CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
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1 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
NÚMERO 41 * ABRIL DE 2012
Artigos
* Acções sem Valor Nominal: A sua emissão a um valor de emissão inferior ao das Acções anteriormente emitidas
* Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas)
* O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira - Evidência Empírica para
o Mercado Português
2 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
N.º 41
Abril de 2012
3 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Índice
EDITORIAL 05
ARTIGOS:
Acções sem Valor Nominal: A sua emissão a um valor
de emissão inferior ao das Acções anteriormente emitidas 09
Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx
Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) 35
Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira
- Evidência Empírica para o Mercado Português 65
Paulo Silva
4 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Editorial
5 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Editorial
São apresentados três artigos na edição n.º 41 dos Cadernos do Mercado de Valores Mobiliá- rios. Dois são de teor jurídico e têm por base trabalhos que foram admitidos a concurso do Prémio anual da CMVM que visa distinguir trabalhos de natureza académica na área dos mercados de instrumentos financeiros. O outro artigo é de cariz económico e incide sobre o tema do research (análise financeira).
O primeiro artigo analisa a temática da emissão de ações sem valor nominal no ordenamento jurídico Português. O autor refere que o princi- pal objetivo das ações sem valor nominal é a flexibilização do financiamento das empresas mediante aumentos de capital por novas entra- das, permitindo-se operações que anteriormente estavam vedadas ou obrigavam à prévia realiza- ção de operações harmónio. Esta figura introdu- zida no ordenamento jurídico nacional em 2010 revelou-se especialmente importante para os emitentes com ações admitidas à negociação em mercado regulamentado cujo preço seja in- ferior ao valor nominal (situação atualmente verificada em diversas empresas) e que necessi- tem de se recapitalizar. Analisando o regime jurídico plasmado no Código das Sociedades Comerciais, o autor conclui que o legislador nacional permitiu expressamente a emissão de ações a um valor de emissão inferior ao das ações anteriormente emitidas, sendo que nesse caso o Conselho de Administração deve elabo- rar um relatório sobre o valor fixado e sobre as consequências financeiras da emissão para os acionistas.
O autor disserta subsequentemente sobre os problemas e implicações daí resultantes, porque esta solução, se por um lado permite o alarga- mento das possibilidades de financiamento das sociedades, por outro, tem como desvantagem facilitar a diluição das participações dos acio- nistas pré-existentes. O autor centra o problema na verificação dos princípios da equitativa con- tribuição dos acionistas e o do seu tratamento igualitário, que dita que acionistas que contribu- am com o mesmo valor para o capital social da sociedade devem adquirir as mesmas ações e ter idênticos direitos sociais. É concluído que o regime das ações sem valor nominal instituído pelo legislador nacional não viola o princípio da equitativa contribuição dos acionistas, respei- tando-o em toda a sua plenitude. Esta conclusão é sustentada tendo por base a aferição da contri- buição equitativa em termos relativos. Ou seja, todos os acionistas contribuíram equitativamen- te tendo em conta as condições a cada momento aplicáveis. Tal sucede porquanto no momento do aumento do capital, face à desvalorização das ações da sociedade, a contribuição equitati- va devida pela subscrição do mesmo número de ações era diferente da contribuição equitativa no momento da primeira emissão de ações. A diluição abusiva sucederia, por exemplo, nos casos em que o valor de emissão das novas acções fosse, sem razão atendível, manifesta- mente inferior à cotação das ações no momento dessa emissão.
O autor conclui ainda que, independentemente da emissão, em momentos distintos, a
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Editorial
diferentes valores de emissão, as ações sem valor nominal devem considerar-se perfeita- mente fungíveis entre si, integrando a mesma categoria de ações caso não sejam previstos direitos especiais, e conferir os mesmos direitos sociais aos seus titulares. No entanto, este regi- me coloca dúvidas resultantes de alguns proble- mas societários originados pela emissão de ações a um valor de emissão inferior ao das ações anteriormente emitidas, dado que essa emissão permite o destacamento entre o valor de emissão e o valor fracional das ações, sendo que vários dos mecanismos previstos na lei ain- da se encontram alicerçados na figura do valor nominal. Defende, pois, o autor que se levan- tam questões que devem ser analisadas minuci- osa e ponderadamente de modo a reduzir even- tuais riscos para as sociedades emitentes, os seus investidores e o mercado onde as suas ações negoceiem.
No segundo texto é tratada a matéria dos con- tratos de colocação de valores mobiliários com tomada firme. A autora começa por analisar a evolução legislativa da regulação do contrato de colocação com tomada firme (regulada no siste- ma jurídico português desde 1957) e conclui que, apesar de este ter mantido o seu núcleo essencial, refletiu também as tendências legisla- tivas das últimas décadas, em especial após a publicação do Código dos Valores Mobiliários. Subsequentemente, é analisada a tomada firme na perspetiva quer das disposições relativas à intermediação, quer dos próprios contratos de intermediação e, em especial, nos termos das
especificidades da assistência e colocação, concluindo a autora que a lei procura assegurar que o investidor se encontra exactamente na mesma posição que estaria se dessa colocação resultasse uma subscrição direta (por contrapo- sição a indireta, em que os investidores adquiri- am os valores mobiliários previamente adquiri- dos por intermediários financeiros).
Tendo em consideração a tipicidade contratual prevista no Código dos Valores Mobiliários, a autora afirma que o contrato de tomada firme configura um tipo legal nominado e que, consi- derando a inserção sistemática desta figura na legislação, constitui uma das modalidades de colocação de valores mobiliários. Defende tam- bém que o contrato de colocação com tomada firme combina as características do negócio jurídico de subscrição (tratando-se de uma OPS) ou do contrato de compra e venda (se ocorrer no âmbito de uma OPV) com os ele- mentos que formam o tipo contratual de coloca- ção de valores mobiliários e que se caracteriza, essencialmente, por uma obrigação de melhores esforços. A noção de tipo contratual, definida como “o conjunto de contratos compostos pela mesma combinação de elementos necessários”, permite que a autora extraia a conclusão de que a colocação (simples) representa não uma mo- dalidade de colocação mas antes, ela própria, um tipo contratual.
Os contratos de garantia de colocação e de to- mada firme, por sua vez, conformam subtipos do contrato de colocação que, sem prejuízo da
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Editorial
presença necessária dos elementos caracteriza- dores da colocação, acrescentam prestações típicas de outros negócios jurídicos, que se cu- mulam com as obrigações inerentes da coloca- ção. É ainda argumentado que a denominada colocação simples ou colocação stricto sensu (obrigação assumida pelo intermediário finan- ceiro de desenvolver os melhores esforços com vista à distribuição dos valores mobiliários ob- jecto da oferta) não é exclusiva da colocação simples, antes se verifica, igualmente, quer na garantia de colocação, quer na tomada firme (nestes dois últimos casos são acrescentados deveres de prestação que se afiguram como um acréscimo em relação ao dever de melhores esforços). Por último, é referido que a diversi- dade de elementos de vários tipos, categorias, classes (ou, simplesmente, ocorrências negoci- ais), denominada de contrato misto, conjugada com a exigência de legitimidade do intervenien- te, determina que seja concedido aos interme- diários financeiros autorizados o monopólio do exercício profissional destas atividades.
O último artigo analisa os possíveis efeitos da divulgação de relatórios de análise financeira (research) nos preços das respetivas ações for- mados em mercado regulamentado. Os resulta- dos obtidos indiciam que os investidores atribu-
em maior relevância às recomendações desfa- voráveis que às favoráveis, e que o mercado parece reagir às recomendações de Vender com uma intensidade superior à das recomendações de Comprar. A evidência empírica obtida pare- ce confirmar que o efeito dos Downgrades nas cotações é, em média, negativo e relevante em termos estatísticos, em contraste com os Upgrades cuja influência nas cotações parece ser residual.
O autor conclui ainda que a emissão de preços- alvo e a divulgação de estimativas para os re- sultados económicos das empresas nos relató- rios de análise financeira não parece acrescentar valor informacional além daquele que provém do sentido das recomendações de investimento, e que existem alguns indícios de que o setor e a dimensão das empresas visadas pelos relatórios de research poderão influenciar o efeito das recomendações de investimento nas cotações de mercado. Ademais, constata que o impacto das recomendações de Comprar e de Vender é superior quando estas são emitidas por interme- diários financeiros estrangeiros.
Em síntese, a diversidade dos temas tratados nestes três artigos justifica, certamente, uma leitura cuidada e atenta desta edição dos Cadernos.
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ARTIGOS
* Acções sem Valor Nominal: A sua emissão a um valor de emissão inferior ao das Acções
ANTERIORMENTE EMITIDAS
* Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas)
* O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira - Evidência Empírica para o Mercado Português
9 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Acções sem Valor Nominal: A sua emissão a um valor de emissão inferior ao das Acções anteriormente xxxxxxxx0
Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx
Introdução
A admissibilidade da emissão de acções sem valor nominal foi introduzida no ordenamento jurídico português em 24 de Maio de 2010, através do DL n.º 49/2010, de 19 de Maio.
O principal objectivo da consagração das ac- ções sem valor nominal foi a flexibilização do financiamento das sociedades com recurso a aumentos do capital por novas entradas, permi- tindo-se operações que anteriormente estavam vedadas às mesmas ou obrigavam à prévia rea- lização de operações harmónio. Desse modo, a figura revela-se especialmente relevante para as sociedades emitentes de acções admitidas à ne- gociação em mercado regulamentado que nego- ceiem a um preço inferior ao seu valor nominal, bem como para as instituições de crédito sujei- tas ao cumprimento das recentes e mais exigen- tes normas prudenciais relativas a fundos pró- prios impostas pelo Banco de Portugal e pela European Banking Authority.
Apesar de a sua adopção ter sido inicialmente tímida, hoje, volvidos mais de dois anos e meio sobre a entrada em vigor do diploma legal, con- tam-se já no seio das sociedades comerciais portuguesas importantes exemplos que recorre-
ram à figura, como é o caso do BCP, do BES, do BANIF, do BPI e da Inapa, sendo que a ca- pitalização bolsista das quatro primeiras na Euronext Lisbon ascende a cerca de 8,50% do índice PSI-20.
Porém, o regime jurídico das acções sem valor nominal não se encontra isento de dificuldades. Por um lado, cremos que se verifica um certo fenómeno de path dependence que afecta os agentes económicos, explicado pela dificuldade de implantação de um regime que abre mão de um conceito tradicionalmente conhecido e com o qual estão familiarizados. De facto, cremos que, ainda que sejam comummente considera- das acções sem valor nominal “falsas” ou “impróprias”, do modo como entendemos o seu regime, estas afirmam-se como uma das maio- res inovações dos últimos anos no seio do direi- to societário português.
Por outro lado, certas dificuldades podem tam- bém ficar a dever-se à densidade legal do respectivo regime e a determinadas incongruên- cias materiais verificadas no diploma legal que consagra as acções sem valor nominal, que suscitam diversas dúvidas interpretativas. Estas
1- O presente texto é um excerto do estudo realizado pelo Autor com o título “Aspectos do regime jurídico das acções sem valor nominal”, premiado em Maio de 2012 pela Cuatrecasas, Xxxxxxxxx Xxxxxxx & Associados com o Prémio Professor Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx 2011, e ao qual foi atribuído, em Junho de 2012, Menção Honrosa no Prémio CMVM 2011.
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dúvidas, quando analisadas pelos agentes eco- nómicos e seus consultores legais, podem cons- tituir riscos2 que o emitente e os investidores podem não estar dispostos a correr.
Ora, uma das dúvidas fundamentais que pode suscitar-se relativamente ao regime das acções sem valor nominal prende-se com a admissibili- dade da sua emissão a um valor de emissão in- ferior ao das acções anteriormente emitidas e os respectivos problemas e implicações daí resul- tantes. Com efeito, como se verá, este aspecto é da maior relevância prática porquanto a solução legal que se sustente, pela sua admissibilidade ou pela sua inadmissibilidade, comporta conse- quências verdadeiramente opostas no que ao recurso ao financiamento dos emitentes através do mercado de capitais diz respeito.
Assim, com o presente texto não pretende anali- sar-se exaustivamente as características e o re- gime das acções sem valor nominal, mas apenas debater-se, do ponto de vista jurídico, este aspecto essencial do mesmo, bem como algu- mas das suas implicações societárias práticas.
A Emissão de Acções Sem Valor Nominal
a um Valor de Emissão Inferior
ao das Acções Anteriormente Emitidas
1) Admissibilidade da emissão e fungibilidade das acções
Como referimos, uma das mais relevantes questões de todo o regime jurídico das acções sem valor nominal passa por saber se, do modo
como o legislador nacional configurou essa fi- gura, é ou não possível às sociedades emitirem acções a um valor de emissão inferior ao valor de emissão das acções anteriormente emitidas, passando a coexistir, numa mesma categoria, acções atributivas dos mesmos direitos apesar de emitidas e subscritas, em momentos distin- tos, a valores de emissão diferentes.
Pensamos que a resposta a esta questão resulta conjuntamente do disposto nas normas contidas nos artigos (i) 298.º, n.º 1 (ii) 298.º, n.º 3 e (iii) 276.º, n.º 4, todos do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
Nos termos do disposto no artigo 298.º, n.º 1 do CSC, “é proibida a emissão de acções (…) no caso de acções sem valor nominal, abaixo do seu valor de emissão”. Esta norma transpõe para o ordenamento jurídico português a regra imposta pela Segunda Directiva de Direito das Sociedades3 de que as acções (sem valor nomi- nal) não podem ser emitidas abaixo do seu par (equivalente contabilístico).
Noutros ordenamentos jurídicos europeus, a norma contida no artigo 8.º da Segunda Directi- va, que baseou o artigo 298.º, n.º 1 do CSC, foi interpretada e transposta de diferentes modos. De facto, a proibição de emissão de acções abaixo do par (a chamada no discount rule) foi consagrada de modo diametralmente oposto nos ordenamentos jurídicos alemão e belga, condu- zindo a resultados verdadeiramente díspares no que diz respeito à flexibilidade do financiamen- to de equity das sociedades regidas pelo direito alemão e das sociedades regidas pelo direito
2- Recentemente, num prospecto de emissão de acções sem valor nominal e sua admissão à negociação na Euronext Lisbon, o emitente incluiu, como factor de risco associado aos valores mobiliários objecto da respectiva oferta, o facto de o capital da sociedade ser represen- tado por… acções sem valor nominal.
3- Directiva 77/91/CEE, do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58.º do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade, alterada pelas Directivas 92/101/CEE, do Conselho, de 23 de Novembro de 1992, 2006/68/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Setembro de 2006, 2006/99/CE, do Conselho, de 20 de Novembro de 2006, e 2009/109/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009.
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Acções sem Valor Nominal... : 11
belga.
Na Alemanha, as acções sem valor nominal foram introduzidas, a propósito da adopção do euro, pela Gesetz über die Zulassung von Stückaktien, de 25 de Março de 1998, que alte- rou a Aktiengesetz (AktG). O §8 (1) da AktG passou, assim, a admitir que as acções tenham valor nominal ou sejam “acções unitá- rias” (Stückaktien), isto é, desprovidas de valor nominal. Sucede que o regime aplicável a estas acções, tal como previsto pelo legislador ale- mão, difere muito pouco do aplicável às acções com valor nominal. Com efeito, a lei alemã não permite que as acções sejam emitidas a um va- lor de emissão inferior ao valor de emissão das acções anteriormente emitidas, o que não conduz ao alargamento das possibilidades de financiamento das sociedades. Com efeito, na Alemanha, caso o valor de mercado das acções seja inferior ao seu valor de emissão, a socieda- de não poderá deliberar a emissão de novas acções a serem subscritas a valores inferiores ao par, ficando necessariamente impossibilitada de, nessas situações, proceder a aumentos do capital por novas entradas, a menos que, se pos- sível, proceda à realização de uma operação harmónio. Assim, no que diz respeito a este aspecto, o regime das acções sem valor nominal alemão, por não permitir a emissão abaixo do anterior par, praticamente não difere do regime das acções com valor nominal.
Na Bélgica, as acções sem valor nominal foram introduzidas, pelo menos expressamente, atra- vés das Lois coordonées sur les sociétés commerciales, de 25 de Maio de 1913, estando actualmente previstas, relativamente à société
anonyme, no artigo 476.º do Code des Sociétés, de 7 de Maio de 1999. Ora, o regime aí previsto permite que as acções sem valor nominal sejam emitidas a um valor inferior ao das acções ante- riormente emitidas, o que possibilita a realiza- ção de aumentos do capital por novas entradas em situações em que o valor de mercado das acções seja inferior ao valor de emissão das acções anteriormente emitidas. Torna-se, assim, desnecessário o recurso à coup d’accordéon nas situações em que, de outro modo, a mesma se- ria exigida.
