PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
XXXXXXXX XXXXXXXXXXXX RIUS
A previsão contratual de aplicação dos métodos extrajudiciais de solução de conflitos no contrato de convivência e pacto antenupcial
São Paulo 2020
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XXXXXXXX XXXXXXXXXXXX RIUS
A previsão contratual de aplicação dos métodos extrajudiciais de solução de conflitos no contrato de convivência e pacto antenupcial
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Civil.
Linha de Pesquisa: Efetividade do Direito Privado e Liberdades Civis
Área de Concentração: Efetividade do Direito Orientador: Prof. Dr. Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx
São Paulo 2020
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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa,
desde que citada a fonte.
Sistemas de Bibliotecas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Ficha Catalográfica com dados fornecidos pelo autor
Rius, Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxxx | |
R615 | A previsão contratual de aplicação dos métodos |
extrajudiciais de solução de conflitos no contrato | |
de convivência e pacto antenupcial / | |
Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxxx Rius. -– São Paulo: [s.n.], | |
2020. | |
117p ; 21 x 29,7 cm. | |
Orientador: Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx. | |
Dissertação (Mestrado)-- Pontifícia Universidade | |
Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós | |
Graduados em Direito. | |
1. Arbitragem. 2. Mediação. 3. Pacto antenupcial. | |
4. Contrato de convivência. I. Xxxxxx, Xxxxxxxxx | |
Xxxx. II. Pontifícia Universidade Católica de São | |
Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito. | |
III. Título. | |
CDD |
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Nome: RIUS, Xxxxxxxx Xxxxxxxxxxxx
Título: A previsão contratual de aplicação dos métodos extrajudiciais de solução de conflitos no contrato de convivência e pacto antenupcial.
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Civil.
Aprovada em: / /
Banca examinadora
Prof. Dr. Instituição: Julgamento:
Prof. Dr. _ Instituição: Julgamento:
Prof. Dr. Instituição: Julgamento:
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AGRADECIMENTOS
Xxxxxxxx a Deus e aos irmãos de luz por todo o suporte, amor, orientação e por guiarem meu caminho.
À Neusa Xxxxx Xxxxxxx, avó que tanto me oportunizou e me ensinou sobre amor, compaixão, fé e tantos outros ensinamentos que não cabem em palavras. À toda minha família: Xxxx, Xxxxxxx, Xxxxxx, Xxxxx, Xxxxxx, Xxxx Xxxxxxx,
Xxxxx, Letícia e Xxxxxxx. À família que me acolheu: Xxxxxxxx, Xxxxxx, Xxxx Xxxxxx e, especialmente, Xxxxxxx – incentivador, parceiro, amor, amigo: às vezes, colo, e outras, bronca.
Ao Professor Doutor Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx por tantas oportunidades e ensinamentos pessoais, acadêmicos e profissionais.
Aos professores que ao longo do mestrado fizeram diferença em minha formação acadêmica: Dr. Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx, Dr. Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Dr. Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx, Dra. Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx, Dra. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx e Dra. Xxxxxxx Xxx Padre Xxxx.
À Banca examinadora.
Aos parceiros de trabalho, em nome de Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, por todo o incentivo, as concessões e a torcida.
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O presente trabalho aborda a previsão dos meios extrajudiciais de solução de conflito no pacto antenupcial e no contrato de convivência, analisando as formalidades exigidas para a elaboração dos contratos, bem como os aspectos e características das formas de resolver litígios além do Poder Judiciário. Demonstra a breve evolução histórica da família e do casamento visando auxiliar o entendimento do tema principal. Analisa os negócios jurídicos elaborados pelos nubentes antes do casamento ou pelos conviventes diante de um relacionamento qualificado como união estável, os quais objetivam primeiramente instituir regras acerca do patrimônio do casal. Conceitua e apresenta a natureza jurídica do pacto antenupcial e contrato de convivência e destaca a importância destes como ferramenta de prevenção de conflitos no âmbito do direito de família, enfatizando, então, sua utilidade social e jurídica. Apresenta as diversas formas de solucionar conflitos e suas principais características. Debate também os elementos essenciais tanto subjetivos e objetivos dos métodos, objetivando apontar a possibilidade de pertinência de aplicação destes com relação às contendas decorrentes do fim do casamento e união estável. Discute a possibilidade de vinculação dos contratantes à cláusula que estipula a solução de futuros litígios à forma específica de solução.
Palavras-chave: MESCs, Arbitragem, Mediação, Pacto antenupcial, Contrato de convivência.
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This work deals with the provision of extrajudicial means of conflict resolution in the prenuptial agreement and in the coexistence contract, analyzing the formalities required for the drafting of contracts, as well as the aspects and characteristics of the ways to resolve disputes beyond the Judiciary. It demonstrates the brief historical evolution of the family and marriage in order to help understand the main theme. It analyzes the legal business developed by the couple before marriage or by the cohabitants in face of a relationship qualified as a stable union, which aims first of all to institute rules about the couple's assets. It concepts and presents the legal nature of the prenuptial agreement and coexistence contract and highlights their importance as a tool for the prevention of conflicts in the scope of family law, emphasizing, then, their social and legal usefulness. It presents the various forms of conflict resolution and its main characteristics. It also discusses the essential elements, both subjective and objective, of the methods, aiming to point out the possibility of pertinence of their application in relation to the disputes arising from the end of marriage and stable union. Discusses the possibility of linking the contractors to the clause that stipulates the solution of future disputes to the specific form of solution.
Keywords: ADR, Arbitration, Mediation, Pre-nuptial agreement, Coexistence contract.
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1 O PACTO ANTENUPCIAL E O CONTRATO DE CONVIVÊNCIA 12
1.4.1 Natureza jurídica, objetivos, características e elementos essenciais 22
1.5 CONTRATO DE CONVIVÊNCIA 33
1.5.1 Conceito, objetivos, características e elementos essenciais 33
1.6 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE OS INSTITUTOS 37
2 OS MÉTODOS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS 40
2.1.1 Conceituação e legislação atual 43
2.1.2 Princípios norteadores da mediação 53
2.2.1 Conceito introdutório, natureza jurídica e características essenciais 55
2.2.2 Legislação atual e princípios fundamentais 66
2.4 DEMAIS MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS 78
2.4.4 Avaliação de terceiro neutro 80
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EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO PACTO ANTENUPCIAL E NO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA 83
3.1 PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS 84
3.2 PRINCÍPIOS AUTORIZADORES 86
3.2.2 Não violação à garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV) 89
3.3.1 Os conflitos decorrentes do fim da convivência marital 99
3.3.2 A previsão da mediação para solucionar os conflitos oriundos do fim do casamento e da união estável e sua utilização 100
3.3.2.1 A mediação como própria para os conflitos causados pela ruptura do vínculo marital 100
3.3.2.2 O vínculo decorrente da cláusula de mediação e a não violação à autonomia da vontade 102
3.3.3 A inserção de cláusula compromissória arbitral no pacto antenupcial e no contrato de convivência e desdobramentos 104
3.3.3.1 O vínculo decorrente da cláusula compromissória e consequente afastamento absoluto do Poder Judiciário 104
3.3 3.2 Barreiras a serem enfrentadas para a utilização da arbitragem 105
3.3.4 Análise quanto à possibilidade de aplicação dos demais métodos extrajudiciais de solução de controvérsias ao pacto antenupcial e contrato de convivência 108
CONCLUSÃO 111
REFERÊNCIAS 113
INTRODUÇÃO
A proposta apresentada por este estudo tem como objeto a aplicação dos métodos extrajudiciais de solução de conflito, em especial a arbitragem e a mediação para os conflitos decorrentes do fim do relacionamento marital, a partir de previsão contida no pacto antenupcial e no contrato de convivência.
Em um primeiro momento, o estudo volta seus olhos aos negócios jurídicos do pacto antenupcial e do contrato de convivência, debruçando-se acerca do histórico e das características principais do casamento e da união estável.
Após, é feita uma exposição sobre o pacto antenupcial e o contrato de convivência, analisando seus conceitos, objetivos, características e elementos principais, bem como as formas exigidas e conteúdos permitidos e vedados. Encerra-se destacando as semelhanças e diferenças entre os institutos.
Neste trabalho, ainda, são abordados os meios de solução de conflitos para além do Poder Judiciário, com destaque para a mediação e a arbitragem e tangenciando brevemente a negociação, conciliação, mini-trial, avaliação de terceiro neutro e dispute board.
Com relação à mediação, debruça-se acerca do conceito a partir da doutrina e da legislação atual (Lei nº 13.140/2015) e os princípios norteadores. Sobre a arbitragem, aborda-se a natureza jurídica, seu conceito e suas características principais.
Nesse momento, adentra-se a um dos objetos centrais deste estudo, qual seja, os aspectos subjetivos e objetivos da mediação e arbitragem, por meio do qual introduz a questão acerca da problemática principal: é cabível a submissão dos conflitos decorrentes do fim da união à mediação e à arbitragem?
Defender-se-á, nesse passo, a possibilidade de vinculação dos contratantes à cláusula contida no pacto antenupcial e contrato de convivência que prevê a solução de eventuais e futuros conflitos à mediação e à arbitragem, o que faz mediante a análise dos pressupostos necessários e princípios autorizadores.
Em seguida, se discorrerá acerca da previsão da mediação para a solução destes conflitos, a natureza própria desse método para os litígios envolvendo partes que possuem relação com o objetivo de reestabelecer uma comunicação
viável e positiva, bem como o vínculo existente entre as partes a partir da eleição da mediação em contrato de convivência ou pacto antenupcial.
Ato contínuo, analisa-se diretamente a possibilidade de se inserir cláusula compromissória arbitral em contratos pré-nupciais ou de convivência, as vantagens e desvantagens de utilização do instituto e as barreiras a serem enfrentadas para a utilização deste método de solução de conflitos.
Por fim, faz breve elucidação acerca da possibilidade de eleger demais métodos extrajudiciais para solucionar os litígios decorrentes do fim da vida a dois.
Objetiva-se, portanto, estudar a viabilidade e a efetivação de serem previstos métodos extrajudiciais para solução de conflitos no pacto antenupcial e contrato de convivência.
Com a problematização que se propõe enfrentar, tem-se como temas centrais o pacto antenupcial, contrato de convivência e a mediação e arbitragem, adotando as normas como premissas fundamentais para o desenvolvimento deste estudo.
1 O PACTO ANTENUPCIAL E O CONTRATO DE CONVIVÊNCIA
A família e o casamento são, decerto, as instituições mais primitivas e resistentes às atualizações da sociedade. Apesar de sofrerem alterações constantes, estas instituições se mantêm até hoje como uma das bases da sociedade.
De todas as instituições criadas pelo espírito humano, a família e o casamento foram as únicas que resistiram, de forma contínua e indestrutível, à marcha inexorável da humanidade (LEITE, 1991, p. 3).
O segmento homem-mulher-prole sempre existiu, ainda que não tivesse o título de casamento e de família ao conjunto de seres.
A legislação pátria se preocupou ao longo do tempo em conceituar e proteger a família.
Em um breve histórico legislativo, a proteção à família foi constitucionalizada através da Constituição de 1934, a qual, em seu artigo 144, previa que a família era constituída pelo casamento indissolúvel. A Constituição dos Estados Unidos do Brasil subsequente, de 1937, continha apenas um artigo destinado à família, o qual dispunha que:
Art 124 - A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção dos seus encargos (BRASIL, 1937).
A Constituição Federal de 1946, em seu artigo 163, caput, repetia a previsão quanto à constituição da família ser através do casamento, cujo vínculo era indissolúvel. No mesmo sentido, tem-se a Constituição Federal de 1967.
Apenas a Constituição Cidadã, de 1988, desvencilhou a família do casamento, reconhecendo como entidade familiar a união estável e a família monoparental:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (BRASIL, 1988).
No âmbito infraconstitucional a posição não era diferente. No Código Civil de 1916, por lógica influência constitucional, apenas a família formada pelo casamento era reconhecida e protegida, sendo tudo o que fosse além do casamento tido como concubinato.
A palavra concubinato no passado era utilizada como sinônimo de união estável; contudo, desde o advento do artigo 1.727 do Código Civil, apenas identifica uma relação adulterina, e que refoge ao modelo de união estável, o qual só admite envolvimento afetivo quando for apto a gerar efeitos jurídicos, podendo a pessoa ser casada, mas devendo estar separada de fato, separada legalmente ou divorciada.
O mesmo raciocínio pode ser focalizado em uma união estável e paralelamente existir um segundo relacionamento, ou seja, duas relações estáveis plúrimas e simultâneas.
Concubinato é uma união impura, representando uma ligação constante, duradoura e não eventual, na qual os partícipes guardam um impedimento para o matrimônio, por serem casados, ou pelo menos um deles mantém íntegra a vida conjugal e continua vivendo com seu cônjuge, enquanto ao mesmo tempo mantém um outro relacionamento, este de adultério, ou de amasiamento (MADALENO, 2020).
O Supremo Tribunal Federal, através de sua Súmula 380, publicada em 12 de maio de 1964, introduziu o conceito de “sociedade de fato”, há muito já praticado, que possibilitou a comprovação da existência de sociedade de fato entre concubinos para posterior dissolução judicial desta e partilha de patrimônio. A súmula foi redigida da seguinte forma: "Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum".
Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx ensina o seguinte a respeito da necessidade de se reconhecer a existência das sociedades de fato:
Uma vez que a vida concubinária resulte na formação de um patrimônio em comum, mas sem previsão legal a respeito da titularidade dos bens, quando registrados em nome de apenas um dos concubinos, cunhou- se a expressão sociedade de fato para fundamentar a necessária divisão daqueles bens adquiridos durante a convivência. Sua origem repousa na conceituação jurídica de sociedade, extraída do art. 363 e ss. do código civil de 1916, por não comportar enquadramento na definição legal de família, que antes da constituição federal de 1988, era restrita à união formalizada pelo casamento, nos termos do art. 229 do mesmo código (OLIVEIRA, 2003, p. 77).
Com o advento da Constituição Federal de 1988 e a previsão contida em seu artigo 226, parágrafo terceiro, surge a necessidade de disciplinar os direitos dos companheiros. Em 1994 foi promulgada a Lei nº 8.971/1994 para tanto.
Restou definida como união estável o relacionamento que perdurasse por mais de cinco anos ou que dele tenha resultado filhos entre companheira de “homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo” ou “companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva”.
Ao companheiro ou companheira restaram garantidos os direitos previstos na Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/1968) e o direito à sucessão, este último regulamentado pelos seguintes incisos:
Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições: I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns; II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.
Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.
Dois anos após foi publicada a Lei 9.278/1996, para regulamentar o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, conceituando a união estável na forma como dispõe o Código Civil vigente: "É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família".
Com o advento da referida lei, restaram previstos direitos e deveres dos conviventes, e, como inovação, prevista como regra geral a comunicação dos bens onerosamente adquiridos na constância do relacionamento estável. Foram regulamentadas também as hipóteses de dissolução de união estável por “rescisão” ou por falecimento de um dos conviventes.
Por sua vez, o Código Civil de 2002, sancionado já sob a égide da Constituição Cidadã, diferenciou a união estável do concubinato. Enquanto a expressão “concubinato” passou a referir-se às relações não eventuais entre homem e mulher impedidos de casar-se, a união estável passou a ser
considerada como a entidade familiar existente entre homem e mulher que se configura a partir da convivência pública, de forma contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, conforme os artigos 1.723 e 1.727 da Lei Civil.
Quanto às regras de sucessão, a legislação regulamentou em seu artigo 1.790 que o companheiro supérstite participa da sucessão do falecido apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, pontuando condições, quais sejam:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe- á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Recentemente, o Superior Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694, de Relatoria do Ministro Xxxxxxx Xxxxxxx, e em sede de repercussão geral, determinou que a previsão contida no artigo 1.790 do Código Civil é discriminatória e contrasta com os princípios da igualdade e dignidade humana ao desequiparar para fins sucessórios duas entidades familiares: o casamento e união estável.
Quanto à dissolução de união estável, a Lei Civil vigente faz previsões esparsas, garantido o direito aos companheiros a separação de corpos, resguardando o direito ao convívio com os filhos, bem como ao exercício do poder familiar. No entanto, a simplicidade das previsões é notadamente diversa da extensão do Código Civil sobre a dissolução do vínculo conjugal.
O casamento como instituição está presente na sociedade desde os tempos mais remotos, associado por muito tempo à jurisdição da Igreja Católica.
Conceituando o instituto casamento, Xxxx Xxxxx Xxxx ensina que:
Casamento civil é negócio jurídico bilateral, consensual e solene, pelo qual duas pessoas, homem e mulher (segundo a versão legal; ou duas
pessoas que podem ser do mesmo sexo, segundo interpretação do CNJ, para a versão de decisão do STF), adotam, perante oficial público que o celebra, o regime civil, institucional, monogâmico, oficial e típico de paridade e de segurança jurídica para proteção futura de sua legítima expectativa existencial (humana e transcendental) de gerar uma nova família e, com isso, preparar espaço para o nascimento de novas vidas humanas.
É o instituto jurídico preparado para dar segurança a essa experiência extraordinária de vida (NERY, 2015).
Xxxxx Xxxx conceitua casamento como "ato jurídico negocial, solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem família por livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado" (LÔBO, 2008, p. 47).
O artigo 1.511 do Código Civil estabelece que “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres do cônjuge”.
A natureza jurídica do casamento e as três correntes doutrinárias que a permeiam foram tratadas no artigo “A responsabilidade civil entre cônjuges e companheiros”, de própria autoria:
A natureza jurídica do casamento é discutida na doutrina por três correntes: a contratual, a institucional e a mista.
Para a corrente que tem a natureza jurídica do casamento como contratual, o casamento seria um contrato, pois imprescindível a manifestação de vontade dos nubentes para que o ato seja celebrado. A atuação do Estado é apenas para intervir como “proclamatório”.
Como crítica a esta corrente, a doutrina pontua que o casamento não se desfaz por mera manifestação de vontade dos cônjuges, havendo obrigatoriamente intervenção do Poder Público para referendar a vontade do ex-casal e terminar com a validade jurídica do matrimônio, e se este fosse um contrato, a vontade das partes seria suficiente.
Parte da doutrina que defende a natureza institucional do casamento, o considera uma “instituição social” com caracteres próprios e que nasce de um ato jurídico, justamente pela necessidade da intervenção do Poder Público para a celebração – quando a manifestação de vontade resulta na inexistência do ato jurídico – e para ser desfeito, sendo a vontade das partes um primeiro requisito, mas não essencial para o término. A feição institucional também estaria justificada porque imperaram no casamento normas de ordem pública, a impor deveres e a reconhecer direitos aos seus membros, o que limita a autonomia privada.
Por sua vez, para a teoria mista ou eclética, o casamento é um negócio jurídico em sua formação e celebração e verdadeira instituição quanto aos efeitos jurídicos, sendo um contrato especial, sui generis, pois regido com normas cogentes, regras estritas, iniludíveis por acordo
recíproco, assim como seus efeitos. Para esta corrente, o casamento une elemento volitivo ao institucional (RIUS, 2020, p. 508-509).
Como visto, o casamento por muito tempo era tido como indissolúvel. O Código Civil de 1916 previa o desquite como única forma de dissolução de sociedade conjugal. Sua aplicação estava condicionada à configuração de hipóteses clausuladas, e que tinha como efeitos apenas o fim do regime matrimonial de bens e deveres de coabitação e fidelidade recíprocas, não sendo possível aos desquitados contrair novas núpcias.
Pragmaticamente, a impossibilidade de regularizar a situação de casais que desejavam encerrar a união conjugal por motivos não previstos como causa de desquite e o impedimento para contrair novo casamento fizeram com que a sociedade se desenvolvesse além do legislado e formasse núcleos familiares sem o casamento, dando início ao que recentemente – a partir da Constituição Federal de 1988 – veio a ser conhecido como união estável.
A união estável ou união livre sempre foi reconhecida como um fato jurídico, seja no Direito Comparado, seja entre nós. Por certo é que hoje, a união estável assume um papel relevante como entidade familiar na sociedade brasileira, eis que muitas pessoas, principalmente das últimas gerações, têm preferido essa forma de união em detrimento do casamento.
Na verdade, em um passado não tão remoto o que se via era a união estável como alternativa para casais que estavam separados de fato e que não poderiam se casar, eis que não se admitia no Brasil o divórcio como forma de dissolução definitiva do vínculo matrimonial. Hoje, tal situação vem sendo substituída paulatinamente pela escolha dessa entidade familiar por muitos casais na contemporaneidade. Em suma, no passado, a união estável era constituída, em regra, por falta de opção. Hoje, muitas vezes, por clara opção.
No caso do Brasil, a primeira norma a tratar do assunto foi o Decreto- lei 7.036/1944, que reconheceu a companheira como beneficiária da indenização no caso de acidente de trabalho de que foi vítima o companheiro, lei que ainda é aplicada na prática.
Posteriormente, a jurisprudência passou a reconhecer direitos aos conviventes, tratados, antes da Constituição Federal de 1988, como concubinos (TARTUCE, 2018, p. 331).
A união estável nada mais é do que uma sociedade afetiva de fato e tem como requisitos para sua configuração: a inexistência de impedimento matrimonial, a vida em comum, notoriedade, convivência more uxorio e affectio maritalis.
Para Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx a união estável é:
a relação afetivo-amorosa entre duas pessoas, não adulterina e não incestuosa, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, constituindo família sem vínculo do casamento civil (XXXXXXX, 2012, p. 47).
Conforme as lições de Xxxxxxxx xx Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxx:
Conviver, do latim cum vivere, viver com, significa manter vida em comum, como decorrência da união que se estabelece entre pessoas interessadas na realização de um projeto de vida a dois. Importa comunhão de vida, situação símile ao de pessoas casadas. Também se amolda a convivência ao conceito de companhia, que deriva do latim cum panis, isto é, que partilha do mesmo pão servido na mesa comum. Em maior extensão, compreende-se a convivência como situação de uso da mesma cama e mesa, em vista da coabitação que lhe é imanente (XXXXXXXX; AMORIM, 2018, p. 120).
A natureza jurídica da união estável e as correntes doutrinárias que a permeiam foram tratadas no artigo “A responsabilidade civil entre cônjuges e companheiros”, de autoria própria:
Para definir a natureza jurídica do instituto a doutrina se posiciona em duas correntes: a contratual, que entende bastar o elemento da vontade dos envolvidos para existir a união estável, e a de ser fato jurídico em sentido estrito.
Os doutrinadores que entendem ter a união estável natureza jurídica de fato jurídico em sentido estrito expõe que se trata de um fato que possui consequências no mundo jurídico, não sendo um contrato, pois não se exige formalização de qualquer ajuste prévio, apenas acontece. Até porque, impossível a instituição de união estável por cláusula contratual, sendo que os efeitos só se projetam se o fato jurídico se realizar – se a união estável realmente existir e preencher os requisitos legais (RIUS, 2020, p. 510).
Tanto o casamento quanto a união estável têm seu aspecto patrimonial, sendo este regulamentado pelo regime de bens escolhido pelo casal.
Xxxx Xxxxx Xxxxxx afirma que o regime de bens envolve “o governo dos bens pretéritos, dos presentes e dos futuros, o objeto material do casamento e sua dinâmica” (FACHIN, 2003, p. 181).
