ALTERAÇÕES DO CONTRATO DE TRABALHO – MODIFICAÇÕES FUNCIONAIS
ALTERAÇÕES DO CONTRATO DE TRABALHO – MODIFICAÇÕES FUNCIONAIS
São Paulo/SP 2011
ALTERAÇÕES DO CONTRATO DE TRABALHO – MODIFICAÇÕES FUNCIONAIS
Monografia apresentada ao Curso de Pós Graduação em Direito do Trabalho como requisito parcial para obtenção do título de Especialista.
Orientador: Professor Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx.
São Paulo/SP 2011
Banca Examinadora
AGRADECIMENTOS
Agradeço a meu Pai Celeste, que a cada dia me dá a graça da redenção e a benção da nova oportunidade de ser.
Agradeço aos meus Pais, Xxxxxx e Xxxxxx, representação fiel da face de Deus em severidade de caráter e em amor sem medida.
À minha noiva Xxxxxxxxx, pela persistência do trabalho incansável e pelo amor mais saboroso que já pude provar, que espero exploda em sorrisos cada uma das manhãs que me restam com o “bom dia” delicado e doce que sempre me oferece.
Aos meus grandes amigos de profissão, que tanto me oferecem em conhecimento: Dr. Xxxxxx Xxxxxx e família, grandes mestres e fomentadores deste projeto. Dr. Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx, amigos incontestáveis. Dr. Xxxxxxxx Xxxxxx e família, o começo de minha consolidação profissional. Dr. Xxxxx Xxxxx, parceiro fiel.
DEDICATÓRIA
À meu pai, pela lição precisa do que é ser homem;
À minha mãe, pelo carinho, pelo colo, e pela sustentação em Amor;
A ambos, pois devotaram a própria vida pela minha felicidade, e nada menos merecem em troca senão uma vida repleta de satisfação e alegria. Muito, muito obrigado!
A minha noiva Xxxxxxxxx, minha pequena, minha satisfação em ser, em estar, em fazer. Amo você.
Aos meus grandes amigos e professores, pelo incentivo e perseverança: Xxxxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxx.
O presente trabalho acadêmico aborda a análise do contrato de trabalho sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e a possibilidade de sua modificação.
Aprecia os requisitos legais construídos pelo artigo 468 da CLT e o manejo das exceções à hipótese legal previstas pela lei e pela doutrina
Estuda ainda as hipóteses fáticas de alterabilidade das funções do empregado, os efeitos e a validade jurídica, apreciando uma a uma as hipóteses de modificação funcional.
Palavras chaves: contrato de trabalho, alteração e modificação contratual, função, e tarefa.
The present academic work deals with the analysis of the employment contract under the auspices of the Consolidation of Labour Laws (CLT), and the possibility of its modification.
Appreciate the legal requirements built by Article 468 of the Labor Code and the handling of exceptions to the theory of law laid down by law and doctrine.
Also studies the factual assumptions alterability of their duties, the effects and legal validity, caring the hypothesis of a functional change.
Key Word: employment contract, contract amendment, modification, function and task.
INTRODUÇÃO 10
1. JUSTIFICATIVAS FÁTICO-JURÍDICAS PARA AS ALTERAÇÕES DOS CONTRATOS DE TRABALHO 16
1.2 O Elemento Temporal – Princípio da Conservação do Contrato. Justificativa Fática para Readequação do Pacto Laboral 28
2. ALTERAÇÕES CONTRATUAIS: ELEMENTOS FUNDAMENTAIS E DINÂMICA LEGAL 31
2.1 O Artigo 468 da CLT. Elementos Fundamentais 32
2.1.1 Das Alterações como Circunstância Extraordinária 32
2.2 Alteração Contratual como Mecanismo de Absorção de Impacto. A Construção Civilista 37
2.3 Alterações Volitivas na Esfera Trabalhista. Requisitos Legais: Elementos Subjetivo e Objetivo 40
2.4 Alterações Unilaterais. Jus Variandi, Direito de Resistência e Alterações Prejudiciais Válidas 43
2.4.1 Alterações Unilaterais. Jus Variandi e Jus Resistentiae 44
3. ALTERAÇÕES CONTRATUAIS SOBRE A FUNÇÃO E AS TAREFAS DO EMPREGADO 54
3.1 Desvio de Função 60
3.2 Situações Excepcionais ou de Emergência 68
3.3 Substituição Temporária 69
3.4 Reversão 70
3.5 Extinção da Função ou Cargo 72
3.6 Alteração no Quadro de Carreira ou Plano de Cargos e Salários 73
3.7 Readaptação Previdenciária 75
3.8 Promoção 78
CONCLUSÃO 81
BIBLIOGRAFIA 89
INTRODUÇÃO
Segundo os índices xxxxxxxx0 de medição da taxa de ocupação nas principais regiões metropolitanas do país, nos últimos anos, tem crescido. Ou seja, a redução do desemprego no Brasil tem sido fonte de orgulho para a Administração Pública.
Isso, contudo, ainda não faz do Brasil um país modelo em realidade de empregos estáveis, ou tampouco em estabilidade jurídica. Ao contrário, temos ainda elevada taxa de desocupação, além de índices emblemáticos de trabalho informal e proibido, como o trabalho infantil e escravista.
Essa realidade, não obstante não seja o material de trabalho da ciência do Direito – pelo menos não diretamente – traz repercussões muito severas para a prática do cotidiano daqueles privilegiados que possuem assento de registro de emprego em suas carteiras de trabalho.
Por vezes, empregados se vêem obrigados a trabalhos degradantes, humilhantes e desrespeitosos. Sujeitam-se pela necessidade dos proventos que sustentam a casa, a família e a continuidade da vida.
Há ainda os que se submetem a abusos menores, como a simples flutuação dos humores patronais, convertendo-se em verdadeiros “faz-tudo”, como a sabedoria popular bem os enquadra.
1 Acesso em 29 de Maio de 2011. Disponível em: xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxx_xxxx/xxx_000000xx_00.xxxx.
Sabidamente, empregados não são, e não devem ser entendidos como “faz-tudo”. Assinando a carteira de trabalho de uma pessoa, não se lhe adquire a alma, ou total e indistintamente sua capacidade produtiva.
O trabalho sob o regime celetista tem limites, e limites severos. Chama- os a doutrina de contrato-mínimo.
Isso significa, então, que toda alteração é ilegal, ou antijurídica? Por certo que não. Em uma lógica de boa-fé plena dos contratantes, a mudança pode, sim, trazer inovações agradáveis, boas para as partes, de forma que lhes traga evolução em seus padrões de vida.
“Mudar”, xxxxx, como verbete em dicionário significa “alterar”, “inovar”, “variar”, “deslocar”, “redefinir”. A palavra mudar indica movimento, ação de fazer coisa nova.
Por si, mudar gera desconforto, pois tira a coisa mudada de seu estado de inércia, que é natural, físico. Xxxxx também gera esforço físico ou intelectual, e sempre importa em readaptação ao novo, ao inaugurado.
Nesse sentido, mudar o trabalho, quer na qualidade, quer na quantidade, no espaço físico ou na tarefa propriamente dita, implica desconforto. Impende ao novo o esforço de readaptação, uma aplicação necessária ao bom desempenho do novo.
Porém, inovado o trabalho, torna-se ele melhor, “mais”. Ou pelo menos assim deveria ser.
Pode-se imaginar incontáveis mudanças e alterações que geram prejuízos e resultados desastrosos ao longo da história de empresas e companhias mundo afora.
De qualquer forma, boa ou desagradável as mudanças ocorrem. E ocorrerão.
Ao Direito, como disciplina da vida exterior e relacional dos homens, resta regulamentar os processos de mudança, prevendo seus possíveis efeitos e sanando os prejuízos, minimizando os desconfortos.
Ao Direito do Trabalho, cumpre o papel de proteger da mudança brusca ou desagradável a fragilidade da vida daquele que depende da manutenção do estado das coisas para prover sua vivência.
Mudar, para o Direito do Trabalho, deve ser de tal modo que não acarrete prejuízo para o trabalhador.
Como então o fazer? De forma não proibir a mudança boa, e vetar as
ruins?
A questão parece simplista, pobre até, mas a lógica do direito aplicada às relações de labor é rica em possibilidades.
“Mudaremos o salário!” Xxxx bem, como fazer? Faremos pelo critério objetivo de apuração, tornando variável o que era estável.
De novo, em um cenário onde impera a boa-fé, isso pode ser feito com uma evolução magnífica para a vida dos envolvidos. Aumentam-se os ganhos, incrementa-se a produtividade, enfim, ganham todos.
Porém, estando o empregador imbuído de intuito egoísta e atentatório, pode determinar a mudança à revelia da vontade seu empregado, causando-lhe repercussões negativas.
Como, então, estas alterações podem acontecer?
Em torno desta pergunta, desta angústia que aflige inúmeros trabalhadores no cotidiano, é que se desenvolve este trabalho.
Mais especificamente, o presente estudo busca avaliar as possíveis mudanças que ocorrem sobre a função do empregado. Como devem acontecer, se são válidas, quais seus efeitos. Como as encara a doutrina e a jurisprudência.
Nosso estudo, então, parte do debruçar-se sobre a eventual necessidade da existência da mudança, sobre a funcionalidade, o uso prático.
Passaremos, então a confrontá-la com o contrato de trabalho, analisando a natureza jurídica do contrato, e da alteração que essa gera sobre ele. De que forma se processa a formação do contrato, e sua dinâmica de alteração.
Em seguida, buscaremos obter da legislação as regras que arregimentem os requisitos necessários à viabilização das alterações contratuais, quais são os dispositivos aplicáveis.
Visto isso, pesquisaremos o que é a “função” do empregado no contrato. Como se conceitua, e qual a importância que tem a estabilização da função do trabalhador.
Entendido o que é o emprego, de que forma se constrói, porque se modifica, e como se deve dar a modificação para ser válida, buscaremos então detalhar quais as possíveis mudanças em espécie.
Neste sentido, o primeiro capítulo deste trabalho intenta entender o contrato de trabalho e sua natureza jurídica.
O segundo capítulo busca a compreensão das mudanças do contrato, como devem ocorrer e a legislação aplicável.
O capítulo derradeiro apreende o confrontamento dado entre as mudanças no contrato, especificamente em relação à alteração dos serviços do laborista.
Logicamente, cada um destes temas seria inesgotável cada qual em um trabalho acadêmico próprio, porém, por serem instrumentos, degraus anteriores da compreensão das alterações funcionais, buscaremos analisá-los na medida de suas complexidades, e com a objetividade da aplicação instrumental.
O método de pesquisa envolve a apreciação das obras clássicas que versam sobre os temas aqui tratados, bem como a visitação de decisões judiciais que aprofundam o detalhamento fático de forma que o academicismo puro é incapaz por si só.
Pretendemos com isso oferecer uma conclusão sólida, capaz de esclarecer os pontos controversos sobre o tema, apresentando eventualmente as doutrinas divergentes, e fixando nossas conclusões de modo claro e objetivo.
Esperamos que com isso este modesto estudo seja capaz de contribuir para o Direito do Trabalho na análise que este faz do labor humano, dinâmico, renovável, e tão necessário ao atendimento das necessidades de um país que tanto carece de cuidados e da atenção de juristas, não de meros “operadores do direito”.
1. JUSTIFICATIVAS FÁTICO-JURÍDICAS PARA AS ALTERAÇÕES DOS CONTRATOS DE TRABALHO
Toda relação jurídica é estruturada para trazer desenvolvimento aos homens nela envolvidos.
O Direito é disciplina normativa da vida exterior e relacional das pessoas, buscando, assim, criar regulamentos que possam aplainar as relações, antevendo questões de controvérsia, e aclarando possíveis obscuridades que poderiam criar pontos de tensão no futuro.
O presente estudo tem por foco de análise uma das ferramentas desenvolvidas pelo Direito para aplainar as relações de emprego, inauguradas sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a chamada alteração ou modificação dos contratos de trabalho.
Como veremos à seguir de modo mais detalhado, os contratos de trabalho são ajustes de vontade tendentes a permitir que uma pessoa trabalhe por conta xxxxxx, recebendo de seu tomador dos serviços uma contraprestação financeira para tanto.
Estes ajustes de vontade – contratos de trabalho –, justamente por serem dados entre seres humanos, estão sujeitos à mesma instabilidade e à variação de querências que as pessoas podem atingir. Assim, por exemplo, estando o empregador contrariado por uma questão familiar, poderia livremente reduzir o salário do obreiro pelo simples fato de assim o querer, desviando-se do objeto pactuado inicialmente para desaguar suas mágoas sobre o empregado.
Em outras palavras, o contrato de trabalho, não fossem pelas regras de estabilização do Direito, estaria à deriva, em desatinada flutuação na maré de humores que o espírito dos homens pode criar.
A função do Direito neste aspecto é equalizar estas flutuações, e refreando as vontades, criar um lastro de segurança para as pessoas, de forma possam ocorrer modificações nas regras contratuais, conforme sejam reais as necessidades e legítimas as justificativas, mas que não sejam de modo tal que prejudiquem o patrimônio jurídico do trabalhador, nem, ao contrário, que enrijeçam sobremaneira a realidade do contrato.
Veremos, em seguida, que há ainda outro fator fundamental na justificativa jurídica para alterabilidade dos contratos – o tempo.
Os contratos de trabalho são pensados para durarem pelo maior prazo possível, prazo em que a realidade fundante do contrato pode ser modificada por elementos exteriores aos próprios envolvidos na relação patrão-empregado.
Se a figura do contrato fosse absolutamente estanque, proibidas as modificações das regras jurídicas, é certo em que em dados momentos, o próprio contrato acabaria por romper-se, tendo em vista que a realidade econômica, por exemplo, o flexionaria até a quebra.
Assim, a possibilidade de um reajustamento do pacto laboral funciona como uma válvula de escape, aliviando a tensão gerada pela modificação da realidade-base do contrato, e permitindo sua sobrevivência.
A modificação dos contratos de emprego está legalmente prevista no artigo 468 da CLT2, e pela sua fundamentalidade para o objeto neste trabalho, faremos transcrever:
Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Parágrafo único - Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.
