneira, desde que a lei não admita forma específica, os contratos eletrônicos são perfeitamente válidos.
Nota-se que os princípios acrescidos visam assegurar a validade jurídica dos contratos eletrônicos, garantindo-lhes a autenticidade e a integridade que, sem as devidas cautelas, poderiam ser facilmente fraudadas no meio eletrônico.
1.2.1 Princípios, regras e garantias
Trata-se de tipos distintos de norma. Embora princípios, regras e garantias comportem significados abstratos, a abstração e a generalidade presentes em cada um devem ser vistas de formas diferentes.
Princípios, segundo Alxxx (2008), são mandamentos de otimização, ou seja, normas que ordenam que algo seja realizado de forma mais produtiva, levando-se em consideração as circunstâncias reais e jurídicas existentes.
Os princípios podem entrar em contradição uns com os outros e o que restringe a realização de um princípio é a necessidade de efetivação de outro princípio mais relevante.
Nesse sentido, princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes no caso concreto. Deve-se ressaltar, que a ideia da realização completa de um determinado princípio, geralmente é obstada pela realização de outro princípio. Alxxx (2008) resume essa relação de precedência condicionada em uma lei de colisão entre princípios, que deve ser resolvida por meio de um sopesamento, para que se possa chegar a um resultado ideal. Esse resultado vai depender das variáveis do caso concreto e é por isso que não se pode falar que um princípio P1 sempre prevalecerá sobre o princípio P2 (P1 P P2), devendo-se sempre falar em prevalência do princípio P1 sobre o princípio P2, diante das condições C (P1 P P2) C.
Portanto, para se chegar a um resultado ideal é necessário, na maioria dos casos, restringir a realização de um ou de ambos os princípios. Os princípios expressam deveres e direitos prima facie, que poderão revelar-se menos amplos após o sopesamento com princípios colidentes.
Contextualizando com o tema ora em comento, pode-se mencionar, por exemplo, a tensão que se estabelece entre a proteção da dignidade humana e da esfera íntima de uma pessoa (CF, art. 1º, III e art. 5º, X) e o direito de proteção judicial de outra pessoa (CF, art. 5º, XXXV) não se resolve com a primazia imediata de um princípio sobre o outro. Nesse sentido, uma perícia judicial é vedada, sempre que da sua realização ocorrer afronta à dignidade pessoal de outrem.
Ainda segundo Alxxx (2008), regras são mandamentos definitivos, ou seja, normas que ordenam a realização de alguma coisa numa medida previamente definida.
Assim, são normas de conduta do ordenamento jurídico que prescrevem imperativamente uma exigência determinada com a finalidade de que algo seja observado.
Havendo um conflito entre regras, nem sempre é possível resolver por meio de “cláusula de exceção” em uma das duas regras, pois pode ocorrer que as duas regras estabeleçam conseqüências jurídicas inconciliáveis para o mesmo fato. Portanto, uma delas deve ser considerada inválida, pois ou uma norma é válida ou não é.
A título exemplificativo, se pode mencionar o exemplo trazido por Alxxx (2008), no sentido de que se há uma regra que proíbe que os alunos de uma escola deixem as salas de aula antes que o sinal soe e, no conjunto de regras da mesma escola, existe uma outra que torna obrigatório que os alunos deixem as salas de aula se tocar o alarme de incêndio, temos aqui um conflito parcial, pois o efeito jurídico da segunda, sair da sala mesmo que não toque o sinal, desde que toque o alarme, não é compatível com a proibição total de sair da sala antes do sinal, como exige a primeira regra. O preceito para a solução deste conflito é estabelecido pela máxima lex specialis derogat legi generali e, portanto, a segunda regra será encarada como uma exceção à primeira.
A distinção entre princípios e regras, ainda segundo o referido autor, está fundamentada na tese da separação qualitativa, no sentido de que as regras expressam direitos e deveres definitivos, ou seja, se uma regra é válida, então deve se realizar exatamente aquilo que ela prescreve, nada mais, nada menos. Já no caso dos princípios, o grau de realização pode variar, conforme o caso concreto e a necessidade de sopesamento.
Já as garantias, são na maioria das vezes confundidas com direitos ou princípios, apesar dos mesmos terem, em certos momentos, profunda semelhança semântica, tanto que não é incomum colocar princípios extraídos do texto com equivalência às garantias.
Levando-se em consideração um conceito amplo, pode-se mencionar que as garantias podem ser postas como os pressupostos e bases do exercício e tutela dos direitos fundamentais, ao mesmo passo que rege, com proteção adequada, nos limites da constituição, o funcionamento de todas instituições existentes no Estado. Já um conceito mais específico, no sentido de garantia constitucional individual (ou garantia individual), exprime os meios, instrumentos, procedimentos e instituições destinados a assegurar o respeito, a efetividade do gozo e a exigibilidade dos direitos individuais expressos principalmente no artigo 5º da Constituição Federal.
Contextualizando com o referido artigo, podem-se elencar algumas garantias constitucionais previstas no processo, tais como: devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), inafastabilidade do Judiciário (CF, art. 5º, XXXV), isonomia processual (CF, art. 5º, I), contraditório e ampla defesa (CF, art. 5º, LV), juiz natural (e promotor) natural (CF, art. 5º, XXXVII e LIII), publicidade dos atos processuais (CF, art. 5º, LX, art. 93, IX), motivação das decisões (CF, art. 93, IX), inadmissão da prova ilícita (CF, art. 5º, LVI) e o duplo grau de jurisdição (CF, art. 5º, LV, segunda parte, arts. 92, 102, 105 e 108), dentre outros.
Portanto, garantia é a instituição gerada para beneficiar o indivíduo, de modo que armado com ela, tenha a possibilidade de ver assegurado qualquer dos direitos individuais que compõem em conjunto a liberdade civil e política.
A diferença entre princípios e garantias, pode ser traduzida da seguinte maneira: os princípios são a base da constituição, em que todas as outras normas se apoiarão, e, implicitamente, a respeitarão. Já as garantias são os meios ou instrumentos pelos quais tais normas obedecem aos princípios, que constituem os direitos fundamentais do homem.
Diante do exposto, ressalta-se que os princípios, regras e garantias também aplicam-se aos contratos eletrônicos, e existirão situações que, não obstante a ausência de lei específica, os mesmos servirão como um norte para o julgador, no sentido de encontrar a decisão mais justa e adequada ao caso concreto.
1.2.2 Autonomia da vontade
O princípio da autonomia da vontade relaciona-se com a capacidade volitiva das partes que, por meio de um acordo de vontades, podem convencionar livremente o que bem lhes aprouver. Esta liberdade de agir, no entanto, sempre estará limitada pela ordem pública e pelos bons costumes.
Os princípios da liberdade de contratar ou não contratar, da liberdade de criação do contrato, da liberdade de fixar o conteúdo do contrato, da liberdade de escolher com quem deseja contratar, encontram-se implícitos no princípio da autonomia da vontade.
Conforme ressalta Venosa (2006, p. 371), essa liberdade de contratar pode ser vista sob dois aspectos, senão vejamos:
Pelo prisma da liberdade propriamente dita de contratar ou não, estabelecendo-se o conteúdo do contrato, ou pelo prisma da escolha da modalidade do contrato. A liberdade contratual permite que as partes se valham dos modelos contratuais constantes do ordenamento jurídico (contratos típicos), ou criem uma modalidade de contrato de acordo com suas necessidades (contratos atípicos).
A escolha em contratar ou não, mostra-se relativa, nos dias atuais, levando em consideração que a vida em sociedade obriga as pessoas a realizar, frequentemente, contratos de toda espécie, como o de compra de alimentos, o de fornecimento de bens e serviços públicos (água, telefone, energia elétrica etc.), o de transporte, e de aquisição de jornais. O licenciamento de um veículo, por exemplo, é condicionado à celebração do seguro obrigatório.
Sofre restrições hoje também, a liberdade de escolha do outro contraente (de contratar com quem quiser), como por exemplo, nos casos de serviços públicos concedidos sob regime de monopólio e nos contratos submetidos ao Código do Consumidor.
Wald (2010, p. 210, grifo do autor), ressalta que:
A liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato, enquanto a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato. A primeira se refere à possibilidade de realizar ou não um negócio, enquanto que a segunda importa na fixação das modalidades de sua realização.
Não se pode esquecer que a liberdade de contratar não é ilimitada ou absoluta, sendo que está limitada pela supremacia da ordem pública, que impede acordos que vão contra aos bons costumes, de forma que a vontade dos contratantes está subordinada ao interesse coletivo.
Pelo Código Civil, no artigo 421, “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” Então, no contrato, deverá constar por finalidade e por limite a sua função social.
Diante do exposto, nota-se que repelido está o individualismo, tendo em vista que a autonomia da vontade está limitada pela intervenção estatal, ante a função econômico-social daquele ato negocial, que o condiciona ao atendimento do bem comum e dos fins sociais.
1.2.3 Supremacia da ordem pública
O Código Civil Brasileiro, por sua vez, afirma, no parágrafo único do art. 2.035, que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.”
Sexxxxx Xxxxxxxxx (2004, p. 16, grifo do autor), “a idéia de ordem pública é constituída por aquele conjunto de interesses jurídicos e morais que incumbe à sociedade preservar. Por conseguinte, os princípios de ordem pública não podem ser alterados por convenção entre os particulares. Jus publicum privatorum pactis derrogare non potest.”
A ordem pública é considerada também uma cláusula geral, que está no nosso ordenamento por meio do artigo 17, da Lei de Introdução ao Código Civil, onde preceitua que “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.” Regra de direito internacional privado que elimina a eficácia de qualquer declaração de vontade ofensiva da ordem pública.
Ainda, segundo Pexxxxx (2005, p. 25, grifo do autor), destaca que a doutrina considera como ordem pública:
Segundo doutrinas aceitas com visos de generalidade, condizem com a ordem pública as normas que instituem a organização da família (casamento, filiação, adoção, alimentos); as que estabelecem a ordem de vocação hereditária e a sucessão testamentária; as que pautam a organização política e administrativa do Estado, bem como as bases mínimas da organização econômica; os preceitos fundamentais do Direito do Trabalho; enfim, as regras que o legislador erige em cânones basilares da estrutura social, política e econômica da Nação. Não admitindo derrogação, compõem leis que proíbem ou ordenam cerceando nos seus limites a liberdade de todos.
Os direitos igualmente precisam ser exercidos no limite ordenado pelos bons costumes, conceito que nasce da observância das normas de convivência, de acordo com o padrão de conduta social estabelecido pelos sentimentos morais da época, servindo para definir o comportamento das pessoas.
Pode-se dizer que “bons costumes são aqueles que se cultivam como condições de moralidade social, matéria sujeita a variações de época a época, de país a país, e até dentro de um mesmo país e mesma época” (PEREIRA, 2005, p. 26).
Nesse sentido, observa-se que os contratantes expõem as suas vontades à noção de ordem pública e ao respeito aos bons costumes, que constituem limites e restrições à
liberdade contratual, fazendo com que o contrato seja visto como o momento de equilíbrio destas duas forças.
1.2.4 Consensualismo
Segundo esse princípio, o simples acordo de vontades é suficiente para se estabelecer o contrato, indo contra ao formalismo e ao simbolismo que vigoravam no Direito Romano, onde considerava a necessidade de certa materialidade, sem a qual não concebia sua existência jurídica.
De fato, atualmente a direção volitiva é suficiente para firmar um contrato válido, uma vez que, em regra, não se exige forma especial para sua constituição. Apenas o simples consentimento basta para tornar válido e perfeito o vínculo contratual. Decorre ele da concepção moderna de que o contrato surge do acordo de vontades, independentemente da entrega da coisa.
Nesse sentido, Pereira (2005, p. 18, grifo do autor), reproduz uma observação interessante:
Quando, pois, no limiar da Idade Moderna, um jurista costumeiro, como Loxxxx, dizia que “os bois se prendem pelos chifres e os homens pela palavra”, fazia na verdade, e a um só tempo, uma constatação e uma profissão de fé: testemunhava em favor da força jurígena da palavra em si mesma, e deitava uma regra, segundo a qual os contratos formavam-se, em princípio, solo consensu.
Desde que as partes conciliem no objeto e no preço, a compra e venda, por exemplo, torna-se perfeita e obrigatória. O contrato se torna perfeito e acabado desde o exato momento em que o vendedor concordar com o preço ofertado pela coisa, independentemente da entrega da mesma (Código Civil, artigo 482).
A entrega e o pagamento do objeto constituem outra fase, a do cumprimento das obrigações assumidas pelos contratantes (Código Civil, artigo 481).
Em decorrência da necessidade de garantir às partes contratantes segurança jurídica, fez com que o legislador fizesse determinadas exigências materiais, subordinadas ao tema do formalismo, como, por exemplo, a elaboração de instrumento escrito para a venda de automóveis; a exigência do registro na alienação fiduciária em garantia; e a obrigatoriedade de inscrição no registro imobiliário, para que as promessas de compra e venda, sejam favorecidas de execução específica com eficácia real (Código Civil, artigos 1.361, § 1º e 1.417).
Exceto nos casos em que a lei, para dar maior seriedade e segurança ao negócio, exija a forma escrita, pública ou particular, as partes têm a faculdade de celebrar o contrato por escrito, público ou particular, ou ainda, verbalmente (Código Civil, artigo 107).
Assim, o consensualismo, é a regra, e o formalismo, portanto, a exceção.
1.2.5 Obrigatoriedade dos contratos
O princípio da obrigatoriedade das convenções, que também é conhecido e denominado de princípio da força vinculante dos contratos estabelece que o fixado entre as partes, precisa ser fielmente cumprido. Demonstra este princípio o provérbio latino pacta sunt servanda (os pactos necessitam ser cumpridos), sendo certo que, o contrato, desde que firmado de forma válida e contendo os requisitos legais, faz lei entre as partes e, consequentemente as obriga ao cumprimento das obrigações livremente acordadas.
Vale ressaltar que o princípio da obrigatoriedade não é absoluto, havendo a possibilidade do descumprimento de cláusulas contratuais, sem sofrer qualquer penalidade, sempre que as partes voluntariamente rescindirem o contrato ou quando na ocorrência de casos fortuitos ou força maior, conforme disposto no parágrafo único do artigo 393, do Código Civil, ou, ainda, no caso de incidência da chamada teoria da imprevisão, consagrada na cláusula rebus sic stantibus4. Conforme a presente teoria, há revisão das disposições do contrato quando houver desequilíbrio entre os contratantes, decorrente de excessiva onerosidade no cumprimento de determina prestação. Encontramos também, outra exceção, disposta no Código de Defesa do Consumidor, que elenca a possibilidade do consumidor desistir do contrato sempre que a contratação de fornecimento de produtos ou serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial (Lei nº 8.078/1990, artigo 49).
Nesse contexto, Dixxx (2006, p. 41, grifo da autora), menciona que a Doutrina e a Jurisprudência já vinham adotando dia a dia a teoria da imprevisão, antes mesmo da inserção no Código Civil de 2002, que dispõe o que segue:
4 A cláusula rebus sic stantibus, elaborada pelos pós-glosadores, esposa a ideia de que todos os contratos dependentes de prestações futuras incluíam cláusula tácita de resolução, se as condições vigentes se alterassem profundamente. Contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur.
Tal ideia se inspirava em princípio de equidade, pois se o futuro trouxesse um agravamento excessivo da prestação de uma das partes, estabelecendo profunda desproporção com a prestação da outra parte, seria injusto manter-se a convenção, pois haveria o indevido enriquecimento daquele, com o injustificado empobrecimento deste.
Art. 478: Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação; Art. 479: A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato; e Art. 480: Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar onerosidade excessiva. Fato hoje incontestado ante a expressa permissão legal da revisão judicial por onerosidade excessiva, oriunda de fato superveniente extraordinário e imprevisível, nas relações particulares, atendendo ao princípio da equivalência das prestações (RT, 793:406), e também, nas relações de consumo, contidas nos arts. 6º, V, e 51 da Lei n. 8.078/90, não sendo, todavia, nesta última hipótese, necessária que tal fato seja extraordinário ou imprevisível.
No entanto, a amenização do princípio da obrigatoriedade, não significa o seu desaparecimento, sendo imprescindível ainda que haja nas relações jurídicas estabelecidas por meio do contrato, segurança, tanto que o Código Civil, ao constatar que o seu descumprimento acarretará ao inadimplente a responsabilidade não só por perdas e danos, mas também por honorários advocatícios, juros e atualização monetária (Código Civil, artigo 389).
O que não mais se aceita, é a obrigatoriedade quando as partes se encontrarem em escalas diversas e dessa desigualdade ocorra proveito injustificado.
1.2.6 Relatividade dos efeitos do contrato
O presente princípio assenta-se na ideia de que os efeitos produzidos no contrato alcançam somente as partes envolvidas, ou seja, tem efeitos sobre àqueles que manifestaram a sua vontade, vinculando-os ao seu conteúdo, não afetando terceiros nem seu patrimônio.
Esse princípio mostra-se coerente com o modelo clássico de contrato, que tinha exclusivamente como objetivo, a satisfação das necessidades individuais e que, no entanto, era capaz de produzir efeitos somente entre aqueles que o haviam celebrado, conforme acordo de vontades. Em decorrência desse perfil, era impossível conceber que o acordo estendesse os seus efeitos a terceiros, vinculando-os à convenção.
Entretanto, essa visão, restou abalada pelo novo Código Civil, que não reconhece mais o contrato somente como instrumento de satisfação de interesses
pessoais dos contraentes, mas lhe estabelece uma função social. O presente fato tem como consequência, por exemplo, dar a possibilidade a terceiros, que não são propriamente partes do contrato, nele influir pelo fato de serem indiretamente por ele atingidos.
Muito pertinente é a colocação de Venosa (2006, p. 374), no sentido de que deve ser considerado terceiro, no que diz respeito ao contrato, quem quer que surja como um estranho ao vínculo, ao pactuado, e aos efeitos do negócio:
Não deixamos de lado, contudo, a noção de que, sendo o contrato um bem tangível, tem ele repercussões reflexas, as quais, ainda que indiretamente, tocam terceiros, há outras vontades que podem ter participado da avença e não se isentam de determinados efeitos indiretos do contrato, como no caso de contrato firmado por representante. Também aquele que redige o contrato, ou aconselha a parte a firmá-lo, pode vir a ser chamado por via reflexa para os efeitos do negócio.
Deve-se aqui enfatizar que, como todo princípio geral, aparecem exceções, como por exemplo, nos casos: a) da fixação em favor de terceiros, do contrato por terceiro e do contrato com pessoa a declarar, que tem a opção de estender seus efeitos, a outras pessoas, dependendo do caso, estabelecendo-se direitos e impondo-lhes deveres, apesar delas serem alheias à constituição da avença; e, b) dos herdeiros universais de um contratante, que apesar de não terem participado da formação do contrato, são afetados por seus efeitos; no entanto, a obrigação do de cujus não lhes será transmitirá além das forças da herança; e, não há dúvida de que o princípio da relatividade dos efeitos do contrato, embora ainda subsista, tenha sido muito atenuado pelo reconhecimento de que as cláusulas gerais, por abordarem normas de ordem pública, não se destinam a proteger unicamente os direitos individuais das partes, mas também o interesse da coletividade, que precisa prevalecer quando em conflito com aqueles (Código Civil, artigo 1.792).
1.2.7 Boa-fé e probidade
Conforme preceitua o artigo 422, do Código Civil, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
O princípio da boa-fé prescinde que as partes envolvidas tenham um comportamento correto durante toda a formação e o cumprimento do contrato, e não somente durante as tratativas do mesmo. O presente princípio tem estreita relação com o princípio de direito, segundo o qual ninguém pode beneficiar-se a própria torpeza. É recomendado ao juiz que a boa-fé seja presumida e a má-fé provada por quem a alega, devendo este, ao prolatar a sentença na qual se discuta a relação contratual, estabelecer a boa-fé como objetiva, o que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir corretamente, ou seja, com lealdade, honestidade e probidade, nos moldes do homem comum, atendidas os atributos dos usos e costumes do lugar.
Conforme Agxxxx Xxxxxx (2003), a probidade exposta no citado artigo, nada mais é senão, um dos aspectos objetivos do princípio da boa-fé, podendo ser compreendida como a honestidade de se portar ou a forma criteriosa de cumprir todos os deveres, que são atribuídos à pessoa. Percebe-se que ao mencioná-lo o legislador teve mais a intenção de reforçar a necessidade de satisfazer ao aspecto objetivo da boa-fé do que fixar um novo conceito.
Sabe-se que o princípio da boa-fé se biparte em boa-fé subjetiva, que também é denominada de concepção psicológica da boa-fé, e boa-fé objetiva, também denominada concepção ética da boa-fé.
