NOTA TÉCNICA Nº 04/2019/CEDC/CFOAB
NOTA TÉCNICA Nº 04/2019/CEDC/CFOAB
Assunto: Proposta de alteração da Resolução 482/2012 da ANEEL
A presente nota técnica objetiva analisar as propostas de alteração da Resolução nº 482/2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, naquilo em que elas contrapõem a legislação consumerista em vigor, viabilizando a atuação do Conselho Federal da OAB junto ao agente regulador ou ao Congresso Nacional.
1. A aplicação do CDC na relação de consumo de energia elétrica
Inicialmente, cumpre referir que é pacífico o entendimento sobre a incidência do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) sobre a relação de consumo de energia elétrica entre concessionárias de serviço público e o usuário, conforme definição do art. 3º, caput, do referido Código. Nessa relação, os bens essenciais - energia elétrica, água, telecomunicações, gás - são objeto de prestação de serviço público1 por pessoa jurídica, pública ou privada, compreendendo, portanto, as concessionárias.
Corrobora-se a aplicação do CDC pela leitura do art. 4º, VII, cuja Política Nacional das Relações de Consumo estabelece a racionalização e melhoria dos serviços públicos (inciso VII) como princípio para atender as necessidades dos consumidores com respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações
1 O conceito de serviço público pode ser assim definido: serviço público é toda a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo. XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de. Curso de Direito Administrativo. 32 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 695.
de consumo (caput). Ainda, o próprio art. 6º assegura que são direitos básicos do consumidor a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral (inciso X).2
O fornecimento de serviços públicos, conforme o art. 175, da CF3, são de titularidade do poder público, e podem ser objeto de prestação pelo próprio poder estatal ou de prestação por particulares mediante concessão ou permissão, após licitação. Tanto no setor que estava em regime de monopólio (energia elétrica) como em regime de concorrência (telefonia), entre outros, a relação contratual estabelecida é de consumo por longa duração4, verificando-se uma dependência, catividade5 ou subordinação do consumidor. A característica de essencialidade do serviço demonstra a vulnerabilidade6 e necessidade de proteção do usuário consumidor.78
2 XXXXXXX, Xxxxx. Curso de Direito do Consumidor. 4 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 171.
3 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx.xxx. Acesso em 05/06/2017.6 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx; MIRAGEM, Xxxxx. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
8 “A regulação do setor elétrico, assim como dos demais serviços públicos, seja em razão das disposições estabelecidas nas legislações específicas, ou mesmo em decorrência da aplicação do art. 22 do CDC, deve zelar pela proteção dos direitos do consumidor, não apenas no que diz respeito às condutas do fornecedor na relação direta, como na formulação e aplicação das normas administrativas de regulação.” XXXXXXX, Xxxxx. A regulação do serviço público de energia elétrica e o direito do consumidor, Revista de Direito do Consumidor, v. 51, p. 68, Jul/2004.
2. A geração distribuída como meio de promoção da geração e consumo sustentável de energia elétrica no Brasil
A micro e mini geração estão inseridas no contexto do denominado mercado cativo regulado, em que o consumidor é obrigado a adquirir energia de determinado fornecedor de energia. Previamente, necessário esclarecer conceitos aplicáveis à micro, mini geração e o sistema de compensação adotado no Brasil.
De acordo com a Resolução Normativa (REN) n. 482/2012, da ANEEL9, os micro geradores são aqueles com potência instalada menor ou igual a 75 quilowatts (kW), e os mini geradores, aqueles cujas centrais geradoras possuem de 75 kW e menor ou igual a 5 megawatts (Art. 2º, I e II, REN n. 482/2012, respectivamente). Sistema de compensação ocorre quando a energia elétrica, gerada por micro ou mini geração, distribuída numa unidade consumidora é cedida à distribuidora local e posteriormente compensada10 (Art. 2º, III, REN n. 482/2012) com o consumo de energia elétrica ativa nessa mesma unidade consumidora, ou outra de mesma titularidade da unidade consumidora dentro da mesma área de concessão onde os créditos foram gerados, desde que possua o mesmo Cadastro de Pessoa Física (CPF) ou Cadastro de pessoa Jurídica (CNPJ) junto ao Ministério da Fazenda, denominado de autoconsumo remoto (art. 2º, VIII, REN n. 482/2012).
Ambas as formas de geração (micro e mini) fazem parte do incentivo à adoção de fontes renováveis, denominado de geração distribuída, inseridas dentro do mercado cativo concedido às distribuidoras, que também acumulam a função de comercialização de energia elétrica ao consumidor em determinado território. Vantagens relevantes emergem desse sistema de pulverização ou descentralização da geração, como o aumento de confiança e eficiência energética, diversificação da matriz energética com redução da dependência das fontes fóssil e hidroelétrica, consumo próximo do local da geração evitando perdas e postergando investimentos no setor de transmissão e distribuição, e
9 ANEEL. REN n. 482/2012. Available at: xxxx://xxx0.xxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxx0000000.xxx. Access on 22 dec. 2017.