Em síntese, o regime de acções sem valor nomi- nal alemão (Stückaktien) não permite a emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas, ao passo que uma emissão com essas características é permi- tida ao abrigo do regime de acções sem valor nominal belga (Actions sans mention de valeur nominale). Não cabendo no âmbito deste texto analisar a compatibilidade das referidas solu- ções com o Direito Europeu, nomeadamente tomar partido sobre a interpretação da norma que melhor se adequa aos princípios ínsitos à no discount rule estabelecida na Segunda Directiva, limitar-nos-emos a examinar as nor- mas do CSC e descortinar qual o regime que o legislador nacional efectivamente pretendeu e acolheu no plano do direito constituído.
A norma contida no artigo 298.º, n.º 1 do CSC poderá, assim, comportar essencialmente duas interpretações alternativas: ou (i) que o valor de emissão abaixo do qual as acções não podem ser emitidas se refere a todas as acções emitidas pela sociedade (caso em que o valor de emissão deve manter-se constante ao longo das
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várias emissões e equivaler sempre4 ao valor fraccional5); ou (ii) que o valor de emissão abaixo do qual as acções não podem ser emiti- das se refere apenas às novas acções a emitir, podendo assim, ser fixados diferentes valores de emissão ao longo das diferentes emissões e distanciando-se, nesses casos, o valor de emis- são do valor fraccional6.
Se a interpretação propugnada for a primeira, o valor de emissão atribuído às novas acções não pode ser inferior ao valor de emissão das acções anteriormente emitidas, não sendo possível, com o aumento do capital, qualquer variação no valor fraccional das acções da sociedade. Nesta interpretação, à semelhança do modelo alemão de acções desprovidas de valor nominal, o fi- nanciamento permanece vedado nas situações de impossibilidade de redução do capital e, nas situações em que a operação harmónio é admiti- da, não deixa a mesma de ser necessária. A úni- ca solução, nos casos de impossibilidade ou inconveniência do recurso à operação harmó- nio, seria encontrar investidores dispostos a subscrever o aumento do capital a um preço de subscrição superior ao valor de mercado das acções, o que no caso das sociedades emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado não se afigura sequer verosímil, dado que, face à liquidez dos valores cotados, esses investidores conseguiriam adquirir essas mesmas acções em mercado secundário ao pre- ço de mercado.
Esta interpretação da norma implica, como vimos, que as possibilidades de financiamento da sociedade não sejam alargadas, mas tem a vantagem de tendencialmente não ser apta a conduzir a uma diluição tão acentuada das par- ticipações dos accionistas pré-existentes dado que os novos accionistas pagarão pelo menos a quantia paga pelos primeiros na subscrição das acções (partindo do princípio que a primeira emissão não comportou qualquer prémio de emissão).
Caso a interpretação sustentada seja a segunda, i.e., a de que o valor de emissão atribuído às novas acções pode ser inferior ao valor de emis- são das acções anteriormente emitidas, à seme- lhança do modelo belga, o financiamento deixa de estar vedado às sociedades que se encontrem nas referidas situações e a operação harmónio torna-se desnecessária, dado que, ainda que a cotação das acções seja inferior ao valor de emissão das acções já emitidas, a sociedade poderá emitir novas acções a um valor equiva- lente ao valor de mercado das acções. Esse va- lor poderá ser inferior ao valor de emissão das acções anteriormente emitidas, apenas se vio- lando o artigo 298.º, n.º 1 do CSC se as acções forem emitidas a um valor abaixo do seu (das novas acções) valor de emissão, o que aconte- cerá apenas quando a entrada do accionista for inferior ao capital correspondentemente emitido (artigo 25.º, n.º 2 do CSC) e contabilis- ticamente imputado à rubrica de capital. Esta
4- Neste caso, uma sociedade anónima com o capital social de €50.000.000 representado por 10.000.000 acções sem valor nominal emiti- das a €5, em caso de aumento do capital por novas entradas de capital de €10.000.000, não poderia emitir mais que 2.000.000 acções, de modo a respeitar o par de €5 das acções já emitidas. Se, ao invés, a sociedade aumentasse o capital em €10.000.000, mas através da emis- são de 5.000.000 acções, o valor de emissão das novas acções a emitir seria de €2, o que seria inferior ao valor de emissão de €5 das acções anteriormente emitidas. Assim, esta emissão estaria vedada. Tal é o que sucede com as acções com valor nominal, em que a lei obriga a que todas as acções tenham o mesmo valor nominal.
5- O valor fraccional consiste no valor da fracção do capital emitido representado por cada acção, isto é, obtém-se mediante a operação aritmética de divisão da cifra do capital social pelo número de acções emitidas pela sociedade. Assim, uma sociedade anónima com o capi- tal social de €80.000.000 representado por 10.000.000 acções sem valor nominal emitidas a €5 e 10.000.000 acções sem valor nominal emitidas a €3, apresenta um valor fraccional de €4 por acção (€80.000.000 / 20.000.000 acções = €4).
6- Neste caso, uma sociedade anónima com o capital social de €50.000.000 representado por 10.000.000 acções sem valor nominal emiti- das a €5 cada, em caso de aumento do capital por novas entradas de capital de €10.000.000, poderá emitir qualquer número de acções ao valor de emissão que entender justo, com o limite de €0,01 por acção. Deve, apenas, assegurar (i) que o capital emitido corresponde à soma do valor de emissão das acções subscritas pelos accionistas, (ii) que, nos termos do artigo 276.º, n.º 3 do CSC, o valor de emissão não é inferior a €0,01, e (iii) que o valor de emissão das acções é o mesmo para todas as acções em cada emissão.
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Acções sem Valor Nominal... : 13
interpretação permite, portanto, o alargamento das possibilidades de financiamento das socie- dades, tendo, porém, como desvantagem facili- tar a diluição das participações dos accionistas pré-existentes.
Face aos dois resultados possíveis, entendemos que o legislador nacional permitiu (e que o fez expressamente) a emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas7, propugnando a segunda e mais flexí- vel das teses acima descritas.
Antes de mais, pode defender-se a tese de que, ao fazer referência ao seu valor de emissão, o artigo 298.º, n.º 1 do CSC refere-se ao valor de emissão das novas acções a emitir e não de to- das as acções anteriormente emitidas pela soci- edade. Com efeito, estabelecendo aquela norma regras sobre a emissão de acções, do ponto vista lógico (mas também sintáctico) fará sentido que as mesmas sejam regras aplicáveis a essas no- vas acções cuja emissão se perspectiva e não ao conjunto das acções já emitidas pela sociedade.
Além disso, se dúvidas poderiam restar no espí- rito do intérprete, o que concedemos, cremos que a literalidade da norma estabelecida no arti- go 298.º, n.º 3 do CSC não permite outra inter- pretação que não a descrita. Na verdade, dispõe o n.º 3 desse artigo, introduzido pelo DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, que “Se a emissão de acções sem valor nominal for realizada a um
valor de emissão inferior ao valor de emissão de acções anteriormente emitidas, deve o con- selho de administração elaborar um relatório sobre o valor fixado e sobre as consequências financeiras da emissão para os accionistas.”
A interpretação desta disposição não poderá, em nossa opinião, ser outra que não a de que é possível às sociedades emitir acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas. Face ao texto da lei, não parecem res- tar muitas dúvidas de que o regime acolhido no plano do direito constituído português é o de que podem ser fixados diferentes valores de emissão em diferentes emissões de acções.
Aliás, o artigo 298.º, n.º 3 do CSC, introduzido pelo DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, que cria a obrigação de elaboração pelo conselho de admi- nistração de um relatório sobre o valor fixado e sobre as consequências financeiras da emissão para os accionistas é, como se verá, baseado no Code des Sociétés belga, que estabelece uma obrigação prevista exactamente nos mesmos termos, com a finalidade de acautelar a possível diluição acrescida das participações sociais que os accionistas venham a sofrer.
Ora, o regime das acções sem valor nominal consagrado na Bélgica é justamente configura- do no sentido de permitir a emissão de acções, em momentos distintos, a diferentes valores de emissão, sendo que o relatório congénere ao do
7- Em sentido discordante, veja-se XXXXX XXXXXX/XXX XXXXXX XXXXXX XXXXXXX, Acções sem valor nominal, Coimbra Editora, 2011, pp. 19 e 112-113. Para os mencionados Autores, as sociedades anónimas portuguesas não podem emitir acções a um valor de emissão inferior ao das anteriores acções, concluindo que, quando a cotação das suas acções esteja abaixo do valor de emissão, “ou as empresas ficam im- pedidas de proceder à emissão ou estas deverão primeiro reduzir o capital social para o ajustar ao património da sociedade, em ordem a um posterior aumento do capital social.” A sua conclusão vai, assim, no sentido de entender que o legislador português não seguiu o cami- nho das acções sem valor nominal belgas, mas antes o das acções sem valor nominal alemãs. Assim, para aqueles Autores, o problema do financiamento das sociedades portuguesas emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado cuja cotação se tornou inferior ao respectivo valor nominal não fica de modo nenhum resolvido, sendo necessário, nos casos em que seja admitida, à semelhança do que sucede no direito alemão e com as sociedades portuguesas emitentes de acções com valor nominal, uma operação de redução segui- da de aumento do capital (operação harmónio) para a sociedade financiar-se junto do mercado accionista. Pelos fundamentos expostos em texto, e com o devido respeito, não podemos concordar com a posição dos referidos Autores. De facto, parece-nos que aquilo que o legisla- dor quis e estabeleceu expressamente não pode confundir-se com aquilo que o legislador eventualmente devia ter querido e devia ter esta- belecido.
No mesmo sentido que o por nós defendido, vide XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXX, “As acções sem valor nominal”, in Direito das Socieda- des em Revista, Ano 2, vol. 4, 2010, p. 207, e “As acções sem valor nominal no direito português”, in I Congresso Direito das Sociedades em Revista, Almedina, 2011, p. 61-64.
14 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
artigo 298.º, n.º 3 do CSC deve ser elaborado e apresentado pelo conselho de administração justamente nessas situações. Face ao exposto, parece claro que o regime português procurou seguir as pisadas do legislador belga nesse aspecto8.
A confirmar os argumentos interpretativos lite- rais acima expostos deve ainda ter-se em devida conta um argumento de carácter teleológico. Na verdade, não só o legislador parece ter-se ex- pressado inequivocamente no sentido da admis- sibilidade da emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas, como inexistem dúvidas se foi essa a sua intenção clara e expressa.
De facto, como deixámos sucintamente exposto supra, a principal finalidade que o legislador teve em mente com a introdução da figura das acções desprovidas de valor nominal foi o alar- gamento das hipóteses de financiamento das sociedades, nomeadamente daquelas cujas acções tenham um valor de mercado inferior ao respectivo valor nominal. Essa intenção foi, aliás, plasmada de forma inequívoca no preâm- bulo do DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, referin- do-se aí que “As acções sem valor nominal alargam as hipóteses de financiamento das em- presas, na medida em que facilitam a realiza- ção de aumentos de capital em situações que, de outro modo, estariam vedadas ou obrigari- am a prévia redução do capital social. Com efeito, a obrigatoriedade de valor nominal, ali- ada à proibição de emissão abaixo do par, difi- cultava a realização de operações de aumento de capital ou obrigava a uma prévia redução do capital social para o ajustar ao património da sociedade.”
Ora, tal finalidade apenas é almejável caso a interpretação perfilhada do artigo 298.º, n.º 1 do
CSC seja a que possibilita a emissão de acções a um valor de emissão inferior ao valor da emissão das acções anteriormente emitidas. No que a esta finalidade diz respeito, o propósito do legislador de nada serviria se o regime cujo objectivo expresso era “evitar, nomeadamente, todo o processo que implica a concretização de uma operação harmónio” fosse estabelecido pelo legislador, afinal de contas, de modo a manter o status quo obrigando a que essa opera- ção fosse necessária…
Por fim, mas não menos importante, deve aten- tar-se ao disposto no artigo 276.º, n.º 4 do CSC que, após a alteração introduzida pelo DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, dispõe que “todas as acções devem representar a mesma fracção no capital social e, no caso de terem valor nomi- nal, devem ter o mesmo valor nominal”.
Salvo melhor opinião, não cremos que a obriga- toriedade de representação pelas acções sem valor nominal da mesma “fracção no capital social” da sociedade imponha que as acções devam ser sempre emitidas ao mesmo valor de emissão. De facto, se o legislador assim o tives- se pretendido, teria estipulado tal obrigatorieda- de expressamente, de resto tal como o fez para as acções com valor nominal, em que resulta claro que “devem ter o mesmo valor nominal”. Por outro lado, se assim fosse, esta norma coli- diria não só com o disposto no n.º 3 do artigo 298.º do CSC, como com a exposição de moti- vos expressa no preâmbulo do DL n.º 49/2010, de 19 de Maio.
Do diferente texto legislativo introduzido pelo legislador devem, pois, retirar-se diferentes soluções, aliás como bem ditam as regras legais de interpretação das normas jurídicas, em con- creto o artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil, segun- do o qual deve presumir-se que o legislador
8- No mesmo sentido, XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXX, “As acções…, cit., p. 204-209; “As acções… in I Congresso, cit., p. 61-64.
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Acções sem Valor Nominal... : 15
consagrou a solução mais acertada e soube ex- primir o seu pensamento em termos adequados.
Na nosso entendimento, a interpretação do dis- posto no artigo 276.º, n.º 4 do CSC adequada ao pensamento legislativo não passa por entender que as acções desprovidas de valor nominal devem ser emitidas sempre ao mesmo valor de emissão, mas outrossim que, ainda que sejam emitidas, em momentos distintos, a valores de emissão diferentes, todas são fungíveis entre si e conferem uma participação social igual aos seus titulares. Com efeito, representando cada acção sem valor nominal uma mesma fracção no capital social, todas têm o mesmo valor frac- cional, sendo irrelevante, do ponto de vista da participação social atributiva de direitos sociais, que os accionistas hajam contribuído, em subs- crição, mais ou menos para o capital da socie- dade.
Por outras palavras, a boa interpretação do arti- go 276.º, n.º 4 do CSC passa, assim, a nosso ver, não por concluir que as acções devem todas obrigatoriamente ser emitidas ao mesmo valor de emissão – como, pela letra apenas deste artigo9, poderá pretender sustentar-se -, mas que todas as acções da mesma categoria têm o mes- mo valor interno – o mesmo valor fraccional – sendo absolutamente fungíveis e representando a mesma posição relativa no capital social da sociedade, e assim conferindo direitos iguais aos seus titulares.
De facto, o que se mostra fundamental para a determinação dos direitos sociais não é o valor de emissão pago por cada accionista na subscri- ção das suas acções, mas outrossim o número de acções detidas pelo accionista no total de acções emitidas, dado que, do ponto de vista interno, todas as acções representam a mesma fracção no capital da sociedade.
Face ao exposto, cremos que o legislador pre- tendeu instituir regimes distintos no panorama societário português: num cenário de acções com valor nominal, apenas permite um único valor nominal10, o que, aliado à proibição de emissão abaixo desse valor resulta num sistema rígido susceptível de vedar, em determinadas situações, aumentos do capital ou de tornar ne- cessária a realização de uma operação harmó- nio; num ambiente de acções sem valor nomi- nal, permite a emissão a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas11, o que resulta num sistema mais flexível e que abre portas a aumentos do capital outrora veda- dos e tornando desnecessária a operação harmó- nio. Em contrapartida, esse regime poderá po- tenciar a diluição das participações sociais dos accionistas12.
Naturalmente pode discutir-se a conformidade do regime das acções sem valor nominal portu- guês (e do belga) com a Segunda Directiva. Porém, a questão é relevante numa perspectiva de iure condendo, não devendo confundir-se
9- Nomeadamente pela referência a “devem ter” e não a “têm”.
10- Nada o impedia, no entanto, de permitir a possibilidade de existência de diferentes valores nominais, por exemplo, em diferentes cate- gorias de acções, à semelhança do que ocorre no Reino Unido. Em sentido semelhante, XXXXXXX XXXXXXX CORDEIRO, “Acções sem valor nominal”, in Revista de Direito das Sociedades, Ano II (2010), n.º 3-4, 2010, p. 507, que menciona que, como alternativa (pior) ao regime das acções desprovidas de valor nominal instituídas pelo DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, o legislador poderia ter introduzido “emissões com valores nominais diferentes, mas com iguais direitos por acção, o que, sendo equivalente à solução ora vigente, iria causar escândalo e iria quebrar a harmonia formal do sistema.”