Mais adiante, faremos um estudo aprofundado dos elementos que compõe esta regra celetista, e seus desdobramentos doutrinários.
Por fim, é importante que digamos que, neste texto, o leitor encontrará o uso indiscriminado de expressões que a doutrina define como sendo técnicas, e portanto de uso restrito.
Assim, muito embora registre a doutrina que as expressões, “relação de trabalho”, e “relação de emprego” sejam unívocas – apontando a expressão “relação de trabalho” como gênero dos ajustes de vontade que intermedeiam as relações entre prestadores e tomadores de serviço, e “relação de emprego” uma de suas espécies, que se constrói sob as regras dos artigos 2º e 3º da CLT – utilizaremos a ambas de forma sinônima, porém, sem deixar de registrar que sempre estaremos tratando do contrato individual de trabalho – a relação de emprego.
2 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-lei n. 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/Xxxxxxx- Lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em: 08.mar.2011.
Justificamos nossa posição pelo não em virtude de uma postura de atecnia ou desrespeito à boa doutrina, mas com vistas a que, para o objeto de estudo deste trabalho, não haverá qualquer comprometimento do foco do tema, e de fato, a ausência de repetições nas expressões torna a leitura mais acessível e agradável.
Da mesma forma procederemos com as expressões “condições de trabalho” e “cláusulas contratuais”. Define Amauri Mascaro Nascimento3 que:
Cláusula contratual é uma “disposição constante de um instrumento obrigacional, definidor de seu objeto, condições e preceitos” (Dicionário jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas). Condições de trabalho não são apenas as que decorrem de um instrumento. Podem existir unicamente no plano concreto, sem uma correspondente formalização documental, mas basta o simples fato da sua prática constante para gerar efeitos obrigacionais sob a forma de ajustes tácitos.
Identificada a distinção doutrinária de seus alcances, por respeito a esta fundamentação, cumpre-nos esclarecer que o presente trabalho fará uso indistinto de ambas as expressões, em seu corpo, pelas mesmas justificativas que se apontou há pouco.
1.1. Natureza Jurídica da Relação de Emprego. Acordo de Vontades. Justificativa e Legitimidade Jurídica das Alterações Contratuais.
A doutrina brasileira muito já debateu quanto à natureza jurídica das relações que ligam, de um lado, a pessoa que aliena suas forças produtivas em troca de uma contraprestação financeira, e de outro, aquele que toma referido trabalho para si, e o remunera.
Pouco nos interessa, aqui, por não ser nosso objeto de estudo, o aprofundamento científico4 sobre este debate, ou mesmo o debruçar-nos sobre a evolução da conceituação da natureza jurídica das relações de trabalho.
Porém, é também inegável que o sobrelevo da natureza contratual nos é minimamente necessária, na medida em que, tratando a relação de trabalho por “contrato”, passaremos a estabelecer nossas posições conceituais à partir da baliza que esta figura jurídica exige para sua correção técnica.
E na formação deste raciocínio Maurício Godinho Delgado5 é preciso ao lecionar que:
[...] encontrar a natureza jurídica de uma figura do Direito (como a relação empregatícia ou o contrato empregatício) consiste em se apreenderem os elementos fundamentais que integram sua composição específica, contrapondo-os em seguida ao conjunto mais próximo de figuras jurídicas, de modo a classificar o instituto enfocado no universo de figuras existentes no Direito.
De fato, o emprego, tal como o conhecemos no sistema celetista, possui natureza jurídica contratual6.
Isso porque o trabalho modernamente se caracteriza, de forma diversa dos trabalhos servis ou escravagistas, pela liberdade do trabalhador. Ou seja, aquele que presta o serviço o faz de forma livre e consciente.
O acolhimento da liberdade no Estado brasileiro tem previsão
6 NASCIMENTO, Xxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 24ª ed; São Paulo: Saraiva, 2009.
constitucional, com assento no preâmbulo do texto, bem como no art. 3º que elenca os objetivos fundamentais do país.
Aliás, pouco antes no texto, o art. 1º, construindo os fundamentos da República Brasileira, estabelece “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.
A liberdade, portanto, é um dos valores mais caros ao sistema democrático do Estado brasileiro. E sua manifestação particular, nas relações individuais, se dá pelo instrumento da vontade.
Segundo Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, a vontade é a “particularização da liberdade em uma relação jurídica concreta”7. Ou seja, o elemento da volição do trabalhador é o mais elementar na criação de um liame jurídico que o vincula ao tomador dos serviços, cuja vontade de os receber converge para o mesmo ponto. Assim, a vontade um, de se pôr ao trabalho, e do outro, de recebê-lo contraprestando-o financeiramente, legitima a juridicidade da relação.
É a vontade, portanto, a nota essencial da natureza jurídica contratual da relação de emprego.
A própria CLT assim o afirma no artigo 444. Vejamos:
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
7 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op cit. p. 314.
É, portanto, absolutamente inderrogável a proposição de que a vontade das partes é legítima à criar efeitos jurídicos sobre o contrato de trabalho.
Contudo, não menos verdade é que esta autonomia da vontade8 na micro-esfera da relação empregatícia é mais reduzida do que a que se encontra nas figuras mais recorrentes do sistema do direito civil. Xxxxx, o próprio artigo transcrito afirma que esta vontade está limitada aos fatores ali mencionados.
Ao imaginarmos um contrato civil, de compra e venda, por exemplo, os sujeitos da relação, respeitadas as normas de ordem pública, são livres para definirem, valor do contrato, prazo da entrega da coisa vendida, forma de entrega, responsabilidade pelas expensas oriundas da tradição, e etc.
O contrato de trabalho, por sua vez, possui regras bastante mais rígidas pré-estabelecidas pelo Direito.
Por exemplo, não se pode definir valor da contraprestação pelo trabalho de forma absolutamente livre, conquanto haja regra que exija o respeito ao salário mínimo nacional, ou mesmo ao salário mínimo regional, ou ainda ao piso coletivamente estabelecido para categoria do obreiro.
Quanto aos prazos, em outro exemplo, a CLT estabelece que não pode haver a pactuação salarial por período que supere o de um mês – art. 459.
Contudo, esta mitigação na autonomia da vontade se justifica pela necessidade de equilíbrio dos pólos envolvidos na relação.
8 A respeito da autonomia da vontade nos contratos individuais de trabalho, cabe a visita à obra de XX XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Curso de Direito do Trabalho Aplicado – Livro 6 – Contrato de Trabalho. 1ª ed; São Paulo: Elsevier, 2009.
Historicamente, o trabalhador é figura de menor potência econômica, e por vezes até mesmo com menor inflexão de conhecimentos. Em razão disso, diante da necessidade de subsistência que ele retira do trabalho, o empregado se vê diminuto frente ao plexo econômico sustentado por aquele que o emprega.
Segadas Vianna9 recupera a tomada histórica que contextualiza a evolução da sociedade do mundo servil/escravagista para outra libertária. Explica que a liberdade, por si, não representou evolução concreta na vida pessoal deste proletariado, que, apesar de não mais escravo de seus senhores, passaram a escravos de seu trabalho, na medida em que ainda eram reféns de suas próprias necessidades de subsistência. O Estado, como bem convinha ao produto de uma revolução burguesa, lhes deu a autonomia da vontade, porém, não instrumentalizou qualquer forma de representatividade que permitisse aos trabalhadores opor resistência aos industriários e donos de meios de produção, que à sobra deste Estado ausente, de laissez faire, em laissez passeir, submetiam seus trabalhadores a condições cada vez mais escorchantes de jornada e de salário.
Entregue à sua fraqueza, abandonado pelo Estado, que o largava à sua própria sorte, apenas lhe afirmando que era livre, o operário não passava de um simples meio de produção.
O trabalhador, na sua dignidade de pessoa humana, não interessava ou não preocupava os chefes industriais daquele período. Era a duração do trabalho levada além do máximo da resistência normal do indivíduo. Os salários, que não tinham, como hoje, a barreira dos mínimos vitais, baixavam até onde a concorrência o mercado de braços permitia que eles se aviltassem.
Esse contínuo e brutal desrespeito dos direitos fundamentais da pessoa humana dos trabalhadores acabou por gerar um contínuo de conflitos sociais,
9 SÜSSEKIND, Xxxxxxx et. al. Instituições de Direito do Trabalho, vol. 1. 22ª ed, São Paulo: LTr, 2005. p. 34.
que desembocaram naturalmente na eclosão de revoluções, das quais a mais representativa foi a revolução francesa.
Saldo destes conflitos de classes foi a evolução do papel do Estado de mero garantidor do mínimo existencial das pessoas para um agente participativo das relações interpessoais, institucionalizando valores sociais importantes como o trabalho, e atuando de forma concreta, a promover políticas públicas de salvaguarda destes valores.
Neste mesmo sentido, o labor foi incorporado ao nosso país como sendo um valor essencial da República brasileira, de forma que é interesse da nação o equilíbrio da relação capital-trabalho, para um desenvolvimento saudável e escorreito das relações jurídicas e das pessoas nelas envolvidas.
Assim, de modo a coibir abusos do poder econômico, o estado cria normas inderrogáveis pelo interesses das próprias partes envolvidas, de modo a proteger elementos sensíveis do contrato.
Em conclusão, por diversas vezes a vontade dos contratantes se vê embarreirada por normas jurídicas que determinam formas e conteúdos das cláusulas do contrato de trabalho.
É contudo, inegável a existência da liberdade e da vontade das partes criando disposições e efeitos sobre a relação empregatícia. Xxxx, aliás, a lição de Homero Batista Mateus10 sobre esta dualidade que reside nesta relação empregatícia:
10 DA XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Curso de Direito do Trabalho Aplicado, Livro 6 – Contrato de Trabalho. 1ª ed; São Paulo: Elsevier, 2009.
Existe realmente autonomia da vontade no contrato de trabalho? Se a pergunta for feita para o empresariado, a tendência é que se conclua pela inexistência da autonomia da vontade no direito do trabalho, tamanho o volume de exigências e de diretrizes impostas pelo legislador em nome de um certo princípio protetor cujo alcance mal se compreende. No entanto, quando o tema é analisado com maior distanciamento, duas conclusões são obtidas com facilidade. De um lado, há efetivamente espaço para atuação da autonomia da vontade no direito do trabalho, o qual apenas convive com a ingerência estatal por força do desnivelamento notório entre os contratantes. De outro lado, a sensação sufocante provocada pelas normas ditadas pelo interesse público não é maior nem menor do que no direito civil, em incontáveis situações, como nas relações de consumo, nos contratos de locação e nos contratos de seguro. Nestes e em outros variados exemplos, são comuns as determinações impostas pelo legislador que deixam pouco ou nenhum espaço de variação dos contraentes. (...) Justifica, assim, a afirmação de que não desaparece a independência das partes quando existe prioridade do interesse público. Arrematando do parágrafo, o fato de algumas relações terem menor campo de atuação das partes, do que outras relações, não é o bastante para invalidar o postulado da autonomia da vontade. Traduzindo em linguagem trabalhista, o art. 444 da CLT – livre estipulação das partes naquilo em que não houver contrariedade à lei – ainda tem prioridade sobre o art. 468 da mesma norma – imutabilidade do contrato de trabalho.
Ainda que o aprofundamento do debate intelectual acerca da natureza jurídica da relação de emprego não seja nosso mote de estudo, por fidelidade na reprodução das correntes de pensamento, é necessário estabelecer que a teoria contratualista da relação empregatícia – não obstante seja majoritariamente aceita e difundida no Brasil – contempla posições dissonantes.
Os autores cujo pensamento dá-se nesta linha foram agrupados na chamada corrente doutrinária acontratualista.
Os componentes desta corrente enfatizavam o trabalho não sob o aspecto da autonomia dos agentes envolvidos na relação, mas com vistas ao trabalho
efetivamente executado, no fato social que dá ensejo ao trabalho.
Para parte dos acontratualistas, o Direito deve observar o trabalho como um fato objetivamente experimentado no meio social que absorve a pessoa do laborista – teoria da relação de trabalho, com expoente em Mario de La Cueva11.
Já para outra parcela, adeptos da chamada corrente institucionalista, a empresa é vista como uma instituição, com vontade, meios e elementos próprios, e que não se confunde com as pessoas nela imbricadas. Desse modo, o trabalhador não ganha dimensão de pessoalidade na empresa, pois esta se impõe objetivamente sobre os laboristas, “eclipsando a presença da liberdade e da vontade na produção e desenvolvimento da relação empregatícia individualmente considerada”12. É representante desta linha de pensamento, no Brasil, Xxxx Xxxx xx Xxxxxxxx.
Porém, tais teorias afastam-se da apreciação humana das relações empregatícias.
De fato, elas apenas reproduzem as vicissitudes das realidades sociais contaminadas por situações econômicas e momentos históricos concretos em que o empregado, por vezes, se vê cooptado em sua individualidade, em razão da necessidade de se manter empregado, e recebendo o salário que fomenta sua sobrevivência.
Contudo, os vícios da realidade tolhem, mas não desautorizam a liberdade na relação empregatícia, tampouco são capazes de degolar a humanidade do trabalhador, representada juridicamente pela sua vontade.
12 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op. cit. p. 319.
“Afinal, a combinação de tais elementos (liberdade/vontade) é que exatamente permitiu a formulação da diferença específica da relação de produção no mundo ocidental anterior – servidão e escravidão.”13
Portanto, o emprego nada mais é do que uma relação jurídica contratual, ao intermédio da qual uma pessoa natural se obriga à entrega de suas capacidades humanas – quer intelectuais, quer físicas – de forma não-eventual e pessoal, a um empreendimento que o remunera em contraprestação.
(...) Trata-se de relação contratual que tem por objeto uma obrigação de fazer (obrigatio faaciendi) prestada por uma pessoa humana, com não eventualidade, onerosamente, de modo subordinado e em caráter de pessoalidade (intuito personae) no que tange ao prestador do trabalho. Aqui reside a diferença específica da relação contratual empregatícia perante as demais relações jurídicas contratuais correlatas: não exatamente em seu objeto (prestação de trabalho), mas precisamente no modo de efetuação dessa prestação – em estado de subordinação (e com pessoalidade, não eventualidade e onerosidade, acrescente-se).14
Tais critérios definidores do contrato de emprego vem previstos nos artigos 2º e 3º da CLT.