10 Limitada ao prazo de 60 meses. ANEEL. REN n. 482/2012. Art. 6º, §1º.
proteção do consumidor pela probabilidade de redução de interrupção do fornecimento.11 Consequentemente, reduzem-se impactos ambientais com melhoria da qualidade de vida além de proporcionar a redução de custos no médio e longo prazo.
A relação entre fornecedor e consumidor de energia elétrica mediante o sistema de geração distribuída torna-se mais complexa “em razão da identificação de duas relações contratuais vinculadas com as mesmas partes e com o mesmo fim econômico, que é o consumo de energia elétrica. Uma questão de fundo que pode ser considerada é a verificação de um fim social e ambiental, que é a promoção da proteção ao meio ambiente12, no sentido de reduzir a extração de recursos para geração de energia, além de deixar de emitir gases que provocam o efeito estufa. Identifica-se, portanto, os elementos trípodes do desenvolvimento sustentável13” 14.
Com um vínculo contratual decorrente de geração distribuída, verifica-se um novo contrato (depósito irregular) dependente do contrato de fornecimento de energia
11 GESEL. Impactos Sistêmicos da Micro e Minigeração Distribuída. TDSE Texto de Discussão do Setor Elétrico, nº 79, janeiro de 2018, Rio de Janeiro. Available at xxxx://xxx.xxxxx.xx.xxxx.xx/xxx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxxxxxx/00_xxxx00.xxx. Access on 19 jan. 2018. pp. 19-20; 25-26.
00 X XX 0000/0000 propõe a alteração do art. 4º, do CDC, incluindo a promoção da produção e consumo sustentáveis, com a seguinte redação: “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida e a proteção do meio ambiente, bem como a transparência e a harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (...) II – (...) e) pelo incentivo a padrões de produção e consumo sustentáveis; (...) IX - promoção de padrões de produção e consumo sustentáveis, de forma a atender às necessidades das atuais gerações, permitindo melhores condições de vida e promovendo o desenvolvimento econômico e a inclusão social, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações futuras.”
13 Vide SCHRIJVER, Xxxx. The Evolution of Sustainable Development in International Law: Inception, Meaning and Status. Collected Courses of the Hague Academy of International Law, The Hague, Xxxxxxxx Xxxxxxx, v. 327, p. 217-412, 2007.
14 Conclusão extraída da tese de doutorado: XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. A proteção do prossumidor na geração distribuída de energia elétrica. Xxxxx Xxxxxx, 0000. 231 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, Xxxxx Xxxxxx, 0000.
elétrica. identificando-se a conexidade contratual.15 Esse cenário torna-se claro quando tão-somente somente subsiste o direito à compensação, sem direito a crédito monetário. Quando o consumidor gera energia, acumulando tanto a função de produção e consumo, ele tem sido denominado de prossumidor.16 Esse conceito tem sido amplamente aplicado pela literatura especializada à geração distribuída de energia elétrica.17 O que se deseja transmitir é que ser prossumidor é ser um consumidor ativo, ou seja, além da passividade no ato de consumo, a atividade emerge como necessária para que o consumidor possa atuar no mercado.1819
15 “O critério da conexidade é útil na medida em que fornece elementos a identificar uma extensão da incidência do CDC ao segundo contrato: relação vertical, relação sucessiva, catividade, dependência unilateral, contaminação, finalidade supra contratual comum e mesmas partes.” XXXXXXX, op. cit., p. 109-110.
16 Prosumer concept was first developed by Xxxxx Xxxxxxx, which it consists of the idea that the producer and the consumer tend to merge into the same subject in the technological age (third wave), reducing the classical dichotomy of the industrial age (second wave) between supplier/producer on the one hand and consumer on the other. The first wave (agrarian) was also marked by the prosumer, since people consumed what they produced. Sobre o tema, ver: XXXXXXX, Xxxxx. The third wave. Bantam Books, 1980.
172. XXXXXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxx, Radical Prosumer Innovations in the Electricity Sector and the Impact on Prosumer Regulation, Sustainability , v. 9, n. 7, 2017.
18 XXXXXXX, op. cit., p. 79 e ss.
19 “(…) today many consumers are playing a more active role in energy markets. These hybrid energy consumers and producers are most accurately described as “prosumers.” (…). However, “prosumer” is more useful as a general term because the modern energy consumers described above do more than generate electricity. They also provide essential grid services, such as storage, regulation, and demand response in both retail and wholesale markets.” XXXXXX, Xxxxxx X., The Energy Prosumer, Ecology Law Quarterly, v. 43, n. 1, p. 519–580, 2017. p. 523-524.
Dessa forma, a conexidade contratual e a manutenção do sujeito como consumidor ativo – prossumidor – configura a extensão da incidência do CDC no caso da geração distribuída de energia elétrica. Não obstante, em 29 de novembro de 2018, foi identificada uma decisão em sede de recurso de apelação (Apelação Cível nº 70076016393)20 proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que pressupõe a aplicação do CDC no caso da geração distribuída de energia elétrica. Apesar da decisão proferida não ter aprofundado o estudo sobre a relação entre os sujeitos e entre os contratos, foi aplicado o art. 22, do CDC. Ficou demonstrado no teor do acórdão que as obrigações da distribuidora na relação de consumo se estendem ao contrato de depósito irregular (também não identificado pelo acórdão), que deve realizar as medições corretas e realizar a compensação, cobrando os valores efetivamente devidos pelo prossumidor.