11- Note-se que a obrigação de elaboração pelo conselho de administração do relatório previsto no artigo 298.º, n.º 3 do CSC apenas está prevista para as emissões de acções sem valor nominal efectuadas nas condições mencionadas naquele artigo.
12- Sobre a questão da diluição e exemplos práticos sobre a mesma, veja-se o ponto 2) infra.
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com a análise do regime que o legislador nacio- nal efectivamente acolheu de iure condito no direito positivo português.
2) O princípio da equitativa contribuição dos accionistas e a diluição da participação social: um problema jurídico?
A emissão por uma sociedade de novas acções sem valor nominal a um valor de emissão infe- rior ao das acções anteriormente emitidas con- duz a uma situação de discrepância entre o montante contribuído em subscrição pelo accio- nista para o capital social da sociedade e o nú- mero de acções subscritas - que, como referido no preâmbulo do DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, estabelece a medida dos seus direitos sociais.
Na verdade, nesses casos, o valor de emissão – obtido pela divisão do montante do capital emi- tido numa determinada operação de aumento do capital pelo número de novas acções emitidas – deixa de coincidir com o valor fraccional das acções – entendido como o valor obtido pela divisão do capital social pelo número total de acções emitidas. Atentemos ao seguinte exem- plo.
Suponhamos que a Contribuições Desiguais e Participações Diluídas, S.A. é uma sociedade anónima emitente de acções sem valor nominal e tem um capital social de €50.000.000 repre- sentado por 10.000.000 acções, que foram emi- tidas a um valor de emissão de €5 cada. A soci- edade tem cinco accionistas, cada um titular de
2.000.000 acções. Assim, ao subscrever e reali- zar as suas acções, cada accionista contribuiu com 20% do capital da sociedade em troca de uma participação social equivalente a essa per- centagem, i.e., uma participação social que, simplisticamente, lhe confere, por exemplo,
20% dos lucros distribuíveis e 20% dos direitos de voto. Suponha-se que as acções tinham um valor de mercado de €5 cada, que correspondia ao seu valor contabilístico.
Imagine-se agora que (i) apesar de a sociedade gerar lucros, determinados factores externos causaram um impacto negativo na empresa, levando a que o valor real das acções da socie- dade haja descido para €3, ou que (ii) a socieda- de apresentou prejuízos, tendo o nível dos seus capitais próprios descido para €30.000.000, o que ditou, simplisticamente para efeitos do pre- sente exemplo, que o valor de mercado das ac- ções, em consonância com o seu valor contabi- lístico, passasse a ser de €3.
A sociedade pretende agora proceder a um au- mento do capital por novas entradas em dinhei- ro como forma de financiamento de equity. Co- mo o valor de mercado das suas acções é de €3, decide proceder a um aumento do capital de
€30.000.000, mediante a emissão de 10.000.000 acções emitidas a um valor de emissão de €3 cada, sem qualquer prémio de emissão.
A sociedade está, pois, a emitir acções sem va- lor nominal a um valor de emissão inferior (€3) ao das acções anteriormente emitidas (€5). Caso a sociedade fosse emitente de acções com valor nominal, por força do disposto nos artigos 298.º, n.º 1 e 276.º, n.º 4 do CSC, estaria legal- mente impedida de realizar a operação em cau- sa. Como alternativa, teria que efectuar uma operação harmónio, o que, nos termos da lei, apenas poderia fazer na situação ii), mas não já na situação i) supra enunciadas.
Em virtude da dificuldade de financiamento dos próprios accionistas, o aumento do capital não é acompanhado pelos accionistas actuais, sendo totalmente subscrito por um novo accionista F.
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Acções sem Valor Nominal... : 17
A sociedade passa, deste modo, a ter o capital social de €80.000.000 representado agora por
20.000.000 acções sem valor nominal.
Ao subscrever as 10.000.000 emitidas no au- mento do capital, o novo accionista F ficará titular de uma participação de 50% na socieda- de, apesar de a sua entrada em dinheiro apenas ter totalizado €30.000.000 para o capital social da sociedade. Ou seja, F contribuiu
€30.000.000 (37,5% do total contribuído impu- tado a capital social), mas as 10.000.000 acções que subscreveu representam uma fracção de 50% do capital social e dos direitos de voto da sociedade.
Quanto aos cinco accionistas antigos da socie- dade que outrora contribuíram €10.000.000
cada um, a título de entrada em dinheiro, em troca das suas 2.000.000 acções corresponden- tes a 20% do capital da sociedade, não tendo acorrido ao aumento do capital, mantiveram o número de acções detidas, mas o universo de acções aumentou. Em resultado, as 2.000.000 acções que cada accionista detém, pela subscri- ção das quais pagou €10.000.000, passaram apenas a conferir uma participação de 10% na sociedade.
O seguinte quadro resume a situação verificada após as emissões de acções enunciadas.
Capital Social: €80.000.000
1.º Valor de emissão (capital emitido:
€50.000.000/número de acções:10.000.000): €5
2.º Valor de emissão (capital emitido:
€30.000.000/número de acções:10.000.000): €3
Accionista | N.º de acções | % participação (direitos sociais) | Capital emitido | % capital contribuído |
A | 2.000.000 | 10% | €10.000.000 | 12,5% |
B | 2.000.000 | 10% | €10.000.000 | 12,5% |
C | 2.000.000 | 10% | €10.000.000 | 12,5% |
D | 2.000.000 | 10% | €10.000.000 | 12,5% |
E | 2.000.000 | 10% | €10.000.000 | 12,5% |
F | 10.000.000 | 50% | €30.000.000 | 37,5% |
Total | 20.000.000 | 100% | €80.000.000 | 100% |
Verifica-se, então, uma discrepância entre o peso relativo das entradas dos accionistas leva- das a capital social da sociedade e a participa- ção social conferida pelo número de acções subscritas mediante essas mesmas entradas: A, B, C, D e E contribuíram 12,5% do capital soci- al, mas as acções de que são titulares conferem- lhe uma participação social representativa de apenas 10% no capital da sociedade (rectius, dos direitos sociais); já F contribuiu apenas 37,5% do capital social, mas as acções de que é titular confere-lhe uma participação social re- presentativa de 50% no capital da sociedade
(rectius, dos direitos sociais), porquanto incor- porou a participação social representativa de 2,5% do capital que cada dos restantes accionis- tas diluiu.
Esta discrepância entre capital contribuído e participação social atribuída – apenas verificada em caso de emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas e atribuição aos titulares de umas e outras dos mesmos direitos sociais - deve quali- ficar-se como um problema jurídico susceptível de afectar a legalidade da operação? Isto é, a
18 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
a emissão de acções a um valor de emissão in- ferior ao das acções anteriormente emitidas, considerando-se que todas atribuem os mesmos direitos sociais aos seus titulares, violará algu- ma norma ou princípio de direito societário por- tuguês?
A questão pode colocar-se no prisma de uma eventual colisão da operação com o princípio da equitativa contribuição dos accionistas13, como princípio do tratamento igualitário dos accionistas14, que dita que accionistas que con- tribuam com o mesmo valor para o capital soci- al da sociedade devem adquirir as mesmas acções (e, inerentemente, os mesmos direitos sociais).
No entanto, salvo melhor entendimento, cremos que o regime das acções sem valor nominal ins- tituído pelo legislador nacional em nada viola o princípio da equitativa contribuição dos accio- nistas; antes pelo contrário, respeita-o em toda a sua plenitude.
Com efeito, o princípio da equitativa contribui- ção dos accionistas - que mais não é que um desdobramento do princípio da igualdade entre accionistas - deve ser aferido tendo em conta os diferentes momentos (e, consequentemente, os diferentes valores de mercado das acções) que a sociedade em causa atravessa. Não pode, pois, pretender-se que esse princípio imponha que os novos accionistas de uma sociedade cujas ac- ções tenham um determinado valor de mercado
- inferior ao que tiveram anteriormente - se ve- jam obrigados a contribuir mais que o valor devido e justo apenas para contribuírem o mes- mo que os accionistas anteriores.
Voltando ao exemplo supra referido, não nos parece adequado afirmar-se que o accionista F contribuiu menos para o capital da sociedade que conjuntamente os seus co-accionistas A, B, C, D e E. É certo que, em termos absolutos, a contribuição de F foi inferior, mas também não é menos certo que, em termos relativos, tendo em conta a situação da sociedade, essa contri- buição foi igual, foi equitativa.
Ora, a aferição da contribuição equitativa deve ser feita em termos relativos15. Ou seja, todos os accionistas contribuíram equitativamente, i.e., de forma justa e igual, tendo em conta as condições a cada momento aplicáveis. Tal suce- de porquanto no momento do aumento do capi- tal, face à desvalorização das acções da socie- dade, a contribuição equitativa devida pela subscrição do mesmo número de acções era diferente da contribuição equitativa no momen- to da primeira emissão de acções. Refira-se, aliás, que tivesse F contribuído, no aumento do capital que subscreveu, o mesmo valor que os anteriores accionistas haviam contribuído para obter o mesmo número de acções, aí sim verifi- car-se-ia uma verdadeira contribuição não equi- tativa por parte de F.
Parece-nos, assim, que o princípio da equitativa contribuição dos accionistas, pelo menos da forma como o entendemos, pode até considerar- se reforçado pela possibilidade de emissão de acções, em momentos distintos, a diferentes valores de emissão. Com efeito, não partilhando da restrição existente para as acções com valor nominal – obrigatoriedade de um valor nominal único para todas as acções – o regime das acções sem valor nominal permite que o
13- XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXX, “As acções…, cit., p. 204 e 202, nota 107, sustenta que, na sua opinião, a equitativa contribuição por parte dos sócios não fica assegurada com o esquema jurídico adoptado na Bélgica e em Portugal.
14- Veja-se o artigo 42.º da Segunda Directiva, em que se estabelece que “Para a aplicação da presente directiva, as legislações dos Estados-membros garantirão um tratamento igual aos accionistas que se encontrem em condições idênticas”.
15- Relembre-se que o princípio da igualdade impõe que seja tratado de forma igual aquilo que seja igual e que seja tratado de forma dife- rente aquilo que seja diferente.
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Acções sem Valor Nominal... : 19
o accionista subscreva acções a um valor de emissão que resulte numa contribuição que, embora justa e adequada ao valor de mercado das acções, anteriormente lhe estava vedada.
É um facto que o destacamento entre contribui- ção de capital e participação do accionista pode comportar um risco de diluição acrescida, caso os accionistas antigos não possam ou não pre- tendam subscrever o aumento do capital. Com efeito, através da emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas potencia-se uma diluição proporcio- nalmente superior da sua participação na socie- dade, dado que o património contribuído pelos accionistas antigos é “redistribuído” em benefí- cio dos novos accionistas16.
Importa, assim, saber se esse potenciamento de diluição das participações sociais, motivado pela emissão de acções sem valor nominal a um valor de emissão inferior ao das acções anteri- ormente emitidas, todas fungíveis e atributivas dos mesmos direitos sociais, é ou não um pro- blema susceptível de afectar a legalidade do regime.
Relativamente a essa questão, entendemos que apenas existe diluição abusiva das participações dos accionistas antigos se a mesma se mostrar injustificada, i.e., se for causada pela determi- nação de um valor de emissão inferior para as novas acções que não resulte de critérios justos, razoáveis e justificáveis. Em rigor, só nesses
casos podem os accionistas antigos sentir-se lesados com a nova emissão, pois o preço de desconto para subscrição das novas acções im- plicará uma contribuição não equitativa dos novos accionistas. Esta diluição abusiva sucede, por exemplo, em casos em que o valor de emis- são das novas acções seja manifestamente infe- rior à cotação das acções no mercado nesse determinado momento sem razão atendível17.
Voltando ao nosso exemplo da sociedade Contribuições Desiguais e Participações Diluídas, S.A., verificamos que, após o aumento do capital, as participações de A, B, C, D e E apenas ficaram diluídas proporcionalmente ao valor dos prejuízos efectivamente sofridos pela sociedade (no caso de ter sido essa a causa da diminuição do valor de mercado das acções). Com efeito, o valor de emissão de €3 por acção que F subscreveu no aumento do capital corres- pondia, nesse momento, ao valor de mercado das acções da sociedade (se, como referimos, para efeitos de simplificação do exemplo, a avaliação atender apenas respectivo valor con- tabilístico).
Assim, desde que o valor de emissão das novas acções seja determinado tendo em conta crité- rios fiáveis que exprimam adequadamente o valor das acções no momento da emissão18, a contribuição dos accionistas deve ter-se por equitativa e, consequentemente, a diluição que eventualmente resulte do aumento do capital assim subscrito não é uma diluição
16- Veja-se, nesse sentido, a referência feita, no direito belga, por PH. HAMER/B. XXXXX, “Commentaire de l’art. 582 C. Soc.”, in Commen- taire systématique du ‘nouveau’ Code des sociétés, X., Bruxelas, Xxxxxx, 0000: “Si le prix d’émission des actions nouvelles est inférieur au pair comptable des actions anciennes, cela implique que les actionnaires, en votant en faveur de l’augmentation de capital, acceptent une dilution plus que proportionnelle de leur participation dans le capital social. Concrètement, le fait qu’une partie du patrimoine des actionnaires anciens, représentée par leurs actions anciennes dans la société, puisse être «redistribuée» au bénéfice d’actionnaires nouveau contribuant en moindre mesure au capital social justifie l’application de la procédure plus stricte prévue à l’article 582.”
17- Ou inferior a qualquer outro valor que represente, com justiça, o valor real das acções. Note-se, porém, que é comum a emissão a um valor ligeiramente inferior ao valor de mercado das acções, de modo a tornar o aumento do capital atraente a novos investidores.
18- Seja o valor de mercado, seja o valor obtido pelo cálculo dos capitais próprios, ou qualquer outro critério fiável de determinação do valor real e actual das acções. No Brasil, nos termos do artigo 170 da Lei n.º 6404, de 15 de Dezembro de 1976, na redacção dada pela Lei n.º 9457, de 1997, sobre aumento do capital, a fixação do preço de emissão de acções sem valor nominal deve atender, alternativa ou conjuntamente, (i) à perspectiva de rentabilidade da sociedade, (ii) ao valor do património líquido da acção, e (iii) à cotação das suas acções em Bolsa de Valores no mercado de balcão organizado, admitido ágio ou deságio em função das condições do mercado.
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expropriativa19, isto é, não corresponde a uma diluição injustificada que importe um abuso dos accionistas maioritários (e do conselho de ad- ministração, caso se sustente a possibilidade do aumento do capital autorizado) em detrimento dos accionistas minoritários existentes.
Sustentamos, por isso, que a preocupação do Direito em assegurar a equitativa contribuição (material) por parte dos accionistas e, assim, não permitir a diluição injustificada das suas participações, não é colocada em crise pelo fac- to de se verificar uma diluição das participações dos accionistas não subscritores do aumento do capital motivada pela subscrição por novos ac- cionistas de acções emitidas a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas, desde que esse novo valor de emissão traduza o efectivo valor real das acções. Só quando assim não for, sem razões atendíveis, verificar-se-á uma diluição injustificada da par- ticipação dos antigos accionistas20 não tolerada pelo princípio da igualdade, em especial da equitativa contribuição dos accionistas.
Note-se, ainda, que os efeitos de diluição não são exclusivos das acções sem valor nominal,
nem da sua emissão a um valor de emissão infe- rior ao das acções anteriormente emitidas. Na verdade, também num ambiente de acções com valor nominal, caso as acções sejam emitidas com um desconto injustificado relativamente ao seu valor real21,22, poderá assistir-se a um fenó- meno de diluição abusiva.
Concluímos, assim, que desde que a sociedade assegure, de qualquer modo, que o valor de emissão das novas acções é o justo e adequado, a diluição que possa advir da não subscrição das novas acções emitidas a um valor de emis- são inferior ao das acções anteriormente emiti- das não constitui um problema juridicamente relevante. De facto, esta parece ser a solução mais adequada da lei, tendo em conta a literali- dade e o pensamento do legislador nacional, não obstante a sua duvidosa conformidade com o espírito, criticável, da Segunda Directiva23.
Até aqui abordámos o problema da legalidade da diluição de participações face ao princípio da equitativa contribuição dos accionistas apenas na perspectiva do valor de emissão fixado e na importância da sua correspondência com o va- lor justo das acções. De facto, impõe-se essa
19- XXXXXX XXXXXXX, “Protecting Minority Shareholders from Improper Dilution”, Shareholder Rights and the Equitable Treatment of Shareholders, Fourth Asian Roundtable on Corporate Governance Paper, Xxxxxxx, Xxxxxxxx 0000, explica que o mais grave modo de expropriação é o da diluição injustificada (improper dilution): “In markets where the prevailing laws do not provide for pre-emptive rights, a listed company can easily issue fresh equity or convertible instruments to the controlling shareholders or their friends and associates, at a discount to market price. However, even in markets where shareholders have pre-emptive rights, tactics like a rights issue priced at a deep discount to the market price can be used to dilute the shareholders that do not participate in the issuance” (sublinhado nosso); “by improper dilution, the expropriated shareholder not only loses economic benefits but more importantly, other ownership rights such as voting are also watered down even further”.