Xxxxxx Xxxxxxx sintetiza:
O regime matrimonial de bens pode ser conceituado como sendo o conjunto de regras relacionadas com interesses patrimoniais ou econômicos resultantes da entidade familiar, sendo as suas normas, em regra, de ordem privada (TARTUCE, 2018, p. 131).
Xxxx Xxxx ensina que:
O regime de bens do casamento tem essa função primordial: o patrimônio da família está a serviço da vida, da subsistência da prole, da sobrevivência da família. Por isso, pode ser defendido pelos membros da família, por todos os meios, contra investidas ruinosas de cônjuges e companheiros ou de terceiros, que ameacem a segurança e a subsistência do núcleo familiar. O sequestro de bens, muitas vezes, é providência necessária contra a administração ruinosa do patrimônio da família (CPC/1973 822 III, ou, no novo regime de processo civil, CPC 301), de forma a autorizar uma medida cautelar de urgência, para assegurar direito do cônjuge que se sente em risco (NERY, 2015).
Para Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, o regime de bens "compreende uma das consequências jurídicas do casamento". O autor afirma que:
Nessas relações, devem ser estabelecidas as formas de contribuição do marido e da mulher para o lar, a titularidade e administração dos bens comuns e particulares e em que medida esses bens respondem por obrigações perante terceiros (VENOSA, 2018, p. 368).
O regime de bens determina a relação patrimonial entre o casal e deste para com terceiros, além de tratar da administração do patrimônio comum e dos efeitos post mortem ou em eventual dissolução do vínculo conjugal.
Associado ao casamento, o regime de bens passa a ser eficaz no momento da celebração do casamento civil ou religioso com efeitos civis (artigo 1.639 do Código Civil).
No entanto, conforme será objeto de estudo em tópico próprio, para a união estável o regime de bens é eficaz a partir do momento da constituição do fato jurídico de se ter relacionamento com convivência pública, contínua e duradoura, e com objetivo de constituir família. A partir da existência destes requisitos em relacionamento amoroso, há incidência do regime de bens.
Os regimes de bens podem ser classificados quanto à sua origem como convencionais ou legais. Se sua escolha emanar da vontade dos cônjuges, o regime de bens será convencional. Por sua vez, se emanar da lei, é classificado como legal.
Os regimes de bens, ainda, podem ser supletivos ou obrigatórios.
Os supletivos são aqueles determinados por lei para incidirem quando os nubentes ou companheiros silenciam a respeito da escolha do regime de bens ou quando nulo o pacto antenupcial por eles elaborado.
Por sua vez, os regimes de bens legais são obrigatórios quando se destinam a situações extraordinárias em que ao casal não é facultada a escolha do regramento que desejam. Para o legislador, a importância do regime legal obrigatório – como o caso da adoção de regime de separação de bens para os maiores de setenta anos – é prevenir e proteger o patrimônio, sendo que outro regime de bens poderia prejudicar um dos cônjuges ou terceiros.
O ordenamento jurídico disponibiliza aos casais quatro regimes de bens: o da comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação de bens e participação final nos aquestos.
O regime da comunhão parcial de bens é automático caso não haja a eleição de outro pelo casal, sendo este o regime de bem supletivo por disposição legal (artigo 1.640 do Código Civil).
Neste regime de bem comunicam-se ao casal os bens que forem adquiridos onerosamente na constância do relacionamento (artigo 1.658 do Código Civil), considerados como particulares e incomunicáveis aqueles adquiridos a título gratuito, os sub-rogados aos exclusivos, bem como os proventos, bens de uso pessoal e profissional, dentre outros (artigos 1.659 e 1.661 do Código Civil).
As dívidas são partilháveis caso tenham sido contraídas na constância do casamento e em favor da família.
A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges, necessitando da anuência do casal para atos que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns a título gratuito (artigo 1.663, § 2º do Código Civil).
No regime da comunhão universal, o casal opta pela regra de que todos os bens pertencentes a cada um, sendo futuros ou presentes, adquiridos antes ou durante o relacionamento, através de sub-rogação ou herança, se comunicam igualmente entre eles, excluídos apenas os descritos nos incisos do artigo 1.668 do Código Civil:
Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659 (BRASIL, 2002).
Por sua vez, no regime da comunhão universal de bens, a administração do patrimônio do casal compete a qualquer dos cônjuges.
No caso de optarem pelo regime da separação de bens para reger o casamento ou a união estável, cada um terá a administração exclusiva dos bens que possui, podendo gravar de ônus real ou alienar livremente. Tanto os bens presentes quanto os futuros são incomunicáveis, sendo as dívidas pertencentes a quem as contraiu, independentemente de terem sido revertidas em prol da família.
Em algumas situações o regime da separação de bens é obrigatório, como para os nubentes que contraírem o casamento sem observar as causas suspensivas de celebração, quando um dos cônjuges ou companheiros for pessoa maior de 70 anos e se for necessário suprimento judicial para se casar (artigo 1.641 do Código Civil).
O regime de participação final dos aquestos é regulamentado pelos artigos 1.672 a 1.686 do Código Civil, que assim o conceitua:
No regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos
bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento (BRASIL, 2002).
Neste regime de bens, não são comunicáveis os bens que cada um do casal possuía até o momento do casamento ou do início da união estável, e nem mesmo os adquiridos por cada um na constância do relacionamento.
Diante de eventual dissolução, são apurados os bens adquiridos a título oneroso pelo casal para meação. Excluídos da apuração os patrimônios próprios de cada cônjuge, que são os bens anteriores ao casamento ou união estável e os que se sub-rogaram, os recebidos por sucessão ou liberalidade, bem como as dívidas relativas a estes bens (artigo 1.764 do Código Civil).
Caso os nubentes ou companheiros desejem escolher regime de bens diverso do determinado por lei como supletivo – qual seja, o da comunhão parcial de bens – estes devem elaborar pacto antenupcial no caso de casamento ou contrato de convivência se tratar-se de união estável.
Considerando tratar-se o pacto antenupcial de contrato elaborado previamente ao casamento pelos nubentes, com o primeiro intuito de regulamentar questão patrimonial, abordam-se os seguintes itens acerca de seus conceitos, objetivos principais, características e elementos essenciais, assim como a forma exigida para sua validade.
Debruça-se, ademais, acerca de seu conteúdo – quais são as previsões possíveis e que serão consideradas válidas perante o ordenamento jurídico, com o objetivo de posteriormente analisar a possiblidade de constar desse negócio jurídico cláusula de eleição de meio de solução de conflito.
1.4.1 Natureza jurídica, objetivos, características e elementos essenciais
O pacto antenupcial tem a natureza jurídica de negócio jurídico, estando sujeito, tal como o contrato de convivência, às regras previstas no artigo 104 do Código Civil, exigindo para que seja existente e válido: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.
A forma é prescrita pelo parágrafo único dos artigos 1.640 e 1.653 do Código Civil: escritura pública, que deve ser registrada no cartório de registro de imóveis pertinente ao domicílio dos cônjuges (artigo 1.657 do mesmo diploma geral). Além disso, devem ser respeitadas as determinações específicas trazidas pelo Código Civil em seus artigos 1.653 a 1.657.
A eficácia do negócio jurídico está condicionada à celebração do casamento.
Característica essencial do pacto antenupcial é o caráter volitivo, devendo haver a livre manifestação de vontade dos nubentes, isenta de vícios, sob pena de ser invalidado.
Quanto à capacidade exigida deve-se observar a idade núbil – considerada aquela em que a pessoa pode contrair núpcias e disposta no artigo
1.517 do Código Civil, que atualmente é de dezesseis anos. Após a promulgação da Lei 13.811/2019, o casamento de pessoas que não atingiram a idade núbil é proibido, sendo que anteriormente existia a possibilidade de solicitar autorização judicial para tanto.
Tendo em vista ser requisito de eficácia para o pacto antenupcial contrair efetivamente o casamento, a capacidade para o pacto antenupcial é semelhante à exigida para o casamento, devendo ser verificada a capacidade de fato, disposta no artigo 5º do Código Civil brasileiro, bem como a idade núbil determinada pela legislação.
Nas palavras de Pontes de Miranda: “São capazes para os pactos antenupciais todas as pessoas que podem contrair matrimônio” (XXXXXXX, 2001, p. 186).
Os relativamente capazes, quais sejam menores de dezoito anos e maiores de dezesseis, devem ser assistidos e autorizados por seus responsáveis legais tanto para o casamento quanto para a elaboração de pacto antenupcial, conforme o artigo 1.654 do Código Civil (XXXXXXX, p. 115).
Importante frisar que o casamento é causa de cessação da incapacidade civil de fato, conforme dispõe o artigo 5º, parágrafo único, inciso I do Código Civil. Idêntica situação ocorre a partir da emancipação do menor, ocasião na qual este fica apto para os atos da vida civil, incluindo o casamento e a elaboração de pacto antenupcial.
Também é necessário analisar a situação da pessoa com deficiência e a incapacidade relativa trazida pelo Estatuto (Lei 13.146/2015). A incapacidade da pessoa com deficiência é relativa a certos atos ou à maneira de exercê-los, como preconiza o artigo 4º do Código Civil.
Sobre o casamento, a Lei 13.146/2015 determina em seu artigo 6º, inciso I, que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa para casar-se. Se a pessoa com deficiência tem capacidade civil para o casamento, esta pode realizar o pacto antenupcial.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx afirma e destaca a possibilidade de o casamento e, portanto, também o pacto antenupcial, ser realizado por meio de mandato, desde que o instrumento contemple poderes específicos para celebrar casamento e seja realizado na forma pública:
Considerando o artigo 1.542 do Código Civil é possível o casamento por instrumento de por curação, portanto por mandato, desde que o instrumento seja público e com poderes especiais para tanto.
Com isso é de se concluir, desde logo, que os atos decorrentes do matrimônio poderão ser igualmente concretizados pelo mandante, como é o caso do pacto antenupcial. [...]
Entende-se totalmente viável e possível que o mandatário munido do instrumento público exigido pela lei (CC, art. 1.542) para a celebração do casamento, no qual deverão constar expressamente os poderes outorgados pelo nubente para a escolha do regime de xxxx estipulado pelo futuro cônjuge, possa celebrar o pacto pré-nupcial, desde que a procuração contenha expressamente essa ordem.
Até mesmo porque, se para o casamento é condição sine qua non a existência de um regime de bens, se depender desse regime-tipo escolhido pelo mandante, obrigatoriamente um pacto deverá ser elaborado, sob pena de o regime ser o supletivo legal, o que poderia contrariar eventualmente a vontade do mandante (XXXXXXX, p. 124- 125).
Reforçando o posicionamento, Xxxxxxx Xxxxxxxx assevera que:
Os nubentes realizarão o ato pessoalmente, ou por meio de procurador com poderes especiais. Embora não esteja previsto no Código, no pertinente à matéria, a possibilidade de representação decorre das normas relativas aos negócios em geral. Na prática, é inconveniente a representação, pois envolve questões eminentemente pessoais e integrativas do próprio casamento (RIZZARDO, 2006, p. 627).
No mesmo sentido, associado à capacidade para contrair casamento, a legislação também define algumas hipóteses de impedimento matrimonial. O
artigo 1.521 do Código Civil determina os impedimentos absolutos que, se constatados, provocam a nulidade do casamento e, por consequência, a nulidade do pacto antenupcial.
Também são previstas as causas suspensivas, impedimentos relativos para o casamento que têm por consequência a imposição de regime de bens obrigatório, conforme prevê o artigo 1.641, inciso I do Código Civil. Nesta situação, a previsão de regime diverso no pacto antenupcial seria inócua, restando as previsões compatíveis válidas.
Ainda, quanto ao artigo 1.641 do referido diploma legal e a previsão de obrigatoriedade do regime da separação de bens em casos específicos tem-se como incompatível a elaboração de pacto para prever regime de bens, uma vez que este já está determinado por lei. No entanto, como será exposto adiante, o pacto antenupcial pode ser feito para contemplar outras disposições patrimoniais ou mesmo prever que os eventuais conflitos sejam submetidos a métodos extrajudiciais de solução de conflitos – o que é objeto do presente estudo.
Além da capacidade, característica destaque do pacto antenupcial, é o elemento volitivo que é essencial à manifestação da vontade das partes, livre e espontânea, sendo este um requisito essencial do ato e que repercute na validade do negócio jurídico.
O elemento volitivo está ligado à autonomia privada inerente aos pactos antenupciais. Os nubentes, além de poderem escolher o regime que melhor lhes aprouver, têm liberdade para realizar diversas outras disposições patrimoniais, sendo o limite desta autonomia a própria lei (artigo 1.655 do Código Civil), os bons costumes e a ordem pública.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx expõe que:
Com efeito, a formação do pacto antenupcial perpassa pela liberdade e vontade dos nubentes, mas encontra limite nas normas legais, bem como nos princípios do Direito, o que traduz a autonomia privada, essencial, ainda que na esfera da família, para condução da ordem e bem-estar social, introduzindo a flexibilização dos direitos, visando, por fim, harmonizar a esfera pública e privada (XXXXXXX, 2009, p. 137).
Assim, os nubentes têm a mais ampla liberdade de pactuar cláusulas e condições, com a condição de que tais disposições não atentem contra as disposições legais vigentes, os bons costumes e a ordem pública.
1.4.2 Forma
Como o próprio nome sugere, o pacto deve ser realizado previamente ao casamento, sendo nulo o pacto feito após – excepcionam-se os referentes à alteração de regime de bens. Sua elaboração exige, então, um momento específico, característica que o diferencia dos demais negócios jurídicos.
Apesar de exigir a forma pública para o pacto antenupcial, a lei não especifica regra de competência de lugar para a elaboração da escritura pública. Melhor dizendo, não há especificação se o pacto deve ser feito perante o Tabelionato de Notas mais próximo ao domicílio do casal ou outro.
Na prática, a escritura pública de pacto antenupcial pode ser realizada no Tabelionato de Notas de preferência dos nubentes, devendo ser levada ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais quando da habilitação do casamento para que seja registrado no assento do casamento sua existência e local onde foi realizado. O Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, onde será celebrado o casamento, via de regra, e de onde será expedida a certidão de casamento, deve ser o correspondente ao domicílio de um dos nubentes.
A lei determina que o pacto antenupcial seja registrado perante o Registro de Imóveis do primeiro domicílio do casal, com o objetivo de dar publicidade a terceiros. Se um dos noivos for empresário, é necessário que o pacto antenupcial também seja registrado no Registro Público de Empresas Mercantis, conforme dispõe o artigo 979 do Código Civil.
1.4.3 Conteúdo
Uma das características primordiais do pacto antenupcial é a ampla autonomia privada dos cônjuges que, como ensina Pontes de Miranda, “permite não só escolher um dos regimes previstos e regulados como também modificá- los, combiná-los”:
o princípio da liberdade permite não só escolher um dos regimes previstos e regulados como também modificá-los, combiná-los ou, até adotar-se o de outro ou algum regime que tenha sido criado por alguém, em livro, artigo, ou folheto de propaganda (PONTES DE MIRANDA, 2001, p. 163).
O objeto do pacto antenupcial deve ser lícito, coerente com os bons costumes, possível e determinável. A consequência de haver previsão em desacordo com a lei ou com a moral e os bons costumes é a invalidade da cláusula que assim dispuser. Nas palavras de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx:
não se admitem cláusulas que ofendam os bons costumes e a ordem pública. Exemplificativamente, nulas serão as cláusulas, não o pacto, que (a) dispensem os consortes dos deveres de fidelidade, coabitação e mútua assistência; (b) privem a mãe do poder familiar ou de assumir a direção da família, ficando submissa ao marido; (c) alterem a ordem de votação hereditária; (d) ajustem a comunhão de bens, quando o casamento só podia realizar-se pelo regime obrigatório de separação;
(e) estabeleçam que o marido, mesmo que o regime matrimonial de bens não seja o de separação, pode vender imóveis sem outorga uxória (DINIZ, 2007, p. 153-154).
O principal objeto do pacto antenupcial é a previsão quanto ao patrimônio, seja através da simples escolha do regime de bens pelos nubentes, seja pelo completo arranjo e convenção das regras que devem imperar sobre o patrimônio comum e particular destes.
Para se falar em necessidade e interesse na realização do pacto antenupcial, devem os nubentes desejarem prever sobre o seu patrimônio de maneira diversa – ou, ao menos, mais profunda – ao determinado por lei.
Xxxxxx xx Xxxxxxx explica que "o Código Civil verdadeiramente permite não só a escolha do regime matrimonial, de que deu as estruturas, mas a do regramento matrimonial dos bens” (PONTES DE MIRANDA, 2001).
Parte da doutrina filia-se à corrente de que o pacto antenupcial pode dispor tão somente acerca do regime de bens, rejeitando outras disposições de cunho patrimonial, sob o principal argumento de que a previsão legislativa do pacto antenupcial está contida no subtítulo I do Título II do Código Civil, quais sejam, respectivamente, “Do Regime de Bens entre os Cônjuges” e “Do Direito Patrimonial”.
No entanto, a maioria dos estudiosos do tema defendem a possibilidade de o pacto antenupcial ir além da mera eleição de regime de bens ainda que sobre disposições patrimoniais.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, em sua obra “Pacto antenupcial no Brasil: formalidades e conteúdo”, cita exemplos de diversas outras matérias
patrimoniais que podem ser previstas em pacto antenupcial além da mera eleição do regime de bens:
Sob o entendimento que as convenções pré-nupciais poderão determinar diversos aspectos e regras sobre o patrimônio familiar e não estritamente sobre os regimes de bens, citam-se os seguintes exemplos de matérias que podem ser clausuladas:
(i) a proporção da titularidade de cada bem adquirido durante a constância do casamento, o que poderá ser criado em decorrência dos rendimentos de cada nubente ou de forma igualitária;
(ii) no tocante à titularidade e divisão de bens existentes antes do casamente, definindo-os como particulares a cada noivo, ou ainda conferindo ao casal proporções idênticas, ou conforme a contribuição de cada um;
(iii) doações entre cônjuges;
(iv) regras quanto à disponibilidade do patrimônio em comum a terceiros (e.g. doações, presentes, auxílios a familiares, etc.);
(v) sobre a obrigação de criação de um fundo financeiro de emergência com as regras para sua composição, bem como sua utilização;
(vi) disposição sobre eventuais bens auferidos por cada cônjuge, sendo aquisições a título gratuito ou oneroso (doações de terceiros, heranças, prêmios, achados, tesouros, vantagens em função da profissão ou fama, benefícios materiais em geral, bolsa de estudo, entre outros); ainda,
(vii) compensações financeiras pelo fato do casamento ter gerado alguma minoração ou exoneração de rendimento a um dos consortes, como pensões alimentícias, montepio, soldos comumente destinados às mulheres, enquanto filhas solteiras, ou viúvas, que ao contraírem núpcias deixam de auferir tal ganho;
(viii) disposição sobre comunicabilidade ou não de previdências complementares privadas;
(ix) clausulas em que conste obrigação de um dos genitores em relação ao custeio da educação escolar da futura prole, de forma exclusiva;
(x) ajustes sobre a partilha de bens na ocasião de eventual separação ou divórcio do casal;
(xi) estipulações referentes à forma de pagamento e manutenção da família frente a todas as necessidades;
(xii) pactuação sobre participação societária ou ganhos de um dos consortes em eventual empresa exclusiva de sua família que exista previamente ao casamento;
(xiii) clausulas sobre o eventual crescimento patrimonial, bem como dívidas e passivos trabalhistas e tributários de empresa na qual um ou ambos sejam sócios;
(xiv) regras que recaiam sobre bens adquiridos na constância de outra união, bem como sobre aqueles que constituam condomínio entre um dos consortes e terceiros;
(xv) sobre dívidas contraídas e seus limites dentro das possibilidades de cada cônjuge e a finalidade do passivo criado;
(xvi) sobre as regras de administração dos bens do casal, contendo detalhes do gerenciamento; também
(xvii) disposição que verse sobre direitos autorais e sua comunicabilidade ao consorte (XXXXXXX, p. 164-167).
Também a favor da corrente doutrinária que defende a possibilidade ampla de previsões patrimoniais no pacto antenupcial está o fato de ser permitido aos nubentes elaborá-lo mesmo no caso de imposição legal de regime de bens. O Código Civil prevê, em seu artigo 1.641, situações nas quais o casamento é obrigatoriamente regido pelo regime da separação de bens. São elas: a pessoa maior de setenta anos, os que dependerem de suprimento judicial para casar e os que contraírem núpcias quando pendentes causas suspensivas
da celebração do casamento (artigos 1.523 do Código Civil).
Caso realmente fosse a intenção do legislador obstar que fossem previstas no pacto antenupcial outras disposições além da mera eleição de regime de bens, seria proibida ou nula sua elaboração nas situações previstas pelo artigo 1.641 do Código Civil.
Sem desvirtuar o previsto em lei, é aceito e muito usual que os maiores de setenta anos confeccionem o pacto antenupcial para modular efeitos específicos, como manifestar a vontade de afastar ou não a incidência da Súmula 377 do Superior Tribunal Federal sobre os bens adquiridos na constância da união, tendo em vista a falta de unanimidade a respeito de sua aplicabilidade.
Para as demais causas de obrigatoriedade trazidas pelo artigo 1.641 do Código Civil, a causa suspensiva é transitória: ao cessar o impedimento, podem os cônjuges alterar o regime de bens. No entanto, nada impede que sejam feitas outras previsões patrimoniais que contemplem a capacidade civil exigida e demais requisitos para elaboração do pacto antenupcial.
Pois bem. Adotando a corrente doutrinária que admite a previsão de disposições patrimoniais além da eleição de regime de bens, tem-se que é possível aos nubentes previsões que se adequem aos seus interesses e objetivos.
Os nubentes poderão arrolar bens particulares que compõem seu patrimônio, definir percentuais para cada cônjuge em determinado ou
determinados bens, definir o uso gratuito de imóvel familiar, dentre uma infinidade de questões já mencionadas neste estudo.
Além disso, em que pese ser prematuro falar em pensão alimentícia à prole ou entre os cônjuges, podem os nubentes definir desde logo os parâmetros que serão adotados para eventual futura fixação. Ainda sobre a temática, a previsão de renúncia aos alimentos ou fixação valorativa se mostra contrária ao direito e até inútil, tendo em vista que no caso concreto – ou seja, quando ocorrer a dissolução do casamento ou união estável – deve ser analisado o trinômio necessidade, possibilidade e proporcionalidade para que seja determinada a obrigação e o valor dos alimentos.
Também pode-se conter do pacto antenupcial doações feitas em contemplação ao casamento, que podem se dar entre os nubentes e por terceiros. Nesta última hipótese, devem os doadores compor a escritura pública de pacto antenupcial. A doação também pode ser destinada aos noivos ou tão somente a um deles.
Esta modalidade de doação, denominada propter nuptias, tem particularidades. Sua eficácia tem como condição sine qua non a realização do casamento e não pode esta ser revogada por ingratidão do donatário, conforme dispõe o artigo 564, IV do Código Civil.
Sobre o tema, Xxxx Xxxx ensina que:
As preocupações naturais que os nubentes, os cônjuges e os conviventes têm com relação a si próprios, quanto ao aspecto da segurança de sua vida pessoal, e com relação à segurança de sua prole e daqueles que dependem de sua estrutura de vida, justificam pretensões várias que, validamente, podem desembocar na necessidade da celebração de vários contratos.