Essa conclusão permite deduzir que a segunda relação (contrato de depósito irregular) é parte do fornecimento de serviço público essencial, no caso, energia elétrica.
3. A crítica ao sistema atual estabelecido pela REN 482/201221
O sistema de compensação foi uma forma que o governo brasileiro encontrou de fomentar a distribuição da geração, iniciativa essa louvável que introduziu essa nova modalidade no setor elétrico brasileiro. Atualizada pela Resolução Normativa (REN) n. 687/2015, da ANEEL, a REN n. 482/2012 inequivocamente possui as vantagens de: (i) descentralizar a geração, promovendo segurança energética; (ii) de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, sendo, portanto, um incentivo positivo na aplicação do acordo da COP 21, dos objetivos 7 e 12 do desenvolvimento sustentável e das Diretrizes da ONU; e de (iii) aumentar o acesso à energia22 em sistemas interligados (rede), possibilitando, assim, promover a sustentabilidade do desenvolvimento e assegurar liberdades23. Poder consumir energia elétrica pode ser considerada como meio de proporcionar bem estar e,
21 Conclusões extraídas do capítulo de livro: MARQUES, Xxxxxxx Xxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Consumer Law, Sustainable Energy Consumption and Mini- and Microgrid Decentralized Generation in Brazil In: AMARAL; XXXXX; ALMEIDA (Orgs.) Sustainable Consumption The Right to a Healthy Environment.1 ed. Cham: Springer International Publishing, 2020.
22 About energy access in rural or isolated areas (as Amazon), see: XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxx. The energy access in rural or isolated areas in Brazil: a viability review. In: BRANT, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx et al. (Org.). Sustainable development and energy matrix in latin america: the universal clean energy accessibility., 1. ed. Belo Horizonte: Xxxxxx Xxxxxxxx Stiftung/Cedin, 2017, v. 1, p. 353–379.
23 Apenas para aprofundar a questão, o ilustre Nobel de Economia Xxxxxxx Xxx é um expoente do estudo dos critérios que levam a poder identificar se determinada sociedade pode ser considerada desenvolvida, não se baseando somente no critério renda, ou em gráficos econômicos, mas fundamentando sua tese em que o desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente. Sen ressalta cinco tipos de liberdade, consideradas instrumentais, como: (i) liberdades políticas, (ii) facilidades econômicas, (iii) oportunidades sociais, (iv) garantias de transparência e (v) segurança protetora. Esses direitos e oportunidades ajudam a promover a capacidade geral de uma pessoa, e podem se complementar mutuamente. As liberdades instrumentais se inter- relacionam, conectando-se umas às outras, e contribuem com o aumento da liberdade humana em geral. XXX, Xxxxxxx. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 10 e 25.
inclusive, servir de base24 para gerar outras oportunidades socioeconômicas.
Mas o quadro regulatório não foi suficiente para popularizar a implantação do sistema como se tinha projetado.
Mas o quadro regulatório não foi suficiente para popularizar a implantação do sistema como se tinha projetado. A Nota Técnica da ANEEL (NTA) n° 0056/2017- SRD/ANEEL25 revisou as projeções de conexão de mini e microgeração. Em maio de 2017, quando da emissão da NTA, havia 11.780 conexões (10.453 com placas PV). No entanto, a projeção da Aneel de 2015 para o ano 2017 estava em 40.909 conexões, que, revisada para o mesmo ano de 2017, foi projetada para 26.834 conexões.
Mas mesmo a revisão de 2017 foi superestimada. Havia 14.277 conexões em setembro/2017 (14.144 com placas PV) e, em janeiro/2018, o total de conexões era 20.663 (20.498 com placas PV)26. Em junho/2018, havia 30.604 conexões totais à rede, sendo
30.410 por placas PV. Em janeiro/2019, 50.112 conexões totais à rede, sendo 49.817 por placas PV27. Em novembro/2019, 137.208 conexões totais à rede, sendo 136.849 por placas PV28. Um aumento significativo foi possível constatar nos anos de 2018 e 2019, mas abaixo da projeção de 2015 da ANEEL. Apesar de reconhecer a iniciativa positiva
24 XXXXX, Xxxxx X'Xxxxxxxx. O direito de acesso à energia: meio e pré-condição para o exercício do direito ao desenvolvimento e dos direitos humanos. 2009. Tese (Doutorado em Energia) - Energia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Acesso em: 2018- 01-15.
xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/000000/00000000/XxxxxX%X0%X0xxxxx_0000_X ROJE%C3%87%C3%95ES+GD+2017/38cad9ae-71f6-8788-0429-d097409a0ba9.