E sobre estes elementos as partes podem dispor e redefinir cláusulas do contrato, tais como o local da prestação dos serviços, a forma e a quantidade da remuneração a ser paga ao laborista, a quantidade e o turno de tempo em que o empregado se porá á disposição do empregador, e etc.
Logicamente, tais modificações não são irrestritas. O objeto deste estudo é justamente este: de que forma, e com que limites de legalidades podem as partes do contrato de trabalho manejar de suas vontades e redefinir o contrato
13 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op. cit. p. 320.
14 Idem. p. 315.
em que se inserem.
1.2. O Elemento Temporal – Princípio da Conservação do Contrato. Justificativa Fática para Readequação do Pacto Laboral.
Dado que é contrato, a relação de emprego é regida não só pela lei, mas também pela disposição das partes que definem cláusulas e minudências que deverão conduzir o objeto do negócio – o trabalho – ao longo do tempo.
Portanto, em um primeiro momento, é importante a suma do quanto se disse anteriormente em que, por ser contrato, juridicamente, se permite que a vontade das partes crie vínculos e estabeleça (ao menos parte das) regras de conduta entre empregado e empregador.
Em um segundo momento, como veremos a partir deste ponto, o contrato de emprego é, como regra, construído para durar por prazo indeterminado, e racionalizado para trazer segurança e estabilidade aos contratantes, por meio da sua conservação pelo maior tempo possível. Desta forma, o tempo é um fator absolutamente fundamental ao emprego.
Se pensarmos o contrato de emprego como sendo um liame entre pessoas que se correlacionarão de forma cotidiana, é certo que o tempo influirá sobre os fatos à modificar o conteúdo próprio do contrato. “Essa verdade simples deve ser reafirmada como uma resultante da própria atuação do tempo nesse negócio jurídico fruto da pactuação entre empregado e empregador”15.
Por exemplo: Até meados da década de 1980, não existia a
15 DE XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx. Alteração Contratual. In: XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, et. al. (Coord.). Fundamentos do Direito do Trabalho – Estudos em homenagem ao ministro Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx. São Paulo: LTr, 2000. p. 473.
popularização dos telefones celulares hoje tão comumente comercializados e detidos até mesmo por pessoas de poder aquisitivo bastante restrito. Até aquele período (década de 1980), era praxe das pessoas carregarem fichas telefônicas para se utilizarem de telefones públicos.
Pois bem: imaginemos um trabalhador de uma indústria produtora de fichas telefônicas.
Com a mudança do perfil de mercado, em que se deixou de consumir aquele determinado bem, a indústria em questão se viu obrigada a mudar seu plano de atuação, sob pena de ser levada à quebra, e passar a produzir outros bens de consumo.
Por certo, nesta hipótese, deixou de precisar do trabalho de pessoas que produziam fichas telefônicas.
Se o contrato fosse estanque, endurecido e inalterável, por certo o trabalhador se veria desligado da companhia, dado que seu serviço passou a ser desnecessário.
A possibilidade de alteração do contrato de trabalho é justamente a aeração que permite que este empregado passe a fazer outra atividade, conservando a relação.
A relação empregatícia, como dissemos, não tem prazo determinado para sua terminação. Ao contrário, os contratos por prazo determinado são exceção no sistema jurídico brasileiro.
Aliás, a conservação do contrato foi erigida à categoria de princípio da
ciência juslaboralista. Amauri Mascaro16, em citação ao autor uruguaio Xxxxxxx Xxx Xxxxxxxxx, afirma que “a segurança é uma natural aspiração do homem que trabalha”.
Assim, o princípio da continuidade, significando que a relação entre empregado e empregador deve ter como regra a maior duração possível, não elimina o direito do empregado de pedir demissão. Outorga-lhe, isto sim, certos direitos de permanência no emprego, como a concretização da idéia da segurança. [...].
Justifica-se o princípio da continuidade não só pela idéia da segurança. Há outro fundamento: o valor da antiguidade. Deve ser estimulada a antiguidade do empregado, mesmo porque diversos dos seus direitos são nela baseados. Note-se que a antiguidade tem servido de critério de promoções em regimes estatutários, equiparada ao próprio merecimento, com o qual se alterna. Na empresa privada não pode ser diferente. A antiguidade em si não deve ser desvalorizada e pode se transformar em benefício da própria empresa na medida em que for bem utilizada.
Por conclusão, vemos que os contratos de emprego, por serem afinados para se protraírem no tempo, necessitam de uma válvula escape que, de forma a dar vazão a circunstâncias de fato mais fortes do que o simples desejo de manutenção das partes, permitam alteração e por conseqüência a conservação do pacto.
É portanto, necessária a possibilidade de reformulação dos elementos do contrato de trabalho, tanto por respeito à autonomia da vontade das partes contratantes, quanto pela readequação das cláusulas aos elementos de fato que o tempo impôs aos agentes.
Veremos, a seguir, a forma pela qual se pode traduzir legalmente a sua ocorrência.
16 XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. op cit. p. 592
2. ALTERAÇÕES CONTRATUAIS: ELEMENTOS FUNDAMENTAIS E DINÂMICA LEGAL.
Se numa ilação bastante primária, mas também muito representativa, o contrato de trabalho fosse uma obra literária, uma novela, ou um romance, as alterações promovidas sobre o contrato seriam um breve (mas importante) capítulo dentro deste universo.
Isso importa dizer, em linguagem científica, que as alterações das condições de trabalho guardam com seu todo unitário – o contrato – uma relação de “parte-e-todo”, ou seja, a parte mantém as mesmas características fundamentais que individualizam o todo de que foi extraída.
Do ponto de vista do Direito podemos dizer que as alterações dadas nas relações de emprego mantém a mesma natureza jurídica da própria relação de emprego.
E não obstante essas afirmações pareçam absolutamente óbvias, é importante que se as faça, tendo em vista que a doutrina brasileira, em sua maioria, não traz um conceito técnico para as alterações contratuais.
Via de regra, a doutrina busca apenas analisar a juridicidade das hipóteses específicas das modificações clausulares, como por exemplo, a modificação dos critérios salariais.
Neste sentido, parte-se de uma alteração específica para se analisar seu conteúdo, sua extensão, e por fim os efeitos e a validade ou invalidade que produzem sobre o contrato.
Este trabalho, porém, trilhará caminho um pouco diferente.
Faremos uma análise crítica do artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para dele extrair os elementos fundamentais das alterações contratuais, e por fim, faremos uma apreciação das hipóteses legais autorizativas das modificações funcionais.
2.1 O Artigo 468 da CLT. Elementos Fundamentais
Por ser de fundamental importância para ao objeto deste estudo, o artigo 468 da CLT merece sua transcrição:
Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho, só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade infringente desta garantia.
Parágrafo Único: Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando função de confiança.
Esta é a redação da regra-mãe que organiza o tema da alteração contratual nas relações empregatícias no Brasil.
Não por outra razão, vamos fazer aqui uma dissecação de seus elementos de tangência, para permitir uma análise detalhada do regramento.
2.1.1 Das Alterações como Circunstância Extraordinária
O primeiro ponto de tangência que comporta observação detalhada é que, as alterações contratuais são extraordinárias no Direito do Trabalho.
De acordo com o que se pôde observar no capitulo antecedente deste estudo, a nota essencial das relações empregatícias – o que determina a sua natureza jurídica – é, em essência, a vontade dos interessados, como o elemento que legitima a criação do liame jurígeno.
Contudo – e nisto a palavra de Délio Maranhão17 citando Xxxxx xx Xx Xxxxx, é fundamental –, ao afirmarmos que o querer dos contratantes gera a legitimidade jurídica para o contrato, não se pode olvidar que as partes não estão plenamente livres para fazê-lo, conquanto sujeitas a um “contrato mínimo”:
Tem o direito do trabalho, como finalidade primeira proteger a saúde e a vida do trabalhador e garantir-lhe um nível de vida compatível com a dignidade humana. E, se este é seu propósito, é natural que, estando condicionada à realização deste objetivo pelo conteúdo da relação de trabalho, tivesse a lei o cuidado de fixá-lo de modo imperativo. A lei contém um “contrato mínimo de trabalho”, para usarmos a expressão feliz de De La Cueva. E este contrato mínimo se impõe à vontade das partes na estipulação de cada contrato individual.
Ainda que limitada à baliza da lei (ou do “contrato mínimo” para mantermos a feliz expressão do Jurista citado) a relação de trabalho possui tipologia jurídica de um contrato.
Daí que, como regra, se as partes ajustaram que sua relação deveria se desenvolver de determinada forma, somente por uma excepcionalidade pode haver uma modificação dessa forma prevista. Ou, em outras palavras, o contrato deve ser cumprido do modo exato como previsto e construído pelos interessados.
Este primado encontra força na lei ao passo em que a as alterações são consideradas lícitas apenas como exceção, pois que “só é lícita a alteração das respectivas condições [...]” quando preenchidos os estritos pressupostos ali descritos.
Portanto, o núcleo fundamental da lei reside na excepcionalidade da modificação, ou seja, salvo na ocorrência de condições específicas, anormais, pré-estabelecidas pelo texto legal, não se autoriza que trabalhador e empregador façam modificar o que haviam ajustado ao tempo do início do contrato.
Este raciocínio busca salvaguardar em especial os interesses do empregado, que por ser parte presumidamente mais frágil sob o ponto de vista da relação econômica, ficaria à mercê da flutuação dos ânimos do empregador.
Num cenário hipotético sem a existência do art. 468 da CLT, poderíamos observar empregados sendo constantemente colocados a exercer funções diversas daquelas para as quais foram contratos, recebendo salários variáveis e sem a harmonia de critérios objetivos para seu cálculo; ou mesmo suportando transferências para locais diferentes dos quais foram chamados à laborar.
Assim, a alteração das condições de labor não são ordinárias. Os contratos devem, ao contrário, respeitar o princípio geral de que os pactos devem ser cumpridos, ou, no brocardo latino: pacta sunt servanda.
Aliás, desde a origem das disciplinas jurídicas diz-se que o contrato faz lei entre as partes, ou em outros termos, que o contrato deve ser cumprido – pacta sunt servanda.
Godinho18 ensina que:
De fato, um dos mais importantes princípios gerais do Direito que foi importado pelo ramo justrabalhista é o da inalterabilidade dos contratos, que se expressa no estuário civilista originário, pelo conhecido aforisma pacta sunt servanda (“os pactos devem ser cumpridos”). Informa tal princípio, em sua matriz civilista, que as convenções firmadas pelas partes não podem ser unilateralmente modificadas no curso do prazo de sua vigência, impondo-se ao cumprimento fiel pelos pactuantes.
Este raciocínio é seguido de perto pelo restante da doutrina: Amauri Mascaro Nascimento19:
Por ser um contrato, o de trabalho também é regido por um princípio de direito civil: pacta sunt servanda. O contrato faz lei entre as partes. As condições de trabalho configuram-se como obrigações contratuais, como tal só alteráveis bilateralmente por acordo entre as partes, e tendo em vista o sentido protetor do direito do trabalho, ainda assim desde que não resultem prejuízos ao trabalhador, situação esta que não é absoluta, mas é regra inicial a ser observada (CLT, art. 468).
Délio Maranhão20:
Dispõe o Código Civil francês que “lês conventions légalement formées tienent lieu de loi à ceux qui lês ont faités”. Sobre a omissão da regra semelhante em nosso Código Civil, escreve Xxxxx Xxxxx que “nem dela se fazia mister por se tratar de um princípio decorrente da própria essência do instituto”. Pacta sunt servanda. Como conseqüência dessa “força obrigatória dos contratos” – ensina De Page – “São eles imutáveis, e não podem ser modificados nem revogados, salvo mútuo consenso dos que os concluíram – isto é, em virtude de um novo acordo de vontades ou pelas causas que a lei autoriza”.
18 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed; São Paulo: LTr, 2008. p. 1004.
20 SÜSSEKIND, Xxxxxxx et. al. Instituições de Direito do Trabalho, vol. 1. 22ª ed, São Paulo: LTr, 2005. p. 34
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx de Paula21:
O pacta sunt servanda é uma dos princípios informativos em relação às obrigações que decorrem do contrato de trabalho. As singularidades dessa negociação entre empregado e empregador levam esse princípio a um tratamento específico na ordem trabalhista.
E da mesma forma são inúmeras as proposições doutrinárias que contemplam o aforisma.
A expressão latina traz consigo a idéia que criva de legitimidade a vontade das partes. Xxx andou Xxxxx Xxxxx, há pouco citado por Délio Maranhão22, ao afirmar que, no entanto, não se faz necessária a reprodução legal deste princípio, dado que é da sistemática da negociação que esta produza os exatos efeitos previstos pelos interlocutores do negócio, conquanto assim fosse da vontade dos agentes.
Assim, em que pese não se possa dizer ser absoluta a regra da inalterabilidade, é absolutamente fundamental que se perceba, desde já, que é circunstância extraordinária, incomum, exceptiva. E não se pode dar a situações desta espécie interpretação ampla ou irrestrita. Antes, deve-se apreciar das situações que importem modificação com olhar de natural estranheza, e a prevenção necessária à estabilização das relações sociais tão caras ao direito.
Contudo, conforme se pôde verificar do capítulo primeiro deste trabalho, são diversos os argumentos que contemplam a necessidade da existência das alterações contratuais. Apenas por retomada breve, cabe lembrarmos que o contrato de trabalho é, via de regra, tirado à tempo indeterminado, e os fatos que
21 DE XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx. Alteração Contratual. In: XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, et. al. (Coord.). Fundamentos do Direito do Trabalho – Estudos em homenagem ao ministro Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx. São Paulo: LTr, 2000. p. 473.
22 Vide nota de rodapé nº 20.
o ensejaram podem mudar substancialmente na relação diária, obrigando os interlocutores a uma repactuação, sob pena de se tornar a continuidade inviável.
Portanto, cabe agora o vislumbre das hipóteses que amenizam a regra da inalterabilidade do contrato.
2.2 Alteração Contratual como Mecanismo de Absorção de Impacto. A Construção Civilista.
Na esfera civil em que a regra do pacta sunt servanda se mostra mais rígida, já há bastante tempo houve contemplação de situações imprevistas gerando modificação sobre o contrato.