Um deles é o de doação propter nuptias.
A doutrina vê na doação propter nuptias “uma causa futura que funciona de um modo muito semelhante à condição”. A doação entre nubentes ou futuros conviventes pode constar do pacto antenupcial ou do contrato preliminar de convivência.
Como a finalidade dessa espécie de doação é a de “privilegiar o grupo familiar que se forma”, pode-se observar que a finalidade de proteção à família impede sua revogabilidade.
A doação propter nuptias pode ser celebrada por escritura pública, por terceiros, parentes dos noivos ou não, pode ser conjuntiva ou não. O doador estipulará a forma como o bem fará parte do patrimônio da família ou do beneficiado, por virtude de casamento ou de união de fato.
Nesses casos, também, pela causa do negócio, de proteção da família, a doação é irrevogável.
O mesmo tratamento terá a doação feita em favor de prole eventual. A doação propter nuptias, em caso de o casamento vir a ser desfeito, também se desfaz, para que se evite o enriquecimento ilícito do donatário (NERY, 2015, p. Parte II, Capítulo VI, Item 3.).
As doações entre os cônjuges são, de modo geral, permitidas e podem constar do pacto antenupcial, devendo ser observado tão somente particularidades quanto ao regime de bens.
A utilidade de estarem contidas no pacto antenupcial previsões além da escolha do regime de bens é adequar o documento à realidade dos cônjuges e seus interesses. Quanto maior o número de previsões no momento da elaboração do pacto, mais elementos já são previstos pelo casal, que, em uma situação de conflito ou mera dissolução, terá naquele documento respostas e previsões concretas. Por este motivo, é o pacto antenupcial instrumento eficaz de prevenção de litígios.
A doutrina também se divide com relação à possibilidade de os nubentes realizarem disposições de conteúdo extrapatrimonial no pacto antenupcial.
No mesmo sentido do exposto acerca do conteúdo do contrato de convivência, parte da doutrina se posiciona pela impossibilidade de estarem previstas no pacto antenupcial cláusulas que não tenham por objetivo a regulamentação patrimonial dos bens do casal.
Outra parcela da doutrina defende a possibilidade de clausular questões extrapatrimoniais no pacto antenupcial:
Perfeitamente compatíveis com o conceito jurídico de casamento são os negócios denominados antenupciais, que definem traços fundamentais do convívio dos futuros cônjuges e fixam balizas para a convivência pessoal dos membros da família que será formada, tanto quanto ao relacionamento dos cônjuges, quanto com relação ao relacionamento de pais e filhos, bem como determina critérios para a aquisição, administração e partilha do acervo patrimonial da família (XXXX, 2015, p. Parte II, Capítulo VI, Item 1).
Fato é que o casamento vai muito além do direito patrimonial, existindo certas matérias relevantes para futuros cônjuges de cunho pessoal e doméstico- familiar, e o pacto antenupcial se apresenta como um documento capaz de conter também definições neste sentido.
Algumas previsões possíveis são quanto a rotina doméstica, a educação dos filhos (supervenientes ou não), administração de bens e da vida em comum.
Através do pacto antenupcial, por tratar-se de escritura pública, também é possível o reconhecimento filial (artigo 1.609, inciso II do Código Civil). Este é um ponto comum entre os doutrinadores que divergem sobre a possibilidade de previsões extrapatrimoniais no instrumento.
Ainda sobre os filhos, é possível a fixação de parâmetros ou regras gerais sobre a guarda e regulamentação de convivência para eventual extinção do vínculo conjugal. Claro que a previsão especifica sobre tanto não é vedada. No entanto, não é recomendado, visto que são diversos fatores a serem considerados no momento do divórcio para estipular detalhadamente as condições de desenvolvimento de guarda e regulamentação de visitas, como a idade da prole, as condições socioeconômicas de cada genitor, o local de residência, o bom relacionamento dos pais para que eventual guarda compartilhada flua.
Entretanto, a previsão revela-se benéfica para o momento conflituoso e cheio de incertezas que normalmente tem-se com a separação dos genitores, tanto para estes quanto para os filhos.
Também pode ser previsto no pacto antenupcial a nomeação de tutor para os filhos comuns dos nubentes. De acordo com o Código Civil, a nomeação de tutor deve ser realizada pelos pais em conjunto, por meio de testamento ou outro documento autêntico.
Como já mencionado, vedadas ao pacto antenupcial estão cláusulas contrárias à lei, à ordem pública, aos bons costumes e à boa-fé. Ou seja, não podem os nubentes disporem em pacto antenupcial que o regime de bens eleito vigorará entre eles em data posterior ou anterior ao casamento, uma vez que o parágrafo primeiro do artigo 1.639 do Código Civil determina que o regime de bens começa a vigorar desde a data do casamento.
No mesmo sentido do contrato de convivência, o conteúdo disposto no pacto antenupcial deve ser consonante à ordem pública, legislação, boa-fé, aos princípios gerais do direito e bons costumes, tal como devem as disposições versarem sobre objeto lícito, juridicamente possível e determinável. Assim, não é permitido que o pacto antenupcial estabeleça a submissão de um cônjuge ao outro, a obrigatoriedade de determinado número de filhos, proibição de divórcio.
Filia-se à parte da doutrina que entende pela impossibilidade de os nubentes convencionarem a respeito da aplicabilidade dos deveres conjugais contidos no artigo 1.566 do Código Civil: fidelidade, vida em comum, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, respeito e consideração mútuos.
Também, por contrariar disposição absoluta de lei, a previsão a respeito de direitos recíprocos ou não para após a morte – o chamado “pacto corvina”.
A consequência para as cláusulas em dissonância ao acima exposto é a nulidade, conforme artigo 1.655 do Código Civil.
O contrato de convivência se destina a conter previsões, primeiramente, patrimoniais que regularão a união estável mantida entre duas pessoas.
Aborda-se no presente capítulo o conceito e características essenciais deste negócio jurídico, bem como a forma que lhe é exigida para que tenha plena eficácia.
Com relação ao seu conteúdo, objetiva-se demonstrar a amplitude do instituto, que abarca tanto questões patrimoniais como extrapatrimoniais, com o intuito de posteriormente analisar a pertinência da eleição de meio de solução de conflito no contrato de convivência.
1.5.1 Conceito, objetivos, características e elementos essenciais
Neste trabalho adota-se o conceito exposto por Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx em sua obra “Contrato de convivência na união estável”:
Procura-se identificar como contrato de convivência, na amplitude aqui versada, o instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem regulamentações quanto aos reflexos da relação, que serão tratadas adiante quando analisado o conteúdo das disposições contratuais entre os conviventes (CAHALI, 2002, p. 55).
Não se destina, portanto, o contrato de convivência a constituir união estável. Como visto no tópico anterior, existe união estável quando presentes os requisitos configuradores previstos em lei, sendo esta um fato social
juridicamente reconhecido – o que a torna um fato jurídico. Seu reconhecimento independe da existência de contrato de convivência celebrado entre os conviventes.
Neste sentido, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx ensina que:
Releva notar que, embora com enorme utilidade, não se mostra obrigatório o contrato para caracterização da união e muito menos para a irradiação de seus efeitos, pois na sua falta, a verificação da relação faz-se no mundo fático de acordo com qualquer meio de prova, e o seu reflexo jurídico entre as partes e terceiros vem especificado expressamente na legislação pertinente, com previsão expressa de direitos e obrigações entre os conviventes, direitos sucessórios e alimentar, repercussão patrimonial, possibilidade de invocação do imóvel residencial como bem de família, sub-rogação locatícia, adoção, utilização do patronímico, benefício previdenciário, etc (CAHALI, 2002, p. 59).
Se diante de relacionamento amoroso que preenche os requisitos do artigo 1.723 do Código de Processo Civil, quais sejam a convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família, importante seja realizado o contrato de convivência a fim de delinear os contornos e reflexos da união.
Para a elaboração do documento são requisitos essenciais à sua validade os gerais relativos aos negócios jurídicos, preconizados pelo artigo 104 do Código Civil: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.
Ausente regramento legal próprio, o ordenamento jurídico apenas faz menção à possibilidade de os companheiros estipularem o regime de bens que regerá a união estável através de contrato escrito, podendo ser feito por instrumento particular ou público (artigo 107 do Código Civil e artigo 5º da Lei 9.278/1996).
Quanto à capacidade do agente para realizar um contrato de convivência válido, a lei se refere à capacidade civil, capacidade de fato, que se diferencia da capacidade de direito.
A capacidade exigida diz respeito à aptidão da pessoa para realizar atos da vida civil, como os maiores de dezoito anos de modo geral.
A licitude deve estar presente em todas as disposições contidas no contrato de convivência e dessa forma deve ser analisado, razão pela qual o
xxxxx de uma cláusula não compromete a outra e nem mesmo o contrato como um todo, sendo aplicável a disposição contida no artigo 184 do Código Civil. Apenas se todas as cláusulas forem ilícitas o contrato estará comprometido.
É imprescindível que o contrato de convivência contenha as disposições bilaterais de vontade, não sendo um instrumento unilateral.
1.5.2 Forma
A única exigência do Código Civil quanto ao contrato de convivência é que este seja escrito. Não há determinação de forma específica para sua elaboração, razão pela qual este documento pode ser feito na forma pública ou privada (artigo 1.725 do Código Civil).
Diversamente do pacto antenupcial, que será objeto de análise ulteriormente, a eficácia do contrato de convivência não está condicionada ao seu registro, sendo esta uma liberalidade dos companheiros com o intuito de dar publicidade à união estável.
Considerando que a união estável é uma realidade fática, desprovida de formalidades legais, o contrato de convivência, por conseguinte, é um negócio jurídico informal, não reclamando solenidades previstas em lei. Apenas e tão somente exige-se a sua celebração por escrito, afastando-se a forma verbal. Assim, pode ser celebrado por escritura pública ou particular, não submetido ao registro público (XXXXXX; XXXXXXXXX, 0000, p. 451).
1.5.3 Conteúdo
Pelos contornos da Lei Civil (artigo 1.725), o contrato de convivência teria como objeto disposições sobre a relação patrimonial dos conviventes.
De fato, este é documento hábil a eleger regime de bens diverso do supletivo – o da comunhão parcial de bens. Além da disposição óbvia, patrimonialmente pode-se declarar quais bens compunham o patrimônio de cada companheiro antes da união estável, eventuais bens adquiridos a partir de heranças ou bem particulares (sub-rogados), dentre outras inúmeras disposições que se ajustam às particularidades dos companheiros.
Para Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx:
o contrato de convivência apresenta-se como um instrumento apropriado para a auto-regulamentação dos reflexos patrimoniais decorrentes da união estável, reconhecendo, criando, modificando ou extinguindo direitos entre os companheiros.
Em linhas gerais, comum será tê-lo com a finalidade de afastar ou reduzir a presunção de condomínio prevista na norma, quanto aos bens adquiridos a título oneroso durante a convivência (CAHALI, 2002, p. 203).
As disposições contidas no contrato de convivência devem estar de acordo com a ordem pública, a legislação, a boa-fé, os princípios gerais do direito e bons costumes. Assim, não é permitido que o contrato se preste a estender ou restringir a participação recíproca sobre o patrimônio que, por lei, é ou não comunicável entre os companheiros – a depender do regime de bens eleito.
Caso os conviventes optem pelo regime da comunhão parcial de bens, não é permitido que estes clausulem a comunhão de bens particulares entre si, pois isto implicaria doação de patrimônio e deveria ser feito por instituto próprio. Também vedadas disposições entre os companheiros a respeito de bens adquiridos gratuitamente no curso da convivência, pois a legislação exclui estes da comunhão (CAHALI, 2002, p. 204).
Como exemplo de cláusula vedada qualquer que seja o regime de bens eleito, pois contrária às leis existentes, está a disposição sobre bens a serem recebidos após a morte de um ou de ambos os companheiros. A consequência para todos estes exemplos de cláusulas vedadas é a nulidade das disposições.
Os conviventes podem desde logo estabelecer parâmetros para partilha de bens decorrente de eventual e futura dissolução da união estável ou para a fixação de alimentos entre companheiros e eventual prole.
Porém, assim como o pacto antenupcial, entende-se neste estudo que o contrato de convivência não se restringe a patrimônio, mas sim na licitude do objeto de suas disposições, conforme ensina Xxxxxxxxx Xxxxxx:
Mas, como já analisado, a convenção não fica restrita às duas matérias acima [afastar presunção legal e deliberar sobre administração dos bens], representando, de forma mais abrangente, a regulamentação contratual das relações econômicas ou patrimoniais entre os conviventes, de modo a permitir a estipulação de outros efeitos a união, além dos legalmente previstos, no âmbito da liberdade de contratar direitos e obrigações disponíveis.
A fronteira da liberdade é a licitude do objeto [...] (CAHALI, 2002).
No entanto, não se ignora a parte da doutrina que entende que o contrato de convivência se destina unicamente às cláusulas patrimoniais, como sustentam os autores Xxxxxxxxxx Xxxxxx de Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx:
O conteúdo do pacto de convivência diz respeito, tão somente, a disposições de natureza patrimonial, afastadas, assim, as famosas cláusulas holywoodianas, pelas quais os interessados preveem obrigações pessoais.
É lícito aos companheiros, através do contrato convivencial, dispor de seu patrimônio livremente, inclusive estabelecendo percentuais diferentes de participação nos bens adquiridos ou mesmo criando novos modelos de regime de bens (por exemplo, prevendo comunhão de imóveis e separação de móveis, dentre infinitas outras possibilidade). Tudo isso é possível a partir do grande continente da autonomia privada. Por lógica, também serão admissíveis cláusulas contratuais alterando a regra de administração do patrimônio do casal (XXXXXX; XXXXXXXXX, 0000, p. 454).
1.6 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE OS INSTITUTOS
O pacto antenupcial é o instrumento antecedente ao casamento destinado a fixar as regras no tocante ao patrimônio dos nubentes, tanto na vigência quanto em eventual dissolução da sociedade conjugal.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx leciona:
Com enfoque restrito à legislação vigente, pode-se conceituar o pacto antenupcial como o instrumento jurídico pelo qual os nubentes dispõem as regras que deverão reger o patrimônio familiar durante a constância do casamento e diante de um eventual rompimento da sociedade conjugal, dentro dos ditames legais e obrigatoriamente quando optarem por regime diverso do da comunhão parcial de bens, ou quando não estiverem sujeitos ao regime de bens legalmente obrigatório.
Porém, o pacto é mais que isso, pois indiscutivelmente as regras contidas nesse instrumento podem ir além do patrimônio, pois diversas convenções dispostas em um pacto podem mesclar matéria pessoal e patrimonial, como se identifica adiante (XXXXXXX, 2010, p. 102).
O contrato de convivência, por sua vez, é definido por Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx como: “o instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem regulamentações quanto aos reflexos da relação” (XXXXXX, 2002, p. 55).
Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx apontam que o contrato de convivência viabiliza aos companheiros a possibilidade de "estipular regras patrimoniais específicas para nortear os efeitos patrimoniais da relação" (XXXXXX; XXXXXXXXX, 0000, p. 451). Os autores complementam:
De fato, tendo na tela da imaginação o basilar princípio da autonomia privada - norteador das relações civis -, é possível que os companheiros escolham - respeitados determinados limites, diferentes regimes econômicos parra disciplinar suas relações convivenciais. Assim, desde a máxima unificação patrimonial (criando uma massa única de bens para atender às necessidades familiares) até a completa separação dos bens pertencentes a cada um dos conviventes (fazendo que cada um conserve individualmente e autonomamente seus próprios bens), passando por sistemas intermediários, que organizam a economia conjugal criando comunidades sobre certas classes de bens, é possível a livre determinação da disciplina das relações econômicas da união estável (FARIAS; XXXXXXXXX, 0000, p. 431).
Aponta-se como semelhanças entre o contrato de convivência e o pacto antenupcial seus objetos, a necessidade de se observar os requisitos de validade necessários a todo negócio jurídico (artigo 104 do Código Civil) e a necessidade de observância à lei, aos costumes, princípios e princípios gerais do direito.
Como percebe-se através dos conceitos apontados pela doutrina pátria, tanto o pacto antenupcial quanto o contrato de convivência têm como objetivo principal regulamentar os reflexos, patrimoniais ou não, das uniões e estabelecer regime de bem aplicável.
Entretanto, diferenciam os institutos em alguns pontos relevantes, como: a forma exigida, o momento de elaboração, a maneira como se garante a eficácia perante terceiros, além de, é claro, o pacto antenupcial se referir sempre ao instituto do casamento e o contrato de convivência, ao da união estável.
O pacto antenupcial tem forma prescrita em lei (CC, art. 1.640, parágrafo único): necessário que seja feito por escritura pública. O contrato de convivência
– chamado apenas contrato escrito pela lei (CC, art. 1.725) – não possui exigência quanto a sua forma, podendo ser feito tanto pela forma pública quanto particular.
Para que ambos tenham efeito perante terceiros, ao passo que o contrato de convivência deve ser registrado perante o cartório de títulos e documentos, o pacto antenupcial deve ser registrado no cartório de registro de imóveis do
primeiro domicílio dos nubentes. O ato é importante, pois visa dar publicidade a terceiros do regime de bens que vigorará durante a união.
Diferença substancial entre os dois institutos é o momento de sua elaboração. O pacto antenupcial deve ser celebrado antes do casamento, surtindo efeitos apenas com a consumação deste e vigorando a partir da data do matrimônio. O momento para a escolha do regime de bens, que se não for o supletivo deve ser previsto em pacto antenupcial, é o da habilitação para o casamento (CC, artigo 1.640, parágrafo único).
No caso da união estável a situação é diversa. Isso porque a união estável é uma situação de fato. Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx se debruça sobre a questão:
Diverge substancialmente, neste particular, a união estável do casamento, pois os companheiros passam a integrar o instituto não após o cumprimento de formalidades legais para sua celebração, mas pela sua caracterização diante da conduta dos participes, passando, a partir daí, pela postura adotada no relacionamento, a ser atingida a esfera jurídica das partes, entre si e perante a sociedade e o estado. Enquanto no casamento a constituição é celebrada a priori, na união estável sua caracterização é a posteriori, verificados os seus elementos essenciais. (XXXXXX, 1996, p. 52)
Assim, a elaboração de contrato de convivência não tem qualquer eficácia se inexistirem os requisitos configuradores da união estável entre o casal. É necessário que o relacionamento tenha o status de união estável, cumprindo os requisitos determinados no artigo 1.723 do código civil para que o contrato de convivência seja eficaz.
2 OS MÉTODOS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
É cediço que os conflitos e disputas são tão antigos quanto a própria humanidade. Nas pinturas rupestres que remontam à mais antiga data já havia registros de tribos conflitando, seja por alimentos, localização, poder.
Assim como os motivos que levam ao surgimento do conflito, os meios de solucioná-los vêm se alterando no decorrer da história. Primariamente, pode ser citada a utilização da força física para resolver o conflito – a chamada autotutela ou autodefesa.
Após, visto a inviabilidade de solucionar desavenças através da imposição da vontade pela força, nasce a figura do terceiro dentro do conflito, seja este como julgador ou pacificador.
Mesmo nas organizações primitivas, os grupos ou tribos eram organizados por certa hierarquia, havendo sempre a figura do homem justo, com conhecimento e status superior aos demais, que teria o respeito de todos para dizer sobre o certo e o errado em situações conflituosas ou ponderar as razões e alcançar um meio termo entre os litigantes.
Culturas calcadas na primazia da paz e da harmonia em objeção ao conflito, litigância e vitória se valiam da figura do pacificador, aplicando desde os tempos mais remotos a mediação. Pescadores escandinavos, tribos africanas, israelitas, indígenas, budistas são exemplos de culturas que se desenvolveram dessa forma (TARTUCE, 2015, p. 180).
Outras, como a Xxxxx, contaram com líderes que julgavam os conflitos e decidiam pelo vencedor da disputa. Fora insinuada a utilização do método heterocompositivo de arbitragem entre os Deuses do Olimpo – cerca de três mil anos antes de Cristo – e mencionado seu uso no direito grego tanto para litígios entre cidades-Estado como entre cidadãos (CAHALI, 2018).
Mais perto do que conhecemos por sociedade, o estudo histórico demonstra que as tribos ou grupos, ante a sua natureza e o sentimento de comunidade, priorizavam a solução pacífica dos conflitos a fim de manter o relacionamento entre os litigantes. Com o surgimento de grandes populações, desenvolvimento de comércio e indústria e enfraquecimento do elo entre os cidadãos, nota-se a necessidade de outorgar a terceiro o papel de adjudicar sobre os conflitos.
Na América do Norte, por exemplo, os relatos históricos permitem identificar que a cultura da construção da paz era típica dos nativos e se estendeu aos primeiros colonos. Os litígios eram conduzidos de modo a dar atenção às questões subjacentes com a finalidade de reestabelecer o relacionamento, e o consenso comunitário era priorizado em detrimento de condutas individualistas e beligerantes (TARTUCE, 2015, p. 180).
No fim do século XVII, com o desenvolvimento de indústrias e comércio, os conflitos se tornam mais complexos, desenvolvendo-se a necessidade de que uma autoridade solucionasse as questões ao passo que as soluções consensuais de controvérsias decaem (TARTUCE, 2015, p. 180).
Conforme o Estado se organizou politicamente, este também buscou reservar para si o poder/dever de tutelar os direitos, com a missão de eliminar a vingança privada e obter harmonia e paz social (TARTUCE, 2015, p. 180). O Poder Judiciário, naturalmente por sua institucionalidade e representação do Estado, obteve respeito e autoridade perante a sociedade para solucionar os litígios.
Nota-se, então, que existem os métodos de autotutela, autocompositivos e heterocompositivos.
A solução de conflitos por meio da autotutela – ou autodefesa – é aquela em que o indivíduo se utiliza da própria força, age por si para alcançar o resultado pretendido ante um litígio. Arcaico e precário, a utilização deste meio de resolução de conflito é restrita às autorizadas pelo ordenamento jurídico, como o direito de retenção, desforço imediato e legítima defesa da posse.
A mais primitiva forma de solução de litígios é a autotutela ou autodefesa, na qual o atendimento ao interesse contrastado muitas vezes é alcançado pelo uso da força, pela imposição de poder físico, manu militari. Essa prática afeta a paz social, o Direito e a segurança, pois o conflito não é resolvido; ao contrário, é recrudescido (FICHTNER; XXXXXXXXXX; XXXXXXXX, 2019, p. 12).
Os métodos autocompositivos se referem aos meios consensuais de solução de conflitos e são os utilizados pelas próprias partes – em conjunto ou isoladas – para encerrar a controvérsia. A grande característica desses métodos é a inexistência de terceiro com poder decisório, sendo possível que o terceiro
desempenhe papel neutro, com o objetivo de oferecer suporte para a decisão dos próprios envolvidos no conflito.
não se pode perder de vista que as formas não adversarias de resolução de controvérsias, notadamente as que antecedem a deflagração da demanda judicial (estatal ou paraestatal), são as mais prestigiadas hodiernamente, por concentrarem os seu esforços na autocomposição – inquestionavelmente a melhor maneira de solucionar as lides sociológicas (jurisdicionalizadas ou não) -, na exata medida em que as próprias partes litigantes encontram a solução mais adequada para a pacificação de seus conflitos, em sintonia com os seus interesses, com o menor reflexo de insatisfação para ambos os contenedores, pois essa é a única forma para colocação de um ponto- final aos conflitos sem que deles resultem vencedores ou vencidos (XXXXXXXX XXXXXX, 2019, p. 65).