Ainda, segundo o mesmo autor, esclarece que a boa-fé subjetiva esteve no contexto do Código de 1916, com a natureza de regra de interpretação do negócio jurídico. Diz respeito ao conhecimento ou à ignorância da pessoa com relação a determinados fatos e apreciada pelo direito, para os fins específicos da situação ajustada (AGUIAR JÚNIOR, 2003).
A boa-fé que representa novidade do Código Civil de 2002 e trouxe consigo profunda alteração no direito obrigacional clássico é a objetiva, e que se constitui em uma norma jurídica fundada em um princípio geral do direito, segundo o qual todos devem tê-la nos comportamentos que envolvem relações recíprocas.
Há outros dispositivos no atual Código Civil que se reportam à boa-fé objetiva, senão vejamos:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração; Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Venosa (2006, p. 376), chama a atenção para as três funções do conceito de boa-fé objetiva: “função interpretativa (art. 113); função de controle dos limites do exercício de um direito (art. 187); e função de integração do negócio jurídico (art. 422).”
Em obediência às citadas funções, o juiz, ao verificar a conduta contratual, deverá sempre levar em consideração os usos, costumes e práticas que os contratantes normalmente se utilizam, tendo em vista que a probidade resulta do confronto da conduta do contratante com um padrão de ‘homem leal e honesto’, e deverá ser apurada em face das circunstâncias de cada caso. Já a boa-fé, apesar de ser flexível, dentro do contexto do instrumento do contrato, exige que o tradutor busque sempre pesquisar sobre a verdadeira intenção das partes.
1.2.8 Função social do contrato
A função social do contrato se origina do ensinamento que se opôs ao liberalismo decorrente da Revolução Industrial e que veio a ser acolhida pela Constituição Federal do Brasil de 1988, a partir do direito de propriedade, passando a se impor como norte das relações jurídicas (Constituição Federal, artigo 170, inciso III).
Apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual e tem por finalidade promover a realização de uma justiça comutativa, nivelando as desigualdades substanciais entre os contraentes.
Além da justiça comutativa, oportuno ressaltar também a noção de justiça participativa nas relações contratuais. Nesse sentido, Pozzoli (2006), ressalta que a justiça participativa visa despertar a obrigação de cada um em participar de forma consciente e livre, fazendo, portanto, acontecer uma interação total e de maneira habitual na vida da comunidade a que pertence. Guardadas as devidas proporções ao meio contratual, não só a justiça comutativa, mas também a justiça participativa devem ser almejadas pelos contratantes.
Tendo em vista que a lei não define o que vem a ser função social do contrato, pode ser interpretada de diversas formas, propiciando a declaração de nulidade de cláusulas ou de todo o contrato. Certamente, o legislador inspirou-se no inciso XXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, que limita o direito de propriedade ao atendimento de sua função social. Sendo o contrato um meio natural de promover a circulação de
riquezas, faz-se necessário que os interesses individuais das partes sejam compatibilizados com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem.
Nexx Xx x Nexx (2003, p. 336) esclarecem que:
O contrato estará conformado à sua função social quando as partes se pautarem pelos valores da solidariedade (artigo 3º, inciso I, da CF) e da justiça social (artigo 170, caput, da CF), da livre iniciativa, for respeitada a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da CF), não se ferirem valores ambientais (artigo 51, inciso XIV, do CDC) etc.
Portanto, o contrato deve se adequar não apenas às pretensões individuais dos contratantes, mas também servir de instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade.
Ademais, dispõe o artigo 421, do Código Civil, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”
Esta regra também subordina a liberdade contratual à sua função social, prevalecendo os princípios condizentes com a ordem pública. Levando em conta que o direito de propriedade deve ser exercido segundo a sua função social, anunciada na Constituição Federal, se viabiliza por meio dos contratos, o Código Civil fixa que a liberdade contratual não pode afastar-se daquela função.
Nesse sentido, Diniz (2006, p. 39), afirma que:
O artigo 421 institui, expressamente, a função social do contrato, revitalizando-o, para atender aos interesses sociais, limitando o arbítrio dos contratantes, para tutelá-los no seio da coletividade, criando condições para o equilíbrio econômico-contratual, facilitando o reajuste das prestações e até mesmo sua resolução.
Na aplicação do contrato, o intérprete deve observar a função social do mesmo, que se constitui um princípio relevante, tendo em vista aliar-se aos princípios tradicionais, como os da autonomia da vontade e da obrigatoriedade, muitas vezes impedindo que estes prevaleçam.
Xxxxxxx (2006, p. 13), enfatiza que:
A função social do contrato serve para limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que essa limitação possa atingir a própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório.
Tal princípio afronta a concepção clássica no sentido de que os contratantes tudo podem fazer, porque estão no exercício da autonomia da vontade. Porém, essa
constatação tem como consequência, por exemplo, possibilitar que terceiros, que não são propriamente partes do contrato, possam nele fazer parte, em decorrência de serem direta ou indiretamente por ele atingidos.
Para Xxxx Xxxxxx (2003), é importante lembrar que cláusulas gerais são normas direcionadoras, dirigidas principalmente ao Juiz, vinculando-o, ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir. Essas cláusulas estão articuladas, contidas na lei, e possuem caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, que tem permissão para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral. Quando no direito positivo é inserido um determinado princípio geral (regra de conduta que não consta do sistema normativo, mas se encontra na consciência dos povos e é seguida universalmente), este passa a caracterizar-se como regra geral, ou seja, deixa de um princípio geral que é somente uma regra de interpretação.
Observa-se que as mudanças principais elencadas no novo diploma legal, no que diz respeito aos contratos, foram fixadas por cláusulas gerais, em paralelo às normas marcadas pela estrita casuística.
Essas cláusulas originam-se basicamente do convencimento do legislador de que as leis inflexíveis, capazes de definir tudo e direcionadas para todos os casos, são sem dúvidas insuficientes e acarretam em diversos momentos situações de grave injustiça. Ainda que num primeiro momento, conseguem trazer certa insegurança, são capazes de conviver de forma harmônica no sistema jurídico, obedecendo aos princípios constitucionais que dizem respeito à organização jurídica e econômica da sociedade (AGUIAR JÚNIOR, XX, 000/00).
O Código Civil de 2002 buscou distanciar-se das concepções individualistas que guiavam o diploma anterior para acompanhar orientação compatível com a socialização do direito contemporâneo. O princípio da socialidade por ele acolhido reflete a predominância dos valores coletivos sobre os individuais, sem prejuízo do valor fundamental da pessoa humana.
Rizzardo (2005, p. 21), em sua obra prima ‘Contratos’ comenta a relevância do princípio em comento nas cláusulas contratuais:
Tem predominância a destinação social, nem sempre prevalecendo suas estipulações ou as cláusulas abusivas e que lesam valores superiores, como o da habitação ou moradia, o que trata da vida, da saúde, da formação, do respeito, da dignidade. Não se manterá a
cláusula que dá em garantia a integridade do salário, ou a moradia, ou que submete o indivíduo à prestação de serviços em jornada superior a oito horas diárias, a não ser em ocasiões extraordinárias.
Com efeito, o sentido social é uma das particularidades mais marcantes do novo diploma, em oposição ao sentido individualista que condiciona o Código Beviláqua. Com certeza, essa nova postura institucional reflete muito sobre a teoria do contrato, visto que é por meio dele que o mercado põe em prática suas operações de circulação das riquezas. Por essa razão é que não se devem abandonar os princípios clássicos que vinham informando a teoria do contrato sob o domínio das ideias liberais, mas é preciso acrescentar outros, que vieram a diminuir a rigidez dos antigos e a enriquecer o direito contratual com apelos e fundamentos éticos e funcionais.
Atualmente, é inegável que os contratos, de acordo com a visão social do Estado Democrático de Direito, terão que ser submetidos ao intervencionismo estatal dirigido com o propósito de superar o individualismo egoístico e buscar a implantação de uma sociedade presidida pelo bem-estar e sob efetiva prevalência da garantia jurídica dos direitos humanos.
Essa deve ser a visão moderna dos contratos, no sentido de uma solidariedade social que prestigie a efetiva manifestação da vontade, com enfoque à boa-fé e à equivalência material entre as partes, concretizando-se assim o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Pois, o contrato deve ser encarado como um instrumento a serviço da sociedade, e esta, não deve se submeter aos abusos e caprichos dos que se valem do contrato para impor o seu poder.
1.3 Interpretação dos contratos
Toda manifestação de vontade necessita de interpretação para que se saiba o seu significado e alcance. O contrato origina-se de ato volitivo e por isso requer sempre uma interpretação.
Nem sempre o contrato traduz a exata vontade das partes. Muitas vezes a redação mostra-se obscura e ambígua, malgrado o cuidado quanto à clareza e precisão demonstrado pela pessoa encarregada dessa tarefa, em virtude da complexidade do negócio e das dificuldades próprias do vernáculo.
Por isso, não só a lei deve ser interpretada, mas também os negócios jurídicos em geral. A execução de um contrato exige a correta compreensão da intenção das partes. Esta se exterioriza por meio de sinais ou símbolos, dentre os quais as palavras.
Nesse sentido, Diniz (2006, p. 80), aduz que:
[...] A atividade interpretativa do contrato é uma operação difícil, que requer saber e prudência, devendo o intérprete guiar-se pelo sentimento jurídico, que o impedirá de cair em interpretações alheias à vida jurídica. Dever-se-á buscar, na tarefa de interpretação contratual, os princípios da boa-fé objetiva (CC, art. 422) e o da conservação ou do aproveitamento do contrato, procurando presumir que os contratantes agiram com probidade e fazendo com que, havendo dúvida, prevaleça a diretriz interpretativa conducente à produção de algum efeito ou à sua exeqüibilidade.
Na interpretação dos contratos, algumas regras práticas podem ser de grande utilidade, assim como: a) as cláusulas contratuais sempre devem ser interpretadas em conjunto com as demais, e nunca isoladamente; b) na dúvida, deve-se interpretar o contrato da maneira menos onerosa para o devedor; c) a melhor forma de verificar a intenção dos contratantes é apurar a maneira pelo qual o vinham executando, de comum acordo; d) qualquer fato confuso ou obscuro deverá ser imputado a quem redigiu a estipulação, pois, podendo ser claro, não o foi; e, e) na cláusula passível de dois significados, interpretar-se-á em atenção ao que se pode executar (princípio da conservação e do aproveitamento do contrato).
No tocante aos contratos eletrônicos, além dos cuidados que devem ser tomados para que se possa verificar a real intenção de contratar, a aplicação e interpretação devem ser pautadas pelas regras que norteiam o contexto internacional do comércio eletrônico, o dinâmico progresso dos instrumentos tecnológicos, e a boa-fé das relações comerciais.
Ademais, a ausência de legislação específica sobre a contratação eletrônica, torna a tarefa da doutrina, jurisprudência e dos operadores do direito um tanto quanto árdua, pois devem se valer da hermenêutica (ciência da interpretação), da exegese (interpretação de textos, artigos, dispositivos legais e contratuais), e da interpretação analógica às formas contratuais clássicas.
Nesse diapasão, Diniz (2006, p. 80) esclarece que a hermenêutica tem função objetiva, enquanto a interpretação tem função objetiva e subjetiva:
[...] A interpretação do contrato é indiscutivelmente similar à da lei, podendo-se até afirmar que há certa coincidência entre as duas. Aplicam-se, por isso, à hermenêutica do contrato princípios concernentes à interpretação da lei, embora a tarefa do intérprete do contrato encontre certas dificuldades que o hermeneuta da lei não terá de enfrentar, pois, enquanto a hermenêutica assume feição objetiva por ter de eliminar dúvidas e ambigüidades que afetem a lei, a interpretação exerce, concomitantemente, função objetiva e subjetiva, já que, além de analisar o contrato e suas cláusulas, deverá examinar a intenção comum das partes contratantes.
Em outras palavras, é perfeitamente possível, do ponto de vista jurídico, que um contrato seja aperfeiçoado utilizando-se exclusivamente meios eletrônicos, uma vez que estejam assegurados alguns requisitos técnicos5, que garantam a confiabilidade das transações e desde que as regras vigentes sobre a matéria sofram interpretação adequada, com a utilização de princípios que permitam resgatar a sua finalidade, dentre eles, o da boa-fé objetiva, presumindo que os contratantes agiram com probidade (Código Civil, artigo 422).
1.4 Requisitos dos contratos
É importante antes de demonstrar quais os requisitos do contrato, fazer uma breve explicação sobre a adoção da terminologia requisitos. Sabe-se que requisito é a condição necessária para a obtenção ou para o preenchimento de certo fim.
A teoria geral dos negócios jurídicos aplica-se aos contratos, que se colocam integralmente nessa categoria. Para que o negócio jurídico produza efeitos, deve preencher certos requisitos, apresentados como os de sua validade, possibilitando-se assim a aquisição, modificação ou extinção de direitos. Se os possui, entende-se ser válido e dele decorrem os mencionados efeitos desejados pelo agente. Mas se faltar um desses requisitos, o negócio torna-se inválido e não produz o efeito jurídico em questão, sendo nulo ou anulável.
É importante ressaltar que os requisitos ou condições de validade dos contratos são de duas espécies: a) de ordem geral, comuns a todos os atos e negócios jurídicos, como a capacidade do agente, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e a forma prescrita ou não defesa em lei (Código Civil, artigo 104); e b) de ordem especial, específico dos contratos: o consentimento recíproco ou acordo de vontades.
5 Como veremos no Capítulo III, são eles: autenticidade: deve ser possível a identificação do emitente da vontade registrada; e integridade: o meio utilizado não deve ser adulterável ser deixar vestígios.
Portanto, para que o contrato seja válido, será necessária a presença de requisitos subjetivos, objetivos e formais.
Assim como nos contratos celebrados de forma tradicional, os mesmos requisitos devem estar presentes nos contratos eletrônicos. Portanto, os requisitos subjetivos de validade: duas ou mais pessoas, vontade livremente manifestada e a capacidade civil para o ato são necessários para o ato se perfazer de forma válida. O mesmo se diz em relação aos requisitos objetivos de validade, como a licitude do objeto, o seu conteúdo econômico, a possibilidade física e jurídica de sua acessibilidade. E ainda, em relação aos requisitos formais, mesmo para os contratos denominados solenes ou formais; não há diferença essencial entre o documento eletrônico e o tradicional (em papel).
As regras, portanto, são exatamente as mesmas, e respeitados os requisitos essenciais do negócio jurídico, a contratação é juridicamente válida. Deve-se ressaltar ainda, que como veremos no Capítulo III, devem estar presentes nos contratos eletrônicos a autenticidade e a integridade do documento eletrônico, em obediência à equivalência funcional que equipara a mensagem eletrônica a qualquer documento tradicional (Lei Modelo de Comércio Eletrônico da UNCITRAL, artigo 6º).
1.4.1 Subjetivos
Os requisitos subjetivos dizem respeito aos contratantes e baseiam-se no consentimento, na aptidão específica para contratar, e, na manifestação de duas ou mais vontades e capacidade genérica dos contraentes.
a) Capacidade genérica - a capacidade genérica das partes contratantes (que podem ser duas ou mais pessoas, tendo em vista ser o contrato um negócio jurídico bilateral ou plurilateral), se configura como o primeiro elemento ou condição subjetiva de ordem geral para a legitimação dos contratos. Estes serão nulos ou anuláveis, se a incapacidade, absoluta ou relativa, não for completada pela representação ou pela assistência (Código Civil, artigos 166, I, 171, I, 1.634, V, 1.747, I e 1.781). A presente capacidade exigida é a capacidade de agir em geral, podendo inexistir pela menoridade, falta do necessário discernimento ou de causa transitória (Código Civil, artigo 3º), ou até ser simplificada nas hipóteses mencionadas no artigo 4º, do Código Civil (discernimento reduzido, prodigalidade, menoridade relativa, embriaguez habitual, dependência de tóxicos); b) Aptidão específica para contratar - para celebrar certos
contratos, em alguns casos, se faz necessário a existência de uma capacidade especial, ou seja, mais intensa que a normal, como ocorre na alienação onerosa, na doação, na transação, que exigem a capacidade ou poder de arranjo das coisas ou dos direitos que são objeto do contrato. Em outro momento, apesar do agente não ser incapaz, genericamente, deve exibir a outorga uxória (para alienar bem imóvel, p.ex.: Código Civil, artigos 1.647, 1.649 e 1.650) ou a permissão dos descendentes e do cônjuge do alienante (para a venda a outros descendentes: Código Civil, artigo 496). Esses acontecimentos não dizem respeito particularmente à capacidade geral, mas à falta de legitimação ou impedimentos para a realização de certos negócios. A capacidade de transacionar deve existir no momento da declaração de vontade do contratante; e, c) Consentimento - o consentimento recíproco, ou seja, o acordo de vontades é requisito de ordem especial, próprio dos contratos. Deve compreender os seus três aspectos: c1) acordo sobre as cláusulas nele contidas (se a divergência recai sobre ponto substancial, não poderá ter eficácia o contrato); c2) acordo sobre o objeto do contrato (para o contrato ser válido é preciso que não haja divergência entre as partes a seu respeito); e c3) acordo sobre a existência e natureza do contrato (o contrato não existe se um dos contratantes quer aceitar uma doação e o outro quer vender). Há a necessidade, portanto, de que haja a coincidência de vontades, porque cada contraente tem determinado interesse e porque o acordo volitivo é a força propulsora do contrato (PEREIRA, 2005).
1.4.2 Objetivos
Os requisitos objetivos versam sobre o objeto do contrato que, conforme o que dispõe no inciso II, do art. 104, do Código Civil, deve ser lícito, possível, determinado ou determinável.
Conforme esclarece Diniz (2006), a validade do contrato depende, assim, da:
a) Licitude de seu objeto - objeto lícito é o que não está contra a lei, a moral, aos princípios da ordem pública, ou os bons costumes. Os contratos que favoreçam o concubinato, a usura, o exercício ilegal de uma profissão, os jogos de azar, dentre outros, serão, portanto, ilícitos e inválidos. Uma conduta humana que se denomina prestação, como por exemplo: dar, fazer ou não fazer, será sempre o objeto imediato do negócio. Já o objeto mediato são os bens ou prestações sobre os quais recaem a relação jurídica obrigacional; b) Possibilidade física ou jurídica do objeto - deve ser possível também o objeto, pois, quando impossível, o negócio é nulo (Código Civil, artigo 166,
inciso II), podendo esta impossibilidade ser física ou jurídica. Impossibilidade física é a que se origina das leis físicas ou naturais, como por exemplo, dar a volta ao mundo em uma hora, enquanto que a impossibilidade jurídica surge quando o ordenamento jurídico proíbe, expressamente, negócios a respeito de determinado bem, como a herança de pessoa viva (Código Civil, artigo 426). Pode ainda ser absoluta, ou seja, capaz de alcançar a todos, indistintamente, como, por exemplo, a que obsta o cumprimento da obrigação de tocar a lua com a ponta dos dedos, sem tirar os pés da Terra, ou noutra hipótese, que atinge o devedor, mas não outras pessoas, sendo que também não constitui obstáculo ao negócio jurídico (Código Civil, artigo 106). É importante ressaltar ainda, que a impossibilidade material deve existir no momento exato da elaboração do contrato, porque, se aparecer em momento posterior, ter-se-á a inexecução do mesmo com ou sem perdas e danos, conforme ocorra ou não culpa do devedor; e, c) Determinação de seu objeto - O objeto do negócio jurídico necessita ser certo ou, pelo menos, determinável. O contrato precisa conter, portanto, os elementos essenciais e suficientes (especificação do gênero, da espécie, da quantidade ou dos caracteres individuais), para ser possível a determinação do seu objeto, de maneira que a obrigação do devedor tenha sobre o que recair. Será ineficaz e inválido o contrato se o seu objeto for indeterminável.
Embora a lei não mencione expressamente, a doutrina exige outro requisito objetivo de validade dos contratos, a saber: valor econômico. No contrato deve conter um objeto que tenha algum valor econômico. Um grão de areia, por exemplo, não interessa ao mundo jurídico, por não ser passível de apreciação econômica. Por não representar nenhum valor econômico, a sua venda é indiferente ao direito, pois em razão da quantidade ser tão irrisória, jamais levaria o credor a mover uma ação judicial para reivindicar do devedor o cumprimento da obrigação.
1.4.3 Formais
Já nos requisitos formais, a forma é o meio de revelação da vontade que deve ser a prescrita ou não defesa em lei6.
6 Contextualizando com os contratos eletrônicos e objeto de estudo do capítulo III, oportuno ressaltar a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: Apelação Cível n° 1.0024.06.132216- 0/002 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Xxx Xxxxxxx xx Xxxxx Mól - Apelado: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Relator: Xxxxxxx Xxxxxxxx - Data do Julgamento: 19/12/2007- Data de Publicação: 15/02/2008.