26 ANEEL. UNIDADES CONSUMIDORAS COM GERAÇÃO DISTRIBUÍDA. Disponível em: xxxx://xxx0.xxxxx.xxx.xx/xxx/xx/XX_Xxxxx.xxx. Acesso em: 11 set. 2017
27 ANEEL. UNIDADES CONSUMIDORAS COM GERAÇÃO DISTRIBUÍDA. Disponível em: xxxx://xxx0.xxxxx.xxx.xx/xxx/xx/XX_Xxxxx.xxx. Acesso em: 12 jun. 2018.28 ANEEL. UNIDADES CONSUMIDORAS COM GERAÇÃO DISTRIBUÍDA. Disponível em: xxxx://xxx0.xxxxx.xxx.xx/xxx/xx/XX_Xxxxx.xxx. Acesso em: 12 jun. 2018.
da geração distribuída no Brasil, os fatos provam a existência de obstáculos a serem enfrentados para aumentar a adoção do sistema.
A atração para o investimento privado necessita de incentivos a fomentar a pulverização da adoção desse tipo descentralizado de geração de energia. Do ponto de vista do consumidor (futuro prossumidor), a própria natureza do sistema (compensação) pode ser considerada um obstáculo em razão de que o retorno do investimento nos equipamentos para geração é de longo prazo, em regra geral entre 05 e 10 anos, dependendo de alguns critérios como custo dos equipamentos, região, incidência solar, radiância, eficiência da placa PV, forma de instalação etc.
Do ponto de vista estritamente financeiro, o sistema de remuneração tende a ser mais atrativo no curto prazo em razão do retorno ser instantâneo ao prossumidor. A subsistência de somente um direito a compensação do consumo futuro tende que apenas o consumidor com capacidade de pagamento e/ou poupança possa adquirir os equipamentos necessários à geração. Ainda, o sistema de compensação não incentiva que o prossumidor invista além do seu consumo médio anual ou quinquenal sob pena de perda da energia gerada para a operadora.
Outro obstáculo é a exigência de que a geração e compensação seja na mesma área de concessão criando uma limitação territorial. Compreende-se que a REN n. 482/2012 foi um marco inicial importante para o segmento, mas sugere-se sua flexibilização à abolição da limitação territorial viabilizando, por exemplo, que a energia
29 Xxxxxx paga ao prossumidor acima do mercado como meio de incentivo à adoção do sistema.
seja gerada em locais mais propícios e consumida em centros urbanos próximos31. Questões relativas ao funcionamento dessa operação teriam que ser discutidas e aperfeiçoadas conforme a evolução do quadro regulatório, mas considera-se viável no sentido de que a energia elétrica é um bem fungível e passível de contratação (como no mercado livre).
Uma limitação é a exigência de consórcio ou cooperativa para a geração compartilhada. Compreende-se que essas modalidades visaram estimular a geração distribuída, mas outras modalidades societárias poderiam ser consideradas. Ainda, acredita-se que a formação de condomínios solares de consumo remoto seria outra alternativa viável.
Por fim, há movimentos desejando a liberdade de escolha32 do consumidor cativo, mediante portabilidade do contrato33, conforme Projeto de Lei da Câmara n. 1917/201534. Conforme o presidente da Abraceel – Associação Brasileira dos
31 About the right to self-generation and right to the sun, see: XXXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXXXXX, Xxx, The right to self-generate as a grid-connected customer, Energy Law Journal, v. 36, p. 305-326, 2015.
32 “(...) a legislação de defesa do consumidor trata a tutela do direito de escolha sob o prisma comportamental, impondo regras que disciplinam a conduta dos fornecedores, principalmente no que tange ao dever de informação, à vedação da publicidade enganosa e à livre escolha do fornecedor. Por seu turno, a política de defesa da concorrência trata o direito de escolha sob a perspectiva estrutural, em que a diversidade de opções é alcançada por intermédio da existência de uma estrutura concorrencial adequada. (...) Nesse contexto, a concorrência desempenha um papel primordial em dois aspectos de suma importância para o bem-estar do consumidor: preço e liberdade de escolha.” XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx. Direito da concorrência e bem-estar do consumidor. Sâo Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 98-99.
33 Viabiliza-se tão-somente a partir da alteração da regulação estatal, conforme REN n. 460/2007 da Anatel, no setor de telecomunicação móvel, em que o consumidor pode manter o seu número ao trocar de operadora. XXXXXXX, op. cit., p. 94-95.
agosto de 1997, 9.427, de 26 de dezembro de 1996, a Medida Provisória n. 2.227, de 4 de setembro de 2001, e dá outras providências". Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxxxxxxxxxxxxxxx?xxXxxxxxxxxxx0000000. Acesso em: 07/01/2019.
Comercializadores de Energia Elétrica – “o consumidor teria uma fatura com dois serviços. Um seria o serviço de fiação, que deveria ser pago à distribuidora atual que já fez a ligação de energia até a residência. O outro seria a própria energia que poderia ser comprada (...)”35. O consumidor poderia alterar de fornecedor num sistema similar ao da portabilidade já implantado no setor de telecomunicação, setor esse também considerado como um monopólio natural baseado em estruturas de rede36. Logicamente, o sistema elétrico deverá ser adaptado para essa possibilidade, o que demandaria longos esforços e período de transição.