Por sua vez, quando há adjudicação do poder decisório para um terceiro tem-se caracterizados os métodos heterocompositivos de solução de conflitos.
Diante da conhecida crise do Judiciário, que centralizado não absorve toda a demanda jurisdicional para atender à população, o caminho natural foi o retorno aos outros métodos de solução de conflitos, prestigiando ao máximo o princípio do acesso à justiça inscrito no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal.
O Estado então passa a disponibilizar alternativas para a sociedade alcançar a resolução de controvérsias, valorizando os mecanismos de pacificação social e ampliando os horizontes. Primeiramente, a disponibilidade por meio do Estado se deu no âmbito do próprio processo a partir da Resolução do Conselho Nacional de Justiça 125/2010 e após pelo Código de Processo Civil. Em um segundo momento, com a sociedade mais próxima destes institutos e o surgimento de cursos de capacitação e instituições especializadas, tem-se a valoração dos demais métodos de resolução de litígios e sua utilização
na parte do processo judicial.
Pela impossibilidade de aplicar a arbitragem de modo endoprocessual, este meio de solução de conflito percorreu caminho diverso, contando desde 1996 com Lei que o regulamentasse e possibilitava seu uso, tendo sua constitucionalidade afirmada em 2001 pelo Supremo Tribunal Federal.
Neste ínterim surge o movimento denominado “Tribunal multiportas”. A nomeação de “multiportas” sugere a multiplicidade de opções que a sociedade
encontra quando está diante de um conflito e sua aplicação almeja garantir o pleno acesso à Justiça, alterando o paradigma de que apenas o Poder Judiciário o contemplaria, bem como alcançar a pacificação social, objetivo primário do Direito, e oferecer à sociedade a possibilidade de escolha do meio mais adequado para resolver determinado conflito.
Os meios de solução de litígios mais conhecidos são: arbitragem, mediação, conciliação e negociação, embora existam outros, como o mini-trial, avaliação de terceiro neutro, dispute board.
Em razão do escopo restrito do trabalho e seu enfoque na previsão de métodos extrajudiciais para solução de conflitos decorrentes de união estável ou casamento, utiliza-se a arbitragem e mediação como os principais.
A análise do instituto da mediação se mostra essencial a este estudo, pois, adianta-se, ante seu conceito e características é próprio para a solução de conflitos familiares ou mesmo envolvendo pessoas com relações pretéritas e que pretendem ter alguma relação futura.
A fim de alcançar a conclusão que se pretende, serão analisados o conceito e as previsões contidas na Lei nº 13.140/2015, regramento específico da mediação e que buscou implementar e popularizar o instituto, além dos princípios que o norteiam.
O objetivo do estudo dessa forma de solução de conflito extrajudicial é analisar justamente a sua pertinência para os conflitos oriundos do fim de um relacionamento marital, aplicando a previsão contida em contrato de convivência ou pacto antenupcial.
2.1.1 Conceituação e legislação atual
A mediação está presente na humanidade quase há tanto tempo quanto essa existe e nas mais diversas esferas, pública e privada, nacional e internacional, e nos âmbitos mais diversos: político, religioso, empregatício, policial, escolar, familiar.
Valendo-se do dicionário1, o significado do termo “mediação” é “ato ou efeito de mediar; ação de auxiliar como intermediário entre indivíduos ou grupo de pessoas”, tendo como sinônimo a palavra intervenção.
Xxxxxxxx Xxxx, em obra datada de 1991, definiu a mediação como sendo a “interferência feliz de um terceiro, feita sob promessa de recompensa, entre duas ou mais pessoas, levando-as a concluir determinado negócio” (NETO, 1991).
Em 2003, Xxxx Xxxxxxx conceituou a mediação como uma forma alternativa de encerramento de litígio através do acordo de vontade das partes (XXXXXXX, 2003).
Xxxxxxxx Xxxxxxx, ao se debruçar sobre o tema, ensina que:
A mediação consiste no meio consensual de abordagem de controvérsias em que um terceiro imparcial atua para facilitar a comunicação entre os envolvidos para propiciar que eles possam, a partir da percepção ampliada dos meandros da situação controvertida, protagonizar saídas produtivas para os impasses que os envolvem (TARTUCE, 2015, p. 173-174).
Por sua vez, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx define a mediação como:
um dos instrumentos de pacificação de natureza autocompositiva e voluntária, no qual um terceiro, imparcial, atua como facilitador do processo de retomada do diálogo entre as partes (CAHALI, 2018).
A Lei 13.140/2015, destinada à mediação, conceitua o instituto em seu artigo 1º parágrafo único como:
a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia (BRASIL, 2015).
Mais do que um meio para solucionar conflitos, a mediação visa restabelecer a conversa entre as partes, transformando a relação conflituosa para o surgimento de um ambiente favorável para que as partes, por si, consigam visualizar a solução dos problemas e aplicá-los.
1 MEDIAÇÃO. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/>. Acesso em: 22 mai. 2020.
Por esta razão, a mediação é destinada especialmente para os casos de relações continuadas, como litígios condominiais, de vizinhança, familiares e até societários, pois se destina a olhar para o âmbito do conflito como um todo, buscando, antes da solução deste, a sua causa, para então, se possível, as partes se autocomporem. Neste sentido, Xxxxx Xxxxxxxx ensina que:
[...] alguns conflitos, principalmente aqueles que ocorrem entre duas pessoas em contato permanente (marido e mulher, dois vizinhos, pessoas que moram no mesmo condomínio), exigem uma técnica de solução como a mediação, em virtude de se buscar nesses conflitos muito mais a pacificação dos conflitantes do que a solução do conflito, porque a técnica de hoje de solução pelo juiz, por meio de sentença, é uma mera técnica de solução de conflitos, e não uma técnica de pacificação dos conflitantes [...].
Como exemplo, existe aquela história sobre o problema de dois vizinhos que brigam pelas bananeiras, que jogam água na parede do outro ou pelos galhos, e quando o caso é levado ao juiz, este profere a sentença, segundo a lei, determinando que os galhos sejam cortados ou não, dependendo da solução que ele entender mais adequada. Digamos que ele determine o corte dos galhos; no ano seguinte, o galho terá crescido e os vizinhos voltarão novamente ao tribunal para obter a solução do juiz sobre o mesmo conflito.
Se as partes não forem pacificadas, se não se convencerem de que elas devem encontrar uma solução de convivência, isto é, se a técnica não for a da pacificação dos conflitantes, e sim a da solução dos conflitos, as mesmas partes retornarão ao tribunal outras vezes (XXXXXXXX, p. 46).
A principal ferramenta da mediação é o diálogo, não sendo por outra razão que Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx a conceitua como “método dialogal de solução ou transformação de conflitos interpessoais”.
Por ter como base o diálogo, nesse meio de solução de conflito os envolvidos não atuam como adversários, mas sim como protagonistas e corresponsáveis pela resolução da crise, para o que contam com o auxílio do mediador. Em razão das partes estarem envolvidas na solução, assumindo responsabilidade por esta, a tendência é de efetividade e cumprimento espontâneo do quanto acordado.
Dentre muitas, uma das principais funções e desafios do mediador é criar o ambiente propício para que os conflitantes se comuniquem, se ouçam, entendam um ao outro, conversem a respeito de seus motivos, suas mágoas e
ressentimentos, e se sintam preparados para encerrar da forma que melhor lhe atenderem qualquer controvérsia.
Como bem pontuado por Xxxxxx Xxxxx Xxxx e Xxx Xxxxxx Xxxxxxxx, a mediação:
[...] não visa pura e simplesmente ao acordo, mas a atingir a satisfação dos interesses e das necessidades dos envolvidos no conflito. [...] E um de seus objetivos é estimular o diálogo cooperativo entre elas para que alcancem a solução das controvérsias em que estão envolvidas. Com esse método pacífico tenta-se propiciar momentos de criatividade para que as partes possam analisar qual seria a melhor opção em face da relação existente, geradora da controvérsia (XXXXX XXXX; XXXXXXXX, 0000, p. 19-20).
O mediador deve ser um terceiro imparcial que tenha confiança das partes envolvidas. É importante que o profissional tenha sensibilidade para visualizar o epicentro do conflito, bem como manter sua imparcialidade e neutralidade diante das situações antagônicas apresentadas pelos conflitantes, as quais são muitas vezes próximas da realidade e vivência do profissional.
Xxxxxxxx Xxxxxxx pontua que o papel do mediador é “facilitar o diálogo para que os envolvidos na controvérsia possam protagonizar a condução de seus rumos de forma não competitiva”. Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx ensina que:
O mediador é um facilitador; um coordenador dos trabalhos, instigando as partes a desenvolver a dialética e comunicação [...].
Neste processo, o mediador deve ter sensibilidade para identificar a origem real do conflito e capacidade para levar as partes a esta percepção, para que o novo olhar facilite a compreensão da controvérsia, e assim contribua para a escolha de soluções, ou, ao menos, para a mudança de comportamento (CAHALI, 2018).
Ao longo dos anos de estudo deste método de solução de controvérsia autocompositiva e não adversarial foram criados diversos modelos para melhor atender aos conflitos. Dentre eles, os mais famosos são: mediação facilitativa, linear ou tradicional de Harvard; mediação avaliativa; mediação circular-narrativa e mediação transformativa.
As duas primeiras – linear e avaliativa – são modelos de mediação direcionados ao acordo, ao passo que o modelo circular-narrativo e transformativo são direcionados à relação dos conflitantes (VASCONCELOS, 2015).
Por ter sido o berço do conceito atual de mediação, Harvard criou seu próprio modelo para a prática, o qual serve de base para os estudiosos do tema que criaram os demais métodos.
Como dito, o modelo de mediação de Harvard tem como foco o acordo, valendo-se para alcançá-lo de terceiro imparcial – o mediador. Neste modelo, após a apresentação dos conflitantes, do mediador e da mediação, as partes narram o problema e são questionados pelo terceiro neutro a fim de evoluírem suas posições para identificar seus interesses comuns subjacentes e elaborarem conjuntamente opções para sua solução.
Centrado no interesse das partes, o facilitador procura separar as pessoas do problema, estimulando a avaliação objetiva da situação e a busca por situações criativas em conjunto e benefício mútuo (relação de ganha-ganha) (CAHALI, 2018).
No ordenamento jurídico brasileiro, a mediação avaliativa é muito próxima da conciliação. Nesta, o facilitador tem liberdade de dar sugestões para os mediados para alcançar a solução do conflito.
O modelo de mediação circular-narrativo foi desenvolvido por Xxxx Xxxx, sendo sofisticado, de origem complexa e multidisciplinar que tem por foco a relação das partes e não mais o acordo.
O método se diferencia por desconstruir as narrativas iniciais trazidas pelos conflitantes, por meio de perguntas de esclarecimentos e de desestabilização – circulares e narrativas. As partes são direcionadas a conjuntamente enfrentar o problema e não a elas próprias.
As perguntas são utilizadas como meio de alcançar a identificação das questões conflitantes e a reflexão sobre o exposto tem o condão de ver o conflito por um ângulo diverso e, consequentemente, pensar em formas para solucioná- lo.
Neste método, reuniões privadas (técnica chamada cáucus) são etapas do procedimento, e não mera faculdade.
A mediação transformativa foi idealizada por Xxxx e Folger e tem como meta “a transformação da interação entre os mediados e o respectivo padrão relacional, mediante empoderamento e reconhecimento” (VASCONCELOS, 2015). O modelo pressupõe que suas diretivas sejam tratadas a cada
procedimento, não comportando regras pré-definidas e nem atitude diretiva do mediador.
Diversamente do que ocorre no método circular-narrativo, o medidor não deve reformular ou readequar afirmações. É priorizada a circulação livre de sentimentos e fluidez, autenticidade e naturalidade na conversa.
Entretanto, o mediador pode valer da técnica do espelhamento e do resumo. Na primeira, o facilitador repete com palavras próximas o afirmado pelo mediado, com o objetivo de reforçar o entendimento para o mediador, apoiar a compreensão do mediado que expressou as palavras espelhadas e possibilitar mais tempo de escuta para o(s) outro(s) mediado(s). Por sua vez, os resumos são utilizados para clarear o exposto, sem quaisquer fins diretivos.
De um modo geral, independentemente do método utilizado, a mediação como meio de solução de conflito tem como objetivos reestabelecer a comunicação entre as partes; prevenir novos conflitos; empoderar as partes para que solucionem eventuais novos litígios por si; oportunizar a prevenção do relacionamento dos conflitantes; inclusão e pacificação social.
Apesar das diversas possibilidades e da informalidade como característica essencial da mediação, de modo geral, as fases do procedimento de mediação são: pré-mediação e mediação propriamente dita (TARTUCE, 2015, p. 243).
Na pré-mediação deve o facilitador, que pode ser o mesmo que mediará propriamente o conflito ou não, explicar o procedimento, seus meios e objetivos, expor a necessidade de cooperação e a responsabilidade das partes diretamente sobre o conflito, tratar sobre custos, escutar o que os conflitantes desejam.
Xxxxxxxx Xxxxxxx trata da importância desta fase:
Como se percebe, a pré-mediação é importante para que as pessoas comecem a vislumbrar oportunidades de trabalhar as controvérsias que as afligem. Na prática, muitas vezes a pessoa se interessa pela mediação extrajudicial e participa de uma sessão de pré-mediação, mas não se sente apta a imediatamente iniciá-la; é comum que passem semanas ou até meses até que ela se decida a participar do procedimento consensual (TARTUCE, 2015).
A segunda etapa – a mediação propriamente dita – é, por sua vez, dividida em cinco etapas: abertura, investigação, agenda, criação de opções, escolha da solução e solução.
Na abertura o facilitador deve firmar-se como condutor do procedimento, inspirar confiança, demonstrar sua imparcialidade (TARTUCE, 2015, p. 245). É importante que nesta sessão o mediador esclareça o que é a mediação e quais são os objetivos a depender da corrente a que se filia, bem como os princípios importantes para o desenvolvimento da mediação e as regras básicas de comunicação e convivência.
Na etapa de investigação, também chamada de exposição das partes, os mediandos relatam o ocorrido para que cheguem à mediação, ressaltando o que sentiram e focando sempre em si, a fim de não atribuir condutas ou sentimentos ao outro.
Para organizar o procedimento, bem como as questões controvertidas, a fase seguinte é a da agenda. Nesta fase, são determinados os pontos a serem trabalhados, listando os itens de interesses dos conflitantes.
A partir do desenvolvimento da mediação, se possível, são criadas opções para a solução do problema, posteriormente escolhe-se uma e, então, está encerrado o procedimento.
Nada impede que as partes optem por encerrar o procedimento em qualquer uma das fases e não há número de sessões certo ou ideal para que se alcance finalmente a solução do conflito.
No desenvolvimento da mediação propriamente dita, a depender do método utilizado pelo profissional, são utilizadas algumas técnicas para alcançar os propósitos da mediação. Dentre eles estão: a escuta ativa, modo afirmativo e modo negativo.
A escuta ativa trata de técnica utilizada pelo facilitador com o objetivo de fazer o locutor perceber que é objeto de atenção, que há interesse dos ouvintes em suas opiniões e, para o mediador, para realmente manter-se atento e interessado ao quanto exposto pelo mediado.
Para demonstrar a escuta ativa existem alguns sinais verbais e não verbais. Algumas técnicas são: manter a postura relaxada, mas atenta; participar ativamente da conversa; evitar escrever ao mesmo tempo para não demonstrar falta de interesse; usar incentivos verbais; contato visual eficiente; evitar
interrupções; realizar perguntar repetindo o conteúdo que foi exposto pelo mediado (TARTUCE, 2015, p. 234).
Como exemplo da técnica modo afirmativo está a checagem da compreensão de certas afirmações para seguir evoluindo na comunicação, que é feita ao parafrasear e resumir o dito pelo mediado. Dessa forma, tanto o locutor primário quanto o interlocutor podem ouvir a informação pela segunda vez e assimilar o que foi exposto.
Por outro lado, pode o locutor primário constatar uma falha ao ouvir a própria ideia dita por outro e explicar melhor seus pensamentos. Também pode ser um meio da outra parte assimilar a informação, tendo em vista que não mais consegue entender ou ser empático com o locutor primário.
O resumo é outro exemplo de modo afirmativo, pelo qual sintetiza-se o tratado na sessão para elucidar ou retomar algum ponto.
Por sua vez, a elaboração de perguntas pode ter várias funções e benefícios para o procedimento, além de preservar a imparcialidade do mediador. Podem ser feitas interrogações exploradoras, a fim de obter maiores informações sobre certo fato relatado pelo mediado; interrogações com o objetivo de expandir os horizontes; instigar a reflexão sobre pressupostos; dentre tantas outras.
Aliás, os benefícios da prática vão muito além da efetivação de acordo entre as partes. A restauração da comunicação, possibilidade de visualizar os interesses do outros, seus sentimentos e frustrações, bem como falar sobre as próprias mágoas e interesses são, certamente, muito positivos e enriquecedores para os mediados.
Em nosso ordenamento jurídico, a mediação pode ser judicial ou extrajudicial.
Quando desenvolvida a partir da propositura de uma demanda ou no curso desta, por mediadores judiciais – isto é, vinculados ao Poder Judiciário – designados pelo juiz da causa, estará diante de uma mediação judicial.
Entretanto, este método de solução de controvérsia não está adstrito ao processo judicial, podendo ser realizado por mediadores independentes (chamada mediação ad hoc) ou no âmbito de uma instituição especializada (mediação institucional).
Para demonstrar o histórico normativo da mediação estabelecem-se três marcos temporais: antes de 2010, o ano de 2010, com o advento da Resolução do CNJ nº 125/2010; e 2015, marcado pela Lei nº 13.105/2015 e Lei nº 13.140/2015, esta última a norma própria do instituto da mediação (RIUS, 2020, p. 26-30).
Antes de 2010, o ordenamento jurídico continha menções esparsas sobre os métodos alternativos de solução de conflitos, incluindo a mediação, com destaque para leis e decretos voltados para o Direito Trabalhista, tendo como exemplo o Decreto nº 1.572/1995 e a Lei 9.958/200. (RIUS, 2020, p. 26-28).
Apesar de não tratar especificamente da mediação, merece destaque a Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995) que teve com força motriz a necessidade de descongestionar os Tribunais Brasileiros e buscou inserir a cultura da pacificação dos conflitos ao nosso sistema judiciário (RIUS, 2020, p. 26).
Em 1998 houve a primeira relevante tentativa de legislar sobre a mediação através do Projeto de lei nº 4.827/1998 (número de tramitação da Câmara de Deputados) de autoria da deputada Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. O projeto de lei tratou de forma simples do instituto, resguardando a informalidade própria do instituto, contendo apenas sete artigos e a ementa: “Institucionaliza a mediação como método de prevenção e solução consensual de conflitos” (RIUS, 2020, p. 27).
No artigo "A mediação no Direito Brasileiro", de própria autoria, foram expostas as características do inovador projeto de lei:
O Projeto de Lei definiu a mediação como a “atividade técnica exercida por terceira pessoa, que, escolhida ou aceita pelas partes interessadas, as escuta e orienta com o propósito de lhes permitir que, de modo consensual, previnam ou solucionem conflitos” .
A simplicidade do projeto é condizente com a informalidade da mediação e, dada a sua importância, esmiúça o quanto apresentado naquela oportunidade.
Com relação ao objeto da mediação, previa a utilização desta em toda matéria que admitisse conciliação, reconciliação, transação ou acordo. Foram especificados parâmetros para a atividade do mediador, quais sejam: capacidade e formação técnica ou experiência prática adequada à natureza do conflito e, de forma atemporal, previa o desenvolvimento da atividade por meio de pessoas jurídicas destinadas a tanto e por intermédio de pessoas físicas que atendam os parâmetros fixados.
O Projeto de Lei ainda previu princípios norteadores da conduta dos mediadores, quais sejam: imparcialidade, independência,
competência, diligência e sigilo. Trazia em seus parcos artigos a possibilidade de suspensão do processo para realização de mediação extrajudicial ou judicial pelo período de três meses prorrogáveis por igual período.
Em mais uma demonstração de atemporalidade para seu tempo e para o escasso regramento brasileiro sobre o tema, o Projeto de Lei 4.827/98 anteviu a mediação pré-processual, com a parte requerendo ao juiz a intimação da parte contrária para comparecer à sessão de mediação judicial, sem que fosse necessário antecipar o mérito da demanda e sua pretensão. A distribuição deste requerimento não tornaria o juiz prevento, mas interromperia a prescrição e impediria a decadência (RIUS, 2020, p. 27).
O segundo marco temporal relevante para este trabalho acadêmico foi o ano de 2010, em razão do advento da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que teve como premissas o direito constitucional ao acesso à justiça implicar no acesso à ordem jurídica justa e que a mediação, assim como a conciliação, é meio efetivo de pacificação social, solução e prevenção de litígios e eficaz, por consequência, para diminuição da excessiva judicialização de conflitos, quantidade de recursos e execução de sentença (RIUS, 2020, p. 28-30):
Em meio à crise do Poder Judiciário relacionada ao elevado números de processos pendentes, demandas repetitivas e aumento da judicialização dos conflitos, o cenário nacional tornou-se favorável à exploração de possibilidades de solução de conflitos por outros eficientes meios.
Além do cenário caótico e pouco eficiente do Judiciário, outras razões pautaram a Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, como a mudança de paradigma sobre o direito constitucional de acesso à justiça, também encabeçada pelo Professor Xxxxx Xxxxxxxx, o qual não mais significaria a possibilidade de os conflitos serem analisados pelo Poder Judiciário e sim o acesso à ordem jurídica justa. Sendo a mediação e conciliação instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, também são meios garantidores do direito constitucional do acesso à justiça.
Ainda, por consequência, os institutos se mostraram eficazes para diminuição da excessiva judicialização de conflitos, da quantidade de recursos e execuções de sentença, reduzindo o número de processos. Assim, em 2010, latente a necessidade de se consolidar uma política permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de controvérsias, por iniciativa do Professor Xxxxx Xxxxxxxx, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça a Resolução 125/2010, dispondo sobre “a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciais”, conforme ementada (RIUS, 2020, p. 28-29).
O ano de 2015, por sua vez, foi marcado pelas alterações legislativas: além da Lei 13.129/2015 que alterou a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), a qual será abordada em outro momento neste trabalho acadêmico, foram destaques as Leis 13.140/2015 e 13.105/2015 (RIUS, 2020, p. 26).
O Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), dentro do seu escopo de disciplinar a atuação dos sujeitos processuais, teve maior enfoque para a mediação judicial, regulamentando sobre os mediadores judiciais, delimitando a atuação da mediação e incluindo o instituto como fase do próprio processo civil, principalmente com a audiência inaugural prevista em seu artigo 334 (RIUS, 2020, p. 31).