20- A expressão é retirada do artigo 170.º da Lei n.º 6404, de 15 de Dezembro de 1976, na redacção dada pela Lei n.º 9457, de 1997, em que se lê que “O preço de emissão [das acções sem valor nominal] deverá ser fixado, sem diluição injustificada dos antigos acionistas”. Ou seja, a contrario sensu, o legislador parece admitir que há casos em que a diluição dos accionistas existentes é justificada. Ora, esses casos correspondem, cremos, justamente às situações em que o valor de emissão (e o preço de emissão ou preço de subscrição, caso haja lugar a ágio) das novas acções, apesar de inferior, traduz o justo valor, nesse momento, das acções da sociedade. Também no relatório da consulta australiana, AUSTRALIAN COMPANIES AND SECURITIES LAW REVIEW COMMITTE, DISCUSSION PAPER NO. 10, Shares of No
Par Value and Partly-Paid Shares (March 1990), p. 5-6, se refere a “improper dilution” apenas quando os administradores da sociedade deliberarem a emissão de acções a um valor que não seja o adequado.
21- Em sentido idêntico, XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXX, “As acções…, cit., p. 193-194, nota 67.
22- Sendo que, no caso de acções com valor nominal, o limite mínimo é o valor nominal das acções antigas (artigo 298.º, n.º 1 do CSC e artigo 8.º da Segunda Directiva) e, no caso de acções sem valor nominal, o limite mínimo é, caso se perfilhe, como nós, a admissibilidade de emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas, apenas de €0,01 (artigo 276.º, n.º 3 do CSC).
23- Como referimos, não cabe aqui essa análise. Note-se, porém, que mesmo na possivelmente remota hipótese de o regime português das acções sem valor nominal vir a ser considerado incompatível com o Direito Europeu, as sociedades que emitirem acções sem valor nominal e procederem a uma emissão a um valor de emissão inferior ao valor de emissão das suas acções anteriormente emitidas não correrão riscos de incumprimento legal dado que as Directivas, como instrumentos de direito europeu derivado, apenas vinculam os Estados Membros, não produzindo, salvo raras excepções, efeito directo sobre os particulares.
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análise, dado que sendo possível a emissão de acções sem valor nominal a um valor de emis- são inferior ao das anteriormente emitidas, a liberdade de fixação do novo valor de emissão é maior que num ambiente de acções com valor nominal, em que o valor nominal deve manter- se constante.
Porém, não deve deixar de notar-se que a dilui- ção de participações sociais dos accionistas não ocorre sem mais, existindo diversas normas legais protectoras dos accionistas no direito so- cietário português.
Em primeiro lugar, atente-se que é dos accio- nistas, a quem a diluição prejudica, a competên- cia para deliberar aumentos do capital e as suas condições - entre as quais a fixação do valor de emissão das novas acções a emitir. Desse modo, são os próprios accionistas que fixam voluntari- amente o valor de emissão24. Se decidem fixar um valor de emissão inferior ao valor justo das acções, são eles mesmos que irão, caso não acorram ao aumento do capital, diluir injustifi- cadamente a sua própria participação.
Em segundo lugar, a maioria para deliberar o aumento do capital é, nos termos do artigo 386.º, n.º 2 do CSC, uma maioria qualificada de 2/325 dos votos emitidos, que traduz uma vonta- de significativa e assinalável26 da colectividade dos accionistas.
Naturalmente, a admissibilidade da emissão de acções a um valor de emissão inferior ao valor de emissão das acções anteriormente emitidas, com o único limite legal expresso de €0,01, tra- duz-se numa flexibilização do regime que pode- rá ter a consequência de atribuir um maior poder27 aos accionistas maioritários (e aos ad- ministradores, caso se entenda admissível, nes- tes casos, a figura do capital autorizado). No entanto, esse poder não deverá nunca ser utilizado com o propósito de prejudicar a sociedade ou determinados accionistas, sob pena de essa deliberação se encontrar ferida de anulabilidade28.
Em terceiro lugar, os accionistas têm agora o direito a serem informados sobre o valor de emissão e as consequências financeiras da
24- Contudo, nem sempre assim é caso se admita a figura do capital autorizado para emissões a um valor de emissão inferior aos anteriores pois, nesses casos, não são os accionistas que decidem o aumento do capital e correspondente valor de emissão das novas acções, mas sim o órgão de administração da sociedade. Essa parece, aliás, ser a razão mais ponderosa contra a figura do capital autorizado no caso de acções sem valor nominal emitidas a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas. Porém, sempre poderá sustentar- se que a maioria necessária para prever o capital autorizado é a mesma que para deliberar o aumento do capital, pelo que a legitimidade dos accionistas é semelhante.
25- No direito belga, esta maioria é mais exigente (3/4 dos votos), conforme referem PH. HAMER/B. XXXXX, “Commentaire…, cit.: “En toutes hypothèses, l’augmentation du capital par émission d’actions sans mention de valeur nominale en dessous du pair comptable des actions anciennes de la même catégorie n’est admise que si au moins trois quarts des voix se sont prononcées en sa faveur.”
26- No direito português, nos termos do artigo 386.º, n.º 2 ex vi artigo 383.º, n.º 2 do CSC, nas sociedades anónimas, essa maioria assume relevância, sendo a mesma necessária para deliberar a dissolução da sociedade.
27- Este poder – o de diluir as participações dos accionistas – foi analisado e bastante debatido nos diferentes ordenamentos jurídicos dos Estados Unidos da América, nomeadamente aquando da introdução das acções sem valor nominal do outro lado do Atlântico. Pelo facto de a flexibilização da lei resultar num acréscimo de poder no lado de quem pode decidir a emissão de acções (em geral, nos direitos norte- americanos, os administradores) e, assim, concluindo que o funcionamento do sistema estará, afinal, sujeito à razoabilidade de quem proce- de à emissão de acções com diferentes valores de emissão, veja-se a posição céptica de Xxxxxxx X. Xxxx, referindo que “Stock with no par value looks like a skillfully devised scheme for issuing a maximum of watered stock at a minimum risk. In the hands of reliable men it may be all right; (…) in the hands of unreliable men it is all wrong”, apud XXXXXXX X. RICE/XXXXXX X. XXXXX, “Shares with no Par Value”, in Minnesota Law Review, vol. IV, n.º 7, 1921, p. 510-511.
28- Acresce que, no caso de sociedades emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, em que as decisões dos accionistas e dos administradores das sociedades são mais transparentes e, desse modo, fortemente escrutinados pelo mercado, este natural- mente poderá aumentar o custo do financiamento incorrido pela sociedade no mercado accionista para incorporar o risco de eventual ex- propriação. Sobre o tema, veja-se XXXXXX XXXXXXX, “Protecting Minority Shareholders…, cit..
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emissão através da correspectiva obrigação por parte do conselho de administração, introduzida pelo DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, de elabo- ração e apresentação do relatório do conselho de administração nos termos do artigo 298.º, n.º 3 do CSC. A obrigação de elaboração de um relatório por parte do órgão da administração da sociedade explicitando os critérios que presidi- ram à determinação do valor reveste, portanto, especial importância no sistema ora instituído pelo DL n.º 49/2010, pois é através deste que os accionistas podem eles próprios efectuar um controlo da justiça e razoabilidade do valor de emissão proposto e votar em conformidade, ou eventualmente exercer um controlo ex post, através dos mecanismos de suspensão e anula- ção de deliberações sociais29.
Por fim, assume a maior importância o facto de, no direito português, todos os accionistas se encontrarem injuntivamente30 protegidos atra- vés de um direito de preferência em aumentos do capital previsto expressamente no artigo 458.º do CSC. Assim, mesmo que tenha votado contra o aumento do capital, qualquer accionis- ta poderá impedir a diluição da sua participa- ção, através do exercício do direito a subscrever as novas acções emitidas, com preferência a quem não seja accionista. Por outro lado, mas não evitando a diluição, poderão ainda os accio- nistas vender os respectivos direitos de subscri- ção e lucrar com a mesma.
Conclui-se, deste modo, no direito português,
são os accionistas que: (i) têm a competência para deliberar o aumento do capital e fixar o valor de emissão das novas acções a emitir; (ii) essa deliberação deve reunir o quórum delibera- tivo de, pelo menos, 2/3 dos votos emitidos em AG; (iii) exercem o seu voto de modo informa- do, dado que o conselho de administração fica obrigado a elaborar e apresentar um relatório a explicar o valor de emissão proposto e as possí- veis consequências financeiras sempre que se proponha a emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas; e (iv) são titulares de um direito de preferência legal à subscrição das novas acções.
Face a estas circunstâncias e prerrogativas dos accionistas, se os mesmos aceitam a diluição da sua participação motivada pelo não exercício da preferência na subscrição das acções que eles próprios, munidos da informação adequada, decidiram emitir a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas, sibi imputet.
Em pior situação estarão aqueles accionistas que tenham votado contra a deliberação de au- mento do capital nessas condições e que não tenham possibilidades de o subscrever, pelo que a estes caber-lhes-á vender, se possível, os di- reitos de subscrição ou, se entenderem fundada- mente que o valor de emissão proposto é abusi- vo por susceptível de promover uma diluição injustificada, reagir judicialmente contra a deli- beração social ou, no âmbito do aumento do capital autorizado, contra os administradores.
29- Os accionistas que entendam que o valor de emissão fixado para o aumento do capital é injustificadamente diluidor e, como tal, abusivamente expropriativo, por traduzir-se num valor de emissão flagrantemente inferior ao valor adequado, poderão também tentar valer-se do mecanismo da anulação de deliberações sociais, com fundamento em que o propósito da mesma era efectivamente prejudicar os accionistas minoritários, diluindo intencionalmente a sua participação, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CSC.
30- Note-se, no entanto, que o direito de preferência no aumento do capital pode ser limitado ou suprimido nos termos do artigo 460.º do CSC.
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Acções sem Valor Nominal... : 23
3) Questões societárias
O referido supra relativamente à não violação do princípio da equitativa contribuição dos ac- cionistas não implica, porém, que a emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas, todas fungíveis entre si e atributivas dos mesmos direitos soci- ais, não suscite questões de difícil resolução que não se verificam num ambiente de acções com valor nominal ou, mesmo num ambiente de acções sem valor nominal, caso as acções sejam emitidas sempre ao mesmo valor de emissão.
Como tal, esse é um risco que uma operação de emissão de acções a um valor de emissão inferi- or ao das acções anteriormente emitidas poderá comportar.
A título exemplificativo, e sem preocupação de exaustão, apresentaremos alguns problemas que podem eventualmente vir a colocar-se caso se- jam emitidas acções a um valor de emissão in- ferior ao das acções anteriormente emitidas. Não cabendo no âmbito nem na extensão do presente texto a apresentação de propostas e fundamentos de resolução para os problemas identificados – o que deixamos para outro mo- mento -, este sucinto excurso servirá tão-só para chamar a atenção para alguns dos problemas identificados.
Considere-se uma sociedade que tenha inicial- mente emitido acções sem valor nominal a um valor de emissão e posteriormente um número igual de acções a um valor de emissão inferior, todas integrantes da mesma categoria e atributi- vas dos mesmos direitos sociais.
Se a sociedade pretender readoptar o valor no- minal, que nos termos do artigo 276.º, n.º 4 do CSC deve ser único, qual deverá ser o valor nominal escolhido pela AG e que deverá a pas- sar constar dos estatutos da sociedade?
Se a sociedade entrar em liquidação, como se procede ao reembolso do activo restante pelos accionistas? Note-se que o artigo 156.º do CSC dispõe que o “activo restante é destinado em primeiro lugar ao reembolso do montante das entradas efectivamente realizadas” e que “esse montante é a fracção de capital correspondente a cada sócio”.
Se a sociedade decidir amortizar as suas acções sem redução do capital, nos termos do artigo 346.º, n.º 1 do CSC, que quantia deve ser reem- bolsada aos accionistas?
Se os estatutos da sociedade contiverem uma cláusula que, ao abrigo do artigo 384.º, n.º 2, al.
a) do CSC, altera a regra uma acção - um voto e estabeleça que cabe um voto “a cada €1.000 de capital”, quantas acções serão necessárias que um accionista detenha para ser-lhe atribuído um voto?
Como facilmente se depreenderá, em todos es- tes exemplos suscitam-se dúvidas motivadas pela discrepância entre o valor de emissão das acções – o montante da contribuição dos accio- nistas em subscrição imputada a capital social – e o valor fraccional das acções – a fracção no capital que cada acção representa independente- mente do valor de emissão por que foi emitida. Essa discrepância verifica-se unicamente por terem sido emitidas acções a um valor de emissão diferente do das acções anteriormente emitidas.
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Em todos estes exemplos, são legítimas as dúvi- das suscitadas porquanto a lei não previu qual- quer solução para os mesmos.
De facto, tendo em conta que todos os mecanis- mos e institutos previstos para as acções com valor nominal são aplicáveis, mutatis mutandis, para as acções sem valor nominal, a tendência natural será replicar aqueles mecanismos nas operações de sociedades emitentes de acções sem valor nominal. Sucede, porém, que muitos desses mecanismos, não alterados pelo DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, estão funcionalmente alicerçados na obrigatoriedade de um valor no- minal único, não se colocando situações de dis- crepância entre montante contribuído a título de capital e participação social representada pelas acções subscritas, que, como vimos, se verifica no caso de emissão de acções sem valor nomi- nal a um valor de emissão diferente das anteri- ormente emitidas.
Ora, ao replicar-se esses mecanismos nas socie- dades emitentes de acções sem valor nominal que hajam emitido acções, em momentos distin- tos, a diferentes valores de emissão, podem co- locar-se dúvidas sobre se, em lugar do valor nominal, deve o mecanismo em causa alicerçar- se no valor de emissão31 ou num valor fictício que traduza a participação ou fracção do capital representada pela acção – o valor fraccional. De facto, em alguns desses mecanismos, podemos adiantar que a opção pelo valor de emissão não seria a adequada e comportaria gravíssimos problemas de fungibilidade das acções e de fun- cionamento no mercado caso se encontrem admitidas à negociação em mercado regulamen- tado.
Assim sendo, de modo a evitar esses riscos, a emissão de acções sem valor nominal a um va- lor de emissão inferior ao das acções anterior- mente emitidas deverá ser precedida de uma análise técnica especialmente minuciosa e cui- dada da letra e do espírito do regime jurídico estabelecido na lei.
4) Menções na convocatória e ordem de trabalhos
Caso se convoque uma AG cuja ordem de tra- balhos seja a emissão de acções sem valor no- minal a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas, deve a convoca- tória e a ordem de trabalhos conter alguma menção especial, nomeadamente, alertando es- pecialmente os accionistas para esse facto?
Relativamente a esta questão, o legislador não inseriu nenhuma alteração ao texto do CSC que permita concluir pela positiva. Desse modo, é claro que devem aplicar-se as regras gerais rela- tivas à ordem de trabalhos e à convocatória de AG em sociedades anónimas. De facto, a ques- tão não é controvertida e apenas se deixa abor- dada em virtude do diferente caminho trilhado pelo legislador belga.
Com efeito, consciente dos eventuais efeitos de diluição potenciados pela emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções an- teriormente emitidas, o legislador belga consa- grou, no artigo 582.º do Code des Sociétés32, a obrigatoriedade de menção expressa na convo- catória do facto de a ordem de trabalhos incluir uma proposta para emissão de novas acções sem valor nominal a um valor de emissão
31- Note-se que o artigo 5.º do DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, dispõe, perigosamente, que “a expressão «valor nominal» utilizada em qualquer outra lei ou regulamento considera-se substituída pela expressão «valor de emissão», quando se refira a acções sem valor nominal”.
32- A obrigação decorre expressamente da letra da lei. Veja-se ainda PH. HAMER/B. XXXXX, “Commentaire…, cit., referindo que “l’article 582 dispose que l’ordre du jour repris dans la convocation de l’assemblée doit expressément mentionner que l’émission des actions nou- velles sans mention de valeur nominale se fera en dessous du pair comptable des actions anciennes de la même catégorie”.