Dispõe, com efeito, o artigo 107 do Código Civil, que “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”
Os incisos IV e V do artigo 166 do Código Civil, dispõem que “é nulo o negócio jurídico quando não revestir a forma prescrita em lei ou for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade.” A lei, em alguns casos, reclama também a publicidade, mediante o sistema de Registros Públicos (Código Civil, artigo 221). Vale aqui ressaltar que, o formalismo e a publicidade são garantias do direito.
Na mesma esteira os incisos IV e V do artigo 166 do Código Civil, o artigo 366, do Código de Processo Civil prevê que “quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta.” Por sua vez, estatui o artigo 154, do mesmo diploma que “os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.”
Podem ser distinguidas três espécies de formas: livre, especial ou solene e contratual.
a) Forma livre - É a que predomina no direito brasileiro, sendo qualquer meio de manifestação da vontade, não imposto efetivamente pela lei, tal como na palavra escrita ou falada, escrito público ou particular, gestos, mímicas etc. (Código Civil, artigo 107);
b) Forma especial ou solene - É a colocada em ordem pela lei, e vista como requisito de validade de determinados negócios jurídicos. Geralmente, a exigência de que o ato seja executado com observância de determinada solenidade, tem por finalidade garantir a autenticidade dos negócios, assegurar a livre manifestação da vontade, demonstrar a seriedade do ato e ainda facilitar a sua prova.
EMENTA: AÇÃO COBRANÇA - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS - MENSALIDADES - CONTRATO ELETRÔNICO - RELAÇÃO JURÍDICA DEMONSTRADA. O
contrato de prestação de serviços educacionais é informal e não exige forma prescrita em lei, de maneira que o instrumento contratual firmado por meio eletrônico é apta a demonstrar a relação jurídica entre as partes. (grifos nossos) Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xx_/xxxxxxx_xxxx.xxx?xxxxXxxxxxxxx0&xxxxXxxxxxx00&xxxx0&xxx_xxxxx sso=132216&complemento=2&sequencial=0&palavrasConsulta=Contratoeletrônico&todas=&expressao
=&qualquer=&sem=&radical=>. Acesso em: 16 out. 2010
A forma especial pode ser única ou múltipla (plural), sendo que a forma única não pode ser substituída por outra, conforme determina a lei, como demonstram os seguintes exemplos: o artigo 1.964, do Código Civil, que autoriza a deserdação somente por meio de testamento; o artigo 108, do Código Civil, que considera a escritura pública essencial à validade das alienações imobiliárias, não dispondo a lei em contrário; e, os artigos 1.535 e 1.536, também do Código Civil, que estabelecem formalidades para o casamento etc.
Quando o ato é solene, ou seja, celebrado com pompa, diz-se múltipla ou plural a forma, embora a lei admita a formalização do negócio por diversos modos, podendo o interessado optar validamente por um deles. Como exemplos citam-se a transação, que pode efetuar-se por termo nos autos ou escritura pública (Código Civil, artigo 842); o reconhecimento voluntário do filho, que pode ser realizado de quatro modos (Código Civil, artigo 1.609); a instituição de uma fundação, que pode ser formalizada por escritura pública ou por testamento (Código Civil, artigo 62); e, a renúncia da herança, que pode ser feita por escritura pública ou termo judicial (Código Civil, artigo 1.806); e,
c) Forma contratual - É a estabelecida pelas partes. O artigo 109 do Código Civil dispõe que “no negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato.” Os contratantes podem, no entanto, por meio de convenção, determinar que o instrumento público torne-se necessário para a validade do negócio.
Oportuno ressaltar que, não se deve confundir forma, que é meio para manifestar a vontade, com prova do ato ou negócio jurídico, que é meio para evidenciar a sua existência.
1.5 Formação dos contratos
Guardadas as devidas proporções ao meio eletrônico, a formação dos contratos eletrônicos dá-se da mesma forma que os tradicionais, e as peculiaridades ao meio digital serão tratadas, com maior propriedade, no Capítulo 3. Nesse sentido, passa-se a analisar a formação dos contratos tradicionais.
1.5.1 A manifestação da vontade
O requisito mais importante para a existência do negócio jurídico é a manifestação da vontade, tendo em vista que a vontade humana se instaura inicialmente na mente das pessoas. É o momento psicológico, subjetivo, representado pela própria constituição do querer. O momento objetivo é aquele em que a vontade se mostra por meio da declaração.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2004), é apenas nesta fase que ela se torna conhecida e hábil a criar efeitos nas relações jurídicas. Por isso se diz que, em rigor, é a declaração da vontade, e não ela própria, que constitui requisito de existência dos negócios jurídicos e, conseguintemente, dos contratos.
O contrato é uma composição de vontades entre as partes que tem por finalidade, modificar, criar ou abolir direitos.
Nesse mesmo sentido, Rizzardo (2005, p. 39), comenta que a formação do contrato dá-se com a exteriorização da vontade e chama a atenção para uma possível anulação, por vício de consentimento:
Nasce do interior do homem a disposição de contratar. Daí afirmar-se que há um primeiro momento na formação do vínculo obrigacional, situado na esfera subjetiva ou psicológica, que representa o livre consentimento. Sem este estágio, não se alcança a exteriorização. É justamente neste estágio que a vontade se revela apta ou não para ensejar uma negociação válida. O germe de uma possível anulação, por vício de consentimento, está nesta fase, o que revela a sua incontestável importância.
A demonstração da vontade pode ser expressa ou tácita. Quando a lei não exigir que seja expressa, poderá ser tácita (Código Civil, artigo 111).
A expressa é manifestada por meio da fala, da escrita, por gestos ou mímica, de forma transparente. Algumas vezes a lei reclama o consentimento escrito como requisito de validade da avença. Não havendo na lei tal exigência, vale a demonstração tácita, que se deduz da conduta do agente.
O silêncio pode ser entendido como manifestação tácita da vontade quando as circunstâncias ou os usos o permitem, e não for preciso a declaração de vontade expressa, e, ainda, quando a lei o autorizar, ou, também, quando tal efeito ficar estabelecido em um pré-contrato. Nesses casos o silêncio é considerado circunstanciado ou qualificado (Código Civil, artigos 111, 432 - praxe comercial, 512 - venda a contento, e 539 - doação pura).
Xxxxxxxxx (2004, p. 68, grifo do autor), cita o exemplo do “comerciante que recebe de freguês habitual, encomenda de mercadoria de sua especialidade, pelo preço corrente no mercado, com prazo de entrega determinado. Nesse caso, o comerciante deve comunicar de pronto sua recusa ao cliente, sob pena de se haver por aceita a proposta.”
Deve-se ressaltar ainda, que se existir a manifestação da vontade de apenas um dos contratantes, ter-se-á mera emissão, sem força vinculante, pois o acordo de vontades, emitidas por duas ou mais partes, é requisito fundamental à formação do contrato.
1.5.2 Negociações preliminares
O contrato se origina de duas manifestações de vontade: a proposta e a aceitação, sendo a primeira, também conhecida como oferta, policitação ou oblação, que dá início à constituição do contrato e não depende, em regra, de forma especial.
Entretanto, nem sempre, o contrato surge rapidamente de uma proposta seguida de uma imediata aceitação. Na maior parte dos casos, antes da oferta são obedecidas várias etapas, que algumas vezes são extensas, como as sondagens, conversações, estudos e debates, também denominada fase da puntuação. Nesta, como as partes ainda não declararam a sua vontade, não há nenhuma vinculação ao negócio.
Qualquer delas pode afastar-se, simplesmente alegando falta de interesse, sem serem responsabilizadas por perdas e danos, mesmo quando surge um projeto ou minuta, ainda assim não há vinculação das pessoas. Tal responsabilidade só acontecerá se ficar provada a deliberada intenção, com a falsa demonstração de interesse, de causar dano ao outro contraente, levando-o, por exemplo, a perder outro negócio ou causando despesas. O fundamento legal para a solicitação de perdas e danos da parte lesada não é, nesse caso, o inadimplemento contratual, mas a prática de um ilícito civil (Código Civil, artigo 186).
Diniz (2006, p. 52), deixa bem claro que, pode surgir, excepcionalmente, a responsabilidade civil para os contratantes, não no campo da culpa contratual, mas sim na aquiliana:
[...] apenas na hipótese de um dos participantes criar no outro a expectativa de que o negócio será celebrado, levando-o a despesas, a não contratar com terceiro ou a alterar planos de sua atividade
imediata, e depois desistir, injustificada e arbitrariamente, causando- lhe sérios prejuízos, terá, por isso, a obrigação de ressarcir todos os danos.
Nesse caso, empregam-se as normas que regem a culpa extracontratual, desde que fique configurado dolo, negligência ou imprudência por parte de quem desistiu do negócio, que torna possível a reparação do dano sofrido, mas não o de exigir o cumprimento do futuro contrato.
1.5.3 A proposta e a aceitação
É o segundo momento da formação do contrato, mas, nem toda iniciativa ou demonstração de vontade no sentido de dar vida a um contrato é oferta em sentido técnico, pois só a declaração de vontade orientada por uma parte à outra com a intenção de causar uma aceitação do destinatário à proposta.
A oferta, por sua vez, traduz uma vontade definitiva de contratar nas bases oferecidas, não estando mais sujeita a estudos ou discussões, mas dirigindo-se à outra parte para que a aceite ou não, sendo, portanto, um negócio jurídico. [...] Desse modo, na oferta de contrato o policitante vincular-se-á havendo aceitação do outro contratante (DINIZ, 2006, p. 59).
Representa ela a manifestação decisiva para firmar o contrato, consistindo em uma declaração de vontade definitiva. Distingue-se nesse ponto das negociações iniciais, que não possui esse caráter e não passam de estudos e sondagens, sem força obrigatória. Aquela, ao contrário, gera na parte que aceita, a certeza do contrato em perspectiva, levando-o à realização de projetos e algumas vezes de despesas relacionadas à determinada atividade. Por essa razão, vincula o policitante, que responde por todas essas consequências, se injustificadamente retirar-se do negócio.
Xxxxxxxxx (2004, p. 71), explica o fundamento da lei ao impor ao policitante o dever de manter sua proposta, sujeitando-o à perdas e danos em caso de inadimplemento:
Tal regra se firma na necessidade de assegurar a estabilidade das relações sociais. Com efeito, quem formula uma proposta de negócio provoca uma legítima expectativa junto à pessoa a quem a endereçou. De maneira que a possibilidade de retirar arbitrariamente a oferta representaria uma fonte de insegurança, capaz de causar prejuízo ao outro contratante, que, de boa-fé, acreditou na seriedade da proposição a ele apresentada.
A proposta precisa conter todos os elementos elementares do negócio proposto, como tempo de entrega, preço, forma de pagamento, quantidade etc. Necessita ainda, ser consciente e séria, tendo em vista que vincula o proponente (Código Civil, artigo 427).
Deve ser também inequívoca, clara e completa, ou seja, precisa ser elaborada em linguagem simples, compreensível ao oblato, citando todos os elementos e dados do negócio necessários ao esclarecimento do destinatário e representando a vontade inquestionável do proponente.
A oferta é um negócio jurídico compreensivo, pois a sua validade depende da declaração do oblato. Não possui, no entanto, força absoluta, gerando desde logo direitos e obrigações, e assim, não se pode assim dizer que equivale ao contrato. Não deixa de ter o caráter de negócio jurídico receptício se for encaminhada não a uma pessoa determinada, mas passar a ter a forma de oferta aberta ao público, como nos casos de mercadorias expostas em feiras, vitrinas ou leilões com o preço à mostra, bem como em licitações e tomadas de preços para contratação de serviços e obras.
O artigo 429 do Código Civil declara que:
A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos.
Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada.
A oferta aberta ao público vale como proposta obrigatória, desde que contenha todos os elementos essenciais do contrato.
Dispõe o artigo 427 do Código Civil que “a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.”
Portanto, se a proposta for rodeada de seriedade e consciência, vincula o proponente. A sua obrigatoriedade faz com que o proponente permaneça por certo tempo a partir de sua efetivação e assuma o compromisso de responder por suas consequências, pelo fato de causar certa expectativa de realização do negócio no oblato.
[...] a oferta tem existência jurídica independentemente da aceitação. Constituindo-se uma obrigação, transmite-se aos herdeiros do ofertante, que somente poderão retratar-se na forma do art. 428, IV (antigo, art. 1.081, IV). O princípio, evidentemente não se aplica a
uma proposta de obrigação personalíssima. O vigor da oferta vai até a realização do contrato (VENOSA, 2006, p.513).
As exceções encontram-se na segunda parte do artigo 427, do Código Civil. De acordo com Xxxxxxx (2005), a proposta não tem o condão de obrigar o proponente, em primeiro lugar, se cláusula expressa a respeito existir, o que ocorre quando o próprio proponente manifesta que não é definitiva e se reserva o direito de retirá-la. Por isso, por diversas vezes a referida cláusula contém os seguintes dizeres: ‘proposta sujeita a confirmação’ ou ‘não vale como proposta’. Assim, o aceitante ao recebê-la já tem conhecimento da sua não-obrigatoriedade.
Em segundo lugar, a proposta não obriga quem propõe em decorrência da natureza do negócio. É o caso, por exemplo, das denominadas propostas abertas ao público, que se consideram limitadas ao estoque existente (Código Civil, artigo 429).
E, por último, a oferta não vincula o proponente em razão das particularidades do caso. Não são, portanto, particularidades quaisquer, mas aquelas a que a lei confere esse efeito. O artigo 428, do Código Civil, declara que a proposta deixa de ser obrigatória:
I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante;
Quando a proposta é feita ao solicitado e este diz que irá estudá-la melhor, o interlocutor poderá retirá-la, pois a mesma caduca se não for aceita prontamente. Considera-se presente também, conforme o dispositivo em tela, a parte que contrata por meio do telefone ou por outro meio de comunicação parecido (PEREIRA, 2005).
Assim, presente, é aquele que dialoga diretamente com o policitante, por telefone ou por qualquer outro meio mais moderno de comunicação à distância, ainda que os interlocutores se encontrarem em Cidades, Estados ou Países distintos. Ainda, se a comunicação ocorrer por meio da Internet, estando ambas as partes em contato simultâneo, a situação merece o mesmo tratamento jurídico dado às propostas firmadas por telefone, em razão de se tratar de comunicação semelhante, só se tornando obrigatória a policitação se for imediatamente aceita. No entanto, o mesmo não deve acontecer com a proposta realizada por via de e-mail, não estando ambos os usuários da rede simultaneamente conectados.
II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;
Trata-se de oferta encaminhada, por meio de correspondência ou corretor, à pessoa ausente. Não se considera pessoa ausente, aquela que esteja distante do outro contratante, mas sim aquela que não mantém contato direto. Por fim, para os fins legais, são considerados ausentes os que transacionam por meio de troca de correspondência ou intercâmbio de documentos.
O prazo hábil para a resposta varia de acordo com as circunstâncias e denomina-se prazo moral, ou seja, o necessário para que chegue ao conhecimento do proponente. Se as partes residirem nas proximidades, o prazo deve ser bem curto, mas se residirem em locais distantes e de acesso difícil e demorado, o entendimento já é de que poderá haver uma tolerância maior.
III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;
Se para a resposta foi fixado prazo, o proponente terá de aguardar o seu término. Se findar o prazo sem resposta, não prevalecerá a proposta feita.
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.
Embora tenha a proposta força obrigatória, a lei reserva ao policitante a faculdade de retratar-se, mesmo que não haja feito ressalva nesse sentido. Obrigatória não quer dizer irrevogável. Mas não é arbitrário o seu procedimento. Para que se desobrigue, se sujeite às perdas e danos, cumpre que a retratação chegue ao conhecimento do oblato antes da proposta ou simultaneamente com ela, casos em que as duas declarações de vontade (proposta e retratação), por serem contraditórias, nulificam-se e destroem-se reciprocamente. Não importa de que via ou meio se utiliza o proponente (carta, telegrama, mensagem por mão de próprio etc.) (PEREIRA, 2005, p. 42).
Pode-se destacar um exemplo muito claro do ofertante que se entende com o contratante, por algum meio rápido de comunicação, antes mesmo do mensageiro chegar com a proposta. A proposta, in casu, não chegou a existir juridicamente, porque eliminada a tempo.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) dispõe nos artigos 30 a 35, a proposta nos contratos que dizem respeito às relações de consumo. Mencionam a seriedade, clareza e precisão que a mesma deve ter, além de definitiva, como também o exige o Código Civil. Entretanto, naquele a oferta é mais ampla, pois geralmente impõe- se a pessoas indeterminadas. A diferença básica é a direção do Código de Defesa do Consumidor à contratação em massa, como regra geral.
O artigo 34, do referido diploma, por sua vez, estabelece solidariedade entre o fornecedor e seus prepostos ou representantes autônomos.
Em consonância com o artigo 30 do referido diploma legal, qualquer publicação ou informação necessita ser transmitida por forma ou meio de comunicação que diz respeito a produtos ou serviços oferecidos ou apresentados, obrigando o fornecedor e integrando o contrato.7
Já o terceiro momento da estruturação do contrato é a aceitação ou oblação, que consiste na concordância com os termos da proposta.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2004, p. 72), “a aceitação consiste na formulação da vontade concordante do oblato, feita dentro do prazo e envolvendo adesão integral à proposta recebida.”
Diante da citação anterior, observa-se que a manifestação de vontade é imprescindível para que se considere concluído o contrato, pois, somente quando o oblato se converte em aceitante e faz aderir a sua vontade à do proponente, a oferta se transforma em contrato.
Externa-se a aceitação por sinais que a tornam conhecida. Nesse sentido, ressalta Venosa (2006, p. 514, grifo do autor), que:
Exterioriza-se a aceitação com um simples aquiescer, um “de acordo”, um “sim” ou palavra equivalente. A simples aposição de um “visto” do oblato não significa que a proposta tenha sido aceita. Nada impede, porém, que a aceitação venha com redação mais completa, inclusive com repetição de todos os termos da oferta. Também a rejeição da proposta ocorre de forma singela, com um simples “não aceita”, “rejeitada” ou equivalente.
7 Nesse sentido, oportuno ressaltar a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios: Apelação Cível 20090410027242APC - 4ª Turma Cível - Apelante: Uniplac União Educacional do Planalto Central - Apelado: Xxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx - Relator: Xxxx Xxxxxx - Data do Julgamento: 19/08/2010 - EME NTA: PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. MENSALIDADES ESCOLARES. OFERTA. MEIO ELETRÔNICO. REPRESENTANTES AUTÔNOMOS. VINCULAÇÃO. EXECUÇÃO FORÇADA DA OBRIGAÇÃO.
1. Nos termos do art. 30 do CDC, as informações prévias à avença, inclusive as eletronicamente propagadas, obrigam o fornecedor que as veicula, as quais integram o contrato a ser posteriormente celebrado. (grifos nossos)
2. A legislação consumerista ainda estabelece a responsabilidade solidária do fornecedor do produto ou serviço pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos, nos termos do seu art. 34.
3. Constatando-se o envio de e-mail por representante autônomo da instituição de ensino por meio do qual se ofereceu desconto para todas as mensalidades do curso oferecido, o contrato firmado pela aluna oriunda de outra faculdade é integrado por tal benefício, não se justificando a recusa da instituição em receber o valor resultante da aplicação do desconto.
4. Havendo recusa do cumprimento da obrigação pelo fornecedor de serviços, pode o consumidor requerer sua execução forçada, o que autoriza a consignação em Juízo dos valores não recebidos pela instituição de ensino ré, consoante previsão do art. 35, inciso I, do CDC.
Disponível em: <xxxx://xxxxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/000000.xxx>. Acesso em: 16 out. 2010.
Conforme preceitua o artigo 431, do Código Civil, a proposta se apresentada fora do prazo, com modificações, restrições e adições, importará nova proposta ou contraproposta. Como já visto, se esgotado o prazo para a aceitação da proposta, esta perde a força obrigatória e a manifestação tardia do oblato também não obriga o último, tendo em vista que se terá nova proposta. O mesmo ocorre quando este não aceita a oferta integralmente, introduzindo-lhe restrições ou modificações.
No tocante ao prazo, Rizzardo (2005, p. 55), faz a seguinte ponderação: “É o prazo requisito fundamental para o exercício da aceitação. Indispensável que seja a mesma conhecida dentro do interregno de tempo concedido na oferta ou legalmente previsto para obrigar o ofertante.”
É importante lembrar que a aceitação pode ser expressa ou tácita, sendo que a primeira decorre de declaração do aceitante, declarando expressamente a sua anuência, e a segunda decorre de sua conduta, reveladora do consentimento.
O artigo 432, do Código Civil elenca duas hipóteses de aceitação tácita, em que se considera finalizado o contrato, não chegando a tempo a recusa: a) quando “o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa; b) ou quando “o proponente a tiver dispensado.”