Um ponto relevante está na tributação: a incômoda incidência de ICMS e PIS/COFINS sobre o total da energia gerada pelo prossumidor. No entanto, conforme própria sugestão da ANEEL, a tributação deveria incidir apenas sobre a diferença, se positiva, entre os valores finais de consumo e energia excedente injetada (geração). Caso a diferença entre a energia consumida e gerada seja inferior ao consumo mínimo, a base de cálculo dos tributos deveria ser apenas o valor do custo de disponibilidade37 38.
Houve iniciativas para solucionar o impasse. Conforme artigo 8º da Lei Federal
n. 13.169/2015, de 06 de outubro/2015, a alíquota do PIS/COFINS foi reduzida a zero39.
35 BRASIL. Câmara Legislativa. Disponível em: xxxx://xxx0.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxx/XXXXXXX- NOTICIAS/475906-CAMPANHA-DA-ABRACEEL-QUER-INCENTIVAR- CONSUMIDOR-AO-MERCADO-LIVRE-DE-ENERGIA.html. Acesso em: 15 out 2014.
36 Sobre o tema, ver: NESTER, Xxxxxxxxx Xxxxxx. Regulação e Concorrência: compartilhamento de infraestruturas e rede. São Paulo: Dialética, 2006.
37 ANEEL. Micro e minigeração distribuída: sistema de compensação de energia elétrica. Brasília: ANEEL, 2014. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxx/xxxxxxx-xxxxxxxx- microeminigeracao.pdf. Acesso em: 31 out. 2014.
38 Na França, não incide imposto sobre a renda decorrente a energia vendida por pessoa física não profissional, o prossumidor, até a potência de 3kWc. XXXX, Xxxx-Xxxxxxxx. La promotion de l’énergie solaire au plan national. p. 61-128. In: XXXXXXXX, Xxxxx et al. (Org). L’énergie solaire: aspects juridiques. Chambéry: Lextenso Éditions, 2010. p. 88. 39 BRAZIL. Lei Federal n. 13.169/2015. Art. 8º Ficam reduzidas a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS incidentes sobre a energia elétrica ativa fornecida pela distribuidora à unidade consumidora, na quantidade correspondente à soma da energia elétrica ativa injetada na rede de distribuição pela mesma unidade consumidora com os créditos de
Por decisão discricionária dos Estados40 (competentes para exigir o ICMS), houve a adesão ao Convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ n. 16/2015, que autoriza a conceder isenção nas operações internas relativas à circulação de energia elétrica, sujeitas a faturamento sob o Sistema de Compensação de Energia Elétrica de que trata a REN n. 482, de 201241. Uma questão que pode emergir é o conflito entre o §1º da Cláusula Primeira42 do Convênio Confaz n. 16/2015 que limita a aplicação da isenção a sistemas com carga até 1 MW e a própria REN n. 482/2012, que considera o limite de 5 MW.
Ainda, salienta-se que as decisões de reduzir a alíquota do PIS/COFINS a zero e isentar a exigência do ICMS podem ser revertidas a qualquer tempo por decisão governamental, cujo risco é maior na iminência de aumentar a arrecadação em tempos de crise financeira e endividamento. Em razão das poucas conexões de geração distribuída no país, reverter o que está hoje posto seria um retrocesso e não haveria muito impacto nas contas públicas.
energia ativa originados na própria unidade consumidora no mesmo mês, em meses anteriores ou em outra unidade consumidora do mesmo titular, nos termos do Sistema de Compensação de Energia Elétrica para microgeração e minigeração distribuída, conforme regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL.
41 CONFAZ. Convênio n. 16/2015. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxxx/0000/xx000_00. Acesso em: 15 jan. 2018.
42 CONFAZ. Convênio n. 16/2015. § 1º O benefício previsto no caput: (Nova redação dada ao inciso I do § 1º da cláusula primeira pelo Conv. ICMS 130/15, efeitos a partir de 26.11.15.) I - aplica-se somente à compensação de energia elétrica produzida por microgeração e minigeração definidas na referida resolução, cuja potência instalada seja, respectivamente, menor ou igual a 100 kW e superior a 100 kW e menor ou igual a 1 MW; (...).
Os procedimentos instituídos para realizar a conexão são considerados adequados. No entanto, talvez em razão da novidade e da necessidade de adaptação ao novo modelo, os prazos não têm sido cumpridos por algumas concessionárias para instalação dos medidores, ou houve casos de interrupção da compensação, prejudicando o prossumidor.43 Acredita-se que, além da habitualidade e maior popularização na adoção dos sistemas, esses problemas serão sanados a partir de maior fiscalização da própria Agência Reguladora.
Uma questão a ser enfrentada é a dificuldade na compreensão das informações técnicas e complexas pelos consumidores em geral sobre a adoção do sistema, levando à necessidade de contratação privada de pessoal especializado para verificação dos custos dos equipamentos e de instalação, e, se possível, verificar eventuais ofertas de financiamento do sistema. Os custos para adequação do sistema de medição, necessário para implantar o sistema de compensação de energia elétrica, são de responsabilidade do interessado conforme art. 8º da REN n. 482/2012. No sentido de fomentar a geração mais sustentável de energia, o dever de prover informações (art. 6º, III, do CDC) mais precisas de como realizar esta adequação e seus riscos deveriam ser amplamente e melhor divulgados.