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inferior ao das acções anteriormente emitidas da mesma categoria. Esta obrigatoriedade pre- tende deixar os accionistas de sobreaviso quan- to à importância de uma AG em que se decide sobre um aumento do capital que, caso não seja acompanhado, poderá comportar uma diluição mais acentuada das suas participações sociais.
Ainda que de iure condendo possa eventual- mente defender-se a bondade desta solução, parece-nos claro que o direito positivo portu- guês não a impõe, pelo que, como referido, bas- tará uma convocatória que inclua as menções do artigo 377.º, n.º 5 do CSC, sem qualquer menção especial adicional.
5) O relatório do conselho de administração
Como vimos, à luz do disposto no artigo 298.º, n.º 3 do CSC, introduzido pelo DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, sempre que a emissão de acções desprovidas de valor nominal seja realizada a um valor de emissão inferior ao valor de emis- são de acções anteriormente emitidas, o conse- lho de administração da sociedade deve elabo- rar um relatório sobre o valor fixado e sobre as consequências financeiras da emissão para os accionistas33.
No silêncio da lei, podem suscitar-se dúvidas sobre diversos aspectos relativos à obrigação prevista no artigo 298.º, n.º 3 do CSC, como sejam a sua finalidade e conteúdo, bem como o
seu âmbito objectivo, subjectivo e temporal.
Como se deixou referido, a emissão de acções a um valor de emissão inferior ao valor de emis- são das acções anteriormente emitidas poderá ter como consequência uma diluição da partici- pação social desproporcional dos accionistas que não subscrevam o aumento do capital.
Consciente desse facto, o legislador consagrou a obrigação do conselho de administração ela- borar “um relatório sobre o valor fixado e so- bre as consequências financeiras da emissão para os accionistas” com o propósito de, por um lado, explicar aos accionistas o critério que presidiu ao valor de emissão proposto34 e de, por outro, analisar as consequências financeiras que dessa fixação possam advir para os accionistas35. A finalidade do relatório é, assim, assegurar que os accionistas conheçam o crité- rio de fixação do valor de emissão e entendam que consequências para a sua posição relativa na sociedade poderá a emissão acarretar, i.e., de que modo será a sua participação social diluída36 caso não acompanhem o aumento do capital.
A nova medida prevista na lei tem, assim, o intuito de proteger os accionistas através do reforço do direito à informação, para que pos- sam escrutinar convenientemente se, perante o valor de emissão proposto e as consequências que derivam do mesmo, o mesmo é adequado e
33- Em sentido diferente, veja-se XXXXX XXXXXX/XXX XXXXXX XXXXXX XXXXXXX, Acções…, cit., p. 113. Pelo facto de sustentarem não ser possível a emissão a diferentes valores de emissão, não entendem estes Autores que o relatório do conselho de administração seja imposto nessa situação (cuja possibilidade de iure condito negam), mas outrossim nos casos de “redução do valor de emissão, seja por via da diminuição ou anulação do ágio, seja por via da redução do capital social”. Ora, pelos fundamentos já acima aduzidos, bem como pelo facto de as situações referidas pelos Autores, contrariamente ao artigo 298.º do CSC, não versarem sobre a emissão de acções, não podemos deixar de discordar daquela posição.
34- Que, no caso das sociedades emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, tendencialmente será o valor de mercado das acções, cuja aferição poderá ser remetida para uma média ponderada da cotação das acções em mercado regulamentado durante um determinado número de dias de negociação imediatamente anteriores à data da AG.
35- Note-se que na Bélgica, o relatório deve, nomeadamente (“notamment”), conter a informação sobre o preço de emissão e as consequên- cias financeiras da emissão, ao passo que o legislador nacional, apesar da clara cópia do regime belga, parece ter estabelecido um conteúdo taxativo do relatório. Não obstante, desde que os aspectos estabelecidos no artigo 298.º, n.º 3 do CSC estejam referidos no relatório, natu- ralmente nada poderá apontar-se ao relatório do conselho de administração que inclua outras informações, desde que relativos à matéria e destinados a melhor esclarecer os accionistas.
36- Conhecendo o valor de emissão das acções, bem como o montante do capital que é aumentado, os accionistas saberão o número de novas acções que será emitido e que diluirá a sua posição relativa fruto do aumento do universo de acções existentes.
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se, em caso de não subscrição, não dilui a sua participação injustificadamente.
Quanto ao âmbito objectivo da obrigação, cum- pre determinar em que situações deve, então, o conselho de administração elaborar o referido relatório.
O artigo 298.º, n.º 3 do CSC determina que esse relatório deve ser elaborado quando “a emissão de acções sem valor nominal for realizada a um valor de emissão inferior ao valor de emissão de acções anteriormente emitidas”, pelo que fica claro que o referido relatório apenas é exi- gível aos conselhos de administração de (i) so- ciedades emitentes de acções sem valor nomi- nal e (ii) apenas quando emitam acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteri- ormente emitidas.
A lei refere-se à “emissão de acções”, sem es- pecificar quaisquer tipos e modalidades concre- tos, pelo que deverá considerar-se que a obriga- ção de elaboração do relatório é despoletada pela emissão, nas circunstâncias previstas na lei, de qualquer tipo de acções, sejam acções privilegiadas, ordinárias ou diminuídas.
Igualmente, no silêncio da lei, será indiferente qual a modalidade de aumento do capital que deu origem à emissão das acções. Em relação a este ponto, e atenta a finalidade do relatório - reforçar os níveis de informação dos accionistas de modo a votarem esclarecidamente uma ope- ração que, a não ser por si acompanhada, pode- rá importar uma acentuada diluição da sua participação na sociedade -, poderá efectiva- mente não fazer muito sentido que a lei obrigue à elaboração do relatório no âmbito de, por
exemplo, um aumento do capital por incorpora- ção de reservas, dado que, neste caso, é mais reduzido o risco de diluição que essa operação comporta37. Em nosso entendimento, pelo seu espírito, o relatório deveria restringir-se às situ- ações que possam implicar diluição da partici- pação dos accionistas, pelo que de iure conden- do justificar-se-ia essa delimitação. No entanto, face à letra da lei e a benefício da dúvida, deve o relatório ser elaborado em qualquer modalida- de de aumento do capital, desde que implique emissão de acções.
Relativamente ao âmbito objectivo, poderá ain- da suscitar-se a questão de saber se o conselho de administração, caso uma sociedade emitente de acções com um determinado valor nominal “converta” as suas acções em acções sem valor nominal e de seguida emita acções a um valor de emissão inferior ao valor que correspondia ao valor nominal suprimido, fica ou não obriga- do à elaboração e apresentação do relatório pre- visto no artigo 298.º, n.º 3 do CSC.
A dúvida pode suscitar-se dado que atendendo apenas à literalidade da norma – se a emissão for realizada “a um valor de emissão inferior ao valor de emissão de acções anteriormente emi- tidas” -, poderia entender-se que a primeira emissão de acções sem valor nominal após a conversão das acções por supressão do valor nominal não estaria abrangida pela norma.
De facto, ao proceder-se à primeira emissão de acções sem valor nominal a um determinado valor de emissão, esse valor de emissão não poderia logicamente ser inferior ao valor de emissão das anteriormente emitidas, dado que as acções anteriormente emitidas foram-no com
37- XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXX, Variações sobre o Capital Social, Almedina, Coimbra, 2009, p. 429.
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menção expressa de valor nominal e não de qualquer valor de emissão. Assim, só a segunda emissão de acções sem valor nominal seria susceptível de, caso efectuada a um valor de emissão inferior ao da primeira emissão, obri- gar à elaboração do relatório.
A questão tem bastante relevância prática e co- loca-se frequentemente, dado que a grande mai- oria das sociedades emitentes de acções sem valor nominal emitiram acções com valor nomi- nal anteriormente à “conversão” das suas acções em acções desprovidas de valor nomi- nal.
Entendemos, porém, que tal interpretação literal não é adequada, porquanto não atende à materi- alidade e ao espírito que presidiu à previsão da norma e à finalidade do relatório. Na verdade, quando uma sociedade “converte” as suas ac- ções com valor nominal em acções sem valor nominal, suprime o valor nominal. Porém, a cifra do capital social da sociedade é obviamen- te inalterada, mantendo-se também contabilisti- camente o montante da subscrição da acção imputado a capital. Esse montante, enquanto equivalente contabilístico do valor nominal, é justamente denominado de “valor de emissão”. É que, para efeitos contabilísticos, de emissão, subscrição e realização das acções (mas não de direitos sociais), o “valor nominal” e o “valor de emissão” representam exactamente a mesma realidade.
Assim, a referência do artigo 298.º, n.º 3 do CSC ao “valor de emissão das acções anterior- mente emitidas” abrange também, por analogia,
o valor nominal das acções anteriormente emiti- das, nos casos em que tenha havido “conversão” das acções. Essa é a única solução plausível, porquanto a não ser assim, permitir- se-ia a realização de uma operação material- mente com as mesmas características e conse- quências de uma segunda emissão de acções sem valor nominal, sem a salvaguarda que o legislador expressamente entendeu necessária.
Por fim, ainda sobre o âmbito objectivo da obri- gação prevista no artigo 298.º, n.º 3 do CSC, cumpre examinar se o relatório do conselho de administração deve apenas ser elaborado quan- do se emitam acções ou se a emissão de deter- minados valores mobiliários deve considerar-se abrangida por analogia.
Parece-nos que, em determinados casos, pese embora a literalidade da lei, o relatório do con- selho de administração deve ser elaborado e apresentado quando se deliberar a emissão de outros valores mobiliários que possam implicar a emissão de acções. Haverá, assim, uma lacuna na lei que deverá ser integrada com recurso à analogia.
Com efeito, as sociedades podem emitir deter- minados valores mobiliários cuja conversão ou exercício dá lugar à subscrição de novas acções. São os casos, por exemplo, das obrigações con- vertíveis e dos warrants autónomos. Nestes casos, quer por conversão das obrigações, quer por exercício do direito a subscrever o activo subjacente, a sociedade emitirá novas acções. Ora, caso a fórmula de conversão das obriga- ções ou o preço de exercício dos warrants
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conduza a uma emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas, cremos que o conselho de administra- ção se encontra também obrigado a elaborar o relatório, de modo a apresentá-lo à AG em que se delibere a emissão daqueles valores mobiliários38.
Nesses casos, o relatório deve versar sobre o valor de emissão das acções em que se conver- terão as obrigações ou das acções a subscrever pelo exercício do direito de subscrição. Assim, sempre que esteja em causa a emissão de quais- quer valores mobiliários que, tendo em conta as suas características e as condições fixadas, pos- sam conduzir, sem necessidade de nova delibe- ração, à emissão de acções a um valor de emis- são inferior ao das acções anteriormente emiti- das, o relatório deve ser elaborado pelo conse- lho de administração da sociedade emitente e apresentado à AG que delibere a emissão desses valores mobiliários.
Quanto ao âmbito subjectivo da obrigação, a lei é clara ao sujeitar o conselho de administração à elaboração do relatório.
Se a proposta de deliberação de aumento do capital mediante emissão de novas acções for apresentada pelo conselho de administração, este não terá quaisquer problemas em explicar no relatório quais os critérios que utilizou para determinar o valor de emissão proposto.
Porém, a questão suscita dúvidas nas situações em que o assunto e a proposta de emissão de acções sem valor nominal sejam incluídos na
ordem de trabalhos por um accionista ou um grupo de accionistas, nos termos do artigo 378.º do CSC ou dos artigos 23.º-A e 23.º-B do Códi- go dos Valores Mobiliários. Nesses casos, de- verá a obrigação de elaboração do relatório, nesses casos, caber ao accionista que haja inclu- ído a proposta?
Em relação a este ponto, entendemos que a letra da lei obriga a que o dever impenda única e ex- clusivamente sobre o conselho de administra- ção, ainda que a proposta seja apresentada por um accionista. Com efeito, estender essa obri- gação aos accionistas proponentes afigura-se- nos contra legem, porquanto resultaria na cria- ção de obrigações legais a outras entidades que não as enunciadas expressamente pelo legisla- dor.
Assim, o conselho de administração deve expli- citar as consequências financeiras que possam advir para os accionistas, nomeadamente infor- mar sobre o efeito diluidor da participação mo- tivado pela não subscrição das novas acções, o que não terá dificuldades em fazer, ainda que a proposta seja apresentada por um accionista.
Quanto ao valor de emissão das novas acções a emitir, caso a proposta seja apresentada por um accionista, parece-nos que o conselho de admi- nistração deve apenas dar o seu parecer inde- pendente sobre o mesmo, procurando determi- nar o critério que presidiu à fixação do valor proposto pelo accionista, e podendo eventual- mente incluir justificadamente o valor que en- tende que deveria ser fixado para a emissão. O relatório será, neste caso, um esclarecimento
38- É, aliás, essa a solução apontada pela doutrina belga para o relatório previsto no artigo 582.º do Code des Sociétés, em que se baseia o legislador português. Sobre a mesma, veja-se PH. HAMER/B. XXXXX, “Commentaire…, cit., em que pode ler-se que “étant donné que l’émission d’obligations convertibles tout comme l’émission de droits de souscription donnent lieu à une augmentation du capital social en cas de conversion des obligations convertibles ou d’exercice des droits de souscription, la procédure décrite à l’article 582 doit également être appliquée lorsque l’assemblée générale des actionnaires est appelée à décider d’une émission d’obligations convertibles ou de droits de souscription susceptible d’entraîner en vertu de la formule de conversion des obligations ou du prix d’exercice des droits de souscrip- tion, une émission d’actions sans mention de valeur nominale en dessous du pair comptable des actions anciennes de la même catégo- rie” (sublinhado nosso).
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técnico de modo a colocar os accionistas numa posição mais informada para decidir sobre o aumento do capital.
Face ao silêncio da lei sobre o âmbito temporal da obrigação, importa ainda determinar em que momento deve o relatório ser apresentado aos accionistas.
Analisando o disposto no texto da lei, o intér- prete poderia ser levado a concluir erradamente que o relatório do conselho de administração deverá ser elaborado e apresentado aos accio- nistas após a AG em que se delibere a emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas. Na verdade, estabelece o preceito que o relatório versa “sobre o valor fixado” e “sobre as consequên- cias financeiras da emissão para os accionis- tas”. Numa interpretação literal dos termos, o relatório do conselho de administração só seria apresentado aos accionistas após o valor estar fixado ou após a efectiva subscrição das acções, pois só nessa altura existiriam consequências para os accionistas. A ser assim, o relatório ser- viria para efeitos de mera informação póstuma.
Tal interpretação não parece, porém, ser a mais adequada face à ratio da disposição legal. Com efeito, como referimos, parece-nos que a finali- dade da obrigação de elaboração do relatório consiste em informar previamente os accionis- tas acerca dos critérios que presidem à fixação do valor de emissão proposto e às possíveis consequências financeiras da emissão face a esse valor de emissão, de modo a possibilitar
que estes – especialmente os accionistas mino- ritários e menos sofisticados - tomem decisões esclarecidas39.
Nesse sentido, entendemos que, no silêncio da lei, a interpretação mais acertada é a de que a disposição legal impõe ao conselho de adminis- tração que elabore e apresente aos accionistas o mencionado relatório previamente40 à realiza- ção da AG41. Caso a proposta de deliberação da emissão advenha do próprio conselho de admi- nistração, o relatório deverá, por razões lógicas, acompanhar a inclusão da respectiva proposta. Caso a proposta advenha de um accionista, o relatório deverá ser apresentado no mais curto prazo de tempo possível, mas sempre em mo- mento anterior à AG.
Por fim, importa analisar se existe alguma con- sequência de ser deliberada a emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas sem que tenha sido apresentado pelo conselho de administração aos accionistas o relatório previsto no artigo 298.º, n.º 3 do CSC.
Por nós, parece-nos que uma deliberação toma- da desse modo se encontra ferida pela invalida- de.
Na verdade, dispõe o artigo 58.º, n.º 1, alínea a) do CSC, que as deliberações que violem dispo- sições da lei são anuláveis quando ao caso não caiba a nulidade. Não cabendo ao caso, em princípio, a nulidade, e determinando o artigo 298.º, n.º 3 do CSC que a emissão de acções a
39- De resto, essa é também a solução adoptada no direito belga, em que se obriga a que o relatório “seja suficiente para esclarecer a AG chamada a votar a proposta”.
40- No caso de sociedades emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, o relatório deverá inclusivamente ser apresentado aos accionistas até à data de registo, ou seja, até às 0 horas (GMT) do 5.º dia de negociação anterior ao da realização da AG, pois, de acordo com as disposições da Directiva dos Accionistas transpostas, aliás, pelo mesmo DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, apenas quem for accionista nesse momento estará legitimado a participar na AG.