Xxxxxxxxx (2004) cita o exemplo de um fornecedor que tem por hábito encaminhar os seus produtos a determinado comerciante, e este, sem confirmar os pedidos, efetua os pagamentos, acarretando assim, uma praxe comercial. Então, se o último, em determinado momento, quiser interrompê-la, terá de avisar com antecedência o fornecedor, sob pena de ficar obrigado ao pagamento de nova remessa, nas mesmas bases das anteriores.
Costuma-se citar como exemplo da situação descrita na letra b, a situação em que um envia um fax a determinado hotel, no sentido de reservar uma acomodação, informando que a chegada ocorrerá em determinada data, se não receber aviso informando-se do contrário. E se isso acontecer, dar-se-á por concluído o contrato.
Não obstante o contrato se firme com a aceitação, o Código Civil cuida de duas hipóteses em que tal demonstração de vontade deixa de ter força vinculante:
a) Se a aceitação, apesar de ter sido manifestada a tempo, por motivos imprevistos, chegar fora do prazo ao conhecimento do proponente (Código Civil, artigo 430, primeira parte). Este estará desobrigado em decorrência do atraso involuntário, quando já firmara negócio com outra pessoa. A circunstância deverá ser, sob pena de
responder por perdas e danos, imediatamente comunicada ao aceitante, que tem razões para presumir que o contrato esteja findado e pode efetuar despesas que considere necessárias ao seu cumprimento (Código Civil, artigo 430, segunda parte); e
b) Se antes da aceitação, ou com ela, alcançar ao proponente a retratação do aceitante. Enuncia, com efeito, o artigo 433, do Código Civil que se considera “inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.” Nota-se que a lei admite também a retratação da aceitação. Assim, a declaração da vontade, que continha a aceitação, desfez-se, antes que o proponente pudesse tomar qualquer decisão no sentido da finalização do contrato.
1.5.4 Momento da conclusão do contrato
Para estabelecer a obrigatoriedade do acordo, será necessário analisar quando se concluiu o liame jurídico que une os contraentes, eliminando a possibilidade de retratação, coagindo as partes a celebrar o negócio, sob pena de serem responsabilizadas por perdas e danos.
Venosa (2006, p. 514), adverte que, “a proposta não pode ter eficácia indefinida. O tempo de sua duração deve ser determinado ou determinável.”
Com o propósito de resolver essa questão, é mister analisar se o contrato se realiza entre presentes ou entre ausentes.
1.5.4.1 Contratos entre presentes e ausentes
O contrato firmado entre presentes é aquele em que a proposta e a aceitação acontece diretamente entre as partes ou seus representantes.
Nesse sentido, Venosa (2006, p. 515, grifo do autor), esclarece que:
O contrato negocial por telefone ou meio semelhante, como, por exemplo, o chamado chat da internet, é entre presentes. Nessa orientação, verificamos que a ausência nada tem a ver com a distância em que se encontram os interessados, já que presentes são os que contratam por telefone.
Se o contrato for firmado entre presentes, a proposta poderá ajustar ou não prazo para a aceitação, mas se o policitante não fixar nenhum prazo, esta deverá ser declarada imediatamente, sob pena da oferta perder a força vinculante. Entretanto, se a
policitação fixou prazo, a aceitação terá que ser operacionalizada dentro dele, sob pena de desvincular-se o proponente.
Constitui ponto importante na doutrina da formação dos contratos a fixação do momento em que é preciso considerar formado o contrato entre presentes e entre ausentes. Para que se possa estabelecer a obrigatoriedade da avença, será necessário analisar o momento exato em que o contrato se aperfeiçoou, estabelecendo os laços entre os contraentes, não permitindo a retratação e obrigando-os a executar o negócio, sob pena de responderem pelas perdas e danos.
Se o contrato for realizado inter praesentes nenhum problema haverá, visto que as partes estarão vinculadas na mesma ocasião em que o oblato aceitar a proposta. Nesse momento caracterizou-se o acordo recíproco de vontades e, a partir dele, o contrato começara a produzir efeitos jurídicos (DINIZ, 2002, p. 86, grifo da autora).
Já a proposta entre ausentes refere-se à correspondência por meio de telegrama ou carta, com ou sem a intervenção dos serviços de correio. A correspondência pode ser encaminhada e entregue pelo próprio interessado, ou por alguém contratado para realizar tal serviço.
Nesse diapasão, Venosa (2006, p. 516), já antecipa o objeto de estudo que se verá no Capítulo 3:
Desse modo, é inescusável inferir que pertencem ao passado os contratos ultimados por via telegráfica, sendo substituídos pelo correio eletrônico. Embora a matéria do chamado comércio eletrônico deva ser regulamentada, inclusive no plano internacional, em princípio os contratos pelo chamado e-mail devem ser considerados entre ausentes, aplicáveis os princípios gerais do Código (art. 434).
A dificuldade para determinar em que momento se deve considerar formado o contrato surge na avença inter absentes, tendo em vista que quando o contrato é firmado entre ausentes, por correspondência epistolar ou telegráfica, a resposta demora a chegar ao conhecimento do proponente e passa por diversas fases.
Alguns autores divergem sobre o momento exato em que a convenção considera-se concluída. Nesse sentido, Venosa (2006, p. 515, grifo do autor), menciona os seguintes sistemas ou teorias:
Pelo sistema da cognição ou informação, o contrato somente se perfaz no momento em que o proponente toma conhecimento da aceitação. Tem o inconveniente de deixar ao arbítrio do ofertante tomar a iniciativa de conhecer a resposta, abrindo ou não a correspondência.
Pelo sistema da agnação ou declaração em geral, o contrato aperfeiçoa-se pela declaração do oblato. Existem três correntes dentro do sistema da agnação: pela teoria da declaração propriamente dita, o contrato completa-se no momento em que o oblato redige a aceitação. Nesse momento é que se exterioriza a vontade. No entanto, enquanto não expedida a resposta, a aceitação não ingressa no mundo jurídico, porque dela não se toma conhecimento. O sistema não pertence a qualquer lei comparada. Pela teoria da expedição, o momento de ultimação do contrato é aquele em que a aceitação é expedida pelo oblato. A partir daí, a aceitação ingressa no mundo jurídico, não tendo mais o aceitante como obstar, em tese, os efeitos de sua manifestação de vontade. Finalmente, pela teoria da recepção, o aperfeiçoamento do negócio jurídico somente ocorre quando o proponente recebe o comunicado da aceitação, ainda que não o leia.
O artigo 434, do Código Civil acolheu expressamente a teoria da expedição, ao afirmar que “os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente; II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III- se ela não chegar no prazo convencionado.”
Nota-se que o novo diploma instituiu três exceções à regra de que o aperfeiçoamento do contrato ocorre com a expedição da resposta. Na realidade, obstando efeito à emissão se tiver havido retratação no momento certo, ou se a resposta não chegar a tempo ao conhecimento do proponente, desfigurou ele a teoria da expedição. Ora, se não é proibida a retratação antes da resposta chegar às mãos do proponente, e se, ainda, não se considera concluído o contrato na hipótese da resposta não chegar no prazo estabelecido. Portanto, nas citadas exceções, o mencionado diploma legal filiou-se à teoria da recepção, e não à da expedição.
Para que não paire dúvidas a esse respeito, Diniz (2006, p. 74), conclui que, “à guisa de conclusão, poder-se-á afirmar que o vínculo contratual se torna obrigatório, em nosso direito, no momento da expedição da aceitação, salvo algumas exceções, quando se aplica a teoria da recepção. ”
A terceira exceção disposta no mencionado artigo 434, do Código Civil (se a resposta não chegar no prazo convencionado) é inútil e injustificável, como admite a doutrina, pois, se existe prazo fixado e a resposta não chega no tempo estabelecido, não se firmou o acordo e sem ele não há contrato.
Ainda com relação ao momento de formação dos contratos, Xxxxxxx (2005, p.
49, grifo do autor), ressalta que:
Em qualquer hipótese, e esta é uma observação importante, freqüentemente omitida, as regras legais e doutrinárias sobre o
momento de formação dos contratos por correspondência têm caráter supletivo. Aplicam-se na falta de estipulação especial dos interessados, aos quais é livre a adoção de sistema diferente do legal, segundo as suas conveniências.
Nesse sentido, deve-se ressaltar que as regras relacionadas ao momento da conclusão do contrato são supletivas da vontade das partes, podendo ser convencionadas da maneira que melhor aprouver.
1.5.5 Lugar da celebração
Dispõe o artigo 435, do Código Civil que “reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.”
Analisando o referido artigo, verifica-se que o legislador optou pelo local em que a proposta foi realizada. Aparentemente, a presente solução vai contra a expressa adoção da teoria da expedição, no dispositivo anterior. Mas para quem, como nós compreendemos que o Código Civil acolheu, de fato, a da recepção, não existe a apontada contradição.
No tocante ao tema da presente dissertação, Xxxxxxx (2005, p. 49), faz uma observação interessante:
Ponto mais pacífico é o que se refere ao lugar da formação do contrato, que assumiu maior importância com o recrudescimento dos contratos formados pela Internet, diante do incremento do número de contratos celebrados entre pessoas situadas em locais diversos. Embora em doutrina os critérios possam vacilar, entre o da proposta e o da aceitação, o Código Civil inclina-se para aquele em que o impulso inicial teve origem, e enuncia que se deve reputar celebrado no lugar em que for proposto (Código Civil, art. 435).
O problema tem grande importância na verificação do foro competente e, no campo do direito internacional, no estabelecimento da lei aplicável. Prescreve o §2º do artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil que “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.” Tal preceito aplica-se aos casos em que os contratantes residem em países diferentes e tomou maior proporção com o agravamento dos contratos firmados pela Internet.
Observa-se que o legislador deu preferência à uniformização de critérios, considerando o lugar aonde o impulso inicial teve origem. Vale ressaltar que, dentro da autonomia da vontade, as partes têm a prerrogativa de eleger o foro competente (foro de
eleição) e a lei aplicável à espécie, como demonstrado mais detalhadamente no capítulo 3.
1.6 Classificação dos contratos
Os contratos se reúnem em várias categorias, passível de subordinação a regras peculiares. É imprescindível, distingui-las, pois o conhecimento de suas características é de indubitável interesse prático, tornando-se quase indispensável quando se têm em vista fins didáticos.
Nesse sentido, Coelho (2005, p. 39, grifo do autor), menciona que “as classificações com que opera o argumento jurídico visam aproximar ou distanciar um fato jurídico do âmbito de incidência de certas normas.”
Convém salientar que, conforme o ângulo em que se coloca o observador, um mesmo fenômeno pode ser classificado de diversas formas. Assim, os contratos classificam-se em várias modalidades, subordinando-se a regras próprias ou afins, de acordo com as categorias em que se agrupam, dividindo-se:
a) Quanto aos efeitos: em unilaterais, bilaterais e plurilaterais; gratuitos e onerosos, sendo que os últimos subdividem-se em comutativos e aleatórios, e estes, em aleatórios por natureza e acidentalmente aleatórios;
b) Quanto à formação: em paritários, de adesão e contratos-tipo;
c) Quanto ao momento de sua execução: em de execução instantânea, diferida e de trato sucessivo ou em prestações;
d) Xxxxxx ao agente: em personalíssimos ou intuitu personae e impessoais; individuais e coletivos;
e) Quanto ao modo por que existem: em principais, acessórios ou adjetos e derivados ou subcontratos;
f) Quanto à forma: em solenes ou formais e não solenes ou de forma livre; consensuais e reais;
g) Quanto ao objeto: em preliminares ou pactum de contrahendo e definitivos;
e
h) Quanto à designação: em nominados e inominados, típicos e atípicos,
mistos, coligados e união de contratos.
Ressalta-se que da mesma maneira que nos tópicos anteriores, a classificação dos contratos eletrônicos será analisada no Capítulo 3, conforme suas particularidades.
1.6.1 Quanto aos efeitos
Unilaterais são os contratos que criam obrigações unicamente para uma das partes, como a doação pura, por exemplo.
Xxxxxxx Xxxxx (2001, p. 71, grifo do autor), o contrato “é unilateral se, no momento em que se forma, origina obrigação, tão-somente, para uma das partes.”
O contrato com prestação a ser paga somente por uma parte, apesar de envolver duas partes e duas declarações de vontade, coloca aquele que está em débito na posição exclusiva de devedor, ou seja, o peso do contrato está todo de um lado, os efeitos são somente passivos de um lado, e somente ativos de outro. Alguns exemplos de contratos unilaterais podem ser citados, tais como: o depósito, a doação, o mútuo, o comodato, o mandato, a fiança etc., aduzindo que muitos deles são, ao mesmo tempo, contratos reais. Bilaterais são os contratos que acarretam obrigações para ambos os contratantes, como o contrato de transporte, a compra e venda, a locação etc. Essas obrigações são recíprocas, ou seja, de ambos os lados, sendo por isso denominados sinalagmáticos, da palavra grega sinalagma, que tem o significado de reciprocidade de prestações. Dispõe o artigo 481, do Código Civil que na compra e venda, um dos contraentes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo
preço em dinheiro. A obrigação de um tem por causa a do outro.
Vale aqui ressaltar que, é importante saber se o contrato é unilateral ou bilateral porque, dependendo do tipo, há um diferente enfoque de responsabilidade pelos riscos.
Nesse sentido, Venosa (2006, p. 391), ressalta que:
A lei trata com maior rigor aquele que não possui a carga, o peso contratual no contrato unilateral. O doador, por exemplo, só pode ser responsabilizado pelo perecimento da coisa doada se agir com xxxx, não por simples culpa. O donatário responderá por simples culpa. Nos contratos bilaterais, ambos os contratantes respondem por culpa, falando-se, nesse caso, de culpa civil, que engloba a culpa, estritamente falando, e o dolo.
Estabelecer a distinção entre essas duas espécies de contrato é de suma importância, porque variam os efeitos do ato conforme o ajuste, se unilateral ou bilateral, pois a exceptio inadimpleti contractus e a cláusula resolutiva tácita, somente se prendem ao contrato bilateral. Funciona desta forma, porque o contrato bilateral requer que as duas prestações sejam cumpridas simultaneamente, de forma que nenhum dos
contratantes poderá, antes de cumprir sua obrigação, exigir o implemento da do outro, devido à exceção do contrato não cumprido, que não é cabível no contrato unilateral (Código Civil, artigo 476, primeira parte).
Por contrato plurilateral entende-se como o contrato em que podem tomar parte ab initio, ou depois de sua formação, diversas partes, onde a sua principal particularidade consiste no fato de que, conforme a sua realização, as partes buscam um fim comum. Assim, o chamado contrato plurilateral se revela, em realidade, como ato coletivo, o qual é, efetivamente, do tipo negocial, mas não é figura contratual. Disto é exemplo claro a sociedade, da qual constituem característica a ausência do elemento “consentimento” e a possibilidade de sua formação (e de sua gestão), conforme deliberação também majoritária; daí a sua exclusão do rol dos contratos.
Quanto aos reflexos patrimoniais que podem apresentar, os contratos classificam-se em gratuitos e onerosos. Gratuitos ou benéficos são aqueles em que somente uma das partes obtêm benefício ou vantagem, como ocorre no comodato, na doação pura, no reconhecimento de filho etc. Já para a outra parte existe somente obrigação, sacrifício. Nessa modalidade, concedem-se vantagens a uma das partes sem solicitar contraprestação da outra.
Nos contratos onerosos ambos os contraentes obtêm vantagem, ao qual, porém, corresponde um sacrifício. São dessa espécie, àqueles que geram ônus a uma das partes e, ao mesmo tempo, ocasionam vantagens a outra parte, ou seja, sacrifícios e benefícios recíprocos. É o que se passa, por exemplo, com a empreitada, a compra e venda e a locação. No primeiro, o benefício do comprador é representado pelo recebimento da coisa, e a privação, pelo pagamento do preço. Para o vendedor, o benefício reside na aceitação deste, e o sacrifício, na entrega da coisa. Ambos esperam tirar um proveito, ao qual corresponde um sacrifício.
A doutrina diferencia os contratos gratuitos propriamente ditos dos contratos desinteressados. Aqueles ocasionam uma redução patrimonial a uma das partes, como ocorre nas doações puras. Estes, subespécies dos primeiros, não produzem esse efeito, não obstante beneficiem a outra parte (comodato e mútuo, p. ex.).
Nesse sentido, Xxxxxxxxx (2004, p. 32, grifo do autor), adverte sobre a importância da referida classificação:
A presente classificação oferece, igualmente, enorme interesse, porque, em numerosos casos, a proteção outorgada ao contratante que recebe a título gratuito é menos importante que a conferida a quem
obtém a título oneroso. Pois aqui incide a regra segundo a qual, havendo de escolher entre o interesse de quem procura assegurar um lucro (qui certat de lucro captando) e o de quem busca evitar um prejuízo (qui certat de damno vitando), é o interesse deste último que o legislador prefere.
Outra consequência elementar existente na distinção entre contratos a título oneroso e a título gratuito se encontra na forma de interpretá-los. Desse modo, conforme dispõe o artigo 114, do Código Civil, o contrato benéfico ou gratuito somente deverá ser interpretado de maneira restrita, ou seja, na dúvida, não se amplia o alcance de um contrato benéfico. Já esta exigência não alcança a interpretação do contrato oneroso.
Dentro da classe dos contratos bilaterais e onerosos constitui-se outra divisão, compreendendo em comutativos e aleatórios.
Comutativos são os compostos de prestações certas e determinadas, onde as partes podem ver com antecedência as vantagens e os sacrifícios, que normalmente se equivalem, decorrentes de sua celebração, em razão de não envolver nenhum risco.
Na ideia de comutatividade está presente a de equivalência das prestações, pois, em regra, nos contratos onerosos, cada contraente somente se sujeita a um sacrifício se receber, em troca, uma vantagem equivalente. Todavia, pode não haver equivalência objetiva, mas subjetiva, existente apenas no espírito dos contraentes, e não necessariamente na realidade, visto que cada qual é juiz de suas conveniências e interesses. Assim, na compra e venda, por exemplo, o vendedor sabe que irá receber o preço que atende aos seus interesses, e o comprador, que lhe será transferida a propriedade do bem que desejava adquirir (Xxxxx, 2001).
Contrato comutativo é, pois, o oneroso e bilateral, em que cada uma das partes do contrato, além de receber da outra parte prestação relativamente equivalente à sua, pode averiguar, de imediato, essa equivalência. Contrato aleatório por natureza é o bilateral e oneroso em que pelo menos um dos contraentes não consegue prever o benefício que terá, em troca da prestação oferecida. Ao contrário do comutativo, evidencia-se pela incerteza, para as duas partes, sobre os benefícios e sacrifícios que dele podem advir. É que o lucro ou a perda dependem de um fato futuro e imprevisível.
O vocábulo aleatório é originário do latim alea, que quer dizer sorte, risco, acaso. Os contratos de jogo, aposta e seguro, são exemplos claros dessa subespécie. Já se abordou que o contrato de seguro é comutativo, em razão de que o segurado o firma para se esconder contra qualquer risco. Ademais, para a seguradora é sempre aleatório, tendo em vista que o pagamento ou não da indenização depende de um fato eventual.
Nesse sentido, Pereira (2005, p. 68), preleciona:
Há uma corrente doutrinária tradicional que situa a noção de contrato aleatório na existência da álea bilateral. Mas a evolução desse tipo de negócio o desautoriza. Basta que haja o risco para um dos contratantes. Com efeito, em vários contratos em voga como o seguro, a aposta autorizada nos hipódromos, a loteria explorada pela Administração ou pelo concessionário, existe álea apenas para um dos contratantes, ao passo que o outro baseia a sua prestação em cálculos atuariais ou na dedução de percentagem certa para custeio e lucro, de tal maneira que se pode dizer perfeitamente conhecida, e lhe não traz risco maior do que qualquer contrato comutativo normal.
Cumpre salientar que, os benefícios do contrato subordinar-se-ão a um fato futuro e incerto.
Ainda, segundo o mesmo autor, emérito civilista:
Se for certo que em todo contrato há um risco, pode-se, contudo dizer que no contrato aleatório este é da sua essência, pois que o ganho ou a perda consequente está na dependência de um acontecimento incerto para ambos os contratantes. O risco de perder ou de ganhar pode ser de um ou de ambos; mas a incerteza do evento tem de ser dos contratantes, sob pena de não subsistir a obrigação (PEREIRA, 2005, p. 69).
Portanto, no contrato de seguro, por exemplo, se acontecer um sinistro, ou nada obter, se aquele não advier o segurado, em troca do prêmio, poderá receber a indenização.
Além dos aleatórios por natureza, existem contratos tipicamente comutativos, como a compra e venda, que, em razão de certas ocorrências, transformam-se em aleatórios, que são denominados de acidentalmente aleatórios, como por exemplo, a aquisição de uma futura colheita.