A implantação da micro ou minigeração é complexa e depende da astúcia do consumidor em analisar a relação custo/benefício, escolha do tipo da fonte de energia (painéis solares, turbinas eólicas, geradores a biomassa etc.), tecnologia dos equipamentos, porte da unidade consumidora e da central geradora, localização (rural ou urbana), valor da tarifa à qual a unidade consumidora está submetida, condições de pagamento/financiamento do projeto e existência de outras unidades consumidoras que possam usufruir dos créditos do sistema de compensação de energia elétrica44. Trata-se
43 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Audiência Pública da Frente Parlamentar em Defesa da Mini e Microgeração de Energia Distribuída. Audiência proposta e coordenada pelo deputado Xxxx Xxxxx, realizada pela Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, no dia 28 de agosto de 2017.
44 ANEEL. Micro e minigeração distribuída: sistema de compensação de energia elétrica.
de um obstáculo ainda mais relevante diante da vulnerabilidade informacional do consumidor numa sociedade em que a informação cada vez possui maior relevância e capacidade de transformação45.
Uma atualização positiva (da REN n. 482/2012) pela REN n. 687/2015 foi a possibilidade de geração de energia por empreendimentos de múltiplas unidades consumidoras como condomínios, cuja modalidade permite a repartição da energia gerada entre os condôminos em porcentagens definidas pelos próprios consumidores. Outra inovação foi a geração compartilhada, possibilitando que os interessados constituam um consórcio ou cooperativa para instalação de uma micro ou minigeração distribuída no intuito de reduzir as faturas dos consorciados ou cooperados46.
Ressalta-se que a necessidade de expansão da geração distribuída também se mostra necessária do ponto de vista do Sistema Elétrico Nacional (SIN). Ao se gerar energia de forma descentralizada, pode-se considerar a tendência de redução do uso da água dos reservatórios para geração hidroelétrica e de um abatimento de carga no sistema integrado em razão que:
a energia elétrica é consumida no próprio local onde é gerada. Ela evita e desloca a geração de uma fonte que seria despachada para atender a carga caso não houvesse essa geração. (XXXXXXX et al., 2014). A usina que deixará de gerar devido à difusão da geração fotovoltaica distribuída será a com maior custo variável que está sendo despachada, tendo em vista que a geração é definida pela ordem de mérito, como explicado anteriormente47.
nigera%C3%A7%C3%A3o+Distribuida+-+2+edicao/716e8bb2-83b8-48e9-b4c8- a66d7f655161. Acesso em: 30 ago. 2017.
45 MARQUES. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 338 e ss.
46 ANEEL. ANEEL amplia possibilidades para micro e minigeração distribuída. Disponível em:xxxx://xxx0.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxxxx/Xxxxxx_Xxxxxxxx.xxx?Xxxxxxxxxxx0000&x d_area=90>. Acesso em: 29 abr. 2016.
47 GESEL. Impactos Sistêmicos da Micro e Minigeração Distribuída. TDSE Texto de Discussão do Setor Elétrico, nº 79, janeiro de 2018, Rio de Janeiro. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxx.xx.xxxx.xx/xxx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxxxxxx/00_xxxx00.xxx. Acesso em: 19 jan. 2018. p. 12.
O sistema de compensação é positivo no sentido de fomentar uma nova modalidade de geração de energia por fontes renováveis. No entanto, é possível deduzir que há insuficientes incentivos, onerando o consumidor que deseja ser prossumidor. O aumento das conexões nos últimos anos decorre do aumento da tarifa da energia elétrica e da redução dos custos dos equipamentos. Verifica-se que o ambiente regulatório para adotar esse tipo de geração tem evoluído, mas ainda é necessário um aprimoramento para popularizar a modalidade.
4. A proposta de alteração da REN 482/2012 da Xxxxx
A Aneel promoveu a Audiência Pública nº01/2019 com objetivo de aprimorar o texto da REN 482/2012, já alterada pela REN 687/2015. Inclusive, o primeiro subscritor desta Nota Técnica enviou sugestões para viabilizar a pulverização desse tipo de atividade, que fazem parte das considerações deste documento.
Inúmeras notícias48 foram veiculadas informando que a Xxxxx teria a intensão de mitigar o já escasso benefício aos prossumidores, fundado no principal argumento da
48 BRASIL. Câmara Federal. Deputados voltam a criticar intenção da Xxxxx de taxar energia solar. Revisão das regras para consumidores que geram a própria energia está em consulta pública. Agência reguladora vai analisar as críticas a fim de construir uma solução para o setor. Publicada em 30/10/2019. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/000000-xxxxxxxxx-xxxxxx-x-xxxxxxxx-xxxxxxxx-xx- aneel-de-taxar-energia-solar/. Acesso em 19/11/2019.
BRASIL. Agência Senado. Senadores criticam proposta da Xxxxx de taxar geração de energia solar Publicado em: 31/10/2019. Disponível em: xxxxx://xxx00.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/0000/00/00/xxxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxxxxx- da-aneel-para-taxar-geracao-de-energia-solar. Acesso em 19/11/2019.