41- No direito belga, o relatório deve ser disponibilizado aos accionistas ao mesmo tempo que a convocatória. Sobre a matéria, veja-se XXXXXX XXXXXX XXXXXX, “Émissions d’actions de capital au-dessus et en dessous du pair comptable ou de la valeur nominale”, in Conta- bilité et Fiscalité Pratiques, Avril 1993, p. 251.
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um valor de emissão inferior ao das acções an- teriormente emitidas deve obrigatoriamente ser precedida do relatório, cremos que a não apre- sentação do mesmo fere a deliberação de anula- bilidade, nos termos da mencionada norma le- gal. Com efeito, se o legislador entendeu prote- ger os accionistas com um direito a ser informa- do sobre o valor de emissão a fixar para as no- vas acções, bem como sobre as consequências financeiras que a emissão pode importar para a sua posição accionista, de modo a que esteja esclarecido para exercer convenientemente o seu direito de voto, mal se compreenderia que não dotasse os accionistas cujo direito fosse lesado de reagir contra essa ilegalidade.
Assim, parece-nos claro que, no direito portu- guês, uma deliberação que não seja precedida do relatório do conselho de administração pre- visto no artigo 298.º, n.º 3 do CSC, é, pelo me- nos, anulável42.
Note-se ainda que o regime instituído pelo le- gislador nacional não obriga à elaboração de um relatório por parte do ROC da sociedade adicionalmente ao relatório do conselho de ad- ministração, como se verifica na Bélgica. O regime português é, assim, neste aspecto, menos exigente que o consagrado pelo legisla- dor belga43.
6) O aumento do capital autorizado44
Como resulta do disposto no artigo 85.º do CSC, a alteração dos estatutos das sociedades comerciais apenas pode ser deliberada pela co- lectividade dos sócios, “salvo quando a lei per- mita atribuir cumulativamente essa competên- cia a algum outro órgão”.
Tal excepção verifica-se relativamente às socie- dades anónimas, em que a lei portuguesa ex- pressamente prevê a possibilidade de os estatu- tos autorizarem o conselho de administração a deliberar o aumento do capital por entradas em dinheiro. Com efeito, a figura do “capital autorizado”45 encontra base legal no artigo 456.º do CSC, que transpôs para o ordenamento jurídico português o disposto no artigo 25.º da Segunda Directiva.
Ora, considerando o que se deixou supra referi- do a propósito das finalidades do relatório do conselho de administração previsto no artigo 298.º, n.º 3 do CSC, pode colocar-se a questão de saber se é possível aos accionistas, através do mecanismo estabelecido no artigo 456.º do CSC, autorizarem o conselho de administração a deliberar um aumento do capital em que se emitam acções a um valor de emissão inferior ao valor de emissão das acções anteriormente
42- Mais exigente é o regime belga, cominando a falta do relatório com a nulidade da deliberação social, por força da remissão para o artigo 535.º do Code des Sociétés. Veja-se PH. HAMER/B. XXXXX, “Commentaire…, cit., referindo que “L’article 582 (…) comporte toute- fois une nouveauté dans la mesure où il renvoie au nouvel article 535 du C. soc. et pour autant qu’il sanctionne l’absence du rapport par la nullité de la décision de l’assemblée générale” (sublinhado nosso). Note-se, ainda, que no direito belga, a não apresentação pelo consel- ho de administração do referido relatório constitui crime, ficando estes sujeitos à sanção penal nos termos do artigo 647.º do Code des Sociétés. No direito português, não existe semelhante disposição.
43- Veja-se o disposto no artigo 582.º do Code des Sociétés, onde se prevê que o relatório do conselho de administração seja acompanhado por um outro relatório de um ROC, que deve declarar que as informações são fiéis e suficientes para esclarecer a assembleia chamada a votar a proposta: “Lorsque l’émission d’actions sans mention de valeur nominale en dessous du pair comptable des actions anciennes de la même catégorie est à l’ordre du jour d’une assemblée générale, la convocation doit le mentionner expressement. L’opération doit faire l’objet d’un rapport detaillé du conseil d’administration portant notamment sur le prix d’émission et sur les consequences financières de l’opération pour les actionnaires. Un rapport est établi par un commissaire ou à defaut, par un réviseur d’enterprise designé par le conseil d’administration, ou par un expert-comptable externe designé de la même manière, par lequel il déclare que les informations financiers et comptables contenues dans le rapport du conseil d’administration sont fidèles et suffisantes pour éclairer l’assemblée générale appelée à voter cette proposition (…)”.
44- Para a crítica, que acompanhamos, ao termo tecnicamente pouco rigoroso mas frequentemente utilizado de “delegação de poderes” dos sócios no conselho de administração para aumento do capital, veja-se XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXX, Variações…, cit., p. 399, nota 1559 e a bibliografia aí citada.
45- Para uma descrição do regime, veja-se XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXX, Variações…, cit., p. 396-403.
31 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Acções sem Valor Nominal... : 31
emitidas.
A favor de uma resposta positiva diga-se que o DL n.º 49/2010, de 19 de Maio, não introduziu no CSC qualquer excepção para emissões de acções sem valor nominal a um valor de emis- são inferior ao das acções anteriormente emiti- das, pelo que poderá o intérprete ser levado a concluir que a autorização poderá ser concedida nos estatutos mesmo nestes casos46,47. Com efeito, como é sabido, no silêncio da lei, numa área de direito privado como o direito societá- rio, rege a autonomia privada das partes, poden- do estas, em princípio, estipular o que entende- rem, a menos que expressamente proibido por lei.
Essa interpretação parece também de harmonia com o facto de a autorização ser concedida ex- pressamente através de disposição estatutária48, o que, atenta a maioria qualificada necessária para a sua alteração, sempre resultará de um considerável consenso entre os accionistas. Com efeito, dir-se-á que permitindo a lei que os accionistas deliberem a emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteri- ormente emitidas, porque não poderiam esses mesmos accionistas autorizar, com o mesmo quórum deliberativo, o conselho de administra- ção a deliberá-lo?
Note-se ainda que há casos, nomeadamente quando a sociedade não for emitente de acções
admitidas à negociação em mercado regulamen- tado, em que poderá não ser fácil aos accionis- tas definirem qual o novo valor de emissão a que as novas acções devem ser emitidas. Nesse aspecto, devido à assimetria informativa que pode verificar-se entre os accionistas e o conselho de administração, principalmente em sociedades com uma estrutura de capital mais disperso49, o conselho de administração estará em melhor posição para determinar o valor de emissão adequado.
Se os argumentos acima aduzidos apontam para a admissibilidade do recurso à figura do aumen- to do capital autorizado por emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções an- teriormente emitidas, por outro lado, o silêncio do legislador sobre a matéria pode não ter sido intencional, sendo possível sustentar-se que o intérprete deve proceder à integração da lacuna que eventualmente exista.
A ratio de o aumento do capital ser, em regra, deliberado pela colectividade dos sócios é, entre razões práticas atinentes à obrigatoriedade de estipulação do montante do capital social nos estatutos, a de que esse aumento poderá implicar a entrada de novos accionistas e consequentemente a diluição da participação dos accionistas actuais. Como se deixou dito, a emissão de acções a um valor de emissão inferi- or ao das acções anteriormente emitidas poderá potenciar a diluição das participações sociais
46- Vozes autorizadas parecem apontar nesse sentido. Veja-se XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, “Acções…, cit., p. 507, onde pode ler-se que “caberá ao conselho de administração ajuizá-lo e preconizá-lo [o aumento por emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções antigas] e à assembleia geral responsabilizar os administradores pelo que tenham feito.” (relevo nosso). No mesmo sentido, XXXXX XXXXXX XX XXXXXXX, “Comentário ao artigo 298.º”, in AAVV, Código das Sociedades Comerciais Anotado (coord. XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX), 2.ª Edição, 2011, p. 853, nota 47, referindo que “este relatório deverá ser elaborado quer a emissão das acções resulte de operação deliberada pela administração, quer de deliberação pelo colectivo dos sócios” (relevo nosso).
47- No artigo 170. § 2. da Lei brasileira sobre as Sociedades por Ações, pode ler-se que “a assembleia-geral, quando for de sua competên- cia deliberar sobre o aumento, poderá delegar ao conselho de administração a fixação do preço de emissão de ações a serem distribuídas no mercado.” (relevo nosso).
48- Note-se que os estatutos de algumas das sociedades portuguesas que suprimiram o valor nominal das suas acções admitidas à negocia- ção em mercado regulamentado autorizam expressamente os respectivos conselhos de administração a proceder a aumentos de capital.
49- Para uma análise sobre os custos de agência económicos e a assimetria informativa como uma das suas causas, vide XXXXX XXXX- XXXX/XXXXXXX XXXXXXXX, The Anatomy of Corporate Law, 2004, Oxford, p. 22-31.
32 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
dos accionistas pré-existentes, pelo que nestes casos, especialmente, importará que sejam, em quaisquer circunstâncias, os próprios accionis- tas a deliberarem o aumento do capital.
Acresce que, como referimos, o relatório do conselho de administração previsto no artigo 298.º, n.º 3 do CSC visa informar os accionistas de modo a que tomem uma decisão esclarecida em AG. Desse modo, pode sustentar-se que mal se compreenderia que esse relatório fosse elaborado e apresentado aos accionistas com o intuito de estes estarem mais bem preparados para decidir o desígnio do aumento do capital proposto, mas que o conselho de administração pudesse deliberá-lo sem ouvir os accionistas, pelo facto de a competência para o deliberar não ser destes (rectius, não ser apenas destes50).
Em terceiro lugar, cumpre referir que a sistemá- tica e a teleologia da operação poderão impor a conclusão de que não é possível autorizar-se o conselho de administração a proceder ao au- mento nos referidos termos. De facto, numa outra situação de risco de diluição das participa- ções dos accionistas pré-existentes, como é o caso da eliminação do direito de preferência, o artigo 460.º, n.º 3 do CSC dispõe que a compe- tência para a mesma está exclusivamente reser-
vada aos accionistas, pelo que também na situa- ção de perigo acrescido de diluição causado pela possível entrada de accionistas a um valor de emissão inferior, a competência deveria eventualmente pertencer unicamente à colecti- vidade dos sócios51. A esta solução não é, pois, estranha uma função de protecção dos accionis- tas minoritários.
Por fim, tenha-se presente que essa é justamen- te a solução consagrada no direito belga, em que o regime português se baseou, não permi- tindo o artigo 606.º, n.º 2 do Code des Sociétés que haja autorização estatutária ao conselho de administração para deliberar o aumento nestas condições52. De resto, essa parece ser também a solução mais coerente tendo em conta, como vimos, as funções apontadas ao relatório do conselho de administração.
Pesados os argumentos, face à actual letra da lei portuguesa, restam poucas dúvidas de que a figura do capital autorizado parece ser admitida mesmo no caso de emissão de acções a um va- lor de emissão inferior ao das acções anterior- mente emitidas. No entanto, de iure condendo essa solução deve ser xxxxxxx00, de modo a ga- rantir uma mais forte protecção dos accionistas minoritários.
50- Note-se que, no aumento do capital autorizado, a competência para deliberar pertence conjuntamente à colectividade de sócios e ao conselho de administração, i.e., a AG não perde a competência para deliberá-lo.
51- O argumento é avançado por XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXX, cit., p. 208-209.
52- Veja-se também PH. HAMER/B. XXXXX, “Commentaire…, cit., referindo que “conformément aux articles 582 et 606, 2.º, du C. soc., c’est bien l’assemblée générale, à l’exclusion du conseil d’administration dans le cadre du capital autorisé, qui est l’organe compétent pour décider d’une telle augmentation de capital.” (sublinhado nosso), bem como “Seule l’assemblée générale a le pouvoir de décider de l’émission d’actions nouvelles sans mention de valeur nominale en dessous du pair comptable des actions anciennes de la même catégorie. En effet, comme mentionné ci-dessous, l’article 606, 2.º, du C. soc. interdit au conseil d’administration l’utilisation du capital autorisé pour une telle émission.”. O mesmo referia o direito belga na legislação anterior, de acordo com o artigo 33bis, 6 das LCSC. Sobre este diploma, veja-se XXXXXX XXXXXX XXXXXX, “Émissions d’actions…, cit., em que pode ler-se que “La première partie du paragraphe ren- voie au premier en disant que l’augmentation de capital est décidée par l’assemblée générale aux conditions requises pour la modification des statuts. Le conseil d’administration ne dispose donc pas, dans le cadre du capital autorisé, du pouvoir d’émettre des actions sous le pair comptable des actions anciennes” (sublinhado nosso).
53- Uma solução intermédia de iure condendo que poderia parecer equilibrada passaria pela possibilidade de autorização da colectividade dos sócios, por disposição nos estatutos ou mediante deliberação da AG, ao conselho de administração para que este apenas determine o valor de emissão previamente à AG, que seja chamada a deliberar sobre o aumento do capital. Desse modo, manter-se-ia a competência exclusiva da AG para deliberar sobre o aumento do capital nestas circunstâncias específicas (e, consequentemente, sobre o valor de emis- são fixado pelo conselho de administração), mas permitir-se-ia uma certa ingerência do conselho de administração. O relatório do conselho de administração explicaria expressamente os critérios de determinação do valor de emissão para que aqueles pudessem votar consciente- mente. Outra solução alternativa passaria por manter o regime do capital autorizado tal como se encontra consagrado, mas acentuar-se os deveres e responsabilidade dos administradores.
33 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Acções sem Valor Nominal... : 33
Conclusões
A consagração das acções sem valor nominal visou alargar as possibilidades de financiamen- to das sociedades, permitindo operações de au- mento do capital que outrora estariam vedadas às sociedades ou obrigariam a uma prévia redu- ção do capital.
As acções sem valor nominal foram consagra- das em diferentes ordenamentos jurídicos de modo verdadeiramente díspar. Em Portugal, uma questão fulcral que pode suscitar-se é a de saber se, face ao regime jurídico das acções sem valor nominal tal como instituído pelo legisla- dor português, é ou não admissível a emissão de acções a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas.
Debruçando-nos apenas sobre o regime portu- guês positivo mas não sobre a conformidade da lei portuguesa com o Direito Europeu, entende- mos que o CSC admite que as sociedades co- merciais anónimas regidas pelo direito portu- guês emitam acções a um valor de emissão in- ferior ao das acções anteriormente emitidas.
Cremos que, independentemente da emissão, em momentos distintos, a diferentes valores de emissão, as acções sem valor nominal devem considerar-se perfeitamente fungíveis entre si, integrando a mesma categoria de acções caso não sejam previstos direitos especiais. Assim, conferem os mesmos direitos sociais – informa- ção, dividendos, votos, etc. – aos seus titulares, mediante a contabilização do número de acções detidas pelo accionista no universo de acções emitidas pela sociedade emitente. Deste modo, todas as acções sem valor nominal têm um úni- co valor fraccional, dado que representam a mesma fracção no capital da sociedade.
Em caso de emissão de acções sem valor nomi- nal a um valor de emissão inferior ao das ac- ções anteriormente emitidas, os accionistas que não subscrevam o aumento do capital verão a sua participação social diluída de forma mais acentuada, porquanto os novos accionistas terão direito a uma participação social desproporcio- nal relativamente ao montante do capital social efectivamente por si contribuído na subscrição. Porém, salvo melhor entendimento, somos da opinião de que essa discrepância verificada en- tre a participação social (e, consequentemente, os direitos sociais) e os montantes contribuídos pelos accionistas não implica qualquer violação do princípio da igualdade entre accionistas, concretamente do princípio da equitativa contri- buição dos accionistas. Com efeito, desde que se assegure que o valor de emissão das novas acções, ainda que inferior ao das acções anteri- ormente emitidas, é o justo e adequado no mo- mento da emissão, a diluição acrescida que pos- sa advir da não subscrição dessas acções não constitui um problema jurídico.
No entanto, suscitam-se dúvidas resultantes de alguns problemas societários originados pela emissão de acções a um valor de emissão inferi- or ao das acções anteriormente emitidas, dado que essa emissão permite o destacamento entre o valor de emissão e o valor fraccional das ac- ções, sendo que vários dos mecanismos previs- tos na lei ainda se encontram alicerçados na figura do valor nominal.
Relativamente a uma emissão a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas, concluímos que, diferentemente do legislador belga, o legislador português apenas consagrou expressamente uma salvaguarda de modo a proteger os interesses dos accionistas, em particular dos accionistas minoritários, ao
34 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
obrigar o conselho de administração da socieda- de a elaborar e apresentar aos accionistas um relatório em que explique o valor de emissão proposto e as futuras consequências financeiras para os mesmos decorrentes da operação em causa.