Conforme salienta Diniz (2006, p. 95, grifo da autora), os contratos acidentalmente aleatórios são de duas espécies: os que versam sobre coisas existentes e os que dizem respeito a coisas futuras. Estes últimos podem ser:
[...] a) emptio spei, em que um dos contratantes, na alienação de coisa futura, toma a si o risco relativo à existência da coisa, ajustando um preço, que será devido integralmente, mesmo que nada se produza (CC, art. 458), sem que haja dolo ou culpa do alienante; [...] e, b) emptio rei speratae, que ocorre se a álea versar sobre quantidade maior ou menor da coisa esperada.
Do risco atinente à própria existência da coisa trata o artigo 458, do Código Civil. Tem-se, na hipótese, a emptio spei ou venda da esperança, isto é, da probabilidade
das coisas ou fatos existirem. O art. 459, do Código Civil trata do risco atinente à quantidade maior ou menor da coisa esperada (emptio rei speratae ou venda da coisa esperada).
No que diz respeito aos que consistem sobre coisas existentes, sujeitas ao risco de se perderem, danificarem, ou, ainda, sofrerem depreciação, como por exemplo, a mercadoria que é embarcada já vendida, assumindo o comprador o risco de chegar ou não ao seu destino. Mesmo que ocorra um acidente e esta mercadoria se perca, a venda será legítima e o vendedor terá direito ao preço, de acordo com o disposto no artigo 460, do Código Civil. Mas, se a consumação do risco já era esperada de um dos contratantes, pode o outro invalidar o contrato sob fundamento do dolo com que procedeu ao primeiro (Código Civil, artigo 461).
A distinção entre contratos comutativos e aleatórios é de indiscutível relevância, tendo em vista que estão sujeitos a regimes legais diversos. Assim, por exemplo, o Código Civil, ao tratar da evicção, limita-se ao campo dos contratos comutativos; os vícios redibitórios aparecem, exclusivamente, nos contratos comutativos (Código Civil, artigo 441); formou-se um regime especial para os contratos aleatórios, nos artigos 458 a 461; o rompimento por lesão não acontece nos contratos aleatórios, mas somente nos comutativos.
Com efeito, a hipótese de oferecimento de suplemento suficiente, elencada no artigo 157, do Código Civil, reforça a ideia sustentada pela doutrina de que a lesão só acontece em contratos comutativos, em que a contraprestação é um dar e não um fazer, e não nos aleatórios, tendo em vista que nestes as prestações abrangem risco e, por sua própria natureza, não precisam ser equilibradas.
1.6.2 Quanto à formação
Contratos paritários são aqueles do tipo tradicional, em que as partes debatem as condições sem imposições, pois se encontram em situação de igualdade. Assim, nessa modalidade as parte se reúnem para discutir as cláusulas e condições do negócio, funcionando como uma fase de negociações preliminares.
Contratos de adesão são os que não admitem essa liberdade, em razão da supremacia da vontade de um dos contratantes, que confecciona todas as cláusulas, enquanto que o outro adere ao modelo de contrato previamente elaborado, não podendo alterá-lo, ou seja, deve rejeitar ou aceitar de maneira pura e simples, e em bloco,
descartada qualquer alternativa de discussão. Pode-se citar como exemplos dessa espécie, dentre outros, os contratos de transporte, de seguro, de consórcio, e os celebrados com as concessionárias de serviços públicos (fornecedoras de água, energia elétrica etc.).
No contrato de adesão se depara com uma restrição mais extensa da existente no tradicional princípio da autonomia da vontade. Normalmente, encontra-se nos casos de estado de oferta permanente, seja por parte de grandes organizações concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, ou ainda detentor de um monopólio de direito ou de fato (fornecimento de linha telefônica, água, gás, eletricidade), ou por parte de lojas e organizações comerciais ou de prestadoras de serviços, abrangendo consumo (transporte, venda de mercadorias em geral, expostas ao público).
O indivíduo que precisa contratar com uma enorme organização que explora um serviço público, se depara com um contrato-padrão, previamente confeccionado, restringindo-se a dar a sua adesão ao paradigma contratual já firmado, ou noutra hipótese, se submete a ele, sem qualquer chance de debater o preço e outras condições propostas, contratando, ou ainda se priva de um serviço muitas vezes elementar.
Em decorrência dessa particularidade, alguns autores chegaram a lhe negar natureza contratual, sob a alegação de que falta a vontade de uma das partes, o que caracteriza o seu caráter institucional. Porém, prevalece o entendimento de que a aceitação das cláusulas, ainda que preestabelecidas, lhe garante aquele caráter (RODRIGUES, 2004).
Normalmente, o contrato de adesão é celebrado em relação de consumo, sendo normatizado, portanto, pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). Dedicou-lhe este diploma um capítulo, conceituando-o no artigo 54, do CDC com sendo o “contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”
O §1º permite a inclusão de cláusula no formulário, sem que isso modifique a natureza da adesão do contrato, ou seja, sem que afaste a posição de vantagem do proponente. O § 3º exige que os contratos de adesão sejam confeccionados em termos claros e legíveis, de modo a facilitar a sua assimilação pelo consumidor. As cláusulas que eventualmente restringem o seu direito deverão ser redigidas com destaque, permitindo seu imediato entendimento (§4º). Esta espécie de cláusula restritiva não
pode, porém, ser abusiva, sob pena de incidir na cominação de nulidade (Código de Defesa do Consumidor, artigo 51).8
O artigo 47, do Código do Consumidor dispõe que as cláusulas contratuais serão interpretadas de uma forma mais benéfica ao consumidor. Há tempos a jurisprudência vem anunciando que, nos contratos de adesão em geral, na dúvida, a interpretação deve beneficiar o aderente, porque quem fixa as condições é o outro contratante, que tem a obrigação de ser claro e de evitar dúvidas.
Apesar do contrato de adesão estar ligado às relações de consumo, existem negócios jurídicos que não possuem essa peculiaridade. Por essa razão o Código Civil dispôs sobre o contrato de adesão em dois dispositivos. Prescreve, com efeito, o artigo 423, do Código Civil que “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”
Por sua vez, proclama o artigo 424, do mesmo diploma que “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estimulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”
Em ambos os dispositivos, o Código Civil procura abrigar a posição do aderente não só em vista de cláusulas ambíguas ou contraditórias, como ao obstar a renúncia antecipada a direito, levando em conta especialmente o fato do contrato de adesão ter o seu conteúdo estabelecido por decisão exclusiva do ofertante.
No tocante aos contratos-tipo, as cláusulas não são impostas por uma parte à outra, mas somente pré-redigidas, ficando a cargo das mesmas e por acordo de vontades realizarem as mudanças necessárias.
Na visão de Xxxxxxx (2005, p. 75):
8 No tocante aos contratos eletrônicos, e mais especificamente sobre contrato de prestação de serviços de webmail, podemos mencionar a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: Apelação Cível nº 0014033-83.2008.8.19.0042 - 8ª Câmara Cível - 2º Vara Cível da Comarca de Petrópolis - Apelante: Yahoo! do Brasil Internet Ltda. - Apelado: Xxxxxx Xxxxxxxxx - Relator: Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx - Data do Julgamento: 31/08/2010. EMENTA: ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE WEBMAIL. CONTRATO DE ADESÃO. ENCERRAMENTO SEM AVISO PRÉVIO DA CONTA DE CORREIO ELETRÔNICO, COM O DESCARTE DE TODO O CONTEÚDO ALI DEPOSITADO. CLÁUSULA RESTRITIVA DE DIREITOS REDIGIDA SEM O DEVIDO DESTAQUE, COMO ACENTUA O §4º, DO ARTIGO 54, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NULIDADE DE PLENO DIREITO COM FUNDAMENTO NO INCISO IV, DO ARTIGO 51, DO CDC. VERBA INDENIZATÓRIA BEM FIXADA, ATENDENDO-SE AOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DESPROVIMENTO DO
RECURSO. (grifos nossos) Disponível em:
<xxxx://xxx00.xxxx.xxx.xx/XxxxxxxxXxxXxxXxx/xxxxx/XxxxxxxxXxxxxx.xxx?xxXxxxxxxxxx0000X00XX0X0X EC8AC1FE3573DD5B31717C797C4024E370F>. Acesso em: 16 out. 2010.
[...] o contrato-tipo não resulta de cláusulas impostas, mas simplesmente pré-redigidas, às quais a outra parte não se limita a aderir, mas que efetivamente aceita, conhecendo-as, as quais, por isso mesmo, são suscetíveis de alteração ou cancelamento, por via de cláusulas substitutivas, que venham manuscritas, datilografadas ou carimbadas.
Ademais, os contratos de adesão são dirigidos a um número indeterminado e desconhecido de pessoas, enquanto que os contratos-tipo são endereçados a pessoas ou grupos possíveis de serem identificados. Podem ser acrescentadas, às impressas, cláusulas datilografadas ou manuscritas. Estas, só serão consideradas anuladas por aquelas se existir contradição ou incompatibilidade entre elas, caso em que prevalecerão as últimas. Não havendo, coexistirão.
1.6.3 Quanto ao momento de sua execução
A presente classificação leva em consideração o exato momento em que os contratos necessitam ser cumpridos. São de execução instantânea ou imediata ou ainda de execução única os que se findam num só ato, sendo finalizados imediatamente após a sua celebração, como por exemplo, a compra e venda à vista. Resolvida a obrigação, findam-se e a solução se cumpre de uma só vez e por meio de única prestação, gerando assim a extinção completa da obrigação.
Segundo Diniz (2006, p. 97), “os contratos de execução imediata são os que se esgotam num só instante, mediante uma única prestação, como, p. ex., a compra e venda de uma coisa à vista, a troca etc.”
Contratos de execução diferida ou retardada são os que devem ser finalizados também em um só ato, mas em tempo futuro, como por exemplo, a entrega do objeto vendido em certa data. A prestação de uma das partes não ocorre logo após a constituição do vínculo, mas a termo.
Contratos de trato sucessivo ou de execução continuada são os que se satisfazem por meio de atos reiterados, como por exemplo, a prestação permanente de serviços, a venda e compra a prazo, o fornecimento periódico de mercadorias etc. Caso característico é a locação, em que a prestação do aluguel não tem efeito liberatório, a não ser do débito referente ao período, tem em vista que o contrato permanece até atingir o seu termo ou ocorrer outra causa extintiva.
Há interesse prático na citada classificação, por várias razões: a) a teoria da imprevisão, que possibilita a resolução do contrato por onerosidade excessiva, somente se emprega aos contratos de execução diferida e continuada (Código Civil, artigos 478 a 480); b) o princípio da simultaneidade das prestações somente se emprega aos de execução instantânea, e assim, não se admite, em contrato de execução diferida ou de trato sucessivo, que o contratante, que necessita satisfazer em primeiro lugar sua prestação, resguarda-se pela exceptio non adimpleti contractus, alegando que a outra parte não cumpriu a dela; c) nos contratos de execução instantânea, a nulidade ou resolução por inadimplemento conduz novamente as partes ao estado anterior, enquanto que nos de execução continuada são obedecidos os efeitos surgidos (os aluguéis pagos, o serviço prestado pelo empregado, p. ex.), não havendo a possibilidade de restituí-las ao status quo ante; d) a prescrição da ação para reclamar o cumprimento das prestações vencidas, nos contratos de trato sucessivo, tem início na data do vencimento de cada prestação.
1.6.4 Quanto ao agente
Contratos personalíssimos ou intuitu personae são os realizados mediante as qualidades pessoais de um dos contraentes. Por isso, o obrigado não pode ser substituído por outrem, porque essas qualidades, sejam elas profissionais, culturais, artísticas ou de qualquer outra espécie, influenciaram de maneira decisiva o consentimento do outro contratante. Normalmente originam uma obrigação de fazer, cujo objeto é um serviço infungível, que não pode ser realizado por outra pessoa.
As obrigações personalíssimas são intransmissíveis aos sucessores, ou seja, não podem ser executadas por outrem, e ainda não podem ser objeto de cessão. Podem ser anuladas se for constatado a ocorrência de erro essencial sobre a pessoa do outro contratante.
A propósito, preleciona Diniz (2006, p. 107, grifo da autora):
A distinção entre contratos intuitu personae e impessoais reveste-se de grande importância, em virtude das conseqüências práticas decorrentes da natureza personalíssima dos negócios pertencentes à primeira categoria, que: a) são intransmissíveis, não podendo ser executados por outrem; assim sendo, com o óbito do devedor, extinguir-se-ão, pois os sucessores não poderão cumprir a prestação, que era personalíssima; b) não podem ser cedidos, de modo que, se
substituído o devedor, ter-se-á a celebração de novo contrato; c) são anuláveis, havendo erro essencial sobre a pessoa do contratante.
Já nos contratos impessoais a prestação pode ser cumprida, indiferentemente, pelo obrigado ou por terceiro, pois o importante é que seja realizada, pouco importando quem a executa, tendo em vista que o seu objeto não requer qualidades especiais do devedor.
No contrato individual, ainda que envolva várias pessoas, as vontades são individualmente consideradas. Na compra e venda, por exemplo, pode uma pessoa contratar com outra ou com um grupo de pessoas.
Nessa linha, assevera Xxxxxxx (2005, p. 71, grifo do autor), que:
Contrato individual é o que se forma pelo consentimento de pessoas, cujas vontades são individualmente consideradas. Não é a singularidade de parte que o identifica. Pode uma pessoa contratar com várias outras ou um grupo de pessoas com outro grupo, e o contrato ser individual, uma vez que, na sua constituição, a emissão de vontade de cada uma entra na etiologia da sua celebração.
Os contratos coletivos firmam-se pelo acordo de vontades entre duas pessoas jurídicas de direito privado, representativas de categorias profissionais, sendo denominados de convenções coletivas.
Xxxxxxx Xxxxx (2001, p. 84, grifo do autor), os contratos coletivos não têm verdadeiramente natureza contratual, visto que de sua celebração “não nascem relações jurídicas que coloquem as partes nas posições de credor e devedor. É um acordo normativo; não um contrato.”
Todavia, a doutrina em geral tem admitido essa classificação e a sua natureza contratual, assim como o fez o artigo 611, da Consolidação das Leis do Trabalho.
No tocante à importância de classificar os contratos em individuais e coletivos, Pereira (2005, p. 72, grifo do autor), esclarece que:
A importância desta classificação está em que o contrato individual cria direitos e obrigações para as pessoas que dele participam; ao passo que o contrato coletivo, uma vez homologado regularmente, gera deliberações normativas, que poderão estender-se a todas as pessoas pertencentes a uma determinada categoria profissional, independente do fato de terem ou não participado da assembléia que votou a aprovação de suas cláusulas, ou até de se haverem, naquele conclave, oposto à sua aprovação.
Pode ainda existir contrato coletivo no âmbito do Direito de Empresa, pactuado por pessoas jurídicas representativas de determinadas indústrias ou sociedades empresárias, com o intuito de inibir a concorrência desleal, a incentivar a pesquisa, a desenvolver a cooperação mútua etc.
1.6.5 Quanto ao modo por que existem
Sabe-se que contratos principais são os que possuem existência autônoma, própria e não dependem, pois, de nenhum outro, como por exemplo, a locação e a compra e venda. Já os contratos que, no entanto, dependem da existência de outros são denominados de acessórios que são os que têm sua existência subordinada à do contrato principal, ou seja, só existem porque existem os contratos principais, assim como a cláusula penal, a fiança etc.
A consequência disso: a) nulo o contrato principal, nulo o negócio acessório; a recíproca, porém, não é verdadeira (Código Civil, artigo 184); b) a prescrição da pretensão referente à obrigação principal acarretará a da relativa às acessórias, apesar da recíproca não ser verdadeira; assim, a prescrição da pretensão a direitos acessórios não atinge a do direito principal.
A função que prevalece nos contratos acessórios é a de garantir o cumprimento de obrigações contraídas em contrato principal, como a fiança, o penhor, a hipoteca convencional, e similares. Ademais, não são apenas acessórios os contratos de garantia, mas todos os que têm como pressuposto outro contrato.
Xxxxxxx Xxxx (2010) assevera que, a aplicação geral dos princípios que ajustam os acessórios, sofre, no entanto, algumas limitações no campo dos contratos. Afirma que a rescisão ou a caducidade e a nulidade do contrato principal resulta em ineficácia do acessório (findando o contrato de locação, finda o de fiança), não é menos certo que as partes podem pactuar a extinção do contrato principal em decorrência do desaparecimento do acessório. É comum existir nos contratos locatícios, uma cláusula resolutória baseada na falência ou na interdição do fiador e no falecimento, salvo se o locatário dentro de certo prazo apresentar outro fiador idôneo a critério do locador.
Xxxxx (2001, p. 78, grifo do autor), afirma que “os contratos acessórios podem ser preparatórios, como o mandato; integrativos, como a aceitação do terceiro na estipulação em seu favor; complementares, como a adesão a um contrato aberto.”
Existem ainda, contratos que são denominados derivados ou subcontratos, por também dependerem ou derivarem de outros. Os contratos derivados são os que têm por objeto, direitos fixados em outro contrato chamado de básico ou principal. Entre os principais subcontratos temos a subconcessão, a sublocação e a subempreitada.
O subcontrato também se diferencia da cessão da posição contratual, na qual o contrato básico perdura em sua integridade, mas com novo titular, o cessionário, enquanto que no contrato derivado, no entanto, surge uma nova relação contratual, sem a mudança da primeira, existindo somente um dos sujeitos que é titular de ambos os contratos.
Por sua vez, adverte Venosa (2006, p. 423, grifo do autor), que:
Como conseqüência da derivação, o direito contido no subcontrato tem como limite de compreensão o direito contido no contrato-base; sua extensão não pode ser ultrapassada. Aplica-se o princípio segundo o qual ninguém pode transferir mais direito do que tem (nemo plus iuris ad alium tranferre potest quod non habet). No mesmo diapasão, se o contrato principal se extingue, extingue-se o contrato derivado por impossibilidade material de sua continuação.
Os contratos personalíssimos ou intuitu personae não aceitam a subcontratação, pois são pactuados em decorrência das qualidades pessoais do obrigado. Também não a admitem os contratos de execução instantânea, tendo em vista que o subcontrato é um negócio de duração.
1.6.6 Quanto à forma
Encarados segundo a forma como se concretizam, distinguem-se os contratos em solenes ou formais, e não solenes ou não formais.
Xxxxxxx são os contratos que precisam obedecer à forma prescrita em lei para se aperfeiçoar. Assim, quando a forma é exigida como condição de validade do negócio, pode-se denominá-lo de solene, sendo que a formalidade é ad solemnitatem, ou seja, constitui a substância do ato (escritura pública na alienação de imóveis, pacto antenupcial, testamento público etc.). Não observada, o contrato é nulo (Código Civil, artigo 166, inciso IV).
Segundo a lição de Xxxxx (2001, p. 77, grifo do autor):
Porque prevalece no direito moderno o princípio da liberdade de forma, os contratos se concluem, por via de regra, pelo simples
consentimento das partes, seja qual for o modo de expressão da vontade. Em atenção, porém, à conveniência de dar maior segurança ao comércio jurídico, a lei exige que certos contratos obedeçam a determinada forma, elevando-se à condição de requisito essencial à sua validade. Nesses casos, a vontade das partes não basta à formação do contrato. Dizem-se solenes os contratos que só se aperfeiçoam quando o consentimento é expresso pela forma prescrita na lei. Também se denominam contratos formais. A solenidade exigida consiste em serem lavrados por tabelião. Têm como forma a escritura pública.
O efeito prático essencial da distinção entre contratos solenes e não solenes está no fato de serem nulos os primeiros, se não observada a forma prescrita em lei, que é elemento essencial à sua validade, de modo que os segundos não.
Ao contrário de alguns autores, Xxxxxx (2006, p. 413, grifo do autor), menciona a relevância da distinção entre contratos solenes e formais:
Alguns autores não distinguem a formalidade da solenidade, tratando- as como sinônimos, contudo as conseqüências jurídicas da distinção são importantes. O contrato solene entre nós é aquele que exige escritura pública. Outros contratos exigem a forma escrita, o que os torna formais, porém não solenes. No contrato solene, a ausência de forma torna-o nulo. Nem sempre ocorrerá a nulidade, e a relação jurídica gerará efeitos entre as partes, quando se trata de preterição de formalidade, em contrato não solene.
Quando a formalidade é exigida apenas para facilitar a prova do negócio e não como condição de validade, diz-se que ela é ad probationem tantum. O formalismo revigora hoje em muitos negócios jurídicos para permitir melhor segurança às partes.
Por outro lado, o artigo 108, do Código Civil prevê que:
Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
As partes têm a liberdade de determinar que o contrato somente seja celebrado por instrumento público. Assim, neste caso, este será da substância do ato e o contrato, que não seria, em princípio, formal, passa a sê-lo (Código Civil, artigo 109).
Porém, um contrato solene será válido se não for celebrado por instrumento público, ainda que as partes o tenham dispensado.