ANEEL. Revisão das regras de geração distribuída entra em consulta pública. A ANEEL decidiu nesta terça-feira (15), em reunião pública da diretoria, a abertura de consulta pública em continuidade à Audiência Pública nº 1/2019 para receber contribuições. Publicação em: 15/10/2019. Última modificação em: 23/10/2019. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxx-xx-xxxxxxxx-xxxxxxxx/-
/asset_publisher/XGPXSqdMFHrE/content/revisao-das-regras-de-geracao-distribuida- entra-em-consulta-publica/656877. Acesso em 19/11/2019.
necessidade de se eliminar o suposto “subsídio cruzado”; ou seja, numa perspectiva do sistema elétrico, os consumidores que apenas consomem energia elétrica estariam pagando o custo da utilização da rede de distribuição daqueles – prossumidores – que enviam eletricidade à rede, o que causaria o aumento da tarifa no médio e longo prazo. Em síntese, o prossumidor pagaria mais encargos para poder utilizar a rede como armazenamento, exemplificado pela TUSD.
A primeira crítica que emerge é se os critérios que fundamentam essa proposta de cobrança possuem caráter estritamente econômicos-tarifários. Dessa questão, emergem diversas outras preocupações que necessitam ser esclarecidas.
Além das possíveis violações do direito do consumidor citadas nessa nota técnica, cujo sujeito – prossumidor – é o destinatário da norma, cabe questionar se a Agência Reguladora elaborou estudos ou se houve avaliação de outros elementos que impactam a sociedade para decidir sobre aspecto tão pontual, tais como: (i) a função das geradoras e distribuidoras nesse novo cenário; (ii) sustentabilidade da geração e consumo de energia elétrica; (iii) descentralização da geração – consumo local; (iv) redução das perdas com distribuição e transmissão; (v) redução da dependência de termelétricas – redução do uso de gás e óleo com mitigação da emissão de gases de efeito estufa; (vi) postergação do investimento na geração por renováveis; (vii) redução da dependência de hidrelétricas – redução do consumo e possibilidade de outra destinação para a água; (viii) investimentos em desenvolvimento, fabricação e venda de equipamentos pela indústria nacional; (ix) capacitação de pessoal e geração de empregos; (x) multiplicação de negócios, entre outros.
Considerações finais
Essa nota técnica busca prover bases para que a legislação de consumo em tema tão específico seja respeitada, e contribuir para o aperfeiçoamento de temas conexos ao objeto dessa Comissão.
Diante do exposto, além de considerar necessário que a Xxxxx considere as críticas (item 3) e a necessidade de estudos e avaliações sobre os impactos acima referidos
(item 4), seguem abaixo sugestões para o aperfeiçoamento da REN nº 482/2012:
1. Em relação ao sujeito (consumidor-prossumidor):
Ao gerar energia elétrica de forma distribuída, o consumidor torna-se mais ativo. A atividade tornou-se característica subjetiva do consumidor. A produção de energia cumula-se com a função de consumir num contrato que se protrai ao longo do tempo. As funções ou atividades podem ser orientadas pela ampliação da noção de deveres do consumidor, como, por exemplo, o dever de proteger o meio ambiente, de gerar eletricidade, promoção de medidas colaborativas, ações críticas (positivas e negativas), medidas de controle.
Uma tendência identificada está na proposição da “Diretiva do Conselho e Parlamento Europeu sobre regras comuns para o mercado interno de eletricidade COM/2016/0864 final (Winter Package)” estabelece uma definição de cliente ativo no item 6, do artigo 2º, do capítulo I49.
Dessa ideia, o conceito de prossumidor está adstrito ao sentido de que o sujeito pode acumular inúmeras funções, sem limite quantitativo e qualitativo. A atividade do consumidor, portanto, não descaracteriza sua concepção já definida no art. 2º, do CDC, interpretado pela aplicação da teoria do finalismo aprofundado no Brasil. Se o consumidor é o prossumidor com novas funções, o sujeito é o mesmo e esse deve ser protegido pelo CDC, não necessitando da criação de uma nova categoria jurídica. Por fim, corrobora-
49 Chapter I. Article 2. Definitions
6. ‘active customer’ means a customer or a group of jointly acting customers who consume, store or sell electricity generated on their premises, including through aggregators, or participate in demand response or energy efficiency schemes provided that these activities do not constitute their primary commercial or professional activity; (…)
se a proteção ao prossumidor pela aplicação do art. 22, do CDC, cujo fornecimento de serviço público engloba tanto o contrato de consumo como o segundo contrato (depósito irregular - ver última sugestão abaixo).
Sugere-se a utilização do conceito de prossumidor ao se referir ao consumidor que já gera energia elétrica por meio distribuído.
2. Em relação à conexão e à necessidade de informação do consumidor que irá adotar o sistema de compensação:
Os procedimentos previstos para realizar a conexão são considerados adequados. No entanto, talvez em razão da novidade e da necessidade de adaptação ao novo modelo, os prazos não têm sido cumpridos por algumas concessionárias para instalação dos medidores, ou houve casos de interrupção da compensação, prejudicando o prossumidor. Acredita-se que pela habitualidade e pela maior popularização na adoção dos sistemas esses problemas serão sanados mas eventual alteração na REN necessita considerar a imposição de sanções administrativas primando por maior fiscalização para cumprimento mais efetivo dos prazos e determinações.