Como forma de uniformizar e compatibilizar os dispositivos do Código de Processo Civil de 2015 e da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e regulamentar os pontos que ainda estavam sem tratamento legal, foi feita a Lei 13.140/2015, a chamada Lei de Mediação, voltada prioritariamente à mediação extrajudicial (RIUS, 2020, p. 30).
Desde 18 de março de 2016, está vigente norma própria que regula o instituto da mediação, a Lei nº 13.140/2015, que se dedica a tratar, de modo geral, sobre os mediadores, traz regras gerais sobre o procedimento de mediação, bem como ao conceito do meio de solução extrajudicial de conflitos e suas permissividades subjetivas e objetivas (RIUS, 2020, p. 33-37).
2.1.2 Princípios norteadores da mediação
Após a regulamentação do instituto por lei específica (Lei nº 13.140/2015) foram positivados princípios que o orientam, sendo eles: imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé.
O Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) positivou também os princípios da independência e decisão informada (artigo 166).
O princípio da imparcialidade se impõe ao terceiro facilitador, que deve estar atento para que seus valores pessoais, preferências, intenções não interfiram na condução do procedimento. Além disso, é importante que este não demonstre qualquer sinal de preferência a uma das partes ou a uma das
posições da mediação, a fim de manter a confiança plena das partes em sua postura neutra.
A postura neutra do mediador também é essencial para garantir o respeito ao princípio da isonomia entre as partes.
O princípio da boa-fé remete também à postura do mediador, tal como é exigido para qualquer conduta humana, tendo função pedagógica (CAHALI, 2018).
Por sua vez, a busca do consenso, a oralidade e informalidade são, para Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx, princípios a serem aplicados no procedimento de mediação como técnicas de trabalhos, com o objetivo de desenvolver o trabalho da maneira mais ágil, direta e acessível aos envolvidos (CAHALI, 2018).
Tendo em vista que no procedimento de mediação as partes expõem informações pessoais, sigilosas e muitas vezes se abrem para o terceiro facilitador, é indispensável que este tenha como princípio a confidencialidade. Este princípio viabiliza que as partes se sintam confortáveis no decorrer do procedimento e se manifesta como o absoluto sigilo sobre informações fatos, relatos e situações (CAHALI, 2018).
Tamanha é a importância do princípio para o instituto que a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) destinou uma Seção específica para tratar do tema, prevendo que a confidencialidade será em relação a terceiros e que esta deve ser preservada inclusive em procedimentos arbitrais ou judiciais, com as exceções de quando as partes expressamente decidirem de forma diversa, quando a divulgação foi exigida por lei, necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação, relativa à ocorrência de crime de ação pública e prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação (RIUS, 2020, p. 37).
Seu alcance subjetivo é o mais amplo possível, se estendendo do mediador e partes, aos prepostos, advogados, assessores técnicos e qualquer pessoa que tenha direta ou indiretamente participado do procedimento (RIUS, 2020, p. 37).
Como extensão deste princípio, o mediador fica impedido de atuar, assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes por um ano após o término da última audiência em que atuou, e tampouco funcionar como testemunha em processos judiciais ou arbitrais a respeito do conflito que tenha
sido mediador, ambos previstos no artigo 6º e 7º da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) (RIUS, 2020, p. 37).
Como princípio fundamental e basilar do instituto tem-se a autonomia da vontade das partes, que se refere ao caráter voluntário do procedimento de mediação. O princípio se estende a todos os âmbitos do procedimento e reflete na informalidade deste, tendo os mediados a liberdade de, primeiramente, submeter seu conflito à mediação, escolha comum do(s) mediador(es), abordagem do procedimento, organização, encerramento ou prosseguimento deste.
No entanto, a liberdade de contratar gera responsabilidades e consequências. Por este motivo, a Lei de Mediação (Lei 13.140/2015) prevê que a primeira reunião de mediação é obrigatória quando houver cláusula contratual, não sendo obrigatório permanecer em procedimento. Já para a mediação judicial se torna fase processual obrigatória a primeira audiência, sendo essa de mediação ou conciliação.
O princípio da independência também está vinculado à postura do mediador, que não deve ter vínculo anterior com as partes, devendo revelar as circunstâncias que colocariam em dúvida a independência deste.
O outro princípio acrescentado pelo Código de Processo Civil, o da decisão informada, consiste no direito/dever de as partes receberem informações necessárias sobre o procedimento, conteúdo tratado e composição alcançada.
Neste subcapítulo serão abordados os conceitos e características essenciais do instituto da arbitragem, assim como a legislação atual e princípios fundamentais que permeiam o instituto, para que posteriormente seja analisada a possibilidade de submissão dos conflitos analisados por este estudo ao meio extrajudicial.
2.2.1 Conceito introdutório, natureza jurídica e características essenciais
O conceito de um terceiro especialista, renomado, adjudicando a decisão de um conflito para as partes de forma impositiva é utilizado desde aproximadamente 3.000 anos antes de Cristo pela mitologia grega, não sendo a arbitragem um método novo de resolução de litígios (CAHALI, 2018).
Aliás, mesmo quando em desuso pela sociedade em geral, a arbitragem foi o meio utilizado para a solução de diversos litígios políticos importantes, citando como exemplo a delimitação das fronteiras do Brasil e da Guiana Francesa.
Já situada a importância e dimensão do instituto, importante conceituá-lo.
Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx conceitua o método heterocompositivo de solução de conflitos da seguinte forma:
Na arbitragem, enquanto instrumento de heterocomposição, aparece a figura de um terceiro, ou colegiado, com a atribuição de decidir o litígio que a ele foi submetido pela vontade das partes. Caracteriza-se, assim, ainda como método adversarial, no sentido de que a posição de uma das partes se contrapõe à outra, outorgando-se autoridade ao árbitro para solucionar a questão. A decisão do árbitro se impõe às partes tal qual uma sentença judicial; a diferença é que não foi proferida por um integrante do Poder Judiciário (CAHALI, 2018).
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx aponta o seguinte conceito:
A arbitragem – meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.
Trata-se de mecanismo privado de solução de litígio, por meio do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes (CARMONA, 2009).
Tem-se como características da arbitragem, então, ser um meio heterocompositivo, com terceiro na posição de julgador, onde as partes se encontram em situação adversarial e que tem por objeto alcançar uma sentença impositiva.
Pode se questionar as razões pelas quais as partes elegem a arbitragem como o meio que melhor lhes atenda, tendo em vista que esta possui
características semelhantes ao processo judicial, que também é heterocompositivo, adversarial, que possui uma sentença impositiva em seu fim.
Ocorre que a arbitragem conta com diversas vantagens já amplamente divulgadas.
Uma de suas maiores atratividades é a especialização do julgador, podendo este ter a formação que melhor se adequar ao litígio: engenheiro, dentista, contador, economista, advogado, o que confere técnica ao julgamento e proximidade do julgador com o universo do conflito.
Situação facilmente exemplificativa é a de um litígio decorrente da construção civil, visando a responsabilidade da parte contrária por um dano ocorrido na realização de uma obra. Natural que nem sempre o juiz de direito ou mesmo o advogado conheça o universo particular que é o desenvolvimento de uma obra, mas a possibilidade de ter um engenheiro julgando o conflito ou compondo o Tribunal que o apreciará é de fato satisfatória.
E, viabilizando que o julgador seja especialista, mais um ponto positivo do instituto é a possibilidade de escolha do julgador do conflito, assim como a administração deste por instituição especializada ou não.
Destaca-se ainda a rapidez, estabelecendo a Lei de Arbitragem, em seu artigo 23, que deve ser apresentada sentença no procedimento arbitral após seis meses contados a partir da instituição da arbitragem, embora o prazo possa ser fixado de forma diversa pelas partes, árbitros e regulamentos de câmaras especializadas.
Entretanto, comparando com o tempo médio dos processos judiciários, que se prolongam em razão do congestionamento dos fóruns e das possibilidades recursais, situação inexistente na arbitragem por esta ter a característica de instância única, a vantagem é clara.
A rapidez e a eficácia de ter uma decisão célere proferida por especialista possibilitam um melhor custo-benefício. Os valores iniciais para iniciar uma arbitragem podem assustar, mas o investimento em menor prazo e a solução para o litígio especializada, feita de modo artesanal, confidencial, técnico, garantem a este meio de solução extrajudicial de conflito um melhor custo- benefício com relação às despesas infinitas junto ao Poder Judiciário.
A flexibilidade que permeia a arbitragem também é destaque. Isto porque o formalismo e rigor intrínsecos ao Poder Judiciário dão lugar à eficácia,
tecnicidade, com enfoque na solução de litígios da forma mais eficaz possível. Além disso, a flexibilidade permite a modulação do procedimento para melhor atender aos envolvidos.
O sigilo que a arbitragem oferece também é muito positivo, como expõe Xxxxxxxxx Xxxxxx:
Embora não se tenha na Lei de Arbitragem a exigência de procedimento arbitral confidencial ou sigiloso, geralmente não só a convenção arbitral dispõe sobre esta reserva de publicidade, como também os regulamentos das principais câmaras de arbitragem (arbitragem institucional) estabelecem esta regra, salvo se o procedimento envolver a administração pública. A vantagem é nítida. Tanto as partes quanto o objeto conflituoso não serão divulgados, evitando-se, por exemplo, ferir a imagem da empresa, a divulgação dos segredos industriais ou o quantum da demanda (CAHALI, 2018).
O fato de as próprias partes terem escolhido submeter o conflito ao julgamento de determinado árbitro ou à administração por determinada instituição especializada demonstra confiança, admiração, reconhecimento, o que tende a fazer com que as decisões sejam cumpridas espontaneamente.
Acrescenta-se, então, às características da arbitragem, a celeridade, a informalidade, a instância única e a voluntariedade das partes para submeter o conflito.
Até o advento da Lei 9.307/1996, a natureza jurídica era tema controvertido, dividindo opiniões e formando teorias, sendo as principais: a privatista (contratual), jurisdicionalista (publicista), intermediária ou mista (contratual-publicista) e autônoma.
Para a teoria privatista a arbitragem seria meramente uma obrigação criada por força de um contrato, tendo as mesmas consequências que qualquer outra.
A teoria se fundamenta no fato de que inexistiria arbitragem sem convenção e os poderes do árbitro decorrem deste pacto, sendo a vontade das partes e o consenso a base da arbitragem. Ainda, considera que o árbitro não faz parte do Poder Judiciário – no sistema brasileiro – sendo a atribuição de poder decisório ao árbitro, o cumprimento do contrato e a relação parte-árbitro meramente contratual e não jurisdicional.
A respectiva teoria encontrava resguardo em momento anterior ao advento da Lei nº 9.307/1996, por sustentar a contratualidade do instituto também em razão do laudo arbitral – nomenclatura utilizada à época – depender de homologação do Poder Judiciário para ter força vinculante, o que foi superado.
Em síntese, para tal corrente, a autonomia da vontade envolve toda a arbitragem – na fase antecedente para que o conflito seja a ela submetido e na consequente, nos limites em que fora contratado. O laudo seria imposto às partes ao passo que estas se obrigariam a cumpri-lo por previsão contratual.
a teoria contratualista considera que a arbitragem nasce de um ato de vontade das partes, sujeito à teoria geral das obrigações, bem como que a decisão proferida pelos árbitros não passa de um reflexo desse acordo privado, insuscetível, assim, de ostentar qualquer caráter jurisdicional, até porque não é emanado do Estado, detentor exclusivo da jurisdição. No Brasil, a teoria contratualista da arbitragem não é majoritária, mas é especialmente defendida pela doutrina processual civil, especialmente sob o fundamento de que a jurisdição seria monopólio estatal (FICHTNER; MANNHEIMER; MONTEIRO, 2019).
Por sua vez, para a teoria jurisdicional a arbitragem possui natureza jurídica de jurisdição, tendo em vista que o Estado, através da lei, confere ao árbitro o status e os atributos de juiz, tendo essa autoridade para solucionar litígios, emitindo sentenças e decisões obrigatórias e vinculativas. A arbitragem é vista por esta corrente como forma de exercício da função jurisdicional, ao passo que substitui a jurisdição estatal quanto ao mérito dos conflitos submetidos à arbitragem.
Esta corrente parece ter sido adotada pela Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996). As determinações de que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”, e de que a sentença arbitral produz os mesmos efeitos da proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, contidas nos artigos 18 e 31, respectivamente, evidenciam esta posição.
Por verificar que a arbitragem possui traços contratuais e jurisdicionais, surgiu a teoria intermediária, para a qual este meio extrajudicial de solução de conflitos é pautado no negócio jurídico realizado entre as partes, mas seu desenvolvimento tem natureza jurisdicional.
A doutrina mais moderna já procurava conciliar as duas tendências referidas e, de forma eclética, considerar o instituto da arbitragem como portador de uma natureza sui generis, porquanto nasce da vontade das partes (caráter obrigacional = privado), e, concomitantemente, regula determinada relação de direito processual jurisdicionalizada (caráter público). (XXXXXXXX XXXXXX, 2019, p. 118)
E, em oposição às demais já expostas, para a teoria autônoma a arbitragem é um sistema de solução de conflitos desvinculado de qualquer sistema jurídico, sendo uma jurisdição própria, independente e diversa da que integra um sistema jurídico. O pensamento encontra sentido na arbitragem internacional, na qual não são aplicadas as regras do sistema jurídico normalmente aplicável ao conflito.
Sobre as teorias mista e autônoma, Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx leciona
que:
Há outras teorias, como a intermediária e a autônoma. Naquela, agrega-se “os fundamentos de uma e outra das teorias anteriores, para concluir que, mesmo pautada no negócio jurídico realizado entre as partes, e sendo dele decorrente, não se pode desenvolver a arbitragem fora de um sistema jurídico”. Nessa, cria-se “um sistema de solução de conflitos totalmente desvinculado de qualquer sistema jurídico existente”, tendo mais relevância nas arbitragens internacionais. Tem- se notícia de que, principalmente nos Estados Unidos e na França, a teoria autônoma é a que tem mais se destacado. É considerada uma evolução da teoria intermediária ou híbrida, e defende uma completa desvinculação do procedimento arbitral em face da lei do país sede da arbitragem, seja porque as partes teriam direito a tanto, com fulcro no princípio da autonomia privada, seja porque o centro de arbitragem não faz parte do Poder Judiciário local (BERALDO, 2014, p. 4).
Entretanto, para que seja possível identificar a natureza jurídica da arbitragem, é necessário tangenciar a respeito do significado do termo jurisdição. Se compreendido como poder, atribuição e atividade do Estado para aplicação do ordenamento jurídico vigente, então não é possível afirmar que a arbitragem teria natureza jurídica de jurisdição, pois integra o sistema privado de
solução de conflitos (CAHALI, 2018).
Entretanto, se considerada a jurisdição como o poder de solucionar controvérsias, dizer o direito, é inegável que a arbitragem tenha esta natureza jurídica.
Não se nega, outrossim, a natureza contratual da origem da arbitragem. As partes, valendo-se de sua autonomia da vontade, pactuam que subtraem do Judiciário a apreciação de conflito existente ou que venha a existir e escolhem submeterem-no à arbitragem. Mas, no instante em que esta forma de solução de conflito é escolhida já se desperta a jurisdição, conforme afirma Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx:
No exato instante em que as partes, na convenção arbitral, sua origem é contratual, indicam como forma pretendida para a solução do conflito, já se desperta a jurisdição, inerente ao instituto da arbitragem por força da Lei 9.307/1996, a ser provocada quando da instauração do procedimento (CAHALI, 2018).
A autonomia da vontade das partes para eleger a jurisdição como meio de solução de conflito é externada através da convenção arbitral.
Xxxxxxxx Xxxxxxx conceitua a convenção arbitral como:
A sua natureza jurídica é de um contrato, podendo ser bilateral ou multilateral.
Algumas de suas características são a necessidade de ser escrita, a vedação de conteúdo genérico, a autonomia perante a relação jurídica e a sua acessoriedade. No Direito brasileiro, não se admite convenção de arbitragem oral. Não pode ser vaga, pois ela determinará o objeto da arbitragem. É autônoma em face da relação principal, pois tem seus requisitos próprios e regula pontos distintos. É acessória, pois só existe porque há uma outra relação jurídica, a principal.2 Só se pactua uma convenção de arbitragem, em qualquer uma de suas espécies, pois há uma demanda por vir, certa ou incerta, presente ou futura (BERALDO, 2014).
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx traz as seguintes lições:
A convenção arbitral é o negócio jurídico celebrado entre dois ou mais sujeitos logo ao realizarem um contrato destinado a reger suas relações (cláusula compromissória – LA, art. 4º) ou depois de já instaurada uma litigiosidade entre eles (compromisso arbitral – LA, art. 9º). Como todo negócio jurídico, a convenção de arbitragem está sujeita, segundo o disposto no artigo 104 do Código Civil, ao tríplice requisito (a) da capacidade dos sujeitos, não sendo válida a convenção celebrada entre incapazes em geral (LA, art. 1º), (b) da licitude e possibilidade do objeto, não valendo a convenção arbitral quando versar sobre direitos indisponíveis (LA, art. 1º), e (c) da “forma prescrita ou não defesa em lei” (DINAMARCO, 2013, p. 73).
A convenção arbitral produz dois efeitos: um negativo e um positivo. O efeito negativo é dirigido ao Estado e trata-se do afastamento da jurisdição Estatal da apreciação da matéria objeto da convenção. Por sua vez, o efeito positivo diz respeito às partes, que ficam sujeitas à arbitragem para solucionarem seus conflitos a partir do momento em que firmam a convenção arbitral.
Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx assim ensina:
Na doutrina fala-se em dois efeitos da convenção de arbitragem, sendo um positivo e um negativo. Este é a abstenção da jurisdição estatal para se dirimir o mérito da lide, já, aquele, seria a submissão da questão conflituosa ao juízo arbitral. Com relação ao efeito negativo, não se trata de um afastamento definitivo, uma vez que o Judiciário pode vir a ser utilizado para se efetivar medidas de urgência, conduzir testemunhas, executar a sentença ou, até mesmo, decretá-la como nula (BERALDO, 2014).
A legislação (Lei nº 9.307/1996) identifica a convenção arbitral como gênero do qual são espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. Apesar de ambas terem o mesmo objetivo, estas têm como diferença primordial o momento de sua elaboração.
A cláusula compromissória é a previsão em contrato de que eventuais conflitos dele emergentes serão resolvidos por arbitragem. Tem caráter preventivo, na medida em que as partes estão na expectativa de contratar e honrar seus compromissos contratuais, porém desde então deixam previsto que eventual conflito decorrente do contrato deverá ser resolvido por arbitragem, não pelo Judiciário.
Já o compromisso arbitral é o instrumento firmado pelas partes por meio do qual diante de um conflito manifesto, já deflagrado entre os envolvidos, faz-se a opção por direcionar ao juízo arbitral a jurisdição para solucionar a questão (CAHALI, 2018).
A diferença entre as duas espécies de convenção de arbitragem é meramente temporal, a partir do momento em que surge o litígio. A cláusula compromissória se refere a conflito eventual e futuro; o compromisso arbitral, a conflito certo e presente (FICHTNER; XXXXXXXXXX; XXXXXXXX, 2019).
A Lei dispõe, em seu artigo quarto, que a cláusula compromissória “é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir” relativamente a tal contrato. A cláusula deve ser estipulada por escrito e constar do próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
Ou seja, tal como as demais cláusulas do contrato, a cláusula compromissória é formulada e pactuada entre as partes no momento em que o contrato está nascendo, ocasião em que os envolvidos possuem muitas expectativas, normalmente positivas, com relação ao negócio jurídico que estão fazendo.
Interessante e muito positivo para o instituto é a previsão legal de que a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato, o que significa dizer que independentemente da validade do contrato – que será aferida pelo próprio árbitro – a cláusula compromissória permanece, irradiando seus efeitos principalmente quanto ao princípio do Kompetenz-Kompetenz, que será tratado mais adiante. Sobre a autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx menciona que:
A lei pretendeu, neste sentido, “fechar uma brecha” que permitiria às partes, sempre que alegassem a nulidade da cláusula arbitral ou do contrato, ignorar o pacto de arbitragem e acessar o Poder Judiciário para dirimir o conflito.
Em resumo, ainda que o conflito verse sobre a competência do árbitro ou sobre a nulidade do próprio contrato ou da convenção de arbitragem, a controvérsia deverá ser decidida inicialmente pela arbitragem e não pelo Poder Judiciário, mesmo que as partes tenham resilido bilateralmente o contrato e a controvérsia verse sobre o distrato (SCAVONE JUNIOR, 2016, p. 100).
A fim de ser eficiente quando do surgimento da controvérsia, é essencial que a cláusula preveja a forma de instituir a arbitragem, considerando que esta pode ser administrada pelo próprio árbitro e sua equipe (arbitragem ad hoc) ou por instituição especializada (arbitragem institucional).
No caso de as partes pactuarem que a arbitragem será institucional é importante que a instituição seja escolhida e esteja expressa na cláusula compromissória. Ao se eleger uma instituição arbitral, a forma de instituição da arbitragem estará prevista no próprio regimento desta, sendo possível o início do procedimento arbitral a qualquer momento.
Se a opção for prever uma arbitragem ad hoc, no momento da elaboração da cláusula compromissória, os contratantes farão a escolha do árbitro ou o Tribunal Arbitral que julgará eventual futuro litígio ou mesmo os critérios para que seja feita a escolha dos julgadores; as partes devem se atentar para definir na própria cláusula compromissória os trâmites necessários para a instauração do
procedimento arbitral, podendo, também, adotar o regimento interno de uma instituição especializada para fazer as vezes.
Acaso a cláusula compromissória não possua elementos que possibilitem a instauração do procedimento arbitral – a chamada “cláusula vazia” pela doutrina – seja por não previsão, encerramento da instituição eleita, ou outro, a lei traz a solução em seu artigo sexto:
Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral.
Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa (BRASIL, 1996).
Caso a solução conferida pela Lei em seu artigo sexto não seja suficiente e ainda haja resistência quanto à instituição da arbitragem, foi criada uma ação judicial cabível que objetiva a lavratura judicial de compromisso arbitral, a qual está prevista no artigo sétimo da referida Lei:
Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.
§ 1º O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória.
§ 2º Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso arbitral.
§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta Lei.
§ 4º Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do litígio.
§ 5º A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito.
§ 6º Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.
§ 7º A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral (BRASIL, 1996).
O compromisso arbitral, conforme aponta a Lei de Arbitragem, “é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial”. Exige-se que, se extrajudicial, seja feito por escrito, através de instrumento público ou particular, devendo, se particular, contar com a assinatura de duas testemunhas.
Considerando que o compromisso arbitral é feito na iminência de um conflito e quando as partes ainda não pactuaram que estes seriam submetidos à arbitragem, situação em que já existe uma tensão entre os envolvidos, a Lei considera obrigatório que conste do compromisso: identificação pessoal das partes, identificação do(s) árbitros ou entidade especializada; matéria que será objeto da arbitragem; e o lugar em que será proferida a sentença arbitral – este último para se determinar se trata-se de arbitragem internacional ou não.