A contribuição do Direito Civil nasce à partir do momento em que, sobrevindo ao contrato circunstâncias ou fatos que não eram previsíveis ao tempo de sua formação, com força suficiente para gerar conseqüências severas sobre o contrato, chacoalhando substancialmente seus fundamentos, as partes via-se o regramento incapaz de reequilibrar os pólos da avença pois estava preso ao pacta sunt servanda.
Em situações dessa espécie, os efeitos imprevistos podem ser tão desastrosos que acabam por inviabilizar a continuidade do contrato da forma como as partes o haviam moldado.
Em tese, esta situação seria facilmente reajustável. Bastaria que ambos os contratantes assim o desejassem, contratando cláusulas adesivas, ou termos acessórios ao ajuste original, ou mesmo revogando-o em desfavor de outro completamente novo, e mais adequado à nova situação de fato.
Contudo, por vezes a modificação das condições de fato pode acabar gerando não uma necessidade de completa modificação, mas apenas um grave desequilíbrio, que onera sobremaneira um único pólo.
De fato, diante de conjunturas como essa, dificilmente a parte prejudicada poderia contar com a anuência de seu parceiro, na medida em que este se vê em posto muito confortável, pois, sem que tivesse contribuído para tanto, passou a reter benefício sensivelmente maior do que o imaginado ao tempo da contratação.
Nesse cenário, ao prejudicado restaria apenas a alternativa de cumprir o contrato, pela satisfação da obrigação manifestamente desproporcional. Qualquer outra solução feriria o pacta sunt servanda.
Buscando impedir injustiças como tais, a lei atenuou a rigidez da cláusula, por meio da possibilidade de se modificar o conteúdo do pacto ainda que a parte contrária não convenha para isso.
O raciocínio é o seguinte: o chacoalhar que geram os fatos imprevistos sobre a avença pode ser absorvido, sem importar necessariamente na ruptura do contrato, por meio de mecanismos de absorção de impacto, o que permite a reconfiguração das cláusulas e a sua adaptação às novas circunstâncias.
À este teor pode-se analisar os artigos 478, 479 e 480 do Código Civil.
Esse mecanismo no Direito Civil é chamado de cláusula rebus sic stantibus. A doutrina delineia a figura – Maurício Godinho Gonçalves23:
23 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op cit. p. 1004.
Sabe-se, porém, que esse princípio jurídico geral (pacta sunt servanda) já sofreu claras atenuações no próprio Direito Civil, através da fórmula rebus sic stantibus. Por essa fórmula atenuadora, a inalterabilidade unilateral deixou de ser absoluta, podendo ser suplantada por uma compatível retificação das cláusulas do contrato ao longo de seu andamento. Essa possibilidade retificadora surgiria caso fosse evidenciado que as condições objetivas despontadas durante o prazo contratual – condições criadas sem o concurso das partes – provocaram grave desequilíbrio contratual, inexistente e impensável no instante de formulação do contrato e fixação dos respectivos direitos e obrigações. Tais circunstâncias novas e involuntárias propiciariam à parte prejudicada, desse modo, a lícita pretensão de modificação do contrato.
No mesmo sentido, Amauri Mascaro Nascimento24:
Outro princípio do direito civil a ser aplicável: a cláusula rebus sic stantibus. Autoriza a empresa, em casos nos quais a situação deu origem à obrigação sofrer substancial modificação, impossibilitante de sua continuidade, com ampla e inquestionável demonstração, a introdução de modificações, como regra de exceção fundada na teoria da imprevisão dos contratos.
A cláusula rebus sic stantibus é a atenuação mais conhecida no âmbito civilista para a inalterabilidade contratual.
Já na esfera trabalhista, diante das especificidades do contrato, os critérios de modificação são bastante mais específicos.
24 XXXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. op cit. p. 926.
2.3 Alterações Volitivas na Esfera Trabalhista. Requisitos Legais: Elementos Subjetivo e Objetivo
O artigo 468 da CLT é expresso ao afirmar que “só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”.
Observe-se que a lei cria, assim, dois elementos fundantes da legalidade da modificação.
O primeiro deles, de ordem subjetiva. A modificação deve ser consensual, ou decorrente de “mútuo consentimento”.
O segundo de ordem objetiva, atinente à impossibilidade de que a alteração gere prejuízo direto ou indireto para o empregado.
Por óbvio, é necessária a conjugação dos dois elementos, sua coexistência harmônica, pois que a própria lei define que há de haver a concordância recíproca, “e ainda assim” não importar em prejuízo.
Délio Maranhão25 analisa com precisão o assunto:
Não pode, também, a alteração trazer prejuízo ao empregado: é outro limite que há de ser, sempre, respeitado. Se, nos termos da lei, é nula a alteração prejudicial ao empregado, ainda quando resultante de acordo, claro está que, com maior razão sê-lo-á tratando-se de ato unilateral do empregador.
Essa conjugação de dois elementos – subjetivo e objetivo – é uma fórmula absolutamente adequada para o regramento da matéria, pois preserva, a um só tempo, a individualidade dos interesses do trabalhador, e a generalidade da proteção objetiva, minimizando as chamadas “coações econômicas”, consistentes na pressão do empregador voltada à obtenção do “sim’ do laborista, que se vê obrigado a anuir à vontade patronal, ainda que com ela não concorde de fato, apenas para evitar eventual dispensa ou represália velada.
A Jurisprudência brasileira já vivenciou situações assim:
TIPO: RECURSO ORDINÁRIO
DATA DE JULGAMENTO: 01/07/2009 RELATOR(A): ROVIRSO APARECIDO BOLDO REVISOR(A): XXXXXX XXXXX XXXXXX XXXXXX ACÓRDÃO Nº: 20090507325
PROCESSO Nº: 00045200602802002 ANO: 2007 TURMA: 8ª DATA DE PUBLICAÇÃO: 07/07/2009
PARTES:
RECORRENTE(S):
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx RECORRIDO(S):
Caixa Economica Federal CEF
EMENTA:
COAÇÃO ECONÔMICA BANCÁRIA. EMPREGADO ADSTRITO AO CUMPRIMENTO DE JORNADA DE TRABALHO, EX-VI DO ART. 224 "CAPUT". PAGAMENTO DE GRATIFICAÇÃO, OUTRORA SUPRIMIDA, CONDICIONADA AO ELASTECIMENTO DA CARGA HORÁRIA. ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO. A
elevação da carga horária de bancário adstrito ao cumprimento de jornada inserta no "caput" do art. 224 da CLT, está condicionada ao reenquadramento em função de maior fidúcia, aliada à inerente retribuição financeira. A determinação patronal para que o empregado trabalhe mais, a fim de voltar a receber gratificação que vinha percebendo regularmente, revela-se procedimento infenso à legislação de regência (artigos 9º, 444 e 468, da CLT), assim como à disposição Constituição Federal que trata da intangibilidade salarial (art. 7º, inciso VI). O trabalhador, nessas condições, é vítima de coação econômica, restando
juridicamente ineficaz qualquer documento por ele assinado que atente contra a sua livre exteriorização de vontade
Há doutrina que chega a traduzir a idéia da unilateralidade da alteração como fator de presunção de prejuízo jure et de jure26.
O elemento subjetivo é, como visto, a vontade das partes, comum, uníssona, livre, consciente e capaz de gerar efeitos jurídicos.
O elemento objetivo, por seu turno, é a ausência de prejuízo, ou seja, a manutenção do estado de fato, do patamar de direitos e conquistas que o empregado detinha antes da mudança.
A prejudicialidade versada pela lei deve ser analisada com a individualidade de cada caso concreto, uma vez que ela somente se constrói pela análise comparativa entre dois estados de fato, o anterior à mudança, e o que a sucede.
Além disso, o prejuízo experimentado em determinado aspecto do contrato pode representar ganho direto em outro campo de seu plexo de direitos, o que, por certo não se consideraria simples prejuízo, uma vez que restaria patente aí uma justa compensação.
Por exemplo, podemos citar o entendimento pacífico na doutrina de modificação do turno de trabalho de um empregado que laborava em jornada noturna, e passa a fazê-lo em diurna.
26 DE XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx. op cit. p. 476.
Nessa hipótese, temos uma alteração contratual que prejudica diretamente os interesses financeiros do trabalhador sob o ponto de vista de seus vencimentos, na medida em que deixará de perceber o adicional noturno. Todavia, em contrapartida, o trabalhador passará a poder usufruir de uma jornada que lhe será sensivelmente mais benéfica à saúde e à convivência social.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 265. Adicional noturno. Alteração de turno de trabalho. Possibilidade de supressão (Res. 13/1986, DJ 20.01.1987)
A transferência para o período diurno de trabalho implica a perda do direito ao adicional noturno.
Assim, a definição de “prejuízo”, termo utilizado pelo art. 468 da CLT, é um conceito jurídico aberto, ou indeterminado, de cuja apreciação depende o aprofundamento fático próprio de cada caso concreto.
Importa, portanto, saber que há dois elementos distintos que devem ser conjugados à validar as alterações contratuais, um objetivo, a ausência de prejudicialidade, e o outro subjetivo, que a vontade comum de patrão e empregado.
2.4 Alterações Unilaterais. Xxx Xxxxxxxx, Direito de Resistência e Alterações Prejudiciais Válidas
Como vimos, a regra geral pertinente a toda espécie de contrato, e da qual não difere o de trabalho: os pactos devem ser cumpridos, sem modificação de seus conteúdos.
Contudo, e aqui reside a especificidade trabalhista, por ser construído para ser perene, o contrato de trabalho pode ser modificado, desde que haja
anuência de ambas as partes, e mesmo assim, não resulte prejuízo para o empregado.
Assim, temos uma regra e uma exceção, respectivamente: os contratos de trabalho devem ser cumpridos da forma como construídos, e permite-se sejam alterados bilateralmente em benefício do trabalhador.
Terminasse assim a disposição da lei, se encerraria aqui também nosso estudo. Porém, a lei vai mais adiante, e cria hipóteses de alteração em “exceção da exceção”, ou seja, concedendo que haja modificações unilaterais, ou mesmo que importem em prejuízo para o trabalhador.
Por serem regras atinentes ao chamado contrato mínimo, prevêem disposições incidente sobre todos os contratos de trabalho, e na verdade, inauguram novas regras (e não simples “exceção da exceção”) que devemos estudar detidamente. É ao que vamos.
2.4.1 Alterações Unilaterais. Jus Variandi e Jus Resistentiae
Como dissemos, a lei pode excepcionar a si mesma, oferecendo hipóteses em que, mesmo havendo o prejuízo do empregado, ou sem que se colha sua anuência, possa o empregador modificar cláusula da avença.
Um dos elementos inerentes à estrutura do negócio jurídico chamado de contrato de trabalho é que um dos pólos, o empregador, assume posição de autoridade diretora dentro em o empreendimento, pagando por isso o preço da assunção dos riscos do negócio, conforme previsão do art. 2º da CLT.
Importa dizer, em outros termos, que a Lei estabelece que o empregador é o responsável pela direção do trabalho do empregado. Ao conjunto de potestades de que se reveste o empregador dá-se o nome de “Poder Empregatício”.
Poder empregatício é o conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do empregador, para exercício no contexto da relação de emprego. Pode ser conceituado, ainda, como o conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente prestação de serviços.
Alice Monteiro de Barros28 explica que esse poder encontra na doutrina três correntes distintas à justificá-lo:
São três as principais correntes utilizadas para fundamentar a existência do poder diretivo e disciplinar: teoria da propriedade privada, a teoria institucional e a teoria contratual.
Afirmam os adeptos da primeira corrente que esse poder conferido ao empregador reside no fato de ser a empresa objeto do seu direito de propriedade, logo, o empregador comanda porque é dono.
A opinião segundo a qual o poder diretivo funda-se na concepção institucional ou comunitária da empresa possui um caráter mais político e social do que jurídico, encontrando-se em franco declive.
Mais consistente é a teoria que fundamenta a existência dos poderes do empregador no contrato de trabalho. Esses poderes são conseqüência imediata da celebração do ajuste entre empregado e empregador, o qual coloca sob responsabilidade deste último a organização e a disciplina do trabalho realizado na empresa, quer vista sob a forma de empresa capitalista, quer sob o prisma da empresa socializada.
27 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op cit. p. 631.
28 DE XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 553.
A legitimidade para a ocorrência do jus variandi é justamente essa parcela da autonomia franqueada pelo trabalhador, oriunda do contrato que mantém com seu empregador. Aliás, a própria legislação estabelece como o preço por essa liberdade, a ser suportado pelo empregador, que os riscos de insucesso do empreendimento não sejam transferidos ao laborista.
O artigo 2º da CLT atribui ao empregador a assunção dos riscos da atividade econômica, aparecendo o jus variandi como implícita conseqüência desse poder, o empregador, no campo amplo que existe de indeterminação no contrato de trabalho, fixa e estabelece a atuação do empregado, objetivando o desenvolvimento regular dos trabalhos na xxxxxxx00.
Daí extraímos que o jus variandi é o poder de o empregador, unilateralmente, produzir modificações nas regras do contrato de trabalho, de forma legítima.
A doutrina autorizada diferencia duas formas de manifestação do jus variandi. A primeira delas, chamada de jus variandi ordinário, atine ao “alteração unilateral de aspectos da prestação laborativa não regulados quer por norma jurídica heterônoma ou autônoma, quer pelas cláusulas do respectivo contrato de trabalho”30
Trata-se de “instrumento de modulação da prestação dos serviços”31 à permitir ao empregador valer-se apenas de sua vontade, limitada pelos princípios gerais de boa-fé, para determinar como deve se desenvolver o trabalho em seus aspectos não essenciais.
29 DE XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx. op. cit. p. 474.
30 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op. cit. p. 1006.
31 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx, op. cit. p. 1007. apud XXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Direito de Resistência. São Paulo: LTr, 1996. p. 217.
É de fundamental existência para o contrato, pois que areja a rotina da prestação de serviços e impede que se engessem os modus de produção por formalidades excessivas.
A segunda, chamada de jus variandi extraordinário, é a possibilidade de “alteração unilateral de cláusulas do contrato de trabalho, [...] em situações genérica ou especificamente autorizadas pela ordem jurídica heterônoma ou autônoma trabalhista”32.