Uma questão a ser enfrentada é a dificuldade na compreensão das informações técnicas e complexas pelos consumidores em geral sobre a adoção do sistema, levando à necessidade de contratação privada de pessoal especializado para verificação dos custos dos equipamentos e de instalação, e, se possível, verificar eventuais ofertas de financiamento do sistema. Os custos para adequação do sistema de medição, necessário para implantar o sistema de compensação de energia elétrica, são de responsabilidade do interessado conforme art. 8º da REN n. 482/2012. No sentido de fomentar a geração mais sustentável de energia, informações mais precisas de como realizar esta adequação e seus riscos deveriam ser amplamente e melhor divulgados.
A implantação da micro ou mini geração é complexa e depende da astúcia do consumidor em analisar a relação custo/benefício, escolha do tipo da fonte de energia (painéis solares, turbinas eólicas, geradores a biomassa etc.), tecnologia dos equipamentos, porte da unidade consumidora e da central geradora, localização (rural ou urbana), valor da tarifa à qual a unidade consumidora está submetida, condições de pagamento/financiamento do projeto e existência de outras unidades consumidoras que possam usufruir dos créditos do sistema de compensação de energia elétrica. Trata-se de um obstáculo ainda mais relevante diante da vulnerabilidade informacional do consumidor numa sociedade em que a informação cada vez possui maior relevância e capacidade de transformação (MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: XX, 0000. p. 338 e ss.).
Sugere-se a inclusão de texto prevendo que as comercializadoras cumpram determinados requisitos informacionais, conectados com a quantidade e qualidade, bem como custos com a manutenção dos equipamentos no longo prazo.
3. Em relação às alterações regulatórias:
a. No sentido de buscar a pulverização do sistema, sugerem-se adaptações regulatórias e/ou legais necessárias para aperfeiçoar a REN n. 482/2012. Inicialmente, considera-se que a Xxxxx deixou de cumprir o princípio da reserva legal ao limitar o termo de cinco anos para compensação dos créditos, além de não fomentar a função socio-econômico- ambiental do sistema (tripe do desenvolvimento sustentável), corroborado pela fato que os equipamentos duram em média 25 anos e o retorno de investimento 8 anos em média. Dessa forma, sugere-se seja alterada referida disposição retirando esse prazo
limitador.
b. Sugere-se ampliar o rol de possibilidades de constituição de sociedades no caso de geração compartilhada, permitindo a constituição de outros tipos societários além dos já previstos consórcios e cooperativas, como a formação de condomínio solar de forma remota por sociedades limitadas, entre outras; ou seja, o objeto da constituição do condomínio seria a própria geração de eletricidade por fonte solar em local distinto do consumido.
c. Nesse contexto, mesmo sabendo das dificuldades técnicas, sugere-se a flexibilização da possibilidade de compensação da energia gerada em área de concessão distinta da consumida e a concretização da liberdade de escolha do fornecedor pelo consumidor cativo, viabilizando a portabilidade contratual.
d. Na execução do contrato, sugerem-se alterações desde que viáveis sob o ponto de vista do sistema elétrico: (i) em eventual inadimplemento do fornecedor, o crédito de energia poderia ser consumido até interrupção do contrato de consumo; (ii) o crédito do depositante/prossumidor poderia ser utilizado para abatimento de dívida com o fornecedor, como exceção à impossibilidade de venda do bem; (iii) a rastreabilidade da fonte poderia ser considerada no sentido de valorizar e incentivar a geração de eletricidade por fontes renováveis (prevendo uma futura valorização da fonte renovável sob o ponto de vista de incentivo).
e. Sob a perspectiva do Direito Privado, o termo "empréstimo gratuito" utilizado no §1º, do art. 6º, da REN 482/2012, não é tecnicamente correto em razão da fungibilidade do bem (energia elétrica), Ainda, em razão do interesse do prossumidor no envio do excedente à rede, concluiu-se que o tipo contratual mais adequado é depósito irregular. Sugere-se, portanto, a utilização dessa nomenclatura.
Por fim, a previsibilidade e segurança jurídica do prossumidor são elementos que merecem destaque. Um exemplo é a alteração da perspectiva de retorno do investimento dos prossumidores com a eventual oneração proposta. Da mesma forma, aplicar-se-ia sobre o risco relativo ao aumento da alíquota do PIS/COFINS e da revogação da isenção do ICMS pelos Estados. A legítima expectativa e a confiança estar-se-ia no seio das discussões jurídicas.
Brasília-DF, 25 de novembro de 2019.
COMISSÃO ESPECIAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
Redação Técnica:
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Doutor e Mestre em Direito pela UFRGS. Assessor de Gabinete do Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do TCE/RS. Advogado licenciado da OAB/RS.
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Secretária-Adjunta da Comissão Especial de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da OAB
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Atheniense
Secretária-Geral da Comissão Especial de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da OAB
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Vice-Presidente da Comissão Especial de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da OAB
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Presidente da Comissão Especial de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da OAB