Por fim, também ao contrário do estabelecido no regime belga, o legislador português não alterou expressamente as regras relativas ao instituto do aumento do capital autorizado, pelo que tal operação parece ser admissível ainda que as novas acções a emitir o sejam a um valor de emissão inferior ao das acções anteriormente emitidas.
Face ao exposto, entendemos que a emissão de
acções sem valor nominal a um valor de emis- são inferior ao das acções anteriormente emiti- das é admissível em Portugal, mas a sua realiza- ção levanta questões que devem ser analisadas minuciosa e ponderadamente de modo a reduzir eventuais riscos para as sociedades emitentes, os seus investidores e o mercado onde as suas acções negoceiem.
Conclui-se que o regime instituído pelo legisla- dor português é decididamente dos mais flexí- veis da Europa, porquanto segue o regime libe- ral perfilhado pelo ordenamento jurídico belga, permitindo efectivamente o aumento das possi- bilidades de financiamento das sociedades, e não prevê alguns dos requisitos que o legislador belga estabeleceu.
35 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas)
Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx
1. Introdução
A intervenção de um intermediário financeiro nas ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários visa, essencialmente, salvaguardar o respeito pelos princípios de protecção do mer- cado e da confiança dos investidores. De entre as modalidades de colocação de valores mobi- liários à disposição do oferente, a tomada firme é aquela que lhe proporciona uma maior segu- rança no que respeita ao sucesso da oferta, em contrapartida de um maior risco assumido pelo intermediário financeiro, em virtude da aquisi- ção prévia dos valores mobiliários objecto da oferta.
Apesar de se tratar de um instituto cujo regime desfruta de uma certa coerência na evolução legislativa, o seu tratamento legal sofreu as adaptações típicas decorrentes do desenvolvi- mento dos mercados e das reformas efectuadas no sistema financeiro nas últimas décadas. O estudo mais aprofundado da tomada firme per- mite consolidar a análise de um conjunto de figuras que gravitam na sua órbita e que tocam as mais diversas áreas.
Atento o escopo do presente texto, limitar-nos- emos a identificar as questões tidas como essen- ciais e dar uma perspectiva o mais ampla possí- vel do regime actualmente em vigor1.
2. Inserção sistemática
E BREVE ENQUADRAMENTO HISTÓRICO
O contrato de colocação de valores mobiliários com tomada firme é regulado pelo Código dos Valores Mobiliários2, na Secção IV (Assistência e Colocação”), do Capítulo II (“Contratos de Intermediação”), do Título VI (“Intermediação”).
A referida Secção IV, como a própria epígrafe esclarece, respeita às actividades de assistência e colocação, secção onde se insere a tomada firme, prevista e regulada nos seguintes termos (artigo 339.º CVM):
“1 - Pelo contrato de tomada firme o inter- mediário financeiro adquire os valores mo- biliários que são objecto de oferta pública de distribuição e obriga-se a colocá-los por
1- Para um estudo mais aprofundado deste instituto, v. XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx - Contrato de Colocação com Xxxxxx Xxxxx, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídicas Empresariais na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, dactilografada, Lisboa, 2010.
2- Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro e republicado pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, com as alterações sucessivamente introduzidas (doravante “CVM”). Os preceitos legais de ora em diante indicados sem referência ao diploma a que pertencem constam do CVM.
36 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
sua conta e risco nos termos e nos prazos acordados com o emitente ou o alienante.
2 - O tomador deve transferir para os adqui- rentes finais todos os direitos de conteúdo patrimonial inerentes aos valores mobiliá- rios que se tenham constituído após a data da tomada firme.
3 - A tomada firme não afecta os direitos de preferência na subscrição ou na aquisição dos valores mobiliários, devendo o tomador avisar os respectivos titulares para o seu exercício em termos equivalentes aos que seriam aplicáveis se não tivesse havido to- mada firme.”
Com o intuito de oferecer uma retrospectiva da regulação quer da tomada firme quer dos insti- tutos que gravitam em torno desta figura e, bem assim, daqueles que lhe estão subjacentes (tais como, os conceitos de oferta pública e de inter- mediação obrigatória), faremos uma breve aná- lise da legislação aplicável ao longo das últimas décadas.
Desta análise salienta-se que a tomada firme se encontra regulada no sistema jurídico português desde 1957, estando, portanto, já prevista em diplomas avulsos anteriores ao próprio Código do Mercado de Valores Mobiliários3.
2.1 Regime anterior ao CºMVM
Seguindo um critério cronológico, referimos, em primeiro lugar, o Decreto-Lei n.º 41403, de 17 de Novembro de 19574 (“DL 41403”), que configurava, no artigo 20.º, uma excepção à proibição de aquisição pelas instituições de crédito de participações no capital de outras
instituições de crédito, ao permitir “às institui- ções de crédito tomar firme a emissão de ac- ções ou obrigações de outras instituições de crédito ou de empresas de qualquer natureza a fim de serem colocadas mediante subscrição pública”.
Ainda no seio da reforma do sistema bancário e com o objectivo expresso de regulamentar os princípios legais estabelecidos pelo DL 41403 e complementar o seu regime, foi publicado o Decreto-Lei n.º 42641, de 12 de Novembro de 19595 (“DL 42641”), sendo as referências à tomada firme feitas em moldes semelhantes ao que previa já o diploma que o antecedeu.
Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 45296, de 8 de Outubro de 19636 (“DL 45296”), ainda no con- texto da reorganização do sistema de crédito e da estrutura bancária mas agora no âmbito das províncias ultramarinas, regulava o exercício das funções de crédito e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária. O seu ar- tigo 62.º permitia “aos bancos comerciais nas províncias ultramarinas tomar firme a emissão de acções e obrigações de outras instituições de crédito ou de empresas de qualquer nature- za a fim de serem colocadas mediante subscri- ção pública nas mesmas províncias”, e o artigo seguinte, na senda do que já acontecia com o DL 41403 e com o DL 42641, traçava os limi- tes aplicáveis a essa permissão legal.
2.2 Código do Mercado de Valores Mobiliários
Até à entrada em vigor do CVM, o CºMVM estabelecia a distinção entre o mercado
3- Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de Abril, doravante CºMVM.
4- Diário do Governo, I Série, n.º 301. Este diploma foi expressamente revogado com a entrada em vigor do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, com as alterações posteriormente introduzidas (doravante “RGICSF”).
5- Diário do Governo, I Série, n.º 261. Este diploma foi revogado nos mesmos termos do DL 41403 (cfr. nota anterior). 6- Diário do Governo, I Série, n.º 236.
37 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 37
primário e o mercado secundário, regulados, respectivamente, nos Títulos II e III.
O mercado primário, também denominado mer- cado de emissão, servia duas funcionalidades: a emissão de valores mobiliários e a sua distribui- ção pelos investidores7 através da subscrição8.
O mercado secundário, por seu lado, destinava- se às aquisições derivadas, isto é, às transmis- sões subsequentes de valores mobiliários já emitidos e em circulação 9.
Acerca da distinção entre mercado primário e secundário em Espanha, pronunciou-se VEGA PÉREZ10, esclarecendo que “La LMV11 (…) revela que el mercado primario o de emisión que afecta a la creación de valores negociables y la adquisición originaria de los mismos por el público inversor - normalmente a través de oferta pública – es un mercado basicamente privado, un mercado en el que predomina el principio de liberdad del emisor en la creación y colocación del producto que pretende transfe- rir a los hipotéticos inversores (…)”12.
O CºMVM distinguia, por um lado, as modali- dades de subscrição13 e, por outro, as modalida- des de colocação14, em termos que, não obstan- te a clareza da letra da lei - porque assente em
diferentes perspectivas do processo de emissão, como adiante explicamos - suscitavam, com frequência, interpretações divergentes na dou- trina, no momento da sua harmonização.
Nos termos do artigo 115.º do CºMVM, a subs- crição de valores mobiliários podia ser pública ou particular e, por outro lado, directa ou indi- recta. O artigo 124.º do CºMVM dispunha, ain- da, que a colocação dos valores mobiliários po- deria ser feita directamente pela entidade emi- tente ou através de intermediários financeiros autorizados.
A dialéctica entre a subscrição (directa e indi- recta) e a colocação (directa e indirecta) depen- dia de qual a perspectiva de actuação dos vários intervenientes no processo de emissão de valo- res mobiliários, na medida em que a subscrição caracterizava o ponto de vista dos destinatários da oferta, enquanto a perspectiva da colocação era a do oferente15, com ou sem intervenção de intermediário financeiro.
2.2.1 Subscrição pública e particular
De acordo com o n.º 1 do artigo 116.º do CºMVM, existia subscrição pública de valores mobiliários quando a sua oferta fosse feita (i) a um número indeterminado de pessoas; (ii) a um
7- XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx - Direito dos Valores Mobiliários, Lisboa, AAFDL, 1997, pág. 265.
8- Para uma análise mais aprofundada da subscrição de valores mobiliários na vigência do CºMVM, v. XXXXXXX, Xxxxxx X. Tapp - Subscrição de acções através de intermediários financeiros, o caso especial da tomada firme, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Comerciais apresentada na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, dactilografada, 1994.
9- XXXXX, Xxxx Xxxxx - Xxxxxxxxxx de Direito Bancário, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, pág. 831 e Direito Bancário, 2.º vol. [As operações bancárias], Editora Rei dos Livros, 1995, pág. 387.
10- XXXX XXXXX, Xxxxx – “Intervención Bancaria en la emisión y colocación de valores negociables”, Instituciones del mercado financiero [Operaciones bancarias de gestión III], Xx Xxx, 0000, pág. 1199 a 1231.
11- O autor refere-se à Ley del Mercado de Valores, Ley 24/1988, de 28 de julio.
12- No mesmo sentido, XXXX XXXXXXX-XXXXXXXXX, Carmen - El contrato de colocación bancario en el mercado de valores, 2004, pág. 171. A autora afirma que “el mercado primario, es concebido como aquel mercado privado de distribución en el que se produce la adquisición originaria de valores negociables en favor de los requirentes de nueva financiación mediante órdenes de suscripción”.
13- Previstas na Secção II, nos artigos 115.º e seguintes.
14- Reguladas na Secção III, nos artigos 124.º e seguintes.
15- Iremos utilizar diversas vezes, ao longo do texto, o conceito de oferente. Com o intuito de evitar a confusão de conceitos, a qualidade de oferente ficará reservada à parte (pessoa física ou jurídica) que celebra o contrato de colocação com o intermediário financeiro, ou seja, quer à entidade emitente quer ao alienante. Assim será, mesmo no caso da tomada firme, em que a oferta ao público, propriamente dita, é, em rigor, feita pelo intermediário financeiro, donde poderia resultar a qualificação deste último, no caso particular da tomada firme, como sendo o oferente dos valores mobiliários.
38 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
número determinado de pessoas não previamen- te identificadas ou (iii) por qualquer forma de comercialização pública, encontrando-se este conceito clarificado no n.º 2 do mesmo artigo, pela indicação dos casos em que se verificava o preenchimento desse mesmo conceito16.
O n.º 3 da mesma norma acrescentava dois ca- sos em que se considerava existir uma subscri- ção pública, sendo elencadas, no n.º 4, as ex- cepções a este regime, identificando-se, assim, alguns casos de subscrição particular.
Concluía-se, da análise dos critérios estabeleci- dos no mencionado preceito, que a qualificação como pública de determinada subscrição pode- ria resultar quer da indeterminação dos destina- tários quer do carácter público da comercializa- ção dos valores mobiliários.
O artigo 117.º consagrava, por exclusão, a defi- nição de subscrição particular ao considerar como tal toda a subscrição não qualificada co- mo pública nos termos do artigo 116.º.
2.2.2 Subscrição (e colocação) directa e indirecta
A distinção entre subscrição directa e indirecta decorria do n.º 1 do artigo 118.º do CºMVM, nos seguintes termos:
“[A] subscrição diz-se directa quando a oferta da emissão aos investidores a que se destina é feita directamente pela própria entidade emitente, com ou sem o apoio, ou a garantia total ou parcial de colocação, de intermediários autorizados; diz-se indirecta, quando a emissão é subscrita por um ou mais intermediários financeiros, com a obri- gação de a oferecerem aos investidores a
que se destina, nos termos e condições esta- belecidos em contrato para o efeito celebra- do com a entidade emitente” (sublinhado nosso).
Para perceber o critério de distinção destas duas formas de subscrição, torna-se necessária a re- ferência às duas modalidades de colocação e a consequente análise do processo de emissão na perspectiva do emitente dos valores mobiliá- rios.
Nesta medida, a lei determinava que a entidade emitente poderia fazer a colocação da emissão junto dos investidores, por si própria ou através de intermediários financeiros autorizados.
Esta segunda opção poderia, por sua vez, assu- mir várias modalidades, consoante o envolvi- mento do intermediário financeiro17. Este podia intervir de uma de três formas:
a) Tomar firme a emissão, subscrevendo, primeiramente, os valores mobiliários que haveria depois de colocar no público;
b) Garantir a colocação, adquirindo os valo- res mobiliários que não viessem, a final, a ser subscritos pelos investidores;
c) Desenvolver os melhores esforços para a colocação da emissão, sem se comprome- ter a subscrever quaisquer valores mobi- liários.
Da contraposição entre estas três formas de ac- tuação do intermediário financeiro e as duas formas de subscrição de valores mobiliários anteriormente aludidas (subscrição directa e indirecta), conclui-se que existia subscrição indirecta pelos investidores quando a colocação dos valores mobiliários se processava de acordo com a alínea a), ou seja, quando os valores
16- Sendo um dos exemplos o da alínea a) em que se considerava haver subscrição pública quando a oferta de valores fosse feita “através de intermediários financeiros, para colocação junto do público”.
17- Neste sentido, XXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx - Xxxxxxx de Valores Mobiliários, Lisboa, Lex, 1999, pág. 35.
39 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 39
mobiliários a subscrever pelos investidores fos- sem previamente subscritos pelo intermediário financeiro encarregue da sua colocação.
No contexto da distinção entre a subscrição in- directa e a “garantie de bonne fin”, prevista pela legislação francesa, XXXX XXXXXXX sali- entou que “o carácter indirecto da subscrição resulta do facto da instituição de crédito ficar vinculada a vender as suas acções aos accio- nistas titulares do direito de preferência; se as instituições de crédito apenas garantem a subs- crição das acções sobrantes depois de exercido pelos respectivos titulares o direito de preferên- cia, fica afastado todo o mecanismo da subscri- ção indirecta”18.
No caso previsto na alínea b) trata-se de subs- crição directa na medida em que a subscrição dos valores mobiliários pelo intermediário fi- nanceiro ocorria apenas a posteriori, pelo que, no momento da oferta, os investidores teriam a possibilidade de os subscrever directamente.
Acresce que, no caso previsto na alínea c), não se suscitavam quaisquer dúvidas quanto à sua qualificação como subscrição directa, na medi- da em que não sucedia, em altura alguma do processo, a subscrição dos valores mobiliários por parte do intermediário financeiro.
Concluindo, a subscrição directa ocorria quan- do a oferta da emissão aos investidores era feita directamente pelo emitente ou, havendo inter- venção de um intermediário financeiro, esta se
limitava à mera colocação ou a uma colocação garantida.
Pelo contrário, a subscrição indirecta implicava um total envolvimento por parte do intermediá- rio financeiro, que subscrevia previamente os valores mobiliários objecto de colocação, com vista a colocá-los, posteriormente, no mercado. A regulação da subscrição indirecta era feita com grande detalhe, reflectindo a preocupação do legislador em salvaguardar os direitos dos destinatários da oferta, nomeadamente os direi- tos de preferência dos accionistas19.
Conjugando as várias modalidades de subscri- ção e de colocação, deve notar-se que o CºMVM determinava a obrigatoriedade de co- locação através de intermediário financeiro nas emissões com subscrição pública20.
Na vigência do CºMVM, o conceito de emissão era definido como “o conjunto complexo e di- nâmico de actos materiais e jurídicos destina- dos finalisticamente à criação de valores mobi- liários e à sua introdução originária no merca- do”. O processo de emissão21 de valores mobi- liários, destinado à sua criação, abarcava as se- guintes fases22:
a) A fase de criação dos valores mobiliários em que ocorre a decisão ou deliberação de emissão por parte dos órgãos compe- tentes da entidade emitente;
b) A fase da exteriorização da oferta, através da colocação dos valores mobi- liários. Esta é a fase que muitos autores
18- XXXXXXX, Xxxx - Alterações do Contrato de Sociedade, 2ª ed., Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pág. 231. 00- Xxx. XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx…, 0000, pág. 37.
20- Cfr. n.º 2 do artigo 124.º do CºMVM.