O jus variandi extraordinário, portanto, é mais delicado e possui disciplina mais severa que seu congênere, pois atua na área do contrato que já possui regulamentação, estabelecendo modificações sobre critérios fundamentais da relação de trabalho, como por exemplo o local de prestação de serviços – art. 469 da CLT.
Assim, por atingir elemento fundamental da relação, e por ser “exceção da exceção”, conquanto não observada a bilateralidade exigida pelo art. 468 da CLT, o jus variandi extraordinário não pode ser amplo. É, ao contrário pontualmente estabelecido pela lei:
Em face do art. 468 da Consolidação, no direito brasileiro o jus variandi somente poderá ser admitido dentro de limites muito estritos, sob pena de se tornar letra morta essa disposição legal, viga mestra de nossa legislação do trabalho e principal garantia do empregado contra o arbítrio do empregador. A não ser, portanto, nos casos em que a lei expressamente o autorize, a alteração das condições de trabalho, em virtude de ato do empregador não poderá ser tolerada salvo a título excepcional, em situação de emergência e em caráter transitório [...]33
32 Idem. op. cit. p. 1009.
Segundo Maurício Godinho Delgado34 existem cinco situações-tipo autorizadas pela lei para a caracterização do jus variandi válido.
A primeira situação-tipo tem relação com o jus variandi ordinário. Ou seja, permite a ordem normativa estatal – assim entendida como o conjunto de leis e normas administrativas imperativamente enunciadas pelo poder estatal constituído – a modificação de regras não enunciadas expressamente pelos contratantes, e que não tenha relação com elemento essencial do contrato.
Assim, pode o empregador unilateralmente alterar o contrato, transitória ou definitivamente, naquilo em que não contravier a lei ou ao estipulado originalmente com o empregado, sem alterar substância fundamental do contrato.
A segunda situação-tipo descrita pelo doutrinador atine à possibilidade de que o empregador modifique o contrato sem a anuência de seu empregado, quando esta modificação importar em implemento, melhoria, na condição do trabalhador. Trata-se de alterações favoráveis.
Contudo, quanto a esta situação-tipo, fazemos pequena e pontuada oposição. Sendo a alteração pretensamente favorável ao empregado, ainda assim cabe colher a vontade ou o interesse do trabalhador, na medida em que a) por ser contrato, deve-se respeito à sua individualidade como ser humano capaz de quereres próprios; b) à vontade do trabalhador, a própria lei da expressa guarida, conforme art. 468 da CLT.
34 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op. cit. p. 1009-1011.
Imaginemos a situação de empregado que, sendo contratado para determinada função técnica, seja controvertidamente promovido para uma função do alto escalão administrativo. Nessa hipótese, ainda que se possa imaginar plausível aumento salarial, pode ser que o empregado não tenha desejo de exercer tarefa administrativa. Resta, portanto, a pergunta: pode o empregado rejeitar a promoção? Cremos que sim. No íntimo de sua personalidade, de criatura humana, o trabalhador pode ter, sim, o desejo de não ser “promovido” a uma função que não lhe interesse por ser de natureza administrativa, e não técnica como a que tanto o apraz. Mais: pode ser que não tenha o perfil pessoal necessário para o atendimento de exigências próprias de um cargo administrativo, como, por exemplo, a habilidade de gerir pessoas.
Logo, nos parece desnecessariamente paternalista admitir, à olhos fechados, que a alteração seja inadvertidamente considerada lícita sem a verificação do interesse do empregado. Quer por desrespeitar a lógica excepcional das alterações, quer por não dar o devido cumprimento à regra do art. 468 da CLT que não suprime o elemento subjetivo qual seja a vontade do trabalhador.
Concordamos, sim, que se a melhoria na condição do trabalhador pode ser objeto de manejo unilateral do empregador quando atinge elemento não essencial do contrato, ou, fazendo-o, não importe em ônus qualquer para o laborista, como por exemplo um simples aumento salarial ou uma redução de jornada.
Porém, sendo a alteração complexa, de modo a trazer como conseqüência alguma modificação profunda sobre a vida do trabalhador, como por exemplo uma alteração de turno de trabalho, ou do cargo ocupado, por certo a modificação deve contar com sua concordância expressa.
A terceira situação tipo concerne à autorização concedida pelo ordenamento heterônomo para a modificação temporária, excepcional ou emergencial das condições de trabalho.
À teor do art. 61, § 1º da CLT, havendo situação de calamidade ou emergência, revestida, lógica e consequentemente, de caráter transitório, o empregador pode exigir do empregado que preste sobrejornada para a conclusão de serviços inadiáveis, ou por motivos de força maior.
Nesta hipótese, ainda que se faça necessária a modificação das cláusulas de trabalho, como por exemplo o ultrapassar do limite da jornada, isto ocorre em concentração de esforços para impedir prejuízos ou minimizar efeitos de catástrofes.
Xxxxxxx chega a afirmar que “a recusa do empregado em acatar a ordem lançada implicaria absoluta falta de colaboração”35.
Isso porque, ainda que se possa aventar de eventual alteração em prejuízo do trabalhador, ou mesmo havida sem sua aceitação, os fatos emergenciais e transitórios legitimam o interesse do empregador em determinar a modificação, conforme guarida conferida pela Lei.
A quarta situação-tipo que viabiliza a modificação das condições de trabalho unilateralmente pelo empregador é o chamado jus variandi extraordinário. Situações pontualmente previstas pela legislação que permitem ao empregador alterar as condições de trabalho, mesmo que em prejuízo do trabalhador.
35 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op. cit. p. 1010.
São concessões especificamente previstas pela legislação, como por exemplo, parágrafo único do art. 468 da CLT, que trata da reversão do empregado ao cargo efetivo anteriormente ocupado à função de confiança; a readaptação do empregado a função compatível com deficiência mental ou física em decorrência de programa de recuperação previdenciária, art. 461, § 4º da CLT; art. 450 do mesmo diploma, que define a possibilidade de retorno ao cargo efetivo do empregado em substituição temporária de um colega; art. 2º, § 2º da Lei 3.207/57, que permite ao empregador do vendedor a modificação de sua zona de trabalho (desde que sem prejuízo de sua remuneração).
Nestas hipóteses, por atingirem elemento central do contrato, cláusula essencial, há a necessidade de lei própria autorizando expressamente a modificação.
A quinta e última hipótese de situação-tipo autorizadora da modificação do contrato tem relação com a ingerência das cláusulas de convenções e acordos coletivos de trabalho sobre o pacto individual.
Inauguradas normas coletivas que tragam a possibilidade de modificação do contrato unilateralmente pelo empregador, este as pode implementar sem a consulta do empregado, dado que, num raciocínio categorial, a introdução faz parte de um todo sistêmico de negociação coletiva, capaz de gerar benefícios outros para o empregado – é a chamada teoria do conglobamento.
Além disso, a própria ordem normativa heterônoma confere força de legitimidade para que o empregador faça modificações in pejus do empregado quando estas decorrerem de negociação sindical, como por exemplo as previstas
pela Constituição federal, art. 7º, incisos VI (redução salarial) e XIV (aumento do período dos turnos ininterruptos de revezamento).
Por conclusão, excluídas as cinco situações-tipo tratadas anteriormente, descabe o uso do jus variandi pelo empregador.
Por contrapeso desse direito empresarial, a doutrina constrói a teoria do
jus resistentiae.
Se de um lado, cabe ao empregador a possibilidade de modificação das condições de trabalho (em hipóteses específicas) sem a consulta à vontade do laborista, por outro lado, a este cabe opor resistência à arbitrariedade.
Dessa forma, “o dever de obediência do empregado vai até onde vai o contrato”36.
Como bem ensina Délio Maranhão, “a personalidade do empregado não se anula com o contrato de trabalho, razão pela qual lhe é reconhecido certo jus resistentiae, no que respeita às determinações do empregador”37. Desta forma, o trabalhador pode recusar-se ao cumprimento de determinadas ordens sempre que estas se desviem do objeto fundamental que é o labor, ou, quando na sua execução esteja desproporcionalmente exposto a risco de dano físico ou moral, ou ainda quando as determinações forem manifestamente ilegais ou de execução complicada e improvável.
Não por outra razão, a consolidação assegura aos trabalhadores a possibilidade de rescisão motivada de seu contrato de trabalho quando, por
36 SÜSSEKIND, Xxxxxxx, et. al. op. cit. p. 248.
37 Idem. p. 248.
exemplo, “forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato”; ou ainda quando “for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo”; ou mesmo quando “correr perigo manifesto de mal considerável” ou “não cumprir o empregador as obrigações do contrato” – art. 483 da CLT.
Ora, se podem rescindir o contrato motivadamente, por certo podem também objetar a execução de tarefas desta espécie.
Assim, jus variandi e jus resistentiae são verso e anverso do mesmo fundamento do contrato de trabalho – a vontade humana –, e parte importante na inteligência da dinâmica das relações contratuais e suas modificações.
3 ALTERAÇÕES CONTRATUAIS SOBRE A FUNÇÃO E AS TAREFAS DO EMPREGADO
O objeto de observação deste estudo, especificamente, são as alterações contratuais sobre o trabalho do empregado, no elemento mais fundamental de sua prestação de serviços – suas tarefas e sua função.
Nada mais óbvio, portanto, do que iniciarmos traçando os limites doutrinários para os conceitos de função e tarefa.
Quando se forma o pacto laboral, com a contratação do empregado, as partes ajustam que, em troca do salário, o laborista vai desenvolver uma série de tarefas, ou seja, vai se dedicar a uma série de atividades que interessam ao bom andamento do empreendimento do empregador.
Nesse sentido, tarefa é a “atividade laborativa específica, estrita e delimitada”38. Ou seja, a palavra “tarefa” traz consigo idéia de atividade, aplicação de uma capacidade humana à ação produtiva de um objeto ou de um serviço. Neste trabalho utilizaremos como sinônimo do conceito de tarefa a palavra serviço.
Já por função entende-se o “feixe unitário de tarefas”39 e suas correspondentes competências e poderes. Assim, função é o ajuntamento de tarefas que se atribui ao empregado, posicionando-o no quadro administrativo da empresa.
38 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed; São Paulo: LTr, 2008. p. 1012.
39 Idem. p. 1012.
Importante que se entenda que, para a apreensão completa do conceito de função, cabe analisarmos que este possui duas facetas complementares, a primeira delas, que função traz a idéia de alinhavo de tarefas, e a segunda, que para o exercício de determinadas tarefas há que dispor o trabalhador de certa margem de poderes ou competências administrativas, tal que, por exemplo, um gestor de pessoas possa ter a possibilidade de aplicar punições, pois sem isso seria incapaz de exercer legitimamente sua tarefa essencial de gerir.
Neste estudo, utilizaremos como sinônimo do termo função a designação
cargo.
É possível, assim, que um empregado seja contratado para o exercício de uma função que contemple apenas e tão somente uma tarefa. Por exemplo, uma telefonista contratada apenas e tão somente para atender aos telefonemas e anotar os recados.
Contrariamente, em regra as funções admitem uma complexidade de diversas tarefas.
Aliás, nada impede que determinadas tarefas estejam absorvidas por mais uma função dentro do mesmo ambiente empresarial.
Godinho40 cita como exemplo dois cargos distintos podem ter idêntica tarefa de tirar cópias de documentos.
E é justamente aqui que reside a maior parte das celeumas judiciais em razão do exercício de um determinado trabalho.
40 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op cit. p. 1013.
Diversas são as reclamações e conflitos submetidos à Justiça Especializada do Trabalho por empregados que se entendem desrespeitados quanto ao exercício de suas tarefas, pois que diversamente daqueles ajustados, lhes são cobrados serviços outros no cotidiano da empresa.
Isso ocorre em grande parte porque não há a adequada conscientização das partes quanto aos limites adequados dos conceitos de função e tarefas.
Citemos um exemplo prático para ilustrar: imagine-se um jovem trabalhador recém contratado para o exercício das tarefas de a) entregar correspondências e retirá-las nas agências de correio, b) efetuar pagamentos de boletos bancários, contas e demais tarefas de expediente em instituições bancárias, e c) proceder à autenticação de documentos, bem como obter certidões em repartições notariais e cartórios.
Pois bem. Numa ilação breve, podemos imaginar quantos nomes diferentes para este cargo? Office boy, auxiliar de expedição, ajudante ou auxiliar de serviços gerais, entre outros.
Imaginemos, agora, um exemplo inverso: o mesmo jovem é contratado para trabalhar exercendo a função de “ajudante geral”, sem a especificação exaustiva de suas tarefas. Perguntamos, pode-se exigir dele que além das tarefas mencionadas à pouco faça também o serviço de empacotamento de encomendas?
A resposta desta pergunta depende do entendimento de certos fatos que precisam ser analisados casuisticamente.
Segundo Godinho41:
A aferição de uma alteração funcional ocorrida com o obreiro passa pela prévia definição de sua função laborativa no estabelecimento ou na empresa, Somente após efetivamente esclarecida a função contratual do empregado é que se pode avaliar sobre a ocorrência de real modificação na correpondente cláusula de trabalho.
Portanto, a identificação das tarefas que pertinem a cada uma das funções existentes no empreendimento é fundamental para a verificação de eventual desrespeito ou alteração funcional. Em outras palavras, se não somos capazes de saber qual o caminho reto, tampouco o seremos para responder se existem desvios na rota.
E essa identificação passa por uma verificação lógica bastante acurada:
A definição da função obreira na empresa passa pela observância de três regras básicas, a seguir enunciadas. [...]
A primeira de tais regras é a que informa ser o contrato instrumento que traça a configuração funcional do empregado na empresa. Pelo contrato [...] é que se determina o tipo de trabalho, de função a ser exercida pelo obreiro contratado. Isso significa que a estipulação contratual acerca da função (se verdadeira, é claro) pode, sim, prevalecer sobre a qualificação profissional do trabalhador. Inúmeros exemplos retirados do cotidiano trabalhista demonstram a prevalência dessa regra geral: engenheiro contratado como operador de bolsa de valores, economista contratado como vendedor viajante, advogado contratado como gerente bancários, etc. Em todas estas situações figuradas, a função contratual dos obreiros será aquela fixada no contrato e não aquela inerente à sua formação profissional universitária (art. 442, caput, combinado com art. 456, caput, CLT).