Além dos requisitos obrigatórios, a Lei faculta outras previsões, como a indicação de lei a ser aplicada, opção por julgamento por equidade, prazo para apresentação de sentença arbitral, local de desenvolvimento da arbitragem. Entretanto, de caráter apenas exemplificativo, pois podem as partes pactuarem todo o quanto corresponder a sua autonomia da vontade.
Em que pese o limite para o conteúdo do compromisso arbitral seja muito extenso – a autonomia da vontade das partes – demasiadas e específicas previsões podem atrapalhar a aceitação pelo árbitro, ou até mesmo impossibilitá- la, e ser causa de extinção do compromisso:
Art. 12. Extingue-se o compromisso arbitral:
I - escusando-se qualquer dos árbitros, antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado, expressamente, não aceitar substituto;
II - falecendo ou ficando impossibilitado de dar seu voto algum dos árbitros, desde que as partes declarem, expressamente, não aceitar substituto; e
III - tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, desde que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral (BRASIL, 1996).
Não se pretende neste trabalho analisar os pormenores e todos os reflexos do instituto da arbitragem, razão pela qual não se estende no tema, sendo relevante para o objeto de estudo principal os parâmetros primordiais deste método de resolução de conflito.
2.2.2 Legislação atual e princípios fundamentais
A Lei de Arbitragem, em seu artigo 21, parágrafo segundo, fixou como princípios a serem respeitados no procedimento arbitral o do contraditório, igualdade das partes e, com relação ao árbitro, a independência e livre convencimento.
O princípio do contraditório representa a necessidade de se oportunizar a participação das partes no processo sobre as questões relevantes à causa, apresentar provas, defender-se de alegações.
Diferentemente do processo judicial, no qual a maioria dos prazos é determinada por lei, no procedimento arbitral não há qualquer regra predeterminada, cabendo às partes pactuarem sobre a calendarização ou ao árbitro decidir. Assim, a concessão de justo prazo também se torna ferramenta de garantia ao princípio do contraditório.
Nas palavras de Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx, a igualdade das partes significa conceder às partes as mesmas oportunidades:
A igualdade das partes, por sua vez, manifesta-se pelo tratamento idêntico a ser propiciado pelo arbitro aos envolvidos, em especial quanto às faculdades para a prática de atos, quer sejam eles relacionados a manifestação em geral, inclusive relativos à indicação e impugnação de árbitros, ou à produção de provas.
Esta é uma perspectiva processual e objetiva das partes – conceder- lhes as mesmas oportunidades. E assim se considera ao contratarem espontaneamente a opção pelo juízo arbitral, já se pressupondo ter sido avaliado pelos signatários o equilíbrio na relação. Assim, ficam afastados eventuais privilégios que a legislação processual concede a determinadas partes por desigualdades ontológicas (por exemplo, prazo diferenciado, advogado dativo etc.) (CAHALI, 2018).
A imparcialidade do árbitro foi positivada não apenas como princípio a ser respeitado no procedimento arbitral, mas também como conduta esperada, conforme parágrafo 6º do artigo 13 da Lei 9.307/1996, tendo este dever legal de revelar qualquer fato que possa incitar dúvida justificada quanto à sua
imparcialidade e independência no procedimento arbitral (artigo 14, parágrafo primeiro da mesma Lei).
Além do dever de revelar situações, o árbitro deve reger todo o procedimento com imparcialidade, “agindo com isenção, até para não direcionar o julgamento” (CAHALI, 2018).
Por fim, a Lei traz como princípio informativo do procedimento arbitral o do livre convencimento, para o qual o árbitro deve julgar sem influências de convicções próprias e fatos externos, que comprometam sua independência e isonomia. Em sua função de julgador, o árbitro deve ter liberdade para deferir, determinar, conduzir a instrução do feito e valorar provas de acordo com seu convencimento.
Considerando que constitui requisito obrigatório da sentença arbitral o fundamento da decisão, com análise de fatos e de direitos, tem-se que o livre convencimento do árbitro deve ser motivado. Neste sentido, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx:
[...] livre convencimento não se confunde com arbítrio, de forma que deve o julgador fundamentar a sentença, explicando os motivos de seu convencimento, como forma de possibilitar às partes o controle da decisão (CARMONA, 2009, p. 298).
Por sua vez, a arbitragem como instituto rege-se basicamente por dois princípios: o da autonomia da vontade e o Kompetenz-Kompetenz.
O princípio Kompetenz-Kompetenz tem origem no direito alemão e, em tradução literal, significa competência-competência. No direito alemão, originalmente, o princípio significava que apenas os árbitros poderiam decidir sobre sua competência, vedado o controle pela jurisdição estatal (SCAVONE JUNIOR, 2016, p. 103).
A Lei Brasileira de Arbitragem (Lei 9.307/1996) positivou o referido princípio no parágrafo único de seu artigo oitavo, o qual versa em seu caput sobre a autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato, tema já tratado neste estudo:
Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.
Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória (BERALDO, 2014).
Este princípio exclusivo da arbitragem implica que ao árbitro é atribuída com primazia a capacidade de analisar as questões inerentes ao contrato, tais como sua existência, validade e eficácia, e à cláusula compromissória, quanto ao respeito às condições de arbitrabilidade, bem como a sua própria competência para dirimir o conflito.
Conceder ao árbitro a atribuição exclusiva de analisar por primeiro as questões referentes à invalidade da convenção arbitral prestigia o instituto, ao passo que manifesta um importante efeito negativo para o Poder Judiciário: o de se abster de apreciar controvérsias se as partes tiverem convencionado submetê-las à arbitragem, independentemente do que se alegue.
Para Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Junior:
[...] a razão do princípio competência-competência é manter a higidez da arbitragem como meio de solução de conflitos.
Em suma, sem sua aplicação, de resto presente nas legislações estrangeiras que contam com a previsão da arbitragem como meio de solução de conflitos, qualquer alegação de invalidade da convenção de arbitragem ou do contrato do qual ela decorre poderia permitir o acesso direito ao Poder Judiciário e essa, definitivamente, não foi a intenção da lei (SCAVONE JUNIOR, 2016, p. 108).
Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx é incisivo ao ressaltar a importância do princípio:
Essa regra é de fundamental importância ao instituto da arbitragem, na medida em que, se ao Judiciário coubesse decidir, em primeiro lugar, sobre a validade da clausula, a instauração do procedimento arbitral restaria postergada por longo período, e, por vezes, apenas com o intuito protelatório de uma das partes em esquivar-se do cumprimento da convenção. O princípio, desta maneira, fortalece o instituto, e prestigia a opção das partes por esta forma de solução de conflitos, e afasta, em certa medida, o risco de desestímulo à contratação da arbitragem, em razão de potencial obstáculo prévio a surgir no Judiciário diante da convenção, por maliciosa manobra de uma das partes (CAHALI, 2018).
Insta salientar que, não obstante o árbitro tenha a atribuição de analisar por primeiro, o juízo estatal não é excluído do exame da existência, validade ou eficácia da convenção arbitral, uma vez que encerrada a arbitragem e presente
este vício na sentença arbitral é facultado à parte pleitear a órgão do Poder Judiciário a declaração de nulidade desta, com fulcro nos artigos 32, I, e 33 da Lei 9.307/1996.
Como bem pontuado por Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx:
[...] o poder de apreciação pelos árbitros não chega ao ponto de subtrair radicalmente aos juízes togados a competência para avaliar os casos em que não se possa sequer haver dúvida séria e razoável sobre a cláusula (dupla interpretação), suas dimensões, suas ressalvas, sob pena de abrir escâncaras à indiscriminada subtração dos litígios à apreciação pelo juiz natural (DINAMARCO, 2013, p. 95).
O Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105/2015) prestigiou o princípio ao estabelecer como causas de extinção de processo judicial sem resolução de mérito o acolhimento da alegação de existência de convenção de arbitragem e o reconhecimento pelo juízo arbitral de sua competência (artigo 485, VII).
Além deste dispositivo, ao elencar a rejeição da alegação de convenção de arbitragem como hipótese de interposição de Agravo de Instrumento, o legislador confere eficácia e celeridade à discussão e reconhece que é inviável que isto seja somente revisto por instância superior em sede de razões ou contrarrazões de recurso de Apelação, o que seria muito negativo para o instituto da arbitragem e incentivaria protelações mal intencionadas.
Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx faz prudente crítica à tradução literal do termo Kompetenz-Kompetenz para competência-competência. Adotando o conceito de jurisdição como dizer o direito, aplicar o direito, o autor sustenta que contém neste princípio a essência da jurisdição, devendo ser chamado “jurisdição- jurisdição”:
Na verdade, embora se traduza como princípio da competência- competência, e assim se refira a doutrina ao identificar esta regra, como antes referido, se contém neste princípio a essência da jurisdição que, in abstracto, é inerente ao árbitro, pois se atribui a ele, in concrecto, o poder de avaliar o litigio a ele submetido e concluir pela inviabilidade de sua apreciação no seu próprio juízo arbitral, ou seja, diz o árbitro que a matéria não é arbitrável, e assim, impossível de ser por ele apreciada. Desta forma, a regra confirma uma vez mais a opção legislativa de outorgar jurisdição ao juízo arbitral.
Neste caminho a doutrina, a qual nos filiamos, diz que o princípio da competência-competência deveria ser da “jurisdição-jurisdição”. O árbitro tem competência para avaliar a possibilidade de o litígio ser
submetido à sua jurisdição ou não, haja vista a natureza jurisdicional da arbitragem [...] (CAHALI, 2018).
O Superior Tribunal de Justiça vem prestigiando em suas decisões o referido princípio, especialmente quando diante de conflitos de competência, confirmando o princípio do Kompetez-Kompetenz e, assim, valorizando a arbitragem.
Outro princípio basilar da arbitragem é o da autonomia da vontade. Isto porque a arbitragem tem caráter voluntário em nosso ordenamento jurídico atual e tão somente o ato de vontade das partes – em conjunto – pode ensejar a submissão dos conflitos à jurisdição arbitral.
Como autonomia da vontade entende-se a concessão às pessoas de poder estabelecer direitos e deveres, disciplinar seus interesses, contratar, deixar de contratar livremente através de declaração de vontade, limitada pelo sistema normativo como um todo.
Assim, é a autonomia da vontade que confere à arbitragem existência.
E esta não se mostra presente apenas quando da manifestação da vontade para se eleger a arbitragem, mas também quanto à indicação de quantos serão os julgadores do conflito, quem serão esses, se o procedimento será administrado por instituição específica e qual. No decorrer do procedimento as partes podem deliberar, com a autorização e consentimento do árbitro, sobre como se dará a contagem dos prazos, o prazo pra que a sentença seja proferida (também possível em convenção arbitral), as fases do procedimento, locais para prática de atos, dentre outros tantos.
Importante é que as decisões sejam de comum acordo entre os interessados, inexistindo a imposição de vontade de um sobre o outro.
O presente subcapítulo possui o intuito de analisar as condições objetivas e subjetivas necessárias para a submissão dos conflitos ao procedimento de mediação e à jurisdição arbitral, para, posteriormente, investigar se os litígios
decorrentes do casamento ou da união estável preenchem estas condições, tema central deste trabalho.
O requisito subjetivo diz respeito aos sujeitos que podem se valer do meio de solução de conflito. Para a arbitragem, é dado o nome de arbitrabilidade subjetiva.
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx assim ensina:
o conceito de arbitrabilidade subdivide-se em arbitrabilidade subjetiva e objetiva. A primeira refere-se aos aspectos da capacidade para poder se submeter à arbitragem e, no direito público e administrativo, seja como pessoa jurídica de direito público (Estado e autarquias) ou de direito privado (sociedade de economia mista e empresa pública), o ente público e privado a possui. Por sua vez, a arbitrabilidade objetiva refere-se ao objeto da matéria a ser submetida à arbitragem, ou seja, somente as questões referentes a direitos patrimoniais disponíveis (LEMES, 2004, p. 5),
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, por sua vez, pontua que:
ao aludir à disponibilidade e à capacidade de contratar como requisitos indispensáveis para a arbitragem, o art. 1º da Lei de Arbitragem está cuidando de dois aspectos distintos mas intimamente relacionados da disponibilidade e da arbitrabilidade, representados pelas causas objetivas e pelas causas subjetivas que as excluem – ou seja, está fornecendo os contornos da arbitrabilidade objetiva e os da arbitrabilidade subjetiva. Pode a indisponibilidade de bens ou interesses ter por causa a natureza e a destinação dos próprios bens ou interesses controvertidos (indisponibilidade objetiva), mas pode também resultar de uma especial condição pessoal do titular (indisponibilidade subjetiva). É esse o ponto de encontro dos dois requisitos postos no art. 1º da lei especial para a arbitrabilidade, os quais, em uma visão sistemática, constituem projeções das exigências de agente capaz e de objeto lícito e possível [...]. O bem sendo indisponível em si mesmo, não se admite a arbitragem, ainda quando
o sujeito seja plenamente capaz. O sujeito não tendo capacidade, também não se admite a opção arbitral, mesmo que em si mesmo o bem seja disponível (DINAMARCO, 2013, p. 76).
Quanto ao viés subjetivo, é necessário que as pessoas que desejam submeter seus conflitos à arbitragem sejam capazes de contratar. Sobre este requisito, primordial é analisar a capacidade, que se refere à aptidão da pessoa para ser titular de um direito (CAHALI, 2018).
Como é cediço, o ordenamento pátrio reconhece a existência da capacidade de direito e capacidade de fato. A capacidade de ser titular de
direitos está associada à personalidade jurídica e é prevista no artigo primeiro do Código Civil: “Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.”, iniciando a personalidade jurídica da pessoa a partir de seu nascimento com vida – sendo esta resguardada desde a concepção.
Por sua vez, a capacidade de fato significa exercer direitos e encontra algumas restrições contidas no artigo terceiro e quarto do Código Civil. Essas restrições dizem respeito à idade, à incapacidade de exprimir vontade, aos pródigos, ébrios habituais e viciados em tóxicos:
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial (BRASIL, 2002).
Os absolutamente incapazes – menores de dezesseis anos – apenas são titulares de direitos. Por este motivo, é necessário que sejam representados por seus responsáveis legais se necessitarem exercer direitos, já os relativamente incapazes – no limite de suas incapacidades – devem ser assistidos. Assim, considerando que estes podem contratar a partir da assistência ou representação de pais, tutores ou curadores, não há óbice quanto a este ponto para que instituam a arbitragem como meio de solução de conflito.
Assim dispõe Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx:
O que se pode afirmar, [...], é que as pessoas podem ser representadas, assistidas ou podem estar abarcadas pela concessão de tomada de decisão apoiada (art. 1.783-A do CC) na convecção de arbitragem, desde que respeitados os limites decorrentes da matérias, que deve versar sobre direitos patrimoniais disponíveis.
Assim, com respeito a posições em sentido contrário, nada obsta que, circunscritos aos limites de mera administração impostos à representação, tutela, curatela e tomada de decisão apoiada, os pais, tutores, curadores ou apoiadores possam representar, assistir ou apoiar os incapazes ou pessoas com deficiência, firmando cláusulas ou compromissos arbitrais que versem sobre direitos patrimoniais
disponíveis desses mesmo incapazes ou pessoas com deficiência (SCAVONE JUNIOR, 2016, p. 15).
Discordando do posicionamento, Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx se posiciona da seguinte forma:
A restrição à instituição do juízo arbitral decorre da indisponibilidade do direito que se vê nessas situações.
Assim, a convenção arbitral envolvendo menor relativamente incapaz, mesmo assistido pelos pais, tem restrição, pois os direitos em questão são indisponíveis. E mesmo no caso de contratos que envolvam a mera administração, embora permitidos sem autorização judicial aos incapazes assistidos ou representados, o óbice à utilização da arbitragem surge em razão da necessária participação do Ministério Público no processo (art. 178, II, do CPC2015) (CAHALI, 2018).
Ou seja, a impossibilidade de submissão do conflito ao juízo arbitral, neste sentido, não se dá apenas em razão da incapacidade de exercício de direito, mas sim em razão da indisponibilidade de direitos e, quando possível, da necessidade de intervenção do Ministério Público, situação ainda inviável para a arbitragem nacional.
Por sua vez, as pessoas jurídicas são dotadas também de personalidade jurídica – a que é independente de seus membros. A sociedade, exemplo de pessoa jurídica, adquire personalidade jurídica com a inscrição dos seus atos constitutivos no registro próprio e na forma da lei, de acordo com o artigo 985 do Código Civil.
Também existem as figuras dos entes despersonalizados, que são o espólio, a massa falida, o condomínio, os quais, em que pese não tenham personalidade jurídica, têm capacidade de contratar (CAHALI, 2018).
Para o procedimento de mediação a Lei própria (Lei nº 13.140/2015) não faz qualquer menção à capacidade exigida para as partes, tão somente para o mediador, o que já foi tema de exposição neste estudo.
No entanto, para que as partes submetam seus conflitos à mediação, é imprescindível que também sejam capazes de exercer direitos.
Quanto aos requisitos objetivos, como mencionado, é necessário conceituar direito disponível, indisponível, indisponível que admite transação e patrimonial e extrapatrimonial.
O conceito de “disponível” existente no dicionário2 é: “1. de que se pode dispor. 2. Sem ocupação ou impedimento; desimpedido, livre. 3. JUR. Diz-se de bens de que se pode livremente dispor, por doação ou testamento”.
De acordo com o Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras, “direito disponível” se refere “à generalidade dos direitos a todos proporcionados, em contraposição àqueles que por lei são vedados de disposição pelo titular” (SIDOU, 2016).
A autora Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx elucida que a disponibilidade:
considerada em seu sentido restrito, ou seja, significa o poder de transmitir direitos ou renunciar a eles. No sentido amplo [...], significa o poder que a pessoa tem de gerir seus interesses particulares no âmbito da vida privada, sem a interferência do Estado ou de terceiros (BORGES, 2005, p. 131).
Direitos disponíveis são, portanto, os direitos que estão à disposição de seu titular para alienação, cessão, doação, patrimonialização, renúncia, transação, dentre outros.
Direito disponível é o alienável, transmissível, renunciável, transacionável. A disponibilidade significa que o titular do direito pode aliená-lo, transmiti-lo inter vivos ou causa mortis, pode, também, renunciar ao direito; bem como pode, ainda, o titular transigir seu direito.
Para Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx:
A disponibilidade do direito se refere à possibilidade de seu titular ceder, de forma gratuita ou onerosa, estes direitos sem qualquer restrição. Logo, necessário terem as partes o poder de autorregulamentação dos interesses submetidos à arbitragem, podendo dispor sobre eles pelas mais diversas formas dos negócios jurídicos; são, pois interesses individuais, passíveis de negociação, ou seja, podem ser livremente exercidos pela parte (CAHALI, 2018).
Scavone Junior relaciona a disponibilidade com a possibilidade de alienação: “A disponibilidade dos direitos se liga, conforme pensamos, à possibilidade de alienação e, demais disso e principalmente, àqueles direitos que são passíveis de transação” (SCAVONE JUNIOR, 2016, p. 16).
2 DISPONÍVEL. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/>. Acesso em: 1 jun. 2020.
A disponibilidade do direito está intimamente ligada ao exercício da autonomia privada por seu titular: estar-se-á diante de direitos disponíveis quando for abrangente e integral a possibilidade de seu titular exercer sua autonomia privada sobre aquele direito.
Por sua vez, a palavra indisponível é conceituada como “que não é ou não está disponível”. J. J. Xxxxxx xx Xxxxxx, mencionado por Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx, ensina que direito indisponível é “aquele não renunciável ou a respeito do qual a vontade do titular só se pode manifestar eficazmente, satisfeitos determinados controles” (MALUF, 1985, p. 54).
A indisponibilidade está relacionada à proteção do Estado acerca da matéria. Os direitos de personalidade, como a dignidade da pessoa humana, são extremamente tutelados pelo Estado e, por este motivo, não podem ser objeto de transações (nem mesmo quanto às suas repercussões).
não podem ser transacionados os direitos personalíssimos e as coisas inalienáveis, quer por sua natureza, quer em virtude da vontade humana quando a lei lhe dá eficácia. E também não podem ser negociadas situações de direito e família, de caráter não patrimonial, como, p. ex., a guarda dos filhos em troca de pagamento em dinheiro (...).
Trata-se, em todas as hipóteses, de coisas fora do comércio. Algumas relações jurídicas interessam mais diretamente à ordem pública, de modo que, embora apresentem um aspecto patrimonial, não podem ser objeto de transação (MALUF, 1985, p. 56).
Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx elucida que os direitos indisponíveis se referem aos quais o titular não pode “por ato de manifestação de vontade, transferir, alienar, extinguir ou modificar, devendo exercê-los na forma que a lei determinar” (ANTUNES, 2017, p. 53-54).
Diretamente acerca da possibilidade de serem submetidos à arbitragem, Xxxxxxx Xxxxxx Dinamarco leciona que:
São objetivamente indisponíveis e portanto não comportam a via arbitral todos os direitos da personalidade, os que envolvam a ordem pública ou sanções à improbidade administrativa, o jus puniendi de que é titular exclusivo o Estado, os direitos a alimentos, os referentes a bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial (CC, art. 100) etc. [...] Em casos assim faltará a esse negócio jurídico que é a convenção arbitral o requisito do objeto lícito e possível (CC, art. 104, inc. II) – e a ilicitude desse objeto advém do veto expressamente posto
pelo art. 1º da Lei de Arbitragem às arbitragens referentes a direitos indisponíveis (DINAMARCO, 2013, p. 78).
No entanto, os direitos indisponíveis são subdivididos em absolutamente indisponíveis, que são os que não admitem transação em qualquer hipótese, e os relativamente indisponíveis, que tem seus aspectos secundários flexibilizados e passíveis de composição. A disponibilidade, para os direitos relativamente indisponíveis, diz respeito à modalidade, forma, aos prazos e valores do direito, os quais são perfeitamente transacionáveis (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2014, p. 13-14).
Clássico exemplo dessa indisponibilidade relativa é o direito aos alimentos, tanto de genitor para filho, quanto entre cônjuges. É impossível e nula qualquer previsão de renúncia a este direito; no entanto, é possível a previsão – como já visto – de parâmetros para a fixação dos alimentos, bem como a composição sobre o valor a ser pago a título de pensão alimentícia, com a condição de que este seja submetido à apreciação do Ministério Público.
Outro exemplo clássico e relacionado ao Direito de Família está no direito de convivência entre os genitores e a prole. A forma como a convivência se desenvolverá é plenamente convencionável, mas transacionar sobre o direito da convivência em si é inadmitido.
O outro aspecto relevante para aferir a possibilidade de submissão de litígios ao meio extrajudicial da arbitragem, especialmente, é a patrimonialidade do direito.
Os direitos podem ser subdivididos também em patrimoniais ou extrapatrimoniais. Os primeiros se referem aos direitos que possuem valor econômico, compõem o patrimônio de seus titulares e podem ser aferidos monetariamente mesmo que de forma indireta, como é o caso de indenizações decorrentes de danos morais.
Entre os direitos de cunho patrimonial, encontramos as relações jurídicas de direito obrigacional, ou seja, aquelas que encontram origem nos contratos, nos atos ilícitos e nas declarações unilaterais de vontade (SCAVONE JUNIOR, 2016, p. 16).