Contratos consensuais são os que se perpetuam de maneira única pelo acordo de vontades (solo consensu), independentemente da entrega da coisa e da observância de determinada forma, e portanto, são também considerados contratos não solenes.
Segundo Xxxxxxx (2005), embora se tenha permissão para dizer que todo contrato, quando da formação, é consensual no sentido de que pressupõe o consentimento. No direito moderno, prevalece o princípio do consensualismo, e pode-se afirmar que o contrato consensual é a regra, sendo os contratos reais, exceções.
Nesse sentido, a compra e venda de bens móveis, por exemplo, quando pura, pertence à classe dos contratos consensuais, segundo dispõe o artigo 482, do Código Civil, pois “considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.”
Xxxxxxxxx (2004) ressalta que diversamente dos consensuais, os contratos reais exigem o consentimento e a entrega da coisa que lhe serve de objeto para se tornarem perfeitos e acabados, como por exemplo, os de comodato, depósito, mútuo etc., e alguns poucos (penhor, anticrese, arras). Esses só se formam com a tradição da coisa e podem preceder de promessa de contratar.
Em regra, os contratos reais são unilaterais, visto que, entregue a coisa (quando o contrato torna-se perfeito e acabado), só resta a obrigação para o depositário, o comodatário e o mutuário.
Xxxxx (2001, p. 76, grifo do autor), ressalta que alguns contratos exigem algo mais, que a simples entrega da coisa: [...] “O depósito, no qual o depositante se obriga a remunerar o depositário, é contrato bilateral que, todavia, só se torna perfeito e acabado com a entrega da coisa.”
Oportuno ressaltar que conforme leciona Xxxxxxx (2005, p. 64), “os escritores modernos criticam o conceito de contrato real, considerando-o um romanismo injustificável, e entendem que não há razão para que se exija para a celebração do contrato a efetivação da entrega do objeto.”
Observe-se que a doutrina moderna julga o conceito de contrato real, mas nota- se que a espécie ainda é inafastável na presença do nosso direito positivo em vigor.
1.6.7 Quanto ao objeto
É sabido que algumas vezes o contrato resulta de uma prolongada e exaustiva fase de negociações preliminares. Porém, outras vezes, não obstante o consenso alcançado, não se mostra conveniente aos contraentes contratar de forma definitiva, tendo em vista que o pagamento será parcelado, ou em razão da necessidade de se aguardar a liberação de um financiamento, ou ainda por algum outro motivo de natureza particular, ou até mesmo de mera conveniência. Sendo que nesse caso, os interessados têm a opção de celebrar um contrato preparatório, onde prometem complementar o ajuste, celebrando o definitivo.
Xxxxxxx (2005, p. 81), conceitua o contrato preliminar como aquele “por via do qual ambas as partes ou uma delas se compromete a celebrar mais tarde outro contrato, que será contrato principal.”
Cada contrato tem um objeto peculiar, de acordo com a natureza de cada avença. O contrato definitivo tem objetos diversos. Na compra e venda, por exemplo, as parcelas, que estabelecem o seu objeto, são a entrega da coisa pelo vendedor e o pagamento do preço pelo adquirente.
O contrato preliminar também se denomina de pré-contrato, e quando tem por objeto a compra e venda de um imóvel, é intitulado de promessa de compra e venda, ou compromisso de compra e venda, se irretratável e irrevogável.
Xxxxxxxxx (2004, p. 40), chama a atenção para a utilidade prática do contrato preliminar na atualidade:
O motivo de sua enorme difusão na vida moderna se encontra na considerável utilidade prática que oferece, pois, não raro, convém às partes, a quem interessa um contrato, aditar sua efetivação, sem risco de perdê-lo. Ora, lançando mão do contrato preliminar, asseguram os contratantes a possibilidade de ultimar oportunamente o negócio almejado, pois o ordenamento jurídico prestigia a convenção provisória, impondo o cumprimento da obrigação assumida. E, naturalmente, sanciona o inadimplemento desse ajuste.
Insta ressaltar, quanto ao requisito forma, que diversos autores compreendem que o contrato preliminar só é válido quando confeccionado na mesma maneira exigida ao contrato definitivo. Em sentido contrário, outros entendem que tal exigência eliminaria a utilidade prática do pacto de contrahendo. Ademais, a matéria não tem sido objeto de excessiva controvérsia em nosso Direito.
1.6.8 Quanto à designação
As várias espécies de contratos eram divididas pelo Direito Romano em duas grandes classes, a saber: a dos nominados e a dos inominados, conforme fossem eles indicados pelo seu nome ou não. Não obstante, ainda resiste a classificação romana, mas com conceito diverso e dotado de interesse prático.
Mais recentemente a doutrina tornou-se propensa pela substituição da nomenclatura tradicional, pela de contratos típicos e atípicos, verificando que não é a circunstância de ter uma denominação própria (nomen iuris) que predomina, mas sim a tipicidade legal.
O Código Civil de 2002 optou pela terminologia moderna da doutrina, ao dispor no artigo 425, que “é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.”
No que diz respeito às terminologias empregadas, Azevedo (1984), enfatiza que as nomenclaturas têm o mesmo significado, pois são conhecidas também as expressões ‘contratos típicos’ e ‘contratos atípicos’, com o mesmo significado de ‘nominados’ e ‘inominados’. Ademais, pela própria denominação, se deduz que os típicos estão previstos na lei ou pelo menos, assinalados por ela, enquanto que os atípicos não se adequam em qualquer dos moldes contratuais previstos em lei.
O Código Civil normatiza vinte e três contratos nominados, em vinte capítulos, a saber: da doação, da locação de coisas, da compra e venda, da troca ou permuta, do contrato estimatório, do empréstimo, da prestação de serviço, da comissão, da agência e distribuição, da corretagem, da empreitada, da sociedade, do depósito, do mandato, do transporte, da constituição de renda, do seguro, do jogo e da aposta, da fiança, da transação e do compromisso.
Feitas estas observações terminológicas, Rizzardo (2006, p.77, grifo do autor), pontifica a distinção entre os contratos nominados e os inominados:
Oriunda do direito romano, a distinção atual se refere aos contratos que possuem denominação e aos que não possuem nomen juris. Como nominados se classificam os contratos previstos e regulados na lei. Inominados consideram-se aqueles que não se enquadram numa figura típica prevista pelo legislador. Ou seja, os primeiros estão expressamente previstos na lei, que os regula através de normas, ao passo que os segundos se firmaram e se impõem pelo costume.
O legislador, no entanto, não consegue calcular com precisão todas as situações que levam as pessoas a se relacionar e a contratar. As diversidades de negócios e as
crescentes necessidades decorrentes da vida moderna, assim como a imaginação humana sem limites, fazem com que as pessoas criem relações jurídicas que não tem previsão no Código Civil ou em leis especiais. Dessa forma, surgem outros contratos além daqueles já elencados na legislação, ou que não foram tipificados, e por esta razão se consideram inominados ou atípicos.
Os contratos que não tem denominação própria são os inominados. A rigor, a titulação contrato inominado equivaleria a contrato que não tem um nome no ordenamento jurídico. Pode-se citar como exemplo os contratos atípicos de publicidade, hospedagem, garagem, excursão turística, espetáculos artísticos, serviços de bufê em geral etc.
Já o contrato misto surge da combinação de um contrato típico com cláusulas elaboradas pela vontade dos contratantes, deixando assim de ser um contrato essencialmente típico, mas que não se transforma em outro totalmente atípico. Essa combinação ocasiona uma nova espécie contratual ainda não regulada em lei, o que constitui em um contrato único ou unitário.
A título ilustrativo, segue o exemplo trazido por Rizzardo (2006, p. 81):
O leasing, ou arrendamento mercantil, é um caso típico de contrato misto. Várias obrigações estão nele inseridas, caracterizadoras de diversos tipos contratuais, formando uma unidade indissolúvel, na qual a inexistência ou o descumprimento de apenas um dos elementos de tipos diferentes e que compõem o conjunto pode frustrar os resultados de toda a avença. Não há dois contratos. Ocorre, isto sim, o nascimento de uma nova figura.
O contrato coligado não se confunde com o misto, tendo em vista constituir uma pluralidade, de modo que diversos contratos celebrados pelas partes apresentam-se interligados. Quando o elo entre eles baseia-se somente no fato de fazer parte do mesmo instrumento, não existe propriamente coligação de contratos, mas sim a união dos mesmos.
Por outro lado, ocorre a união de contratos quando há contratos distintos e autônomos, ou seja, somente são realizados ao mesmo tempo ou no mesmo documento, onde o vínculo é meramente externo. O que poderá haver, por exemplo, é um comodato de móveis dentro de uma locação de imóvel.
1.7 Extinção dos contratos
Os contratos, como os negócios jurídicos em geral, têm também um ciclo vital: nascem do acordo de vontades, produzem os efeitos que lhes são próprios e extinguem- se.
Nesse sentido, Venosa (2006, p. 493), aduz que “o contrato desempenha importantíssima função social, mas nasce para em determinado momento ser extinto em prazo mais ou menos longo. Essa é sua nobre e importante função social.”
Como assinala Xxxxxxxx Xxxxxx (1999, p. 100):
Ao contrário dos direitos reais, que tendem à perpetuidade, os direitos obrigacionais gerados pelo contrato caracterizam-se pela temporalidade. Não há contrato eterno. O vínculo contratual é, por natureza, passageiro e deve desaparecer, naturalmente, tão logo o devedor cumpra a prestação prometida ao credor.
A extinção acontece, em regra, pela execução, seja instantânea, diferida ou continuada. O cumprimento da prestação desobriga o devedor e satisfaz o credor.
Algumas vezes o contrato é abolido sem ter chegado ao fim, ou seja, sem que as obrigações tenham sido atendidas. Diversas causas ocasionam essa extinção anormal, onde algumas são anteriores ou contemporâneas à formação do contrato e outras, supervenientes.
Deve-se ressaltar, que as peculiaridades referentes à extinção dos contratos eletrônicos serão observadas no Capítulo 3, especialmente dedicado aos referidos contratos.
1.7.1 Causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato
As causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato são: a) cumprimento de cláusula resolutiva, expressa ou tácita; b) vícios decorrentes do não- preenchimento de seus requisitos subjetivos (capacidade das partes e livre consentimento), objetivos (objeto lícito, possível, determinado ou determinável) e formais (forma prescrita em lei), que abalam a sua validade, motivando a nulidade absoluta ou relativa (anulabilidade); e, c) exercício do direito de arrependimento convencionado.
1.7.1.1 Nulidade absoluta e relativa
A nulidade absoluta decorre da ausência de elemento essencial do ato, com infração a preceito de ordem pública, dificultando que o contrato produza efeitos desde a sua formação (ex tunc). O contrato não pode ser confirmado, nem convalescerá pelo decurso do tempo (Código Civil, artigo 169). As hipóteses estão previstas nos incisos I a VII do artigo 166 e no artigo 167 do Código Civil.
Como salienta Xxxxxx Xxxxxx (2003), cuida-se de vício originário, descoberto logo no início da obrigação, causando assim, a ineficácia em sentido amplo (ato nulo é ineficaz), sendo que a decretação da nulidade pode ser pleiteada em juízo a qualquer tempo, por qualquer interessado, podendo ser declarada de ofício pelo juiz ou por promoção do Ministério Público (Código Civil, artigo 168).
Se a hipótese for de nulidade parcial, só quanto a ela poderá ser exercido o direito (Código Civil, artigo 184). Quando cabível a conversão, a procedência do pedido extintivo de nulidade será apenas parcial, onde o juiz declarará qual o negócio jurídico que permanece em vigor (Código Civil, artigo 170).
A anulabilidade, diferentemente da nulidade, não pode ser questionada por ambas as partes da relação contratual, nem declarada ex officio pelo juiz. Somente o contraente em cujo interesse foi estabelecida a regra, encontra-se legitimado para pleitear a anulação (Código Civil, artigo 177).
Xxxxx (2001), lembra que por esse motivo a nulidade relativa não deve fazer parte do rol dos modos de dissolução do contrato, pois se trata tão somente do reconhecimento de que o contrato tem defeitos, o que não lhe tira a relevância jurídica, tendo em vista que permanecerá eficaz enquanto não se impetrar ação que estabeleça tal nulidade, por ter a nulidade relativa efeito ex nunc.
Enfim, como pode ser sanada e até mesmo não questionada no prazo prescricional, não findará o contrato enquanto não se impetrar ação que a decrete, sendo ex nunc os efeitos da sentença. Apesar de conter vício congênito, é eficaz até sua decretação pelo juiz.
1.7.1.2 Cláusula resolutiva
Na execução do contrato, se o outro não cumpre as obrigações avençadas, cada contraente tem a faculdade de pedir a resolução, pois essa faculdade pode proceder de estipulação ou de presunção legal. Quando as partes a pactuam, diz-se que estipulam a cláusula resolutiva expressa ou pacto comissório expresso, cuja origem remonta à lex
commissoria romana, que amparava o vendedor contra o inadimplemento do comprador.
Segundo Xxxxx (2001), naquela época, o vendedor que depositava confiança no comprador, pois as prestações eram independentes. Entretanto, corria-se o risco de não receber o preço e consequentemente perder a coisa, vindo daí a utilidade da cláusula, que na sua ausência, presumia-se estar implícita no contrato.
Nesse contexto, Venosa (2006, p. 498, grifo do autor), conceitua o pacto comissório:
Pode ser conceituado o pacto comissório como a cláusula pela qual se estipula que qualquer das partes opte pela resolução do contrato, se o outro contratante não cumpre a obrigação que lhe compete. Existe uma cláusula resolutória tácita em todos os contratos. São diversos os efeitos quando as partes expressamente declinam as conseqüências do descumprimento do contrato.
Presume-se que em todo contrato bilateral ou sinalagmático exista uma cláusula resolutiva tácita, permitindo ao lesado pelo inadimplemento, solicitar a resolução do contrato, com perdas e danos. O artigo 475, do Código Civil proclama que, com efeito que “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.”
O inadimplemento substancial do contrato tem sido visto pela doutrina, como motivo efetivo para a resolução unilateral do contrato.
O Código Civil de 2002 ajustou-se a esse novo modelo, presumindo a cláusula resolutiva expressa sem qualquer restrição, seja quanto à natureza do contrato, seja quanto à parte beneficiada, no artigo 474, onde preceitua que “a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.”
Segundo Xxxxxx Xxxxxx (2003, p. 183), a cláusula resolutiva, “apesar de representar manifestação de vontade das partes, não fica excluída da obediência aos princípios da boa-fé e das exigências da justiça comutativa”.
Nesse sentido, a cláusula resolutiva deve se pautar não só pela boa-fé contratual, mas também pela justiça comutativa, sendo que os contratantes devem dar e receber numa proporção matemática. Um contrato é justo quando guarda equivalência nas prestações e seja possível que cada contratante dê ao outro o que lhe é devido.
1.7.1.3 Direito de arrependimento
Quando expressamente disposto no contrato, o arrependimento permite a qualquer das partes a rescindir o ajuste, conforme declaração unilateral da vontade, incorrendo na possibilidade da perda do sinal, ou à sua devolução em dobro, sem, no entanto, pagar indenização suplementar. Configuram-se, in casu, as arras penitenciais, previstas no artigo 420, do Código Civil.
Nesse diapasão, Diniz (2006, p. 159, grifo da autora), enfatiza que “havendo mútuo consenso, formar-se-á o contrato e as partes ficarão vinculadas juridicamente, não mais podendo eximir-se do ajuste ad nutum. Todavia, a força vinculante da convenção poderá romper-se excepcionalmente, como, p. ex., se houver direito de arrependimento.”
O direito do arrependimento precisa ser exercido antes da execução do contrato ou no prazo convencionado, se nada foi fixado a esse respeito, pois o adimplemento deste importará renúncia tácita àquele direito.
O Código de Defesa do Consumidor faculta o direito de renunciar ao contrato, no prazo de sete dias, sempre que a contratação se der fora do estabelecimento comercial, especialmente quando por telefone ou em domicílio, com direito a restituição do que pagou, sem obrigação de indenizar perdas e danos (Lei nº 8.078/1990, artigo 49).
Cuida-se de caso especial de arrependimento, com dissolução do contrato por ato unilateral do consumidor. O fundamento legal está na presunção de que, por ter sido efetuado fora do estabelecimento comercial, o contrato não foi pactuado com a reflexão necessária9.
9 No tocante aos contratos concretizados pelo meio eletrônico, oportuno ressaltar a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: Apelação n° 293.216-4/4 - 4ª Câmara de Direito Privado - Comarca de São Vicente - Apelante: Globex Utilidades S/A - Apelado: Xxxxxxxx Xxxxxx - Relator: Xxxx Xxxxxxx - Data do Julgamento: 29/03/2007 - Data de Registro: 15/05/2007 - EMENTA: Consumidor que se arrepende, no prazo do art. 49, da Lei 8078/90, da compra de uma batedeira elétrica e não consegue que a vendedora estorne o pagamento realizado on-line pela operadora de cartão de crédito - Hipótese em que as seis prestações foram faturadas e pagas pelo consumidor, senhor idoso e doente, que, com isso, sofreu abalos emocionais dignos de serem compensados pela indenização por danos morais - Recursos não providos
Deve subsistir a r sentença, por constituir exemplo de que a indenização por dano moral funciona como meta de política persuasiva de mudança de atitude e mentalidade do empresário que se aventura no comércio eletrônico
Considera-se que a indenização caracteriza-se como modelo a ser observado por aqueles que se licenciam a operar no mercado eletrônico, constituindo um sinal de que os direitos dos compradores, mesmo aqueles que se arrependem a tempo, são garantidos pela ordem jurídica. Assim, para que não impere a ilusão da impunidade, é preciso responsabilizar as vendedoras que não estornam os valores decorrentes do desfazimento pelo arrepender oportuno do consumidor, com a esperança de que elas, sentindo o peso econômico das indenizações, alterem a dinâmica dos serviços e cumpram os misteres do fim do negócio com celeridade. (grifos nossos)
1.7.2 Causas supervenientes à formação do contrato
Verifica-se o desfazimento do contrato em razão de causas posteriores à sua celebração por: a) resolução, como consequência do seu inadimplemento voluntário, involuntário ou por onerosidade excessiva; b) resilição, pela vontade de um ou de ambos os contratantes; c) morte de um dos contratantes, se o contrato for intuitu personae; e d) rescisão, modo específico de extinção de certos contratos.
1.7.2.1 Resolução
A obrigação tem em vista a realização de um determinado fim. Portanto, nem sempre os contraentes conseguem satisfazer a prestação acordada, em decorrência de situações supervenientes, que bloqueiam ou atrapalham a sua execução. A extinção do contrato por meio de resolução tem como causa a inexecução ou incumprimento por um dos contratantes.
Xxxxxxx Xxxxx (2001, p. 172), “resolução é, portanto, um remédio concedido à parte para romper o vínculo contratual mediante ação judicial.”
O inadimplemento pode ser voluntário (culposo), ou involuntário. Caso o devedor não cumpra as obrigações contraídas, o contrato poderá ser executado pelo credor.
1.7.2.2 Resolução por inexecução voluntária
A resolução do contrato por incumprimento é sujeita à condição de que a falta não seja de menor relevância, levando-se em consideração o interesse da parte que sofre os seus efeitos.
Diante dos requisitos necessários para decretação desta modalidade de resolução do contrato, Diniz (2006, p. 168), diz que “para que se opere a resolução contratual por inexecução voluntária, serão imprescindíveis o inadimplemento do contrato por culpa de um os contratantes, o dano causado ao outro e o nexo de causalidade entre o comportamento ilícito do agente e o prejuízo.”
Disponível em: <xxxx://xxxx.xx.xx.xxx.xx/xxxx/xxxXxxxxxx.xx?xxXxxxxxxx000000>. Acesso em: 17 out. 2010.
No que diz respeito aos efeitos produzidos, opera-se ex tunc, extinguindo o que foi executado e obrigando à restituições recíprocas, sujeitando ainda o inadimplemento ao pagamento de perdas e danos e da cláusula penal, estipulada para o caso de total inadimplemento da prestação (cláusula penal compensatória), em garantia de alguma cláusula especial ou para evitar o retardamento (cláusula penal moratória), conforme os artigos 475 e 409 a 411, do Código Civil.
Oportuno ressaltar que, se o contrato for de trato sucessivo, como o de prestação de serviços de transporte e o de locação, por exemplo, a resolução não produz efeito em relação ao futuro, não sendo devolvidas as prestações já pagas. O efeito será, nesse caso, ex nunc.
1.7.2.3 Exceção de contrato não cumprido
Os contratos bilaterais ou sinalagmáticos geram obrigações para ambos os contratantes, envolvendo prestações recíprocas, atreladas umas às outras.
Segundo preleciona Xxxxxxx (2005), nos contratos bilaterais os deveres das partes são recíprocas e interdependentes, ou seja, cada um dos contraentes é ao mesmo tempo credor e devedor um do outro, uma vez que as respectivas obrigações têm por causa as do seu co-contratante, e, assim, a existência de uma é subordinada à da outra parte.