41 Idem. p. 1013.
Sendo, portanto, o empregado contratado para o exercício de tarefas especificamente descritas em instrumento próprio, e vinculadas ao cargo que ocupa, por certo não se pode dele exigir que outras faça, salvo no caso de ocorrência de alguma das circunstâncias válidas de jus variandi. Do contrário, as partes estariam se desviando do princípio do pacta sunt servanda, e caberia ao empregado o direito de resistência à ordem patronal.
Observe-se bem, contudo, que para isso é necessário o aclaramento da delimitação das funções e tarefas respectivas, a descrição dos serviços que a cada função se atribui, ou algo que a prática trabalhista convencionou chamar de perfil descritivo de cargo. Alternativamente, o mesmo cenário teríamos diante dos chamados quadro de carreira organizado, ou plano de cargos e salários.
Não havendo a especificação cartesiana das tarefas à função do empregado, teríamos a incidência da segunda dentre as três regras42:
A segunda de tais regras informa, por outro lado, que a prática contratual cotidiana, com a real função exercida pelo obreiro, prevalece, contudo sobre o possível rótulo aposto no respectivo cargo ou possível função originalmente contratada. Ilustrativamente, figure-se a situação envolvente a falsos “diretores” e “gerentes” (que, na verdade, exerçam função inteiramente controlada, ao contrário do previsto no art. 62, CLT, por exemplo); figure-se, também, noutro pólo, a situação envolvente a obreiro contratado originalmente como Office boy e, em seguida, deslocado para função de digitador.
[...] Desse modo, a prática cotidiana do contrato pode, inclusive, alterar, tacitamente (art. 442, caput, CLT), função contratual originalmente pactuada.
Nessa esteira, supletivamente à hipótese da especificação funcional, se as partes não ajustaram estritamente as tarefas do cargo, a prática rotineira do
42 Idem, p. 1014.
contrato é que as irá definir.
Por fim, acaso não haja prova sobre qualquer das duas situações descritas, deve o intérprete valer-se da regra do art. 456, parágrafo único da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)43. Vejamos novamente a lição de Godinho44:
A terceira de tais regras informa, finalmente, que à falta de prova sobre a função exercida (ou pactuada) e inexistindo cláusula contratual expressa a este respeito, “...entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com sua condição pessoal” (parágrafo único do art. 456, CLT). Na interpretação desta última regra, a doutrina e a jurisprudência têm compreendido que a lei pretende valorar a qualificação profissional do obreiro quando menciona sua “condição pessoal”.
Portanto, em resumo, a lógica celetista para a obtenção da função do trabalhador (e das tarefas a que esta o sujeita) parte a) da delimitação dispositivo-contratual; ou, sucessivamente, b) da prática cotidiana; ou ainda, não havendo prova quanto a qualquer destas, c) da qualificação profissional do trabalhador.
Visto isso, teremos estabelecida a função e suas tarefas, e somente deste ponto em diante poderemos entender da ocorrência de eventuais desrespeitos, alterações funcionais e conseqüências.
Cabe-nos, agora, estudá-las caso a caso.
43 Art. 456. [...] Parágrafo único. A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.
44 Ibid. p. 1014-1015.
3.1 Desvio de Função
Como dissemos ao longo do início de nosso estudo, o emprego, sob o prisma da CLT, é um contrato sinalagmático. Ou seja, o contrato de trabalho é uma troca, uma via de mão dupla em que o empregador entrega ao empregado a remuneração como contraprestação pelo trabalho que deste recebe.
Não se pode perder de vista esta característica: o salário contratado remunera apenas e tão somente o trabalho contratado.
José Martins Catharino45 é brilhante na forma de abordar esta questão:
O objeto do contrato de trabalho implica em duas prestações distintas, sucessivas e cruzadas: trabalho pelo empregado, salário, pelo empregador, pouco valendo qual a natureza da primeira prestação, e qual a forma que a segunda se reveste. Os dois elementos nucleares do contrato – trabalho e salário – constituem sua razão de ser.
O empregador obriga-se a dar o trabalho. O empregado assume a obrigação de executá-lo sob a direção daquele. Há comutatividade porquê um contratante compromete-se a fazer aquilo que considera equivalente ao que o outro se obriga a prestar. O esforço pessoal do empregado é relativamente comutado pela percepção do salário.
O elementos comutativo do contrato é representado pela estimativa partidária da reciprocidade proporcional. A equivalência não pode ser absoluta. É relativa por causa da avaliação subjetiva que cada contratante faz da sua prestação, e também pela influência de circunstâncias materiais anti- jurídicas, parcial ou integralmente fora do contrôle puramente contratual.
A comutatividade em foco não se equipara à de outros contratos
45 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Tratado Jurídico do Salário. São Paulo: LTr, 1994. p. 72-73.
porquê nem o trabalho é mercadoria (não resulta de energia impessoal), nem o salário é, conseqüentemente simples prêço na concepção civilista já vencida.
Implicando o trabalho em esfôrço da pessoa tem caráter transcendente. Não podendo ser exatamente medido ou contado, o salário não deve estar sujeito a regras rígidas ou simplesmente privadas. Ambos, por sua natureza, ultrapassam os limites estreitos do contratualismo formal ou teórico, razão porque sua regulamentação legal, além de perseguir uma finalidade social redunda em defeza da comutatividade verdadeira ou objetiva.
Considerando ser o Direito uma ciência essencialmente inexata, sujeita à propulsão das idéias e às contingências econômicas e sociais, não surpreende que o contrato – sua miniatura e reflexo de sua fisionomia – possa suportar os impactos legais exigidos pelo momento histórico.
Se o direito ao salário deriva do contrato de trabalho, a simples falta de determinação do seu valor não constitui motivo bastante para o empregador deixar de pagá-lo. Na verdade não haverá ausência absoluta do elemento comutativo quando os contratantes não fixaram o “quantum” do salário. A equivalência será informe e indeterminada, podendo o prestador do trabalho exigir a determinação judicial da contraprestação para precisar o efeito primordial do contrato subsistente. A fixação supletiva judicial do salário é o meio mais adequado à determinação do elemento quantitativo esquecido.
Exercer trabalho diverso do contratado, em princípio, faz com que o trabalhador tenha direito a remuneração também diversa da contratada, até porque, ele poderia recusar-se à tarefa – jus resistentiae. Contudo, para tanto é essencial a demonstração (preferencialmente documental) da função inicialmente ajustada, e do posterior desvio desta função.
Na maior parte das situações, o que se observa na jurisprudência é o reconhecimento ao direito de percepção das diferenças salariais apenas e tão somente quando o trabalhador esteja submetido a quadro de carreira ou perfil descritivo de cargo. Veja:
TIPO: RECURSO ORDINÁRIO DATA DE JULGAMENTO: 16/11/2010
RELATOR(A): XXXXXX XXXXXX XXXXX XXXXXX XXXXXXXX
REVISOR(A): MERCIA TOMAZINHO ACÓRDÃO Nº: 20101202711
PROCESSO Nº: 01368-2008-046-02-00-7 ANO: 2009, TURMA: 3ª
DATA DE PUBLICAÇÃO: 26/11/2010 PARTES:
RECORRENTE(S):
CIA DESENVOLVIMENTO HABITC URBANO EST SP RECORRIDO(S):
XXXXXXX XXXXXXXX
EMENTA: Diferença salarial. Desvio de função. O preposto reconheceu que a reclamante exercia as funções de analista administrativo financeiro sênior e existe previsão da atividade em quadro de carreira - Plano de Cargos e Salários. Comprovado o desvio de função de forma efetiva, devidas as diferenças.
TIPO: RECURSO ORDINÁRIO
DATA DE JULGAMENTO: 09/11/2010
RELATOR(A): XXXXXX XXXXXX XXXXX XXXXXX XXXXXXXX
REVISOR(A): XXX XXXXX XXXXXXXXX XXXXX XXXXX ACÓRDÃO Nº: 20101173150
PROCESSO Nº: 00395-2009-466-02-00-0 ANO: 2009, TURMA: 3ª
DATA DE PUBLICAÇÃO: 19/11/2010 PARTES:
RECORRENTE(S):
Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxx RECORRIDO(S):
Colgate Palmolive Industria e Comercio Ltda
EMENTA: Diferenças salariais. Desvio de função. A possibilidade de condenação por desvio de função existe na Justiça do Trabalho, desde que haja previsão normativa ou quadro de carreira, além de prova de tal situação descrita na inicial.
Nestes dois exemplos, podemos perceber a lógica da jurisprudência, que se detém da simples inocorrência do quadro de carreira, ou plano de cargos e salários, ou ainda do perfil descritivo de cargos.
Há julgados que, com o respeito que se lhos deve, chegam a afirmar que não há como se apurar a existência do desrespeito funcional:
TIPO: RECURSO ORDINÁRIO DATA DE JULGAMENTO: 09/11/2010
RELATOR(A): XXXXXX XXXXXX XXXXX XXXXXX XXXXXXXX
REVISOR(A): MERCIA TOMAZINHO ACÓRDÃO Nº: 20101172936
PROCESSO Nº: 00213-2009-351-02-00-4 ANO: 2009, TURMA: 3ª
DATA DE PUBLICAÇÃO: 19/11/2010 PARTES:
RECORRENTE(S):
Boainain Indústria e Comercio LTDA Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxx
RECORRIDO(S): Tersel Serviços Temporarios LTDA EMENTA: Desvio de função. Ausência de quadro de carreira. Indevidas diferenças salariais. Se o empregador não possui quadro de carreira, não há como ser demonstrado o desvio de função. Não existe possibilidade de ser apurado que efetivamente o reclamante exerceu atribuições diversas de um cargo em relação aquelas do cargo registrado na CTPS.
Com a devida licença, mas o raciocínio está incompleto!
Pode-se perfeitamente perquirir ao longo da instrução processual da formação acadêmica, da experiência em trabalhos anteriores, das habilidades, enfim da qualificação profissional do obreiro46. Acaso as funções efetivamente exercidas estejam aberrantemente diferentes do habitat profissional do trabalhador, parece-nos viável que se lhe conceda a diferença salarial. Do contrário seria letra morta o art. 456, parágrafo único da CLT.
Há quem pergunte então: pois bem, concede-se a diferença salarial, mas com que base remuneratória? Qual o critério objetivo para o cálculo do salário a ser deferido a esse empregado?
Mais adiante, a CLT dá o parâmetro necessário para a solução desta questão. Constatado o labor em desvio de função – assim claramente entendido o desrespeito ao quadro de carreira e congêneres, bem como a exigência de serviço incompatível com sua condição pessoal – deve este receber salário parônimo, próximo ao de colega de trabalho que exerça na empresa função análoga – art. 46047.
Observe-se da literalidade do art. 460 da CLT que a lei assegura que “na falta de estipulação do salário ou não havendo prova sobre a importância ajustada”, deverá o empregado receber por sua aplicação segundo os critérios ali mencionados. Ou seja, o valor monetário do trabalho é necessário.
A condição da gratuidade do labor não existe, ou pelo menos não é presumível.
A GRATUIDADE NÃO SE PRESUME. [...] É corolário da
liberdade de trabalho a sua presumida onerosidade. Por isto, via de regra, não existe gratuidade propriamente dita e sim onerosidade difusa, “indireta”, mediata ou escondida, o que não exclui, como exceção, em certos casos a existência da gratuidade.48
47 Art. 460 - Na falta de estipulação do salário ou não havendo prova sobre a importância ajustada, o empregado terá direito a perceber salário igual ao daquela que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente ou do que for habitualmente pago para serviço semelhante.
48 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. op. cit. p. 77.
Ao contrário, a própria Constituição Federal atesta o valor econômico do trabalho em respeito “proporcional à extensão e à complexidade do trabalho” – art. 7º, V.
No mesmo sentido da equalização entre complexidade do trabalho e valor, a CLT estabelece dispositivos que permitem ao juiz fixar, seja individual, seja coletivamente, um importe justo para o salário do obreiro.
Individualmente, o já visto artigo 460, que determina que o juiz fixará o valor “igual ao daquela que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente ou do que for habitualmente pago para serviço semelhante”.
Observem os leitores como saltam aos olhos, da análise do artigo, as palavras “serviço equivalente”, “serviço semelhante”.
Já sob o enfoque do direito coletivo do trabalho, o art. 766 da CLT também demonstra a necessidade de respeitar a equalização trabalho-valor. Observe:
Art. 766 - Nos dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas condições que, assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também justa retribuição às empresas interessadas.
De qualquer ângulo que nos debrucemos sobre a matéria, estas idéias- força da legislação estarão sempre presentes: trabalho como valor econômico, comutativo, proporcional à complexidade, justo à recompensar o esforço humano, e capaz de traduzir mais-valia ao empregador.
Ora, se a própria lei estabelece de forma macro que trabalhos de igual valor devem ser remunerados de forma igual, é cartesianamente lógico que trabalhos parônimos devem ser remunerados de forma parecida, e trabalhados diferentes receberão salários diferentes.
Não cabe ao Judiciário simplesmente desprender-se destes primados por apego pobre a uma pretensa segurança do legalismo.
Os juízes possuem ferramentas inúmeras capazes de lhes permitir a equalização de um salário digno e justo pelo trabalho que desempenha o empregado. Podem, por exemplo, determinar a realização de um exame pericial por economista ou matemático, de forma a estabelecer critérios objetivos capazes de mensurar custos de vida, índices inflacionários que corroem a potencialidade monetária do salário, definir a média de valores de mercado praticados em região geoeconômica do local da prestação de serviços, etc.
Xxxxx, não fosse este o raciocínio da consolidação, de nada lhe serviria o artigo o artigo 35849, que fala em “função análoga” entre o trabalhador estrangeiro e o brasileiro. Não se trata de pura e simples equiparação salarial, mas de isonomia como gênero, de princípio de não-discriminação, ou seja, de pessoas que exerçam trabalhos parônimos, análogos.