Xxxxx X. Xxxxxxx Xxxxxxx conceitua os direitos patrimoniais como sendo “aqueles passíveis de conversão monetária e que se encontrem na livre
disposição do titular”. Nas lições de Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx “o direito é patrimonial quando possuir expressão monetária, isto é, quando puder fazer parte da universalidade de bens e direitos de um indivíduo”.
Os direitos extrapatrimoniais ou não patrimoniais são os direitos que não têm seu valor mensurado em termos econômicos, tendo como clássicos exemplos os direitos de personalidade e estado da pessoa:
Direitos não patrimoniais, pois, de plano são excluídos do juízo arbitral. E assim, os direitos da personalidade (direito à vida, a honra, a imagem, ao nome), o estado da pessoa (modificação da capacidade, como interdição, dissolução do casamento, reconhecimento ou desconstituição da filiação, atributos do poder familiar, como guarda e regulamentação de visitas), ficam excluídos da arbitragem (CAHALI, 2018).
Os direitos não patrimoniais, por seu turno, são aqueles ligados aos direitos da personalidade, como o direito à vida, à honra, à imagem, ao nome e ao estado da pessoa, como, por exemplo, a capacidade, a filiação e o poder familiar, entre outros com a mesma natureza (SCAVONE JUNIOR, 2016, p. 16)
A Lei de Mediação autoriza que sejam submetidas a este meio de solução extrajudicial os conflitos que versem sobre direitos disponíveis e indisponíveis que admitam transação. No caso destes últimos, se a mediação resultar em composição, esta deve ser homologada em juízo com a oitiva do Ministério Público (artigo 3º caput e parágrafo 2º da Lei nº 13.140 de 2015).
Tem-se então que apenas estão excluídos da mediação os direitos absolutamente indisponíveis, dos quais seu titular não pode dispor sob nenhuma circunstância, como o direito à vida, os direitos relativos à condição humana, a capacidade.
Para a arbitragem existem maiores óbices e deve o objeto do conflito tratar de direito disponível e patrimonial. Ou seja, referir-se a direito que têm seu valor mensurado economicamente e ter o seu titular completa possibilidade de transacionar a seu respeito. O artigo 1º da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/2020) dispõe acerca dos limites objetivos aqui referidos: “Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (BRASIL, 1996).
2.4 DEMAIS MÉTODOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
2.4.1 Negociação
A negociação é um meio de solução extrajudicial de conflitos em que as partes se encontram diretamente e procuram resolver a disputa de forma a satisfazer seus próprios interesses. Para alcançar um acordo positivo para todos os envolvidos, são necessárias concessões.
Nada impede que haja a contratação de um negociador, o qual não terá a função de pacificar ou intermediar a negociação, mas sim representar uma das partes e defender seus interesses.
A solução do conflito depende exclusivamente da participação dos envolvidos, seu grau de comprometimento e contribuição.
Inexiste forma ou procedimento específico e é o meio de solução extrajudicial utilizado corriqueiramente, não tendo um nicho específico ou recomendado.
Aliás, por suas características, a conciliação não é considerada por muitos um meio de solução, mas, sim, tão somente uma técnica.
Como vantagem à utilização da negociação tem-se a possibilidade de evitar longo, desgastante e oneroso processo judicial ou arbitral nos quais os resultados são imprevisíveis e alheios ao controle das partes, bem como há chance de as partes buscarem oportunidades de ganho conjunto.
2.4.2 Conciliação
Este meio de solução de conflitos tem utilização extrajudicial e judicial. Como o escopo do trabalho e do capítulo é tratar dos meios extrajudiciais de solução de conflito, não será abordada a forma judicial de conciliação.
A conciliação, tal como na mediação, conta com a atuação de um terceiro imparcial e independente, com a função de moderar as negociações entre as partes. As grandes e expressivas diferenças entre a conciliação e a mediação são: a forma de atuação do terceiro, o qual, na conciliação pode sugerir soluções para as partes; o enfoque, sendo que ao passo em que a mediação se volta para o conflito e a relação das partes, a conciliação está direcionada para a
elaboração do acordo. Esta última parece ser a razão pela qual o Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) dispõe nos parágrafos 1º e 2º do artigo 165 preferências para a atuação do conciliador e mediador judicial:
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos (BRASIL, 2015).
Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx expõe sobre a função do conciliador:
O conciliador intervém com o propósito de mostrar às partes as vantagens de uma composição, esclarecendo sobre os riscos de a demanda ser judicializada. Deve, porém, criar ambiente próprio para serem superadas as animosidades. Como terceiro imparcial, sua tarefa é incentivar as partes a propor soluções que lhes sejam favoráveis. Mas o conciliador deve ir além para se chegar ao acordo: deve fazer propostas equilibradas e viáveis, exercendo, no limite do razoável, influência no convencimento dos interessados.
Aliás, a criatividade deve ser um dos principais atributos do conciliador; dele espera-se talento na condução das tratativas e na oferta de diversas opções de composição equilibrada, para as partes escolherem, dentre aquelas propostas, a mais atraente à solução do conflito. Destaque-se, portanto, que o conciliador efetivamente faz propostas de composição, objetivando a aceitação pelas partes e a celebração do acordo. A apresentação de propostas e a finalidade de obter o acordo são, pois, duas características fundamentais da conciliação (CAHALI, 2018).
A celeridade é outra característica da conciliação, podendo ser necessária apenas uma sessão para se alcançar a composição das partes, tendo em vista que não exige aprofundamento na relação entre os litigantes e investigação de seus motivos.
A conciliação também deve ser regida pelos princípios da independência, imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e decisão informada, conforme artigo 166 do Código de Processo Civil, o qual traz disposições sobre a conciliação, haja vista inexistir lei específica.
2.4.3 Mini-trial
Menos popular, o mini-trial - mini-julgamento, em português - mantém a lógica adversarial. Neste procedimento de solução de conflito, as partes elegem seus representantes, que, por sua vez, elegem o terceiro neutro.
O terceiro neutro então tem a função de analisar as posições das partes, “após o que se buscam soluções consensuais para as questões propostas” (CAHALI, 2018). Este, então, proferirá decisão que não tem efeito vinculante entre as partes, mas, em razão de ter sido proferida por alguém escolhido pelos representantes das partes – portanto, de suas confianças – tem força, ao menos, persuasiva entre os litigantes.
Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx menciona em sua obra "Cláusulas escalonadas – a mediação comercial no contexto da arbitragem", a utilização judicial do mini-trial pelas Cortes Americanas:
Já o judicial mini-trial é um procedimento híbrido que ocorre dentro do juízo estatal. Nessa hipótese, estando o litígio em curso, o juiz sugere um mini-trial e se as partes o aceitam, segue-se o procedimento de apresentação sumária das alegações e o juiz sugere uma decisão não vinculante e que permanecerá confidencial. Caso as partes a aceitem ou cheguem a outro acordo, o caso está resolvido, caso contrário, o processo retoma ser curso perante o Poder Judiciário, sendo que o juiz que atuou no mini-trial não será o mesmo que dará continuidade ao processo (LEVY, 2013, p. 121).
2.4.4 Avaliação de terceiro neutro
Este método de solução de conflito ganha destaque quando se trata de técnica e celeridade.
Na avaliação de terceiro neutro, o chamado "terceiro neutro" é escolhido em razão de seu conhecimento específico na matéria de controvérsia para avaliar a posição das partes e apresentar um prognóstico quanto a uma e outra argumentação e suas chances de êxito.
Por não ter caráter vinculante, a avaliação de terceiro neutro tem como objetivo a análise das próprias partes quanto à sua posição e, então, a utilização
das conclusões trazidas pelo especialista para alcançar uma composição sobre o conflito.
2.4.5 Dispute board
O dispute board é um meio extrajudicial de solução de conflitos destinado a contratos de longa duração ou de execução diferida (CAHALI, 2018).
A utilização deste MESC se dá da seguinte forma: no início de um contrato de longa duração é criado um comitê de especialistas que acompanhará a execução do contrato a fim de preservar a relação entre as partes para que o contrato possa ter continuidade.
Este comitê tem a possibilidade de se reunir rotineiramente para acompanhar a execução e desenvolvimento do contrato e poderá ser provocado pelas partes quando existir um conflito. Diante do conflito, cabe ao comitê avaliar e apreciar a controvérsia, com a apresentação de conclusões técnicas – chamadas de recomendações.
Estas recomendações, como o nome já sugere, não têm caráter vinculativo, a menos que haja o compromisso de que as partes devem seguir o quanto “recomendado” - o que se denomina dispute review board (CAHALI, 2018).
Como variação ao meio de solução de disputas também existe o dispute adjudication board que, conforme explica Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx:
Em algumas situações, se assim pactuado, as partes ficam sujeitas às conclusões na continuidade da execução do contrato, facultada a provocação de solução adjudicada para revisão do quanto recomendado; ou seja, cumpre-se a determinação do comitê, no prosseguimento da relação, mas permite-se o encaminhamento do conflito à jurisdição estatal ou arbitral (dispute adjudication board) (CAHALI, 2018).
Este meio de solução de conflitos tem bastante aplicação em obras de engenharia e infraestrutura, razão pela qual foi aprovado o Enunciado 80 na I Jornada “Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios”, elaborada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, com o seguinte texto:
80 A utilização dos Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards), com a inserção da respectiva cláusula contratual, é recomendável para os contratos de construção ou de obras de infraestrutura, como mecanismo voltado para a prevenção de litígios e redução dos custos correlatos, permitindo a imediata resolução de conflitos surgidos no curso da execução dos contratos (XXXXXXXXX et al., 2016, p. 12).
3 A POSSIBILIDADE DE VINCULAÇÃO DOS CONTRATANTES AOS MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO PACTO ANTENUPCIAL E NO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA
Neste capítulo se pretende analisar e apresentar as razões pelas quais os pactos antenupciais e os contratos de convivência admitem a previsão de método de solução de conflito, cumprindo sua função social de evitar litígios ou mesmo diminuir seu impacto na relação familiar, através da previsibilidade de resolução de maneira pacífica ou por terceiro imparcial especialista.
A admissibilidade também é apresentada com relação aos principais meios extrajudiciais de conflitos adotados neste estudo, quais sejam mediação e arbitragem, a fim de demonstrar que conflitos decorrentes do fim da convivência marital podem ser submetidos a estes métodos de solução.
Como visto, existem duas formas de submeter o conflito a estes métodos: ou por previsão quando do casamento ou da união estável, através de pacto antenupcial e contrato de convivência, situação que se pretende analisar neste estudo, ou através de contrato pactuado ao fim do relacionamento e diante dos inúmeros conflitos.
Não há óbices para que os casais celebrem contrato específico no decorrer do casamento, mas parece improvável a hipótese.
Melhor indicada e aproveitada a pactuação se prevista quando da constituição do casamento ou união estável. Isto porque, se durante o fim do convívio marital já existem incertezas, receios, desavenças e mágoas demais, é mais difícil que o ex-casal esteja disposto a chegar a um consenso também sobre o meio de solução de conflito. Na prática, o momento de angústia e raiva só dá lugar à necessidade de litigar, atacar, se contrapor ao antigo par.
No entanto, quando do início das relações os envolvidos estão dispostos a fazer o relacionamento funcionar e prezam por escolhas conjuntas que os favoreçam, sendo então o momento adequado para tratarem e convencionarem sobre o assunto – assim como é feita a escolha do regime de bens.
Por isso, acata-se o posicionamento de que a convenção do método de solução de conflito deve ser feita através de cláusula compromissória.
Para que seja possível valer-se dos métodos extrajudiciais de solução de conflitos, é necessário admitir que o pacto antenupcial e o contrato de convivência comportam previsões extrapatrimoniais ou, ao menos, indiretamente patrimoniais, pois a eleição de meio de solução de conflito não se trata de cláusula estritamente patrimonial.
Por outro ângulo, é fundamental reconhecer a arbitragem e a mediação como institutos que admitem questões conjugais e familiares, em que pesem os impedimentos legais quanto à disponibilidade dos direitos. Superadas as questões envolvendo o estado da pessoa, os dois institutos conseguem absorver de forma eficaz e específica os demais conflitos decorrentes do fim do casamento ou união estável, como partilha de bens, fixação de alimentos, eventual apuração societária e até questões envolvendo filhos menores, desde que estas sejam submetidas posteriormente à apreciação do Ministério Público.
Fixadas tais premissas, para valer-se desses métodos autocompositivos deve-se observar os requisitos de forma exigidos para o pacto antenupcial e o contrato de convivência, que já foram tratados neste estudo, e acrescer às previsões contidas nos documentos a “forma de solução de conflito” ou “eleição de meio de solução de conflito”.
Se o casal optar por prever a arbitragem como forma de solucionar os conflitos, para que a cláusula seja cheia e, portanto, eficaz de imediato, devem estabelecer como a arbitragem será instituída: ou reportando-se às regras de uma instituição arbitral, ou instituindo regras para a escolha da instituição arbitral quando diante do conflito, até para ser esta condizente com o poder econômico do casal, ou então forma de escolha de um Painel Arbitral avulso, também denominado ad hoc.
Também pode ser uma escolha do casal deixar a forma de instituir a arbitragem para o momento do conflito, optando pela cláusula vazia para constar do pacto antenupcial ou contrato de convivência.
Nas duas hipóteses, torna-se imperativa a escolha pela arbitragem para soluções de conflito entre o casal, o que só pode ser relativizado se os dois, de comum acordo, assim quiserem.
Por sua vez, se o casal optar por prever a mediação como forma única, ou primeira, de solução de conflitos, a cláusula constante do pacto antenupcial ou cláusula compromissória deve conter no mínimo o determinado pelo artigo 22 da Lei nº 13.140/2015, a Lei de Mediação:
Art. 22. A previsão contratual de mediação deverá conter, no mínimo: I
- prazo mínimo e máximo para a realização da primeira reunião de mediação, contado a partir da data de recebimento do convite; II - local da primeira reunião de mediação; III - critérios de escolha do mediador ou equipe de mediação; IV - penalidade em caso de não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação.
§ 1º A previsão contratual pode substituir a especificação dos itens acima enumerados pela indicação de regulamento, publicado por instituição idônea prestadora de serviços de mediação, no qual constem critérios claros para a escolha do mediador e realização da primeira reunião de mediação (BRASIL, 2015).
Caso não constem todos esses detalhes, a lei traz dispositivo que os
supre:
Art. 22 § 2º Não havendo previsão contratual completa, deverão ser observados os seguintes critérios para a realização da primeira reunião de mediação:
I - prazo mínimo de dez dias úteis e prazo máximo de três meses, contados a partir do recebimento do convite;
II - local adequado a uma reunião que possa envolver informações confidenciais;
III - lista de cinco nomes, informações de contato e referências profissionais de mediadores capacitados; a parte convidada poderá escolher, expressamente, qualquer um dos cinco mediadores e, caso a parte convidada não se manifeste, considerar-se-á aceito o primeiro nome da lista;
IV - o não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação acarretará a assunção por parte desta de cinquenta por cento das custas e honorários sucumbenciais caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, que envolva o escopo da mediação para a qual foi convidada. [...]
Art. 23. Se, em previsão contratual de cláusula de mediação, as partes se comprometerem a não iniciar procedimento arbitral ou processo judicial durante certo prazo ou até o implemento de determinada condição, o árbitro ou o juiz suspenderá o curso da arbitragem ou da ação pelo prazo previamente acordado ou até o implemento dessa condição.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às medidas de urgência em que o acesso ao Poder Judiciário seja necessário para evitar o perecimento de direito (BRASIL, 2015).
No silêncio do casal sobre o meio de solução de conflito, a menos que haja consenso no momento do conflito, os litígios serão submetidos ao Poder Judiciário.
No ano de 2018, de acordo com a pesquisa anual “Justiça em Números”, realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, a título exemplificativo, foram distribuídos 4.857 casos de Reconhecimento e Dissolução de União Estável e para o 2º grau de jurisdição foram cadastrados 3.783 novos casos.
A alta demanda do Poder Judiciário denuncia a falta de prestação jurisdicional específica, direcionada e individualizada para os casos. O tempo de duração do processo também se revela fator muito negativo, pois significa despesas prolongadas com advogado e custas processuais, a perda de valor dos bens – natural pelo decurso do tempo –, a indisposição patrimonial por tempo indeterminado e, como se todo o prejuízo patrimonial já não fosse suficiente, a demora prolongada gera enorme insatisfação pessoal para todos os envolvidos e estende no tempo o desgaste familiar, provocando danos extrapatrimoniais imensuráveis.
Por estas e demais razões, a serem à frente mais explicitadas, a opção pela mediação e arbitragem, juntas ou não, parece responder bem e ser ótima via para a solução especialmente de conflitos decorrentes de rompimento do vínculo marital.
3.2.1 Autonomia privada
A partir do liberalismo da Revolução Francesa o Direito Privado criou o princípio da autonomia da vontade. De acordo com Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxx construiu um conceito de autonomia, fundamentando-a na capacidade de auto determinação do sujeito (XXXXXX; XXXXXXXXX, 0000, p. 157): "A autonomia da vontade; a condição da possibilidade de agir moralmente, o princípio da subjetividade moral, encontra-se na capacidade de determinar-se segundo princípios postos por si mesmo".
Sob o aspecto do direito, a vontade é a fonte da obrigação contratual e somente dela decorre, e não da lei.
Xxxxxx de Xxxxxxx ensina que a característica principal do princípio da autonomia da vontade é: “poder-se, com ele, compor o suporte fático dos atos jurídicos com o elemento nuclear da vontade” (PONTES DE MIRANDA, 2012, p. 66).
Nas palavras de Xxxx Xxxxx: “autonomia significa, etimologicamente, poder de modelar por si – e não por imposição externa – as regras da sua própria conduta” (ROPPO, 2009, p. 128).
Para Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx (XXXXXX; XXXXXXXXX, 0000, p. 157) é a autonomia da vontade que faz surgir o vínculo contratual a partir de uma “fusão entre manifestações de vontade”, fundamentando o vínculo existente entre os contratantes. Os autores sustentam que, em sua forma clássica, a autonomia era absoluta e conferida a todos.
Os autores pontuam três princípios nos quais a autonomia da vontade se abarca:
(a) liberdade contratual, como livre estipulação do conteúdo do contrato, sendo suficiente à sua perfectibilidade a inexistência dos vícios subjetivos do consentimento; (b) intangibilidade do pactuado – o pacta sunt servanda exprimia a ideia da obrigatoriedade dos efeitos contratuais pelo fato de o contrato ser justo pela merda razão de emanar do consenso entre pessoas livres; (c) relatividade contratual, pautada pela noção de vinculatividade do pacto, restrita às partes, sem afetar terceiros, cuja vontade é um elemento estranho à formação do negócio jurídico (XXXXXX; XXXXXXXXX, 2020).
No entanto, uma mudança de paradigmas no Direito Privado acresceu ao princípio da autonomia da vontade os limites impostos pelo sistema jurídico (BERALDO, 2014), surgindo o princípio da autonomia privada (e não mais “autonomia da vontade").
Nas palavras de Xxxxxxxxx Xxxxxx:
A autonomia privada no direito contratual concede às pessoas o poder de estabelecer livremente de acordo com o sistema normativo, através de declaração de vontade, como melhor lhes convier, a disciplina de seus interesses, gerando os efeitos reconhecidos e tutelados no ordenamento jurídico, com opção, dente outros aspectos, de contratar, ou deixar de contratar e negociar o conteúdo do contrato (CAHALI, 2018).
Para o Autor Xxxxxxx Xxx, citado por Xxxxxxxxx Xxxxxx, a autonomia privada representa a autorregulamentação necessária para que o sujeito determine e possa determinar “dentro dos acenados limites, as regras a que se hão de subordinar as relações a que dão vida” (XXXXXX, 2018).
Os autores Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxxx de Xxxxx apontam que a mudança de paradigma no Direito Privado surgiu a partir da passagem do estruturalismo, fundamentado na teoria pura do direito de Xxxxxx, para o funcionalismo representado por Xxxxxxxx Xxxxxx (XXXXXX; XXXXXXXXX, 0000, p. 158).
No Brasil, o marco dessa alteração de paradigma foi a Constituição Federal de 1988. Revolvendo ao âmbito de estudo deste trabalho e ao direito em que estão relacionados o casamento e a união estável, antes da Constituição Federal de 1988 o Direito das Famílias sofria grande intervenção do Estado, o qual impunha freios e contrapesos na liberdade individual através de normas de aplicação imperativa.
Com o advento da atual Constituição Federal, notou-se a mudança de paradigma, que reduziu a intervenção judicial no Direito de Família e ampliou a autonomia privada. Como exemplo disso, cita Xxxx Xxxxxxxx:
Outro exemplo a demonstrar a ampliação da autonomia privada no Direito de Família e a redução da atuação da intervenção judicial na família surgiu com a separação e o divórcio extrajudiciais, ao outorgar aos cônjuges, em princípio quando não têm filhos menores ou incapazes nem a mulher esteja grávida; porque a prole já é maior e capaz, ou porque os interesses dos filhos menores e incapazes já foram judicialmente estabelecidos, a opção de promoverem a dissolução da sociedade (separação) ou do vínculo conjugal (divórcio) através de escritura pública e o divórcio direto, sem prazo e sem culpa da Emenda Constitucional n. 66/2010 (CPC, art. 733).
Como também não pode deixar de ser reconhecida uma maior liberdade na formação dos vínculos familiares com a constitucionalização, em 1988, da união estável como entidade familiar, colocando em rota de colisão valores que haviam sido sacralizados pelo Código Civil de 1916, e outros deveres conjugais, outrora inquestionáveis, como a obrigatoriedade da coabitação, hoje muito mais presa ao livre arranjo dos cônjuges do que em atenção à lei (MADALENO, 2020).
Ainda assim, por meio das leis, o Estado dita quais são as regras para contrair o casamento, quais são os requisitos necessários para ter
relacionamento qualificado como instituição familiar e digno de proteção estatal, ou mesmo o destino obrigatório de metade dos bens dos indivíduos quando de seu falecimento.
Os meios de solução extrajudicial de conflito e sua eleição por meio do pacto antenupcial ou contrato de união estável, objeto de estudo, tem como princípio basilar a autonomia da vontade.
Por poderem contratar de forma ampla, os agentes podem pactuar que submeterão seus litígios à mediação, arbitragem, conciliação e outros métodos aqui já mencionados.
Especificamente sobre a arbitragem, as partes sofrem óbice intransponível quanto à disponibilidade e transacionabilidade do direito a ser submetido. Para a mediação, o óbice é com relação a direitos indisponíveis e não transacionáveis – como o direito à vida, à liberdade, todos já expostos neste estudo.
3.2.2 Não violação à garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV)
É cediço que a previsão de método extrajudicial para a solução de conflito não viola a garantia constitucional de universalidade da jurisdição do Poder Judiciário.
Quanto à arbitragem, o embate foi solucionado pelo Supremo Tribunal Federal a partir de controle incidental de constitucionalidade ocasionado pelo julgamento de Agravo Regimental em face de decisão que indeferiu pedido de homologação de sentença arbitral proferida na Espanha (AgRg em SE 5.206-7). Na ocasião fora discutida a constitucionalidade da Lei de Arbitragem quanto à cláusula compromissória (artigos 6º, parágrafo único; 7º e seus parágrafos, artigo 41 e 42 da Lei de Arbitragem), irrecorribilidade da sentença arbitral (artigo 18 da Lei) e equiparação dos efeitos da sentença arbitral aos da
sentença judiciária (artigo 31 da respectiva Lei).