Portanto, se uma delas não é cumprida, desaparece a causa para o cumprimento da outra. Assim, nenhuma das partes, sem ter cumprido o que lhe cabe, pode exigir que a outra o faça.
Conforme prevê o artigo 476, do Código Civil, “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.”
Portanto, qualquer dos contratantes pode, ao ser demandado pelo outro, utilizar-se de uma defesa denominada exceptio non adimpleti contractus ou exceção do contrato não cumprido, para não aceitar a sua prestação, ao fundamento de que o demandante não cumpria a que lhe competia.
Nesse sentido, Xxxxxxxxx (2004), salienta que além de recíprocas é elementar que as prestações sejam simultâneas, pois, se assim não for, ou seja, sendo diferente o momento da exigibilidade, não podem as partes invocar tal prerrogativa. Aduz ainda que a exceptio non adimpleti contractus torna inerte a ação do autor, diante da alegação
do réu de não haver recebido a contraprestação devida. Ocorre que, não se discute o mérito do direito arguido, nem o excipiente nega a obrigação, mas apenas contesta sua exigibilidade, diante de não haver o excepto cumprido o contrato.
Aquele que não é capaz de satisfazer a própria obrigação, não pode exigir o implemento da do outro. Se o fizer, o último oporá em defesa a referida exceção, fundada na equidade, desde que as prestações sejam simultâneas.
Xxxxxxxx (1997) esclarece que, quando as prestações são sucessivas e não simultâneas, não pode a exceção em análise ser oposta pela parte a que caiba o primeiro passo. Se o momento da execução não foi fixado, subentende-se que se trata de prestações simultâneas. Agora, se ambas se tornarem inadimplentes há a necessidade de se resolver o contrato, mediante a restituição das partes à situação anterior.
É elemento indispensável, para que a exceção do contrato não cumprido seja aceita, que a falta cometida pelo contraente, que está solicitando a prestação do outro sem ter antes cumprido a sua, seja grave, bem como que haja equilíbrio e proporcionalidade entre as obrigações contrapostas.
Nesse passo, a aplicação da exceptio non adimpleti contractus não pode prescindir da boa-fé e não deve ser feita sem levar em conta a diversidade de obrigações. Se o descumprimento do credor for considerado moderado, não poderá utilizar isso como justificativa da oposição da citada defesa. Vale ressaltar ainda que, se ambas as partes concorrem com o seu comportamento para a inadimplência, não é justo que uma delas se aproveite da culpa de que partilha e para qual contribuiu.
Ainda segundo Xxxxxxxx (1997), se um dos contraentes assumiu cumprir totalmente a obrigação e vem a cumprir somente parte dela, o outro poderá opor a exceção do contrato que foi parcialmente cumprido ou exceptio non rite adimpleti contractus. Diferencia-se da exceção non adimpleti contractus, pois esta presume completa e absoluta inexecução do contrato, sendo que na prática a primeira é alcançada pela segunda.
A citada cláusula não é muito comum, aparecendo em alguns contratos administrativos, para abrigar a Administração, assim como na compra e venda de móveis (em geral, de máquinas), nos contratos de locação de imóveis residenciais, e de sublocações (em favor do locador). Nas relações de consumo deve ser impedida, em razão da cominação de nulidade a toda cláusula que coloque o consumidor em desvantagem exagerada (Lei nº 8.078/90, artigo 51).
Assim, o contratante que cumpre no prazo, pode diante o inadimplemento do outro, tomar, a seu critério, três atitudes, sendo uma passiva e duas ativas, a saber: a) continuar parado e defender-se, caso questionado, com a exceptio non adimpleti contractus; b) solicitar o cumprimento do contrato, com perdas e danos, demonstrando o prejuízo sofrido; e c) ou, ainda, solicitar a satisfação do contrato, quando possível a execução específica (Código de Processo Civil, artigos 461 e parágrafos, e 466-A a 466- C).
1.7.2.4 Garantia de execução da obrigação a prazo
Ainda como resultado da reciprocidade das prestações elencadas nos contratos bilaterais, o artigo 477, do Código Civil, prevê uma garantia de execução da obrigação a prazo, nos seguintes termos:
Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar- se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.
Busca-se acautelar os interesses do que deve saldar sua dívida em primeiro lugar, abrigando-o contra modificações da situação patrimonial do outro contratante. Autoriza-se, por exemplo, o vendedor a não entregar a mercadoria vendida, se ocorrer algum fato posterior à celebração do contrato que ocasione diminuição considerável no patrimônio do comprador, capaz de causar dúvida no cumprimento posterior de sua parte na avença, podendo aquele, neste caso, reclamar o preço de imediato ou exigir garantia suficiente.
No caso anteriormente mencionado, não poderá o comprador solicitar do vendedor a entrega da mercadoria, enquanto não saldar a sua obrigação que é a de efetuar o pagamento do preço ou oferecer garantia suficiente para satisfazê-la. Se impetrar ação judicial para esse fim, poderá aquele opor a exceção de contrato não satisfeito.
1.7.2.5 Resolução por inexecução involuntária
A resolução pode ainda ocasionar de fato não atribuído às partes, como acontece nas hipóteses de ação de terceiro ou de acontecimentos inevitáveis, alheios à vontade dos contraentes, denominados caso fortuito ou força maior, que dificulta o cumprimento da obrigação.
A inexecução involuntária caracteriza-se pela impossibilidade superveniente de solução do contrato. Há de ser involuntária, isto é, não dizer respeito à própria pessoa do devedor, pois este não pode concorrer de nenhuma maneira para que a prestação se torne impossível.
De acordo com Xxxxx (2001), a impossibilidade deve ser também total, pois se a inexecução for parcial e de pequena proporção, o credor pode ter interesse em que, mesmo assim, o contrato seja cumprido. Há de ser ainda, definitiva. Em geral, a impossibilidade temporária acarreta apenas a suspensão do contrato. Somente se justifica a resolução, neste caso, se a impossibilidade persistir por tanto tempo que o cumprimento da obrigação deixe de interessar ao credor. Mera dificuldade, ainda que de ordem econômica, não se confunde com impossibilidade de cumprimento da avença, exceto se caracterizar onerosidade excessiva.
O inadimplente não fica responsável pelo pagamento de perdas e danos, no caso de inexecução involuntária, exceto se expressamente se obrigou a ressarcir os prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força maior, ou for o caso do estado de mora (Código Civil, artigos 393 e 399).
A resolução atua de pleno direito, sendo que cabe a intervenção judicial para decretar sentença de natureza declaratória e impor ao contratante a devolver o que recebeu. O resultado da resolução por inexecução ocorrido em conseqüência do caso fortuito e da força maior é retroativo, da mesma maneira como acontece na resolução por inexecução culposa, com a diferença que, no primeiro caso, o devedor não responde por perdas e danos, mas precisa restituir o que eventualmente tenha recebido, uma vez resolvido o contrato.
1.7.2.6 Resolução por onerosidade excessiva
1.7.2.6.1 A cláusula rebus sic stantibus e a teoria da imprevisão
Embora o princípio pacta sunt servanda ou da intangibilidade do contrato seja fundamental para a segurança nos negócios e necessário a qualquer organização social, os negócios jurídicos podem sofrer as consequências de modificações posteriores das
circunstâncias, com quebra insuportável da equivalência. Tal constatação deu origem ao princípio da revisão dos contratos ou da onerosidade excessiva, que se opõe àquele, pois permite aos contratantes recorrem ao Judiciário para obterem alteração da convenção e condições mais humanas, em determinadas situações.
A teoria que se desenvolveu com o nome de rebus sic stantibus consiste basicamente em presumir, nos contratos comutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, a existência implícita (não expressa) de uma cláusula, pela qual a obrigatoriedade de seu cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato. Se esta, no entanto, modificar-se em razão de acontecimentos extraordinários, como uma guerra, por exemplo, que torne excessivamente oneroso para o devedor o seu adimplemento, poderá este requerer ao juiz que o isente da obrigação, parcial ou totalmente.
De acordo com Xxxxxx Xxxxxx (2003, p. 154), na onerosidade excessiva “esse interesse ainda pode existir, tanto que permita a simples modificação do contrato. Também a circunstância de fato que fundamenta o pedido de extinção é, na onerosidade excessiva, estranha às partes, enquanto no incumprimento decorre de fato atribuível ao devedor.”
Nas hipóteses de caso fortuito ou força maior, o contrato será necessariamente extinto, em razão da absoluta impossibilidade de cumprimento das obrigações contraídas, como é o caso, por exemplo, do locador, impossibilitado de assegurar ao locatário o uso de seu imóvel, em razão de incêndio provocado por um raio, que o destruiu logo após a celebração do contrato.
Em linha geral, o princípio da resolução dos contratos por onerosidade excessiva não se aplica aos contratos aleatórios, porque envolvem um risco, sendo ínsita a eles a álea e a influência do acaso, salvo se o imprevisível decorrer de fatores estranhos ao risco próprio do contrato.
Xxxxxxxx Xxxxxxx (2006, p. 167), que “nunca haverá lugar para a aplicação da teoria da imprevisão naqueles casos em que a onerosidade excessiva provém da álea normal e não do acontecimento imprevisto, como ainda nos contratos aleatórios, em que o ganho e a perda não podem estar sujeitos a um gabarito predeterminado.”
1.7.2.6.2 A onerosidade excessiva no Código Civil
O Código Civil de 2002 consolidou o direito à alteração do contrato em situações específicas, dedicando uma seção, composta de três artigos, à resolução dos contratos por onerosidade excessiva.
Dispõe o artigo 478, do Código Civil que, além de exigir que o acontecimento seja extraordinário, imprevisível e excessivamente oneroso para uma das partes, exige- se o requisito da extrema vantagem para a outra, o que limita ainda mais o âmbito de abrangência da cláusula. Críticas têm sido feitas a essa redação, bem como ao fato de não priorizar a conservação do contrato pela sua revisão. A teoria da imprevisão deveria representar, em princípio, pressuposto necessário da revisão contratual e não de resolução do contrato, ficando esta última como exceção.
Xxxxxx Xxxxxx (2003, p. 148), com sua indubitável sabedoria, ressalta que as cláusulas gerais abordadas de forma conveniente e ampla no Código Civil, permitem ao intérprete:
Encontrar fundamento para a modificação ou a extinção do contrato em razão de fato superveniente que desvirtue sua finalidade social, agrida as exigências da boa-fé e signifique o enriquecimento indevido para uma das partes, em detrimento da outra10. O que não se ajustar a tais soluções será examinado à luz da regra específica da onerosidade excessiva (artigo 478 do Código Civil). A idéia de ser essa norma usada apenas subsidiariamente decorre do seu enunciado por demais restritivo.
Pode-se aduzir outra vantagem de se considerar de natureza subsidiária a aludida norma: sendo as cláusulas gerais de ordem pública, podem ser aplicadas de ofício pelo juiz, enquanto o artigo 478, do Código Civil exige provocação da parte interessada.
10 À título de contextualização com o tema da presente dissertação, ressalta-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: Recurso Inominado nº 71001490614 - 3ª Turma Recursal Cível - Comarca de Novo Hamburgo - Recorrente: B2w Cia Global do Varejo - Recorrido: Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx - Relator: Xxxxxxx Xxxxxxx - Data do Julgamento: 27/05/2008. EMENTA: CONTRATO ELETRÔNICO. COMPRA E VENDA. PREÇO. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
1- Evidenciado que o preço fixado no site se encontra equivocado em face dos demais produtos, mostra-se possível o não acolhimento do negócio realizado.
2- A boa-fé deve ser exercida por ambas as partes do contrato, impossibilidade do contrato gerar locupletamento de uma das partes. (grifos nossos)
Recurso provido para julgar improcedente a ação.
Disponível em: <xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxx_xxx/xxxxx0/xxxxxx.xxx>. Acesso em: 17 out. 2010.
Xxxxxx Xxxxxx (2003) enfatiza que os fatos extraordinários e imprevisíveis, de modo geral inviabilizam a prestação para ambas as partes, sem que isso traga vantagem a uma delas, como acontece nas guerras, revoluções, planos econômicos etc. Assim, o referido autor destaca que em resumo, deve-se entender que, quando a situação não pode ser superada com a revisão das cláusulas, torna-se possível a extinção do contrato em decorrência do fato superveniente. Isso porque:
[...] a) ou o contrato já não tem interesse para o credor, e deve ser extinto em seu favor, ou o contrato impõe ao devedor um dano exagerado, deixando de atender à sua função social (artigo 421 do Código Civil), que é a de ser útil e justo; b) o princípio da igualdade, constitucionalmente assegurado, não permite que o tratamento dispensado preferentemente ao credor que vai receber um pagamento seja diverso do reservado ao devedor de prestação excessivamente onerosa; c) o princípio da boa-fé exige que a equivalência das prestações se mantenha também no momento da execução, inexistente na hipótese de manifesta desproporção de valor entre elas (AGUIAR JÚNIOR, 2003, p. 153).
Nessa conformidade, o fato superveniente que provoca a desproporção manifesta da prestação é causa também de resolução do vínculo contratual quando for insuportável para a parte prejudicada pela modificação das circunstâncias, seja o credor ou o devedor.
Presentes os pressupostos exigidos no artigo 478, do Código Civil, a parte lesada pode pleitear a resolução do contrato. Permite, todavia, o artigo 479, do referido diploma que a parte contrária possa, considerando que lhe é mais vantajoso manter o contrato, restabelecendo o seu equilíbrio econômico, oferecer-se para modificar equitativamente as suas condições.
É possível, portanto, dar solução diversa ao problema da onerosidade excessiva, por iniciativa de uma das partes, inibindo a resolução do contrato. Serve o dispositivo de efetividade ao princípio da boa-fé que deve acompanhar a execução dos contratos, em desproveito do enriquecimento sem causa pela parte que recepciona, supervenientemente, vantagem excessiva. A modificação será feita segundo juízos de equidade.
Azevedo (1984) aponta que no caso do artigo 480, do Código Civil, a parte prejudicada possa pleitear a redução do montante devido, ou, ainda, a alteração do modo como deve ser efetuado o pagamento, no intuito, sempre, de que se evite a resolução pelo excesso oneroso.
Assim, deve-se ressaltar que o Código Civil de 1916, não continha artigo correspondente a este. O contrato que estabelece obrigações somente para uma das partes mostra-se, em geral, xxxxxxx.
1.7.3 Resilição
A resilição não deriva de inadimplemento contratual, mas unicamente da manifestação de vontade, que pode ser bilateral ou unilateral. Resilir, do latim resilire, significa, etimologicamente, “voltar atrás”. A resilição bilateral denomina-se distrato, que é o acordo de vontades que tem por fim extinguir um contrato anteriormente celebrado. A unilateral pode ocorrer somente em determinados contratos, pois a regra é a impossibilidade de um contraente romper o vínculo contratual por sua exclusiva vontade.
Contextualizando com o tema ora em comento, Xxxxxx (2005, p. 114, grifo do autor), menciona que:
Classifica-se a resilição em unilateral ou bilateral. No primeiro caso, a dissolução do contrato deriva de negócio jurídico unilateral. Basta que um só dos contratantes declare desfeito o vínculo contratual, para que ocorra a dissolução. No segundo, o contrato é extinto por força de negócio jurídico bilateral, cujo instrumento denomina-se distrato. Para essa classe de resilição, todos os contratantes devem concordar com o desfazimento do vínculo que os une.
É importante salientar que a resilição pode ser bilateral, pois em decorrência da vinculação das partes ao contrato, nenhuma delas pode separar-se das obrigações pactuadas por mera declaração unilateral de vontade. A resilição bilateral, em regra, sempre é admissível, enquanto que a unilateral é exceção, pois depende de previsão legal ou contratual para existir.
1.7.3.1 Distrato e quitação
Dispõe o artigo 472, do Código Civil que “o distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.”
Segundo a lição de Xxxxxxx (2006, p. 151), resilição bilateral ou distrato “é a declaração de vontade das partes contratantes, no sentido oposto ao que havia gerado o vínculo.”
Qualquer contrato pode cessar pelo distrato. É necessário, todavia, que os efeitos não estejam exauridos, uma vez que o cumprimento é a via normal da extinção. Contrato extinto não precisa ser dissolvido. Se já produziu algum efeito, o acordo para extingui-lo não é distrato, mas outro contrato que modifica a relação. O mecanismo do distrato é o que está presente na celebração do contrato: a mesma vontade humana, que tem o poder de criar, atua na direção oposta para dissolver o vínculo e devolver a liberdade àqueles que se encontravam compromissados.
A exigência de observância da mesma forma ordenada para o contrato, feita no citado artigo 472, não deve ser interpretada de forma literal, mas com temperamento: o distrato deve obedecer à mesma forma do contrato a ser desfeito quando este tiver forma especial, mas não quando esta for livre. Desse modo, a compra e venda de imóvel de valor superior à taxa legal, que exige escritura pública, só pode ser desfeita, de comum acordo, por outra escritura pública. Mas o contrato de locação, que tem forma livre, pode ser objeto de distrato verbal, mesmo tendo sido constituído mediante contrato escrito, por exemplo.
Os efeitos do distrato são, efetivamente, ex nunc (para o futuro), não se diluindo os originados anteriormente.
1.7.3.2 Resilição unilateral
A resilição, como já se disse, não deriva de inadimplemento contratual, mas unicamente da manifestação de vontade. O fundamento para a sua efetivação seria assim a vontade presumida. Outras vezes, o contrato se baseia na confiança e só perdura enquanto esta existir entre as partes. Por último, os próprios sujeitos reservam-se o direito de arrependimento, sujeitando-se à perda ou pagamento em dobro das arras penitenciais.
A resilição unilateral pode ocorrer somente nas obrigações duradouras, contra a sua renovação ou continuação, independentemente do não cumprimento da outra parte, nos casos permitidos na lei (p. ex., denúncia prevista nos artigos 6º, 46, §2º, e 57 da Lei nº 8.245, de 18/10/1991, sobre locação de imóveis urbanos) ou no contrato.
De acordo com Xxxxx (2001, p. 186, grifo do autor):
A faculdade de resilição unilateral é suscetível, assim, de ser exercida: a) nos contratos por tempo indeterminado; b) nos contratos de execução continuada, ou periódica; c) nos contratos em geral, cuja
execução não tenha começado; d) nos contratos benéficos; e) nos
contratos de atividade.
A resilição é o meio próprio para por fim aos contratos por tempo indeterminado. Se não fosse garantido o poder de resilir, seria impossível ao contratante libertar-se do vínculo se o outro não acordasse.
Ainda segundo Xxxxx (2001), a resilição unilateral independe de pronunciamento judicial e produz efeitos ex nunc, não retroagindo. Para valer, deve ser notificada à outra parte, produzindo efeitos a partir do momento em que chega a seu conhecimento. É, destarte, declaração receptícia da vontade. Em princípio, não precisa ser justificada, mas em certos contratos exige-se que obedeça à justa causa. Nestas hipóteses a inexistência de justa causa não impede a resilição do contrato, mas a parte que o resiliu injustamente fica obrigada a pagar, à outra, perdas e danos.
Dispõe o artigo 473, do Código Civil, inovando que:
A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
Na hipótese, em vez de apenas estabelecer o pagamento de perdas e danos suportadas pela parte que teve prejuízos com a dissolução unilateral do contrato, o legislador optou por imputar uma tutela específica, transformando o contrato, que poderia ser extinto por vontade de uma das partes, em um contrato comum, com duração pelo prazo compatível com a natureza e a importância dos investimentos. Em um contrato de comodato de imóvel que não tem prazo fixado, por exemplo, não é sensato que, poucos dias depois de o comodatário se instalar, o comodante requeira a sua restituição, sem a ocorrência de fato superveniente que a justifique.
Nesse sentido, Xxxxxxx (2005), enfatiza que, se o comodatário efetuou obras no imóvel para ocupá-lo, esse prazo ainda pode estender-se por muito mais tempo. Certos contratos, todavia, não admitem a incidência da regra do citado parágrafo único do artigo 473, do Código Civil. O de mandato, por exemplo, admite por sua natureza a resilição incondicional, porque se ampara na relação de confiança entre as partes. Nessas situações resta ao que se sentiu prejudicado, obter indenização pelos danos sofridos, sem a hipótese de extensão compulsória da vigência do contrato.
Quando em um contrato bilateral as partes estabelecem possibilidade de resilição voluntária mediante declaração unilateral de vontade (como por exemplo no contrato por tempo determinado em que se reservam o direito de resilir ante tempus, por meio de aviso prévio), produz ela as consequências do distrato. Apesar da notificação ser unilateral, a cessão do contrato é resultado do ajuste bilateral realizado. Por essa razão, é tratada por alguns autores, como resilição convencional.