49 Art. 358 - Nenhuma empresa, ainda que não sujeita à proporcionalidade, poderá pagar a brasileiro que exerça função análoga, a juízo do Ministério do Trabalho, Industria e Comercio, à que é exercida por estrangeiro a seu serviço, salário inferior ao deste, excetuando-se os casos seguintes:
a) quando, nos estabelecimentos que não tenham quadros de empregados organizados em carreira, o brasileiro contar menos de 2 (dois) anos de serviço, e o estrangeiro mais de 2 (dois) anos;
b) quando, mediante aprovação do Ministério do Trabalho, Industria e Comercio, houver quadro organizado em carreira em que seja garantido o acesso por antigüidade;
c) quando o brasileiro for aprendiz, ajudante ou servente, e não o for o estrangeiro;
d) quando a remuneração resultar de maior produção, para os que trabalham à comissão ou por tarefa.
Parágrafo único - Nos casos de falta ou cessação de serviço, a dispensa do empregado estrangeiro deve preceder à de brasileiro que exerça função análoga.
Há, porém, fachos de luz sobre este assunto, ainda, na medida em que a jurisprudência reconhece (esparsamente) a necessidade de equalização salarial. Vejamos alguns julgados à ilustração:
TIPO: RECURSO ORDINÁRIO
DATA DE JULGAMENTO: 19/10/2010 RELATOR(A): XXXXX XXXXXXX XXXXXXXX
REVISOR(A): XXXXX XXXXXXXX XX XXXXXX XXX XX XXXXX
ACÓRDÃO Nº: 20101067490
PROCESSO Nº: 01446-2007-317-02-00-1 ANO: 2009 TURMA:
4ª
DATA DE PUBLICAÇÃO: 05/11/2010 PARTES:
RECORRENTE(S):
XXXXXX XXXXXXX XX XXXXX XX XXXXX RECORRIDO(S):
EMPRESA DE ONIBUS GUARULHOS SA EMENTA:
ACÚMULO DE FUNÇÕES. CABIMENTO DE FIXAÇÃO DE
Sobre o tema, cabe ainda a apreciação da Orientação Jurisprudencial (OJ) 125, da Subseção de Dissídios Individuais - I (SDI-I) do Tribunal Superior do Trabalho:
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial da Subsecção de Dissídios individuais I nº 125 - Desvio de função. Quadro de carreira. (Inserida em 20.04.1998) O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988.
Por conclusão, cremos que o desvio de função deve ser entendido como alteração contratual de conteúdo prejudicial, acaso não seja regularmente acompanhada da manifestação de vontade positiva do empregado, e acrescida da justa contraprestação salarial.
Esta é também a opinião de Délio Maranhão50:
Em face dos termos claros do art. 468 da Consolidação, não podemos acompanhar a opinião dos que, como Xxxxxxxx Xxxxxx, entendem que a inalterabilidade contratual diz respeito apenas ao emprego, e não ao cargo. [...] A determinação qualitativa da obrigação de trabalhar, que traduz uma das “condições de trabalho”, e, com tal, não pode ser unilateralmente modificada, diz respeito não ao emprego, mas ao cargo, uma vez que está ligada à qualificação profissional do empregado.
Cabe ao empregado rechaçá-la, fundado em seu direito de resistência, ou requerer o acertamento de seu salário.
3.2 Situações Excepcionais ou de Emergência
Conforme estudamos no momento específico da apreciação das hipóteses autorizativas do jus variandi, há casos em que a própria lei trabalhista autoriza a modificação das condições de trabalho do prestador, com base em situações excepcionais ou emergenciais.
50 SÜSSEKIND, Xxxxxxx et. al. op. cit. p. 545.
Exemplo típico é a autorização para exigência da sobrejornada em casos de necessidade de conclusão de serviços inadiáveis ou motivo de força maior – art. 61, CLT.
Senso, portanto, alterações, ainda que lesivas, autorizadas expressamente pela legislação de referência, e consequentemente devem ser entendidas como alterações válidas.
Até porque, tratando-se de situações excepcionais ou emergenciais, terão duração por prazo curto, e cessado o motivo, retorna o obreiro a sua rotina normal de trabalho. Assim, alterações desta espécie não põem em risco a saúde do trabalhador ou a estabilidade do contrato.
Concluindo, assim, a “alteração provisória, momentânea, é sempre possível, no caso de emergência”51, na medida em que prepondera aí o dever de colaboração.
3.3 Substituição Temporária
Trata-se de alteração contratual temporária como a anterior, aqui, porém, motivada por fatores previsíveis e comuns da dinâmica empresarial52. É o que se passa, por exemplo em empregados substituindo colegas em períodos de afastamento por questões médicas, ou que estejam fruindo férias ou licença- gestante.
51 SÜSSEKIND, Xxxxxxx et. al. op. cit. p. 545.
52 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed; São Paulo: LTr, 2008. p. 1016.
Cremos tratar-se de alteração contratual lícita, na medida em que se baseia no jus variandi extraordinário, conquanto atinja cláusula fundamental do contrato, porém, calcada em autorização legal expressa.
Regulamenta o art. 450 da CLT que “o empregado chamado a ocupar em comissão, interinamente, ou em substituição eventual ou temporária, cargo diverso do que ocupa na empresa” terá garantido o retorno ao status quo que detinha previamente à modificação.
Mais uma vez, portanto, não sobrevém prejuízo ao empregado, quer pela precariedade da mudança, quer pela certeza de retorno.
3.4 Reversão
Reversão é o retorno do trabalhador que ocupava função em comissão, após o exercício de cargo de gestão.
Trata-se de situação absorvida pela legislação consolidada no parágrafo único do art. 468 da CLT53. Portanto, ainda que prejudicial ao empregado, conserva legalidade expressa, constituindo-se, assim, em verdadeira hipótese de jus variandi extraordinário.
Diferem-se desta situação, contudo, outras duas situações parecidas – retrocessão e rebaixamento54:
Retrocessão, por sua vez, é o retorno ao cargo efetivo anterior, sem se estar ocupando cargo de confiança (retorna-se de um
53 Parágrafo único - Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.
54 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op. cit. p. 1020.
cargo efetivo mais alto para cargo efetivo mais baixo). A retrocessão, sendo alteração funcional francamente lesiva e não autorizada por texto de lei, é tida como ilícita (princípio da inalterabilidade contratual lesiva, arts. 9º, 444 e 468, CLT).
O rebaixamento, por fim, é o retorno, determinado com intuito punitivo, ao cargo efetivo anterior, mais baixo, após estar o obreiro ocupando cargo efetivo mais alto. Evidentemente, pelas mesmas razões da retrocessão (associada à circunstância de que tal penalidade não se encontra prevista no Direito do Trabalho), o rebaixamento é grosseiramente ilícito.
Como regra, a integração dos valores da gratificação paga não é considerada obrigatória pela doutrina, tendo em vista a precariedade com que é paga ao laborista. Em regra, o “Direito do trabalho sempre tendeu a negar a estabilidade ou garantia de emprego a trabalhadores situados em cargos ou funções de efetiva confiança empresarial (ver art. 499 da CLT)”55.
A doutrina entende que, por ser um cargo de estrita e profunda identificação com a direção do empreendimento, não se pode sujeitar o empregador a que, por mínimo que seja o abalo da fidúcia no empregado, mantenha-o no exercício da atribuição.
Contudo, em que pese a possibilidade da alteração unilateral e lesiva, os tribunais sempre buscaram amenizar os efeitos da modificação, ainda que apenas sobre a esfera econômica do trabalhador.
55 Idem. p. 1018.
Observaram os julgadores que, com o passar do tempo, o empregado em comissão, passou a adaptar seu padrão de vida aos valores que ordinária e habitualmente percebia.
Assim, depois de anos de trabalho recebendo a gratificação de função, suprimir o pagamento dos haveres do empregado, com a reversão, era profundamente desprestigioso e prejudicial a retirada da verba.
Por esta razão, os tribunais laborais passaram a conceder a integração das vantagens conquistadas pelo empregado, após a ocupação do cargo por períodos que pouco variavam de 10 anos de labor.
Após a edição e cancelamento da Súmula 209, que repetia o prazo de 10 anos, o TST, em 1996, referendou o critério decenal, que hoje estampa a Súmula 372, I56.
Portanto, a reversão é alteração contratual válida.
3.5 Extinção da Função ou Cargo
Em princípio, a extinção da função ocupada pelo empregado é considerada alteração válida porque está inserida no poder de administração do empregador. Porém, entende a doutrina que não deve haver a “diminuição moral ou patrimonial para o empregado”57, de forma que a função nova a que se há de
I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. (ex-OJ nº 45 - Inserida em 25.11.1996)
57 SÜSSEKIND, Xxxxxxx et. al. op. cit. p. 545.
submeter o trabalhador seja compatível com as tarefas que antes exercia, ainda que não idênticas.
Xxxxxxxx Xxxxxxx fala em “afinidade razoável entre a nova e a velha função”58. Relembre-se o art. 456 da CLT, que fala na compatibilização entre o trabalho e a qualificação profissional do obreiro.
Já Xxxxx Xxxx, citado por Délio Maranhão59, ensina que “a extinção do cargo por parte da empresa deve ser efetiva e determinada pelas exigências do serviço”. Fundamentalmente, ressalta o autor que a alteração desta espécie, por ser exceptiva, deve ser fiscalizada para não ser utilizada como forma velada de alterar a qualidade do empregado.
3.6 Alteração no Quadro de Carreira ou Plano de Cargos e Salários
Da mesma forma que a alteração atinente ao encerramento do cargo ocupado pelo empregado, a movimentação deste dentro do parâmetro objetivo de enquandramento funcional, por iniciativa exclusiva do tomador, em princípio, não é considerado lesivo.
Todavia, para que assim o seja, há a necessidade de se respeitar a equalização das tarefas da função antiga e as próprias da nova função, e o valor do salário pago não pode ser reduzido.
58 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op. cit. p. 1020.
59 SÜSSEKIND, Xxxxxxx et. al. op. cit. p. 545-546.
João de Lima Teixeira Filho60 vai mais além, neste estudo, ao apreciar da alteração do plano de cargos e salários ou mesmo do quadro de carreira com a ingerência da vontade obreira:
Hipótese freqüente é a de implantação ou reformulação de Plano de Cargos e Salários ou, em menor intensidade, de Quadro Organizado de Carreira, ou ainda, de transformação de um no outro. Em tais casos, enseja-se ao empregado oportunidade para transferir-se do antigo regime, residualmente mantido, para o novo, mediante exercício de uma opção individual. O empregado, sopesando as vantagens dos regimes de pessoal da empresa, elegerá um deles, ao qual se submeterá por inteiro, sem a possibilidade jurídica de invocar regra ou mecanismo do Plano para o qual não optou. Desvestir-se de uma situação jurídica para ingressar em outra, ou quedar-se na antiga recusando a nova, não implica alteração contratual ilícita, eis que, no conjunto das concessões, o empregado está elegendo o regime que lhe é mais benéfico. A alteração é bilateral porque já conta com a prévia concordância do empregador, ao ofertar a opção para o empregado.
Ressalta-se que o posicionamento referido pelo doutrinador foi enunciado expressamente pelo Tribunal Superior do Trabalho, à edição da OJ 163 da SDI-I:
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial da Subsecção de Dissídios Individuais I nº 163 - Norma regulamentar. Opção pelo novo regulamento. Art. 468 da CLT e Súmula nº 51. Inaplicáveis. (Inserida em 26.03.1999. Cancelada em decorrência de sua incorporação à nova redação da Súmula nº 51 - Res. 129/2005, DJ 20.04.2005)
Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro.
60 Idem. p. 546.
Concordamos integralmente com este posicionamento, não só porque permite ao empregado a manifestação expressa de vontade, como também porque, desta forma, homenageia-se o princípio da boa-fé entre os contratantes.
3.7 Readaptação Previdenciária
O infortúnio não faz escolhas criteriosas. Por vezes, alcança o trabalhador por meio de um acidente, relacionado com o trabalho ou não; ou ainda por meio de doença ou mal qualquer que atinja sua saúde, que também pode ou não guardar vinculação com o trabalho exercido.
Em casos que tais, por vezes o trabalhador se vê obrigado a se ausentar da empresa para tratamento.
Havendo fundada necessidade médica de que o afastamento supere um período de quinze dias, o empregado (segurado obrigatório da previdência social), receberá benefício previdenciário substitutivo do salário.
Recuperada sua capacidade laborativa, retornará ao trabalho normalmente.
Há, entretanto, infortúnios que, pela gravidade, acabam por gerar conseqüências muito mais sérias do que simples períodos de ausência, acarretando não raro seqüelas graves, amputações e até mesmo a morte do laborista.
A seguridade social, integrando os valores sociais da saúde e da previdência (além da assistência que descabe ao nosso estudo), passa então a assumir as conseqüências da chamada incapacidade laborativa do trabalhador.
Passado o acidente ou a doença, restando seqüelas para o trabalhador, de forma tal que estas inviabilizem parte das tarefas rotineiras do trabalhador, mas não o exercício de outras atividades por parte do empregado, este poderá ser readaptado.
Ou seja, o empregado não poderá voltar a exercer a função a que estava acostumado, porém, as sequelas da doença ou do acidente permitem que ele trabalhe em outras tarefas, compatíveis com a redução de sua capacidade produtiva.
Imagine-se o exemplo do empregado digitador que, perdendo parte da mão esquerda, possa não mais exercer a tarefa antiga, mas retornar como analista de sistemas, ou supervisão de programação. Neste caso, o trabalhador terá a continuidade do trabalho na empresa, porém, em nova função.
Resta a questão: esta alteração, unilateralmente produzida pelo empregador, é válida?
Godinho61 responde que sim:
De fato, considera a lei válida readaptação funcional (para função inferior, inclusive) do obreiro que sofra deficiência física ou mental no curso do contrato, atestada a lesão pelo órgão previdenciário competente, sendo partícipe, ainda, o trabalhador de programa de reabilitação profissional (§ 4º do art. 461, CLT). Relembre-se de que tal empregado não pode servir de paradigma em pleitos de equiparação salarial na correspondente empresa [...].
61 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx. op cit. p. 1021.
De faro, concordamos com tal posicionamento, na medida em que o retorno do empregado ao labor, além de benéfico para sua reinserção social, também observa as prescrições médicas compatíveis com a capacidade de trabalho do empregado, e a revitalização de seu corpo e mente.