Em síntese, por equiparar a exequibilidade da sentença arbitral à judicial e tornar a instituição da arbitragem obrigatória se presente cláusula compromissória, a Lei de Arbitragem sofreu duras críticas e foi submetida à
arguição de inconstitucionalidade, julgada pelo Superior Tribunal Federal em dezembro de 2001.
Quanto ao principal ponto – a constitucionalidade da cláusula compromissória, seu efeito vinculante e a previsão de execução específica desta pelo Poder Judiciário – o Procurador-Geral da República proferiu o seguinte parecer:
Penso ainda que a Lei nº 9.307/96 guarda completa harmonia com as garantias e direitos assegurados pela Constituição Federal, especialmente com o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no art. 5º, inciso XXXV. Essa norma constitucional assegura a todos o acesso à justiça nas hipóteses de lesão ou ameaça a direito, que pode se concretizar através do ajuizamento de ação judicial. Isto não significa, contudo, que as pessoas físicas ou jurídicas estão obrigadas a ingressar em juízo toda a vez que seus direitos subjetivos são afrontados por outrem, pois o princípio garante o direito de ação, não o impõe. O direito de ação, à luz do princípio da autonomia das vontades, representa uma ‘faculdade inerente à própria personalidade, não em dever.
[...] Se se admite como lícita a transação relativamente a direitos substanciais objeto da lide, não se pode considerar violência à Constituição abdicar do direito instrumental de ação através de cláusula compromissória. E, em se tratando de direitos patrimoniais disponíveis, não somente é lícito e constitucional, mas é também recomendável aos interessados – diante do acúmulo de processos e do formalismo excessivo que tem gerado a lentidão das demandas judiciais – abdicarem do direito ou do poder de ação e buscarem a composição do conflito por meio de sentença arbitral cujos efeitos sejam idênticos àqueles das decisões prolatadas pelo poder Judiciário. E quanto ao controle jurisdicional de lesão ou ameaça de direito, é de se observar que a Lei nº 9.307/96, na verdade, o prestigia nos seus arts. 6º, 7º, 32, 33, 38 e 39, nas hipóteses de recalcitrância em firmar compromisso, nulidade ou invalidade do juízo arbitral e ofensa à rodem jurídica nacional. O legislador ordinário permitiu, de um lado, a pacificação de determinados conflitos de interesses sem a intervenção estatal, mediante compromisso arbitral, com nítidas vantagens para os interessados, e, de outro, garantiu o livre acesso ao Poder Judiciário Àqueles que tiverem direitos violados por inobservância das regras fixadas para a arbitragem (BRASIL, 2001).
O Ministro Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, relator do caso, consignou que a constitucionalidade do juízo arbitral começou a ser questionada com o advento da Constituição Federal de 1946, a qual firmou como garantia constitucional expressa que “nenhuma lesão de direito pode ser subtraída pela lei à apreciação do Judiciário”.
E é exatamente este o ponto em que se discutiu no Agravo Regimental: podem as Partes terem a apreciação do Judiciário afastada por disposição de vontade, tendo em vista o disposto no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, direito fundamental com força de cláusula pétrea conforme artigo 60,
§4º, IV da Magna Carta?
Após intenso debate e extensos votos, o Ministro Relator Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxx, Néri da Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx restaram vencidos por sete votos, e nenhum dos dispositivos da Lei de Arbitragem foi declarado inconstitucional. A votação resultou na seguinte ementa:
1.Sentença estrangeira: laudo arbitral que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais sobre direitos inquestionavelmente disponíveis
- a existência e o montante de créditos a título de comissão por representação comercial de empresa brasileira no exterior: compromisso firmado pela requerida que, neste processo, presta anuência ao pedido de homologação: ausência de chancela, na origem, de autoridade judiciária ou órgão público equivalente: homologação negada pelo Presidente do STF, nos termos da jurisprudência da Corte, então dominante: agravo regimental a que se dá provimento, por unanimidade, tendo em vista a edição posterior da
L. 9.307, de 23.9.96, que dispõe sobre a arbitragem, para que, homologado o laudo, valha no Brasil como título executivo judicial. 2. Laudo arbitral: homologação: Lei da Arbitragem: controle incidental de constitucionalidade e o papel do STF. A constitucionalidade da primeira das inovações da Lei da Arbitragem - a possibilidade de execução específica de compromisso arbitral - não constitui, na espécie, questão prejudicial da homologação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua consequente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à decisão judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a homologação, no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de origem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal - dado o seu papel de "guarda da Constituição" - se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri). 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a
permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória - dada a indeterminação de seu objeto - e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqüentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31) (BRASIL, 2001).
Ao ponto que é relevante para o presente estudo – a suposta violação ao artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988 – os Ministros que sustentaram a constitucionalidade da Lei de Arbitragem assim o fizeram acompanhando o voto de divergência inaugurado pelo Ministro Xxxxxx Xxxxx, o qual se fundamentou nas seguintes convicções:
A Constituição proíbe que lei exclua da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito (art. 5º, XXXV).
Ela não proíbe que as partes pactuem formas extrajudiciais de solução de conflitos, atuais ou futuros.
Não há nenhuma vedação constitucional a que as partes, maiores e capazes, ajustem a submissão de conflitos, que possam decorrer de relações jurídicas decorrentes de contrato específico, ao sistema de arbitragem.
Não há renúncia abstrata à jurisdição.
Há isto sim convenção de arbitragem sobre litígios futuros e eventuais, circunscritos a específica relação contratual, rigorosamente determináveis.
Há renúncia relativa à jurisdição.
Circunscreve-se a renúncia aos litígios que decorra do pacto contratual, nos limites fixados pela cláusula.
Não há que se ler na regra constitucional (art. 5º, XXV), que tem como destinatário o legislador, a proibição das partes renunciarem à ação judicial quanto a litígios determináveis, decorrentes de contrato específico.
Lá não se encontra essa proibição.
Pelo contrário, o texto proíbe o legislador, não o cidadão. É o reconhecimento da liberdade individual.
É esse o âmbito de validez da L. 9.307/96. [...]
A lei não permite renúncia absoluta da ação judicial. (BRASIL, 2001).
Acompanharam seu posicionamento os Ministros Xxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxx xx Xxxxx.
Em seu voto, o Ministro Xxxxx Xxxxxx remeteu ao histórico do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal para justificar a consonância deste com as disposições da Lei nº 9.307/1996:
Veja-se, agora, se a iniciativa dessa ordem encontra óbice no princípio da garantia do acesso ao judiciário, assim enunciado no inc. XXXV do art. 5º da Constituição: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”.
Registre-se, por primeiro, ser opinião pacifica na doutrina que a norma
– surgida, entre nós, na Carta de 1946 (art. 141, §3º) -, constituiu verdadeiro escudo contra eventual reiteração de práticas do Governo Xxxxxx, quando inquéritos policiais e de outra natureza eram instaurados contra pessoas a quem, de ordinário, não se propiciava garantias comezinhas como a do contraditório e a da ampla defesa, pronunciando-se, a final, contra elas, decisões sumárias, finais e impositivas, insuscetíveis de reexame pelo Judiciário.
A intenção do constituinte de 1946, portanto, teria sido a de proibir que a lei, e não as partes contratantes, pudesse determinar que alguma questão ficasse excluída de apreciação pelo poder Judiciário (BRASIL, 2001).
Após fixar a importante premissa, o Ministro expôs seus argumentos para sustentar a constitucionalidade dos dispositivos atacados:
A desvalida do pacto compromissório diante do texto constitucional residiria, conforme proclamado, na circunstância de referir-se a ele a lides futuras, de contornos obviamente indefinidos, caracterizando-se, por isso, como renúncia genérica à garantia constitucional do acesso à justiça.
Não se cuida, entretanto, de ato por meio do qual alguém declara haver renunciado, de forma absoluta, a todo direito de ação, a partir de determinado momento, o que seria inadmissível, mas de simples cláusula contratual em que as partes vinculadas a determinada avença, que tenha por objeto direito patrimonial de natureza disponível, deliberem, de livre e espontânea vontade, que toda dúvida que o contrato vier a suscitar será, obviamente, por elas próprias dissipadas de comum acordo; e, com certeza, se não lograrem êxito nesse propósito, será ela, ai já qualificada como controvérsia, resolvida, necessariamente, por terceiro ou por terceiros de sua confiança, cuja decisão será obrigatoriamente por elas atacada.
[...]
De realçar-se, por fim, que a clausula, nesse caso, não pode ser vista como incompatível com o princípio do livre acesso à jurisdição estatal, pelo singelo motivo de que a sua eficácia, em caso de resistência de uma das partes, justamente só poderá ser alcançada ou pelos árbitros,
além de só poder ser executada na via judicial, quando condenatória, não escapa ao controle judicial que, na forma do art. 33 da lei sob exame, poderá ser acionado pela parte interessada, em procedimento comum, com a alegação de qualquer das nulidades enumeradas no art. 32.
Não há, porém, supressão do controle judicial.
Estabeleceu-se, apenas, a deslocação do momento em que o Poder Judiciário é chamado a intervir.
[...]
Inverteu-se a ordem. Deu-se prevalência ao que foi pactuado pelas partes, conferindo-se à defesa do réu caráter equivalente ao da rescisão, pois, se prosperarem as suas alegações no processo judicial do art. 33, desconstituir-se-á a sentença arbitral.
Antes da lei, portanto a precedência das razões do réu; como a lei, a precedência da cláusula contratual, consequentemente, da autonomia da vontade (BRASIL, 2001).
A Ministra Xxxxx Xxxxxx, por sua vez, se fixou na utilidade da norma, sustentando que a previsão que autoriza a execução da cláusula compromissória a torna imperativa diante de eventual litígio que viabilizou o instituto no Brasil:
Tanto sob a legislação anterior, quanto sob a atual, não há dúvidas relativamente à constitucionalidade do instituto da arbitragem.
Faço essa rememoração para definir que o cerne da controvérsia, tal como manifestada até aqui, está em saber se, e até que ponto, podem os contratantes de cláusula compromissória restringir de antemão, o seu direito de acesso ao judiciário para a solução dos litígios que exsurjam das relações civis ou comerciais decorrentes da avença que firmaram. Ou se, ao revés, tal limitação – quando diga respeito a litígio futuro, de contornos ainda não determinados – entraria em confronto com a cláusula constitucional que remete ao judiciário o conhecimento das lesões ou ameaças de lesão de direito.
Ao instituir a execução específica da cláusula compromissória, a Lei nº 9.307/96 afastou o obstáculo que, até então, tornava praticamente inexistente a arbitragem em nosso país. Toda vez que se quisesse furtar a uma solução célere da controvérsia – ou mesmo, ao simples reconhecimento de sua responsabilidade pela quebra de contrato – à parte inadimplente bastava recusar-se a firmar o compromisso arbitral. Ao juízo era vedado substituir-se a esta sua manifestação – ainda que a controvérsia, perfeitamente delimitada, decorresse exatamente do desenvolvimento natural do contrato e versasse sobre direitos de natureza disponível.
[...]
Negar possibilidade a que a cláusula compromissória tenha plena validade e que enseje execução específica importa em eigir em privilégio da parte inadimplente o furtar-se à submissão à via expedita de solução de controvérsia, mecanismo este pelo qual optara livremente, quando da lavratura do contrato original em que inserida
essa previsão. É dar ao recalcitrante o poder de anular condição que – dada a natureza dos interesses envolvidos – pode ter sido consideração básica à formação da avença. É inegável que, no mundo acelerado em que vivemos, ter, ou não, acesso a fórmulas rápidas de solução das pendências resultantes do fluxo comercial, constitui diferencial significativo no poder de barganha dos contratantes.
[...]
A leitura que faço da garantia enfocada no art. 5º, XXXV, é de que a inserção de clausula assecuratória de acesso ao judiciário, em nosso ordenamento constitucional, tem origem e se explica pela necessidade de precatarem-se os direito dos cidadãos contra a atuação de órgãos administrativos, próprios de regimes autoritários.
[...]
Como se vê, o cidadão pode invocar o judiciário, para a solução de conflitos, mas, não está proibido de valer-se de outros mecanismos de composição de litígios. Já o Estado, este sim, não pode afastar do controle jurisdicional as divergências que a ele queiram submeter os cidadãos.
Por estas razões alinho-me a pecha de inconstitucionalidade do § único, do artigo 6º e do art. 7º da Lei de Arbitragem e, dos dispositivos que deles derivam (BRASIL, 2001).
Além de também ressaltar o pragmatismo da norma, o Ministro Xxxxxxxx Xxxxxx se contrapôs ao argumento de que a cláusula compromissória seria inconstitucional por se referir ao litígio de modo genérico, futuro, eventual, fixando sua posição de que esta se atém aos limites do contrato:
A cláusula compromissória, conforme define o artigo 4º da Lei 9.307/96, é opção convencionada pelas partes contratantes para dirimir, mediante arbitragem, possível litígio oriundo de descumprimento contratual. Por isso mesmo, na hipótese de sobrevir litígio, caso um dos interessados se recuse a comparecer perante o juízo arbitral, poderá o outro recorrer ao Poder Judiciário para obrigar a parte inadimplente a cumprir o avençado, consoante dispõe o parágrafo único do artigo 6º e o artigo 7º.
Essa submissão compulsória teve-a o Ministro Pertence como inconstitucional, por lhe parecer incompatível com o primado consagrado nas garantias fundamentais, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito” (CF, artigo 5º, inciso XXXV).
[...]
Com todas as vênias, parece-me que a eleição do foro particular, como quer a lei, não obstante referir-se a litigio de forma genérica, circunscreve-se aos limites do contrato, sendo irrelevante que no momento da assinatura da cláusula compromissória não exista controvérsia a ser dirimida. É que a noção genérica de litígio, objeto da renúncia, contém tão-só as espécies decorrentes de eventual inadimplemento das obrigações contratuais.
[...]
Feitas essas considerações, não vejo como possa prosperar a declaração de inconstitucionalidade dos preceitos impugnados. Ao contrário, considero-os mecanismos de suma importância, hodiernos e indispensáveis ao aperfeiçoamento de nosso sistema jurídico, a exemplo do que se cristalizou, há muito, na legislação da maioria dos Estados democráticos, como instrumento alternativo, eficaz e célere para a composição de litígios. O emperramento da máquina judiciária no Brasil, pela obsolência de regras, culturas e práticas, poderá ter no sistêmico aparelho da arbitragem parcela do que falta para colocá-lo em sintonia cm o que realizada o outro lado do mundo, sem que, com isso, seja atropelada a ordem constitucional vigente. Se se entender inconstitucional a execução forçada da cláusula compromissória, o Brasil ficará isolado dos grandes negócios internacionais do mundo moderno, todos eles celebrados mediante contratos sujeitos à arbitragem (BRASIL, 2001).
Xxxxxxxxxxx o Ministro Xxxxx Xxxxxxx à posição dos demais o nascedouro da cláusula compromissória: a manifestação da vontade das partes. Na ponderação dos princípios em questão, o Ministro afirma que a liberdade contratual prevalece:
É de se salientar que tal arbitragem não surge por milagre ou por imposição, mas porque prevê a lei a necessidade de as partes, quando da formalização do contrato, que poderá gerar um conflito, inserirem, no âmbito da manifestação espontânea da vontade, essa espécie de solução de conflitos. Qual é a condição primeira para a incidência da Lei nº 9.307? Partes capazes, já da tradição do Direito, e, conforme disposto no artigo 3º, a existência de uma cláusula no contrato prevendo a arbitragem:
[...]
Senhor Presidente, vejo na garantia constitucional do inciso XXXV do artigo 5º a consagração da liberdade. [...]
Então, Senhor Presidente, a premissa de meu voto é única. Não vejo conflito no cotejo da Lei nº 9.307/96 com a Lei Maior da nossa República. Vejo a harmonia, a homenagem a esse Diploma Básico, no que a Lei de Arbitragem consagra o princípio da manifestação da vontade, e o faz, repito quanto a direitos patrimoniais disponíveis, com o cuidado de afastar do crivo do árbitro os indisponíveis.
[...]
Xxxx vênia ao nobre relator para concluir que a Lei de Arbitragem, ao contrário do vislumbrado e asseverado por Sua Excelência, consagra a liberdade. E esta – a liberdade – é o valor maior a ser preservado (BRASIL, 2001).
Por sua vez, o Ministro Xxxxxx Xxxxxxx pontuou seu entendimento acerca do sentido do inciso XXXV, artigo 5º da Constituição Federal, o qual, segundo
ele, “não estabelece que as pessoas não poderão excluir os seus litígios da apreciação do Poder Judiciário”:
Com efeito, a Constituição estabelece o princípio da inafastabilidade do controle judicial de lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inciso XXXV). Dirige-se o ordenamento constitucional ao legislador. É dizer: este não pode excluir da apreciação do poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Entretanto, a Constituição não estabelece que as pessoas não poderão excluir os seus litígios da apreciação do Judiciário. Ora, se a parte por transacionar em torno de seus direitos substanciais, podendo, inclusive, desistir da ação que está promovendo, não me parece razoável, data vênia, a afirmativa de ser atentatório à Constituição, art. 5º, XXXV, desistir a pessoa, física ou jurídica, do direito instrumental, mediante clausula compromissória, tratando-se de direitos patrimoniais disponíveis.
Posta assim a questão, parece-me correta a afirmativa, contida no parecer do Procurador-Geral da República, no sentido de que “direito de ação” não quer dizer “dever de ação judicial”. Nada impede exercer a pessoa, física ou jurídica, o direito de transigir a respeito de direitos disponíveis. Não trata mal o princípio da inafastabilidade do controle judicial a pessoa que, capaz de contratar, submete à arbitragem os litígios seus, ainda mais se, ocorrendo causa de nulidade, pode ela pedir a tutela jurisdicional. O art. 33 assegura aos interessados o acesso ao Judiciário [...].
Em xxxx, Xx. Presidente, a lei não institui a arbitragem em termos obrigatórios, caso em que ocorreria ofensa ao inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, mas, simplesmente, faculta às partes prevenirem ou terminarem o litígio mediante a arbitragem.
Com essas breves considerações, peço vênia ao eminente Ministro- Relator, e aos que o seguiram, para acompanhar o voto do eminente Ministro Xxxxxx Xxxxx, que inaugurou a divergência (BRASIL, 2001).
Segundo Xxxxxxxx Xxxxxxx de Xxxxx, os votos vencedores se ativeram a, basicamente, três relevantes fundamentos: (i) o princípio da disponibilidade, em razão da Lei de Arbitragem ter seu limite nos direitos disponíveis; (ii) apenas o momento da intervenção pelo Poder Judiciário foi alterado, sendo possível que ocorra nos casos de violação à lei e lesão ou ameaça de direito conforme dispõem os artigos 32 e 33 da Lei de Arbitragem; e, (iii) por estar no plano de validade do negócio jurídico, se a cláusula compromissória contar com agente capaz, objeto lícito e forma prescrita e não defesa em lei, esta será válida (BERALDO, 2014). O autor ainda expõe que:
Cumpre-nos observar ainda que a cláusula compromissória não pressupõe renúncia à jurisdição, e, por conseguinte, violação ao art. 5o, XXXV, da CF/88. Na verdade, as par- tes, que são plenamente capazes, optaram por levar o seu litígio (mesmo que tal opção tenha
sido apriorística ao efetivo surgimento da lide) à jurisdição arbitral, ao invés da jurisdição estatal. Estamos diante, portanto, do fim do monopólio da jurisdição, ou, como preferem alguns, da real efetivação de outros meios de realização da justiça (BERALDO, 2014).
Em contraposição, o Ministro Relator, acompanhado pelos demais que votaram pela inconstitucionalidade de artigos da Lei de Arbitragem, entendeu que a cláusula compromissória prescinde de constitucionalidade por não determinar concretamente o litígio a que se presta, sendo esta genérica, e portanto de impossível execução específica, pelo que justifica:
A renunciabilidade da ação não existe in abstracto: só se pode aferi-la em concreto, pois tem por pressuposto e é coextensiva, em cada caso, da disponibilidade do direito questionado, ou melhor, das pretensões materiais contrapostas, que substantivam a lide confiada pelas partes à decisão arbitral (BRASIL, 2001).
Além disso, os Ministros que votaram pela inconstitucionalidade da norma sustentaram ser o direito de ação irrenunciável e que nos ordenamentos onde há previsão de exequibilidade da cláusula compromissória inexiste previsão similar à constante no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
O rico debate, em que pese tenha sido direcionado especificamente sobre a arbitragem, traz um panorama amplo e aplicável à previsão geral de método de solução de conflitos por agentes capazes, versando sobre objeto lícito e em forma prescrita ou não defesa em lei.
Tem-se, portanto, que a eleição de métodos extrajudiciais de solução de litígio não cerceia o acesso à jurisdição, mesmo que obste (momentaneamente) o acesso à via judicial. Conforme conclui Xxxxxx Xxxx Xxxxxx: “Não se poderá ir à jurisdição estatal, mas a lide será resolvida pela justiça arbitral. Em ambos há, por óbvio, atividade jurisdicional” (NERY JUNIOR, 2018, p. 89).
O capítulo adiante se destina à análise da possibilidade de se utilizar os métodos extrajudiciais para a solução de conflitos ocasionados pelo fim da sociedade marital.
Sem a pretensão de esgotar o tema, primeiramente, é feita a exposição e estudo dos conflitos referentes à dissolução da união estável e a separação ou divórcio.
Ato seguinte, debruça-se acerca de todos os conceitos já expostos neste estudo com o objetivo de analisar a viabilidade de submissão dos entraves à mediação e arbitragem, bem como aos demais meios extrajudiciais de solução de conflitos tratados na seção 2.4, quais sejam: negociação, conciliação, mini- trial, avaliação de terceiro neutro e dispute board, de forma a alcançar conclusão quanto ao tema proposto.
3.3.1 Os conflitos decorrentes do fim da convivência marital
O fim da vida a dois, seja ela criada por união de fato ou enlace matrimonial, certamente é um marco relevante na vida dos envolvidos.
A ruptura do vínculo pode gerar mágoas, ressentimentos, quebra de expectativa e confiança, a sensação de desacerto e tantos outros sentimentos, cenário que pende para um conflito bélico inflamado e a “qualquer custo”.
A partir de um ex-casal vários são os conflitos: além do estado da pessoa, que são as ações de separação ou divórcio e as ações de reconhecimento e dissolução, ou somente dissolução de união estável; tem-se tudo o que permeia a vida a dois, como apuração e partilha de patrimônio a partir da observância do regime de bens, eventual necessidade de prestar alimentos baseada no dever legal de mútua assistência, e então a respeito da prole, se existente, alimentos, guarda, regulamentação de convivência, de início.
Atendo-se ao escopo do presente estudo, ignora-se todo o contexto relativo aos filhos e ao poder familiar.
Tem-se, então, como conflitos referentes ao fim da convivência marital – decorrente de união estável ou casamento – o rompimento jurídico do vínculo, através de dissolução da união estável para as uniões de fato e separação ou divórcio para o casamento, com a possibilidade de necessária separação de corpos; fixação, revisão e execução de alimentos entre conviventes ou cônjuges;