1.7.3.3 Morte de um dos contratantes
A morte de um dos contratantes só ocasiona o rompimento dos contratos personalíssimos (intuitu personae), que não terão a faculdade de ser executados pela morte daquele em consideração do qual foi ajustado.
Nesse sentido, Diniz (2006, p. 176, grifo da autora), menciona “p. ex.: extinguir-se-á automaticamente o contrato em que se estipula um concerto a ser executado por famoso pianista, se ele vier a falecer. [...] seus efeitos operam-se ex nunc, subsistindo as prestações que tiverem sido cumpridas.”
Nesses casos, ocorre a resilição automática, visto que é impossível promover a execução do contrato sem culpa, dado que não há como substituir a parte falecida.
1.7.3.4 Rescisão
O termo rescisão é usado entre as pessoas como sinônimo de resolução e de resilição. Deve ser utilizado, no entanto, em boa técnica, nas hipóteses de dissolução de determinados contratos, como aqueles em que ocorreu lesão ou que foram pactuados em estado de perigo.
Xxxxx (2001, p. 188, grifo do autor), define rescisão como sendo a “ruptura de contrato em que houve lesão. Não é sempre que a lesão determina a dissolução do contrato, porquanto pode ser salvo, restabelecendo-se o equilíbrio das prestações com suplementação do preço.”
A lesão é defeito do negócio jurídico que se caracteriza quando uma pessoa, sob urgente necessidade, ou por inexperiência, aceita a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação assumida pelo outro contraente (Código Civil, artigo 157).
No entanto, o Código Civil não obriga para a caracterização da lesão, a atitude maldosa do outro contratante, denominada “dolo de aproveitamento”. O legislador manifesta preocupação, que se demonstra no artigo 157, de somente proteger o lesado, e não punir o contratante favorecido. O vício pode estar presente ainda que este, ao celebrar o negócio, não tivesse conhecimento da situação de urgente necessidade daquele. O Código Civil apesar de considerar a lesão um vício do consentimento, que torna anulável o contrato (Código Civil, artigo 178, inciso II), faz uma ressalva, no sentido de que não se decretará a anulação do negócio ‘se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito’ (Código Civil, artigo 157, §2º). Privilegia, assim, o princípio da conservação dos contratos.
A título de conclusão e para melhor sintonizar o leitor neste primeiro capítulo, foi adotada uma classificação pormenorizada dos assuntos, com divisões e subdivisões, em estilo claro e conclusivo, sem maiores delongas em aspectos meramente teóricos, mas sempre com a atenção voltada para a praxis diária das relações contratuais.
Após feitas as considerações necessárias à teoria contratual clássica e a visão moderna dos contratos, passa-se a discorrer sobre a teoria geral da prova, mais especificamente sobre a prova documental, e o conjunto de conceitos e regras gerais para o estudo do direito probatório.
CAPÍTULO 2 - TEORIA GERAL DA PROVA
“A arte do processo não é essencialmente outra coisa senão a arte de administrar as provas”
Bentham11
2.1 Conceito de prova
A prova é considerada tema essencial do processo civil. O juiz para julgar, necessita de examinar a veracidade de fatos que, no decorrer do processo, tenham-se tornado controvertidos. Para tanto, será indispensável que o mesmo faça uma análise das provas produzidas no processo, que tem o intuito de vislumbrar a veracidade dos fatos apresentados pelas partes, sendo que é por meio das atividades probatórias que o juiz disporá de elementos para decidir sobre a veracidade e a credibilidade das alegações.
Dinamarco (2009, p. 42, grifo do autor) aduz que “na dinâmica do processo e dos procedimentos, prova é um conjunto de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade quanto aos fatos relevantes para o julgamento.”
Um exame etimológico do termo, derivado do latim probatio, que denota prova, verificação, ensaio, argumento, inspeção, exame, razão, aprovação, confirmação, e que se origina do verbo - probare (probo, as, are) - significando provar, verificar, examinar, ensaiar, reconhecer por experiência, estar satisfeito de alguma coisa, persuadir alguém de alguma coisa, aprovar, demonstrar; é o princípio da análise do conceito do instituto, mas não o ponto de chegada, certamente.
Percebe-se que do próprio significado do termo ‘prova’, a sua possibilidade de utilização em diversos sentidos. No campo processual o termo é empregado em diferentes acepções, o que complica o entendimento da sua exata conceituação, pois:
- pode significar a produção de atos que auxiliem no convencimento do juiz, confundindo-se nesse caso com o próprio procedimento probatório. Nesse sentido, o autor tem o encargo de provar, ou seja, de praticar os atos relativos à formação do convencimento do juiz;
- pode denotar o próprio meio pelo qual a prova será engendrada (prova documental,
11 Xxxxxx Xxxxxxx, eminente jurista e filósofo inglês do século XVIII (nascido em 1748)
prova testemunhal etc.);
- pode exprimir a coisa ou pessoa da qual se tira informação capaz de comprovar a veracidade de uma alegação, ou seja, a fonte de prova (documento, testemunha);
- pode significar o produto do convencimento do juiz, como por exemplo - ‘esse fato está devidamente provado nos autos’.
Há doutrinadores que conceituam as provas, como sendo os meios ou elementos que auxiliam para a formação do convencimento do juiz a respeito da existência de determinados fatos, enquanto que outros têm a ideia clara de que a prova é a própria convicção sobre os fatos alegados em juízo.
Nesse sentido, Xxxxx (2006, p. 320, grifo do autor), menciona que:
No domínio do processo civil, onde o sentido da palavra prova não difere substancialmente do sentido comum, ela pode significar tanto a atividade que os sujeitos do processo realizam para demonstrar a existência dos fatos formadores de seus direitos, que haverão de basear a convicção do julgador, quanto o instrumento por meio do qual essa verificação se faz. No primeiro sentido, diz-se que a parte produziu a prova, para significar que ela, através da exibição de algum elemento indicador da existência do fato que se pretende provar, fez chegar ao juiz certa circunstância capaz de convencê-lo da veracidade da sua afirmação. No segundo sentido, a palavra prova é empregada para significar não mais a ação de provar, mas o próprio instrumento utilizado, ou o meio com que a prova se faz.
Ainda, há os que enxergam a prova como um conjunto de atividades de demonstração e verificação, com o objetivo de alcançar a verdade relativa às alegações de fatos que sejam importantes para o julgamento.
Como ensina Xxxxxxxx Xxxxxx (2010, p. 421, grifo do autor), há dois sentidos em que a prova pode ser examinada:
a) um objetivo, isto é, como o instrumento ou meio hábil, para demonstrar a existência de um fato (os documentos, as testemunhas, a perícia etc.); b) e outro subjetivo, que é a certeza (estado psíquico) originada quanto ao fato, em virtude da produção do instrumento probatório. Aparece a prova, assim, como convicção formada no espírito do julgador em torno do fato demonstrado.
O direito fundamental à prova tem caráter instrumental, tendo em vista que promove grande influência no convencimento do julgador, onde sua finalidade é basicamente o alcance de uma tutela jurisdicional digna. No entanto, há sempre que buscar dar efetividade a tal direito.
Cambi (2001, p. 166), esclarece ainda que “nesse contexto, a efetividade do direito à prova significa o reconhecimento da máxima potencialidade possível ao instrumento probatório para que as partes tenham amplas oportunidades para demonstrar os fatos que alegam.”
Tendo em vista o objeto de estudo da presente dissertação e a importância do tema em comento, dar-se-á maior ênfase à prova documental (Código de Processo Civil, artigos 364 a 399).
Ademais, percebe-se que por razões de segurança jurídica, as pessoas buscam documentar suas relações, e em razão da celebração verbal dos contratos estarem cada vez mais rara, onde suas hipóteses são quase sempre restritas a negócios de pequeno valor.
No tocante aos contratos eletrônicos, oportuno ressaltar que conforme preceitua o princípio da equivalência funcional, a compreensão de que o registro por meio eletrônico do contrato firmado cumpre todas as funções do papel, de modo que as certezas e incertezas que surgirem no contrato eletrônico não diferem daquelas possíveis nos contratos tradicionais.
Nesse sentido, a forma escrita do contrato não é pressuposto para sua validade probatória, e por carecer de normas específicas quanto ao tema em questão, os documentos eletrônicos podem ser admitidos como meio de prova com fundamento no art. 332, do Código de Processo Civil, que traz um rol meramente exemplificativo, sendo admitido qualquer meio de prova desde que legítimo, e portanto, estão incluídos os contratos eletrônicos.
2.2 Classificação da prova
As provas classificam-se de acordo com o objeto, sujeito e a forma pela qual são apresentadas.
Quanto ao objeto, podem ser diretas ou indiretas. Prova direta ocorrerá quando conservarem com o fato probando uma relação imediata, como por exemplo, o recibo de quitação, que é uma prova direta do pagamento, sendo que o instrumento é a prova direta da celebração de um contrato. Prova indireta ocorrerá quando se referir a fato diverso daquele que se pretenda provar, mas que admita, por meio de raciocínios e induções, alcançar à convicção a respeito do fato probando. As provas indiretas são vistas como presunções e indícios.
Nesse sentido, Santos (2000, p. 330), esclarece que:
Enquanto na prova direta a conclusão objetiva é conseqüente da afirmação da testemunha ou da atestação da coisa ou documento, sem necessidade maior do raciocínio, na indireta o raciocínio reclama a formulação de hipóteses, sua apreciação, exclusão de umas, aceitação de outras, enfim trabalhos indutivos maiores ou menores, para se atingir a verdade relativa ao fato probando.
Quanto ao sujeito, a prova pode ser pessoal ou real. Prova pessoal ocorrerá quando contiver em declaração ou afirmação prestada por alguém a respeito da veracidade de um fato, como por exemplo, o depoimento pessoal e a prova testemunhal. Prova real ocorrerá quando for obtida do exame de uma coisa ou pessoa, como acontece na perícia.
A título de corroborar com o entendimento acima, ainda o ilustre Xxxxxx (2000,
p. 330, grifo do autor), conceitua e elenca alguns exemplos:
Prova pessoal é toda afirmação pessoal consciente, destinada a fazer fé dos fatos afirmados. A testemunha que narra fatos que viu, o documento de confissão de dívida, a escritura de testamento são provas pessoais. Prova real de um fato consiste na atestação inconsciente, feita por uma coisa, das modalidades que o fato probando lhe imprimiu. A carreira de bambus, nos limites entre dois imóveis; as trincas nas paredes; o ferimento, o terror, o desespero são autênticas provas reais.
Nesse contexto, pode-se verificar que apenas a parte pode prestar depoimento, sendo que não é permitido, em regra, que o advogado deponha em seu lugar, mesmo se tiver poderes expressos para tanto, tendo em vista que a finalidade é apresentar claramente os fatos vivenciados pela parte. Trata-se de atividade pessoal e indelegável.
Mas, como em toda regra, comportam exceções: se o procurador autorizado, mediante procuração com poderes expressos, passa a ter conhecimento dos fatos; pode depor em nome de quem lhe conferiu os referidos poderes. Outra exceção é a do preposto que representa uma pessoa jurídica. E, em determinadas situações, que usualmente a pessoa conheça os fatos conflituosos, mas que não é aquela cujo contrato social (ou estatutos) aponta para representá-la em juízo.
Por último, quanto à forma, a prova pode ser testemunhal, documental ou material, e aproveitando ainda dos ensinamentos de Xxxxxx (2000, p. 330, grifo do autor), como segue:
Testemunhal, no sentido amplo, é a afirmação pessoal oral. No quadro das provas testemunhais, ou orais, se compreende as produzidas por testemunha, depoimento de parte, confissão, juramento. Documental é a afirmação escrita ou gravada: as escrituras públicas ou particulares, cartas missivas, plantas, projetos, desenhos fotografias etc. Diz-se prova material a consistente em qualquer materialidade que sirva de prova do fato probando; é a atestação emanada da coisa: o corpo de delito, os exames periciais, os instrumentos do crime etc.
Deve-se ressaltar que, no processo civil, o documento ainda é considerado prova de muita valia, à qual é conferida certa preeminência, tanto que se provado o fato por documento, não se produz prova testemunhal, e existem determinados fatos que só por meio de documento podem ser provados.
No tocante à classificação da prova eletrônica, infere-se que o documento eletrônico está equiparado à prova documental, e portanto tem a mesma credibilidade12.
2.3 Objeto da prova
Nem tudo o que se discute no processo precisa ser comprovado. O objeto da prova são exclusivamente os fatos. O direito não se prova, porque deve ser do conhecimento do juiz. Quando muito, ele pode exigir que a parte prove a vigência de direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário o que constitui exceção à regra do jura novit curia, que se justifica porque não é dado ao juiz conhecer normas jurídicas do mundo inteiro, de todos os Estados e Municípios e ainda as regras consuetudinárias (Código de Processo Civil, artigo 337).
12 Contextualizando com o tema ora em comento e no tocante à credibilidade das transferências de documentos eletrônicos, ressalta-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 15.597 - CE (2002/0155543-3) - Recorrente: Associação Cearense de Supermercados - Acesu e Outros - Recorrido: Estado do Ceará - Relator: Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx - EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. TRANSMISSÃO ELETRÔNICA DE DADOS. LEGALIDADE. RAZOABILIDADE. VIOLAÇÃO DO SIGILO FISCAL NÃO- COMPROVADA. BENEFÍCIO FISCAL CONCEDIDO A ATACADISTAS. ISONOMIA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO.
8. O direito ao sigilo fiscal deve ser sempre garantido, qualquer que seja o meio pelo qual os dados fiscais são fornecidos pelo contribuinte (em papel ou por meio eletrônico). Ausência de relação entre a forma de entrega das informações e o direito invocado.
9. A impetrante não aponta caso concreto de violação do sigilo, apenas especula que "é do conhecimento geral da população que a transmissão eletrônica de dados é algo extremamente fácil de ser violado". Inexiste prova de que o direito ao sigilo fiscal tenha sido desrespeitado. (grifos nossos) Disponível em:
<xxxxx://xx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxx/Xxxx_Xxxxxxxxx.xxx?xXxxxxXXX&xXxxx0000000&xXxxx0000 01555433&sData=20090324&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 30 out. 2010.
Nesse sentido, Dinamarco (2009, p. 68, grifo do autor), adverte que:
[...] Nem sempre haverá acesso razoavelmente fácil aos atos e publicações dos Estados federados e, menos ainda, de Estados estrangeiros ou dos municípios em geral; o direito costumeiro, nem sempre objeto de registros idôneos e suficientemente divulgados, também pode ser uma incógnita para quem vai julgar [...].
Na verdade, o que se prova nesses casos não é basicamente o direito, mas a sua validade. Isso pode ser realizado por meio de certidões ou, no caso de direito estrangeiro, por pareceres de juristas do outro país ou ainda por juristas locais que tenham vasto conhecimento das leis estrangeiras.
Mas os fatos são necessariamente o objeto essencial da prova. Ademais, nem todos precisam ser demonstrados, pois se faz necessário, antes de tudo, que eles sejam importantes para o julgamento do processo. O juiz não deverá acatar a produção de provas quando elas não tenham qualquer importância para o julgamento da causa. São irrelevantes os fatos que não têm qualquer relevância, que não influenciarão o julgamento do pedido ou que não guardam pertinência com a questão litigiosa.
A doutrina mais atual, no entanto, nega a conclusão de que os fatos da causa constituem o objeto da prova.
Partilhando desse entendimento, Dinamarco (2009, p. 57, grifo do autor),
leciona:
[...] provar é demonstrar que uma alegação é boa, correta e portanto condizente com a verdade. O fato existe ou inexiste, aconteceu ou não aconteceu, sendo portanto insuscetível dessas adjetivações ou qualificações. Não há fatos bons, corretos e verdadeiros nem maus, incorretos, mendazes. As alegações, sim, é que podem ser verazes ou mentirosas - e daí a pertinência de prová-las, ou seja, demonstrar que são boas e verazes.
Mas, mesmo entre os fatos importantes, existem alguns que não necessitam da sua comprovação. O artigo 334, do Código de Processo Civil, os enumera:
a) Os notórios: os de conhecimento geral, tomando-se por base o homem médio, que pertence a uma coletividade ou a um círculo social, na região em que o processo tem o seu trâmite. Não é necessário que o fato seja conhecido por todos, bastando que as pessoas da região tenham conhecimento, no tempo em que o processo tramita e no momento em que o juiz deva decidir.
No tocante aos fatos notórios, Dinamarco (2009, p. 63, grifo do autor), destaca uma ponderação relevante:
Mas, como a notoriedade de fatos é em si excepcional, mesmo neste mundo das telecomunicações globais eletrônicas, não se pode liberalizar imprudentemente o seu conceito e extensão, a ponto de dispensar a prova à vista de meros rumores, boataria ou mesmo certa publicidade pela imprensa: é necessário que o conhecimento do fato integre o comumente sabido, ao menos em determinado estrato social.
Contextualizando com o tema em comento, ainda o referido autor (2009), relata o caso do jogador de futebol Xxxxxxx, condenado por um juiz do Estado do Rio de Janeiro, que arbitrou a pena além do mínimo legal, sob o pretexto de que o mesmo possui personalidade desrespeitosa, agressiva e debochada, o que é do conhecimento geral de toda a população brasileira.
b) Os afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária: não é preciso a prova dos fatos incontroversos, pois a confissão a que se refere este dispositivo pode ser aquela manifestada pela parte, ou a ficta, que advém da revelia ou do descumprimento do ônus da impugnação especificada dos fatos, quando eles produzirem efeitos (Código de Processo Civil, artigo 302).
Importante ressaltar as considerações de Xxxxxx Xx., Xxxxx x Xxxxxxxx (2010, p. 46, grifo do autor), no sentido de que “quanto aos fatos afirmados por uma parte e confessados pela outra, há um equívoco do legislador em dizer que eles independem de prova. Na verdade, a própria confissão, conforme se verá mais adiante, é um meio de prova. Assim, mais correto seria dizer que, quando confessados, os fatos independem de outro meio de prova.”
c) Os admitidos no processo, como incontroversos: existe determinada superposição entre esta hipótese e a anterior, tendo em vista que os fatos confessados, expressa ou fictamente, são incontroversos.
A esse respeito, Xxxxxxxx Xxxxxx (2010, p. 424, grifo do autor), ressalta que “também o fato incontroverso não é objeto de prova, porque prová-lo seria inutilidade e pura perda de tempo, em detrimento da celeridade processual que é almejada como ideal do processo moderno.”
Mas há fatos incontroversos que se subordinam a produção de provas, como os enumerados nos incisos dos artigos 302 e 320, do Código de Processo Civil, em que a revelia não produz efeitos. Assim, mesmo que não haja contestação ou impugnação
especificada dos fatos, o juiz ordenará a produção de provas. Neste caso, nem sempre a incontroversa a dispensará.
d) Aqueles em cujo favor milita presunção legal de existência ou veracidade: há casos em que o legislador faz supor, de forma absoluta ou relativa, a verdade de determinados fatos. A presunção relativa, juris tantum, é a que aceita prova em contrário, e a absoluta, juris et de jure, não.
A alegação em relação à qual busca uma presunção de veracidade não necessita ser provada. Se a presunção for relativa, a parte que a manifestou não precisará produzir provas, mas a parte contrária poderá fazê-lo, para demonstrar-lhe a inveracidade; porém, se a presunção for absoluta, não será aceita a produção de provas em contrário.
A revelia, por exemplo, ocasiona uma presunção de veracidade relativa, que pode sucumbir diante dos elementos contrários que ajudam na formação da convicção do juiz.
As presunções podem ser fixadas pelo próprio legislador, como as ocasionadas da revelia ou da culpa do patrão por ato do empregado. São as chamadas presunções legais. Mas podem, ainda, originar-se da observação do que normalmente ocorre, como se dá com a presunção de culpa daquele em que, em acidente de trânsito, colide na traseira do veículo que segue à frente. É a denominada presunção simples ou hominis.
Conforme Cambi (2001) as presunções não se misturam com os indícios, indicativos da veracidade de um fato, mas que, por si só, não seriam suficientes para prová-lo. A união de diversos indícios, ou a sua verificação em conjunto com as demais particularidades, pode levar à prova do fato. Também, as presunções não se confundem com as provas, pois conforme a melhor doutrina, nota-se que a primeira é um ponto de chegada (correspondente ao conhecimento angariado pelo juiz) e a segunda, um ponto de partida (algo que dá a faculdade ao juiz adquirir o conhecimento de algum fato).
Ressalta-se por oportuno que no âmbito das contratações eletrônicas, o próprio contrato eletrônico é o objeto de prova. E as decisões sobre os direitos originados recebem o foco deste objeto.
2.4 Fontes e meios de prova
Não se confundem os conceitos de fonte e meios de prova, pois as fontes são elementos externos ao processo, dos quais se podem colher informações importantes para a comprovação do alegado. Uma pessoa que conheça os fatos e que pode prestar o