Contudo, menos remansosa é a questão relativa à possibilidade de redução do salário do empregado.
Duas correntes doutrinárias debatem o tema. A primeira delas assume a possibilidade se produzir pequena redução salarial, compatível com o cargo ocupado, desde que não haja perda remuneratória real para o obreiro, pois que este estará recebendo benefício previdenciário de forma perene (auxílio acidente).
Délio Maranhão62 cita a portaria 3.046, de 22.02.1972 para justificar que não pode ocorrer de a soma do salário novo com o benefício previdenciário ser inferior ao valor da remuneração que precedia o infortúnio.
A segunda posição insiste no fato de que não pode haver qualquer espécie de redução salarial.
Infunde como argumento que o empregado reabilitado não pode assumir a posição de paradigma de outros empregados com quem passe a laborar em função nova, dada sua condição personalíssima de reabilitado da qual não partilham os demais.
Registram ainda o fato de que o empregado reabilitado dispõe de estabilidade provisória, conforme art. 118 da Lei. 8.213/91, além de legislação
62 SÜSSEKIND, Xxxxxxx et. al. op. cit. p. 545.
específica para a proteção do emprego de deficientes e portadores de necessidades especiais – art. 93 da Lei 8.213/91.
Cremos, que, partindo do prisma da realidade crua, proteção excessiva gera desprestígio fático, ou seja, afirmar a absoluta impossibilidade de redução salarial pode acabar gerando desinteresse na continuidade do labor do acidentado, após o encerramento de seu período de estabilidade.
Porém, a realidade não pode condicionar o pensamento jurídico, até porque um dos fundamentos do Direito do Trabalho é a contínua “melhoria da condição social”63 dos trabalhadores.
Assim, não nos parece juridicamente mais evoluída a posição que entende pelo resguardo pleno do salário do empregado acidentado, em especial pelo fato de que este não poderá ser paradigma de seus pares.
3.8 Promoção
Promoção, em uma análise superficial, é a elevação do empregado estrutura de carreira da empresa. Esta elevação pode ocorrer horizontalmente, na “progressão em graus componentes do mesmo cargo”64, ou verticalmente, galgando novos cargos ou funções compostas por tarefas de maior complexidade técnica ou administrativa com a contrapartida de maiores poderes de decisão e liberdade de atuação.
63 Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 7º, caput.
64 DELGADO. Xxxxxxxx Xxxxxxx. op. cit. p. 1022.
A promoção do empregado é um direito atribuído aos empregados de empresas cuja carreira seja organizada em quadro, permeado por critérios objetivos de evolução funcional.
Assim, respeitado, por exemplo, o critério temporal de dois anos de exercício do cargo de supervisor de uma companhia, terá o empregado o direito à evoluir para o cargo de gerente.
Desrespeitada a evolução objetiva, o trabalhador pode reclamar judicialmente sua promoção não concedida.
Consequência natural do direito à promoção obrigatória é a reflexiva obrigatoriedade de que se reveste a aceitação do novo cargo pelo empregado.
Recusas pontuais podem ser analisadas pelo empregador.
Diversamente, contudo, não havendo o plano de cargos e salários, ou seu congênere quadro de carreira organizado, a promoção passa a ser eivada de critérios subjetivos, e não poderá ser exigida pelo quem quer que seja.
Neste sentido, cremos que não estará sujeito a evolução o empregado que assim não quiser, pois a promoção pode lhe parecer prejudicial, não apenas pelo incremento de novas responsabilidades, como, por vezes, acarretar a modificação do objeto de trabalho, de tarefas e atividades técnicas, para outras de maior incidência administrativa na empresa.
Assim, caso o empregado não tenha interesse em gerir pessoas, preferindo manter-se no setor produtivo, ou no processo de criação intelectual,
por exemplo, entendemos que ele não está obrigado a aceitar a promoção oferecida pelo empregador.
No mesmo sentido, Alice Monteiro de Barros65:
Pergunta-se muito se o empregado poderá recusar a promoção. Embora não seja comum essa situação, filiamo-nos aos que sustentam que sim, mormente quando restar comprovado que ele não tem aptidão para assumir as novas atribuições, por gerar-lhe sacrifícios ou transtornos sem vantagens compensatórias ou por outra justificativa razoável. Caso haja quadro organizado em carreira, a recusa em aceitar a promoção torna-se mais difícil, pois espera-se que, ocorrida a ocorrida a vaga no quadro, seja ela ocupada, e o colega que se encontra na posição imediatamente inferior tenha acesso ao cargo deixado pelo que foi promovido. Ora, a recusa injustificada em acatar a promoção em quadro de carreira poderá impedir a mobilidade do pessoal, em detrimento de colegas.
Assim, por conclusão, cremos que o trabalhador pode, sim, recusar a promoção oferecida pelo empregador, não obstante pareça algo pouco aplicável na realidade cotidiana das empresas, salvo se houver quadro organizado de carreiras.
65 DE XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 800.
CONCLUSÃO
O problema que este trabalho acadêmico procurou, modestamente, solucionar, ou ao menos colaborar em investigação, tem relação com as alterações sobre o contrato de trabalho.
O que são alterações contratuais? Quando podem ocorrer? De que forma se processam no leito da prestação de serviços? E o mais importante, podem ser consideradas válidas sob o império do estado de direito?
Propriamente, quanto ao tema, a angústia que motivou este estudo que ora se encerra, nasceu de uma experiência cotidiana da advocacia trabalhista, que mostra a sensação nítida e clara que acomete muitos empregados.
Tendo eles sido contratados para o exercício de determinados serviços, podem seus respectivos empregadores, à mercê da maré de necessidades do empreendimento, determinar a mudança dos serviços contratados.
Esta determinação tão repetida (inclusive em trabalhos ofertados à administração pública direta e indireta) e questionada nos esteios do judiciário pode ser entendida como válida?
Se porventura contratarmos o trabalho de um pintor, uma empreita que seja, podemos exigir deste pintor que, ao término das demãos, faça a instalação do gesso que recobre e adorna as paredes junto ao teto? Por óbvio que não.
Ora, este raciocínio simples, primário até, é inúmeras vezes desrespeitado no cotidiano dos contrato de emprego.
Logicamente, que, na dinâmica das relações empregatícias, o raciocínio não poderia ser tão simplório, pois a relação de serviços que o empreiteiro mantém com o dono da obra é de longe tão subordinada em comparação com a de emprego mantido entre patrão e empregado.
Qual é, então, o limite do poder empregatício para tomar esta decisão unilateralmente?
A resposta a esta e as outras questões feitas no início deste tópico constituem o mote deste estudo.
Desde o início deste trabalho acadêmico intentamos analisar com vagar as alterações contratuais dadas nas relações empregatícias, em especial com a apreciação das modificações feitas sobre a função do empregado.
Para tanto, iniciamos a empreitada pela investigação da real necessidade de se modificar o contrato.
Pudemos perceber que as modificações do contrato fazem sentido na dinâmica de uma relação móvel, flutuante que é a de trabalho, pois pensada para durar o maior tempo possível.
Apreendemos que o contrato, já na formação, vale-se de interesses e vontades humanas, que como tais, mudam com o passar do tempo, com as intempéries trazidas pelo cotidiano, e sofre de abalos que as partes não desejavam.
Mudanças econômicas, novas realidades de mercado, tecnologias, e atos de governo transformam os fatos subjacentes à relação em coisas diferentes
daquelas que patrão e empregado haviam previsto para o início de seus caminhos.
Enrijecer o contrato de forma que se o tornasse imutável – pacta sunt servanda absoluto – traria inegável segurança para os contratantes, contudo, cobraria preço caro, pois que cada vez que fosse submetido a um desses abalos ou intempéries, o veríamos corroído ou rompido por forças incontroláveis.
Por conseqüências, a lei – inicialmente pelas construções civilistas, e depois pelos aprofundamentos do ramo especializado trabalhista – desenvolveu mecanismos de absorção de impacto, que conferem resiliência ao pacto laboral.
Ou seja, sendo necessário para permitir a continuidade do contrato, as partes podem repactuar as condições de trabalho, formando novas cláusulas, ou modificando as antigas, para permitir que as interferências do cotidiano não impedissem, materialmente, a continuidade da relação de trabalho.
Esta foi a tônica do capítulo primeiro deste trabalho.
Vimos, em seguida, que a forma de realizar estas modificações na esfera trabalhista segue regras e padrões próprios, pois que o próprio contrato de trabalho, diferentemente da maior parte dos contratos civis envolve tempo prolongado, e não a mera mercancia de coisas, mas a vida de pessoas.
Fiz-se, então, detida apreciação do pilar que regulamenta a modificação dos contratos de trabalho na Consolidação das Leis do Trabalho – o artigo 468.
À partir desse dispositivo pudemos perceber que a lei congrega dois critérios específicos para dar validade às alterações contratuais.
O primeiro critério, de ordem subjetiva – a vontade.
Para que a mudança exista de forma válida no mundo jurídico, não basta que seja imposta pelo empregador, com base em seu poder de direção. O empregado deve também com ela concordar, de forma livre e consciente.
O segundo critério, ao contrário, é de ordem objetiva – a ausência de prejuízo.
A alteração deve trazer como consequência a evolução da vida do obreiro em seu trabalho. Comparando os estados de fato que precederam e sucederam a alteração, deve haver uma melhora, um incremento, um avanço para os direitos do trabalhador. Ou, no mínimo, não pode haver deturpação, perda ou involução deste.
Vimos, em seguida, a exceção essas regras. O estudo passou a apreciar de modificações que, mesmo que acarretem perdas para o trabalhador, ou que tenham sido produzidas unilateralmente pelo empregador, são consideradas válidas e eficazes.
Conceituamos e observarmos as situações em que pode haver o chamado jus variandi, ou seja, a modificação das circunstâncias de fato do contrato por vontade e ato unilateral do empregador.
Ato contínuo, como limite do poder de unilateralmente modificar a avença, conferimos que o empregado pode obstar a modificação ampla do ajuste por meio do chamado jus resistentiae.
Este foi o capítulo segundo do trabalho.
Por fim, o estudo avançou sobre o objeto de apreciação específico, as alterações funcionais.
Adentrou o capítulo pelo estudo dos conceitos de função e tarefa. Demonstrou que entre ambas há profundas diferenças, mas que as tarefas são parte fundamental do conceito de função, não obstante com este não se confunda.
Por conseguinte, passou a vislumbrar das hipóteses de alterações funcionais uma a uma.
A primeira delas, e certamente a mais controversa, analisou os meandros do desvio de função.
Foi necessário entendermos, à partir daí, qual é o limite de uma função, como se dá o processo que a define e a delineia.
Retomamos, sucintamente, todo o ideário do capítulo inicial do estudo, para perceber que as partes são livres em estipular as cláusulas do contrato de trabalho. Assim o fazendo, elas podem definir detalhadamente as tarefas do empregado.
Contudo, há casos em que as partes não adentram ao núcleo da função, ou desnaturam-na no decorrer do cotidiano. Assim o fazendo, teremos a efetiva função do empregado com base no princípio da primazia da realidade, de modo que a verdadeira função do trabalhador será aquela para a qual foi contratado,
independentemente da sua formação acadêmica, ou do histórico de trabalho que construiu em outros estabelecimentos.
Por fim, acaso não restem provas suficientes de qual é a verdadeira função do empregado, para a definição da função, deverá haver uma investigação profunda a respeito da qualificação profissional do obreiro, conforme arregimenta a consolidação, artigo 456.
No curso das investigações pode-se ainda identificar diversos julgados que ilustram a tormentosa questão que envolve as alterações funcionais, no bojo do Judiciário.
Vimos que há sentenças, por exemplo, que não reconhecem o direito a diferenças salariais em desvio de função salvo se houver desrespeito ao quadro organizado de carreira.
Concluímos, a par de nosso debruçar sobre a doutrina, a jurisprudência e a legislação propriamente dita, que, sendo um contrato, o de trabalho deve respeito a uma regra de ouro, o princípio da comutatividade.
O pacto laboral é essencialmente uma troca, de uma lado temos a entrega da prestação de serviços por parte do empregado, e de outro temos o pagamento do salário por parte do empregador.
As duas prestações – quão subjetivas que sejam, pois o labor humano não é simples mercadoria e o salário tampouco é um mero preço a ser pago –
devem equivaler-se em peso jurídico para que o trabalhador possa haver de seu salário uma condição de vida digna, justa e equivalente à complexidade do trabalho que desenvolve.
Do mesmo modo, o salário deve ser capaz de permitir que, o pagando, o empregador possa obter de seu funcionário a mais-valia necessária para a ocorrência do lucro que sustenta a continuidade do empreendimento.
Assim, o salário contratado remunera apenas e tão somente o trabalho contratado, de forma que a modificação do trabalho do empregado deve vir acompanhada de um correspondente acréscimo de sua remuneração, na mesma proporção da complexização de suas novas tarefas.
Ocorrendo modificação sobre a função do empregado, deve-se em primeiro lugar perquirir se esta modificação é válida, ou porque conta com a conjunção dos critérios do artigo 468 da CLT – concordância recíproca e com a ausência de prejuízo para o laborista (em especial pela novação salarial) – ou porque decorre de exercício válido do jus variandi.
Preenchidos todos os critérios, pode-se dizer válida a alteração funcional. Na negativa, cabe ao empregado resistir à alteração, ou ajuizar a competente medida judicial para obter o retorno ao seu status quo ante.
A própria Constituição afirma como direito social dos trabalhadores equalização entre o valor do salário e a complexidade do trabalho. À referendá- la, diversas outras normas presentes, em especial, na consolidação mostram o mesmo raciocínio, como por exemplo, o artigo 460 e 766 da CLT.
Diante de todos estes argumentos pontuamos nossa opinião pela defesa da tese de que a comutatividade independe do engessamento formal e legalista de um plano de cargos e salários.
E logicamente, para proteger esta comutatividade, as alterações devem ser sempre interpretadas como exceção. Devem ser vigiadas, verdadeiramente consensuais, e tendentes à efetiva evolução da vida empresarial, mas muito mais severamente na vida do trabalhador.
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