21- Em Espanha, XXXXXX XXXX considera a emissão como a principal operação do mercado primário. A este propósito, a autora escreve: “[principal] operación de este xxxxxxx xxxxxxxx xx xx xxxxxxx xx xxxxxxx, xx ser la actividad económica que produce los objetos que en él se distribuyen y suscriben, y por virtud de la cual, una persona jurídica con capacidad para emitir valores, denominada como emisor, en busca de financiación, apela al ahorro del público inversor, de naturaleza institucional, profesional o no experta, al que ofrece la adquisición originaria de un conjunto homogéneo de valores negociables creados conforme a su estatuto jurídico (…) ”, cfr. XXXXXX XXXX, El contrato de colocación…, 2004, pág. 171.
22- Da mesma forma, em Espanha, “[xx] xxxxxxx de valores supone un complejo proceso que engloba la creación, ofrecimiento, aceptación y colocación de los valores negociables, con la finalidad de financiación del emisor”, cfr. XXXX XXXXX, Intervención…, 1999, pág. 1210.
40 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
consideram configurar uma proposta con- tratual23 dirigida ao público, nas condi- ções determinadas pelo oferente, realiza- da de acordo com uma das modalidades de colocação supra mencionadas;
c) A fase de subscrição por parte dos desti- natários (os investidores), que manifes- tam a sua aceitação da titularidade dos valores mobiliários objecto da oferta. No seguimento da tese que acima menci- onámos, no que respeita à qualificação da colocação de valores mobiliários como tratando-se de uma proposta contratual, a fase de subscrição agora em análise constituiria a aceitação da proposta contratual efectuada pelo oferente (ou pelo intermediário financeiro, consoante o caso) aquando da colocação.
2.2.3 Tomada firme
para subscrição indirecta
O enquadramento da tomada firme no contexto do processo de emissão atrás descrito e à luz da distinção entre mercado primário e secundário feita no CºMVM, permite-nos concluir que esta modalidade de emissão se distinguia das restan- tes pelo facto de a intervenção do intermediário financeiro no processo de emissão ocorrer nu- ma fase anterior àquela em que tipicamente in- tervinha24.
A inversão da “ordem de chegada” do interme- diário financeiro ao processo de emissão, no
caso da tomada firme (ou subscrição indirecta, consoante o critério utilizado seja o do modo de operação, ou o do resultado dessa actuação, respectivamente) reflectia as particularidades dessa intervenção, na medida em que o interme- diário financeiro não se obrigava apenas a ofe- recer (ou colocar) os valores mobiliários, mas também (e antes disso) a subscrever, ele pró- prio, esses valores mobiliários.
Nestes termos, como vimos, a subscrição pelos investidores ocorria de forma indirecta, na me- dida em que os valores mobiliários objecto da oferta já haviam sido subscritos pelo interme- diário financeiro que, posteriormente, os ofere- cia para que fossem adquiridos pelos investido- res. Por esse motivo, alguns autores consideram não se tratar de uma verdadeira subscrição mas, antes, de uma aquisição derivada25.
A divergência quanto à natureza da aquisição pelos investidores como sendo uma aquisição originária (subscrição – a qual ocorria ao nível do mercado primário) ou derivada (compra – a qual se verificava ao nível do mercado secundá- rio), estava directamente ligada à preocupação com o respeito pelo direito de preferência dos accionistas.
Esta preocupação justificava, inclusivamente, a regulação da subscrição indirecta ao nível do Código das Sociedades Comerciais26, com o intuito de garantir que, apesar de ocorrer uma subscrição inicial por um intermediário
23- No âmbito da divisão esquemática das várias fases do processo de emissão, esta é a posição expressada por XXXXXXXX XXXXX,
Emissão…, 1999, pág. 38 e ss. e por XXXX XXXXX, Direito Bancário…, 1995, pág. 385 e ss.
24- Neste sentido, XXXXXXXX XXXXX, escrevendo no último ano de vigência do CºMVM: “(…) o intermediário financeiro pode tomar firme a emissão o que significa que subscreve primeiramente os valores mobiliários, adiantando ao emitente o montante a realizar com a colocação, e só depois procede à colocação dos mesmos junto dos subscritores. É neste caso que se fala de subscrição indirecta designando a aquisição dos valores por parte dos destinatários da emissão”, Cfr. XXXXXXXX XXXXX, Emissão…, 1999, pág. 35.
25- No sentido de que não se trata de uma subscrição mas antes de uma compra, pelos investidores, dos valores mobiliários, v. XXXXX, Xxxxxx - “Subscrição Indirecta e Tomada Firme”, Direito e Justiça, vol. VIII, Tomo I, 1994, pág. 201 a 292 (245). Em sentido contrário, defendendo a tese que considera a subscrição indirecta por parte dos investidores como uma verdadeira subscrição, XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx…, 1999, pág. 36 e ss. A autora serve-se essencialmente de dois argumentos: por um lado, a inserção da tomada firme nas regras do mercado primário ou mercado de emissão e, por outro, a preocupação da lei em assegurar que a subscrição indirecta se faz nos mesmos moldes da subscrição directa.
26- Doravante CSC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, com as alterações sucessivamente introduzidas.
41 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 41
financeiro, o exercício do direito de preferência fosse assegurado, não sendo posto em causa pelo facto de se considerar que os investidores (titulares do direito de preferência ou não) só indirectamente subscrevem (ou adquirem) os valores mobiliários objecto da oferta pública.
Na verdade, a lei procura assegurar que, na co- locação de uma emissão através de tomada fir- me, o investidor se encontra exactamente na mesma posição que estaria se dessa colocação resultasse uma subscrição directa27.
Resta, por último, salientar que o CºMVM não previa o contrato de assistência, que passou a ser regulado, de forma autónoma, apenas com a entrada em vigor do CVM28. As actividades que hoje caracterizam a figura da assistência encon- travam-se dispersas por várias normas do CVM, mas surgiam previstas, essencialmente, pelo conjunto de actividades a exercer pelo interme- diário financeiro no âmbito do contrato de colo- cação.
Retomando o que dissemos acerca da inserção sistemática do instituto em análise, a tomada firme encontra-se prevista e regulada no artigo 339.º do CVM do Título VI, relativo ao regime geral da Intermediação e faz parte da secção relativa à assistência e colocação inserida nos contratos de intermediação, cuja regulação se
estende por todo o Capítulo II do Título VI do CVM.
Deste modo, a tomada firme será analisada na perspectiva quer das disposições relativas à in- termediação, quer dos próprios contratos de intermediação e, em especial, nos termos das especificidades da assistência e colocação.
3. Intermediação obrigatória
A disciplina da assistência e colocação assenta no cruzamento do regime de intermediação com o das ofertas públicas29. O artigo 113.º estabele- ce o princípio de intermediação obrigatória no caso das ofertas públicas em que seja exigível um prospecto30. O enunciado legal prevê, as- sim, que, no que respeita às ofertas públicas de distribuição31, a intervenção do intermediário financeiro deve caracterizar-se pela prestação, pelo menos, dos serviços de assistência e colo- cação.
A lei impede, desta forma, que se estabeleça uma relação directa entre o oferente dos valores mobiliários (ou a entidade emitente) e os seus destinatários, salvo se o oferente for, ele pró- prio, um intermediário financeiro autorizado que assuma o exercício das funções de interme- diário financeiro responsável pela assistência e colocação no contexto da oferta relevante, casos
27- XXXXXX XXXXX, Subscrição Xxxxxxxxx…, 0000, pág. 245. 28- Cfr. artigo 337.º CVM.
29- XXXXXX, Xxxx X. X. xx Xxxxxxx - “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros”, Direito dos Valores Mobiliários, vol II, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, pág. 129 a 156.
30- O artigo 134.º parte da regra geral de que “qualquer oferta pública relativa a valores mobiliários deve ser precedida de divulgação de um prospecto”, prosseguindo, no seu n.º 2, com a enumeração da excepções a esse princípio. O regime aplicável ao prospecto está consagrado no essencial nas Secções II e V do Título III do CVM (Ofertas Públicas), remetendo-se, quando aplicável, para o Regulamento (CE) n.º 809/2004, da Comissão, de 29 de Abril, que se propôs complementar os princípios estabelecidos pela Directiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, “no que se refere à informação a incluir nos prospectos, ao formato e aos aspectos da publicação, à informação a inserir mediante remissão num prospecto, bem como a divulgação dos anúncios publicitários” (Considerando 1 do (CE) n.º 809/2004, da Comissão, de 29 de Abril). A propósito das questões suscitadas nesta matéria, v. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx – Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro pelo Conteúdo do Prospecto de Oferta Pública de Subscrição, Dissertação de Mestrado na área de Ciências Jurídicas, dactilografada, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2002 e PINA, Xxxxxx Xxxxx - Xxxxx de informação e responsabilidade pelo prospecto no xxxxxxx xxxxxxxx xx xxxxxxx xxxxxxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxx Editora, 1999.
31- A lei é clara no que respeita ao âmbito de aplicação às ofertas públicas de distribuição em geral, ou seja, quer às ofertas públicas de subscrição (OPS) quer às ofertas públicas de venda (OPV). Esta conclusão retira-se não apenas do normativo que fixa o princípio de intermediação obrigatória, artigo 113.º, mas também da própria descrição do regime dos vários tipos de contratos de colocação (artigos 338.º a 340.º).
42 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
em que ocorre uma necessária coincidência en- tre as duas posições.
Uma das razões para a imposição legal da inter- venção de um intermediário financeiro no âm- bito das ofertas públicas32 está também na base da distinção entre ofertas públicas33 e particulares34 e tem que ver com a (in) determinação e qualificação dos investidores, destinatários da oferta. Nesta medida, considera
-se que, ao contrário das ofertas dirigidas a in- vestidores qualificados - sempre havidas como ofertas particulares - as ofertas públicas são caracterizadas, essencialmente, pela indetermi- nação dos seus destinatários e pela exigência de uma maior complexidade do regime aplicável.
Porquanto, este tipo de operações exige a inter- ferência de uma entidade com qualificação e experiência profissional35, capaz de correspon- der ao elevado grau de responsabilidade neces- sário para cumprir com todas as exigências legais36. O efeito e apelo à poupança pública37
que caracteriza as ofertas públicas de distribui- ção e a procura de uma maior eficiência do xxxxxxx00 são duas das razões que permitem fundamentar a obrigatoriedade de intermedia- ção nas ofertas públicas.
O regime a aplicar no caso das ofertas públicas é mais complexo e exigente do que o conjunto de regras aplicáveis às ofertas particulares. A disciplina das ofertas públicas obedece a deter- minados princípios orientadores que vão desde a já referida intermediação obrigatória39 até à igualdade de tratamento dos destinatários40, a sujeição a aprovação de prospecto pela CMVM41 e o cumprimento das disposições re- lativas a informação e publicidade.
Diversamente, as “emissões particulares não requerem tantos cuidados” já que pelo “número restrito ou a qualidade especial dos destinatá- rios da oferta não suscitam preocupações que imponham o desenvolvimento da supervi- são”42,43.
32- A realização de oferta pública sem a intervenção do intermediário financeiro, quando esta seja obrigatória constitui contra-ordenação grave, nos termos do artigo 393.º, n.º 3, alínea a) do CVM.
33- Nos termos do artigo 109.º do CVM “[considera-se] pública a oferta relativa a valores mobiliários dirigida, no todo ou em parte, a destinatários indeterminados (…) [e] também (…): a) a oferta dirigida à generalidade dos accionistas de sociedade aberta, ainda que o respectivo capital social esteja representado por acções nominativas; b) a oferta que, no todo ou em parte, seja precedida ou acompanhada de prospecção ou de recolha de intenções de investimento junto de destinatários indeterminados ou de promoção publicitária; c) a oferta dirigida a, pelo menos, 100 pessoas que sejam investidores não qualificados com residência ou estabelecimento em Portugal”. De notar que a indeterminação dos destinatários da oferta, critério nuclear da atribuição do carácter público ao conceito de oferta, não fica prejudicada pela circunstância de esta se realizar através de comunicações padronizadas, ainda que endereçadas a destinatários individualmente identificados, cfr. XXXX XXXXX, Elucidário…, 2002, pág. 827.
34- O artigo 110.º do CVM dispõe que são “sempre havidas como particulares: a) As ofertas relativas a valores mobiliários dirigidas apenas a investidores qualificados; b) As ofertas de subscrição dirigidas por sociedades com o capital fechado ao investimento do público à generalidade dos seus accionistas, fora do caso previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo anterior (…)”.
35- “Este contrato de colocación viene marcado por la necesaria presencia de una entidad habilitada. En efecto, la realización de la acti- vidad de colocación de valores requiere de habilitación legal para ser llevada a cabo”, XXXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx – “Las Relacio- nes de Intermediación en la Colocación de Valores”, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, 1999, pág. 197 a 246 (205).
36- XXXXX, Xxxxxx - “Contratos de Intermediação Financeira [sumário alargado]”, Estudos dedicados ao Prof. Doutor Xxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx, Universidade Católica Editora, 2002, pág. 569.
37- XXXX, Xxxxxx Xxxxx - Instituições e Mercados Financeiros, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 351.
38- XXXXXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxxxx - “Deveres dos intermediários financeiros, em especial, os deveres para com os clientes o mercado”,
Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 7, Abril de 2000, pág. 347. 39- Artigo 113.º CVM.
40- Artigo 112.º CVM.
41- Artigo 114.º e ss. do CVM.
42- XXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Emissão…, Lisboa, Lex, 1999, pág. 33.
43- No mesmo sentido, XXXXX XXXXXX escreve que a “contraposição entre emissões públicas e particulares constitui um ponto central do direito mobiliário: apenas as primeiras se consideram, em bom rigor, dentro do seu núcleo, sendo rodeadas de exigências informativas e administrativas mais apertadas em função do virtual maior distanciamento dos seus destinatários em relação à entidade emitente”, cfr. XXXXXX, Xxxxx - “A Oferta de Valores Mobiliários realizada através da Internet”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 1, 1997, 13 a 51 (29).
43 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 43
Apesar das diferenças de regime entre as ofertas públicas e particulares, e do facto de a interme- diação obrigatória ter o cunho do carácter públi- co da oferta, também no âmbito das ofertas par- ticulares podem ser celebrados contratos de as- sistência e colocação44.
Atento o escopo do presente estudo, cingiremos a nossa análise ao regime das ofertas públicas de distribuição de acções, deixando de fora quer a celebração de contratos de assistência e colo- cação em sede de ofertas particulares, quer a disciplina desta matéria no quadro das ofertas públicas de aquisição.
4. Da assistência
E COLOCAÇÃO - DISTINÇÃO
No elenco de actividades de intermediação pre- visto no Título VI do CVM, incluem-se os ser- viços de investimento e os serviços auxiliares, bem como as actividades de publicidade, de promoção e de prospecção das referidas activi- dades de intermediação45.
Neste contexto, a assistência e colocação são qualificadas, respectivamente, como serviço auxiliar e serviço de investimento em valores mobiliários46, realizados através da celebração de contratos de intermediação que ocorrem na fase preliminar ou inicial de uma oferta pública de distribuição.
O artigo 337.º do CVM determina que a assis- tência inclui a prestação dos serviços necessá- rios à preparação, lançamento e execução da oferta, consistindo, “(…) nomeadamente, em actividades de protecção dos legítimos interes- ses dos seus clientes no cumprimento dos deve- res de informação”47. Recai sobre o intermediá- rio financeiro a obrigação de elaborar o pros- pecto e o anúncio de lançamento, preparar e apresentar o pedido de aprovação do prospecto à CMVM e proceder ao apuramento das decla- rações de aceitação (excepto no casos em que este apuramento deva ser feito em sessão espe- cial de mercado regulamentado48).
A actuação do intermediário financeiro no âm- bito de um determinado contrato de assistência inclui, ainda, o aconselhamento do cliente quanto aos termos da oferta, nomeadamente no que se refere ao calendário e ao preço (artigo 337.º, n.º3). A prestação deste serviço tem con- sequências ao nível da responsabilidade pelo prospecto, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 149.º49.
As actividades até agora mencionadas e que, actualmente, circunscrevem a actuação do inter- mediário financeiro no âmbito do contrato de assistência à oferta, eram actividades que estavam, em geral, incluídas na disciplina da colocação de valores mobiliários, uma vez que o serviço de assistência não vinha previsto,
44- De referir que, segundo XXX XXXXX XXXXXX, podemos daqui retirar que o elenco de contratos de intermediação previsto pelo CVM não é taxativo, não forma um numerus clausus, cfr. XXXXXX, Xxx Xxxxx - “Contratos de Intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 7, Abril de 2000, pág. 373.
45- Desta forma, procura-se acautelar que a protecção dos investidores e do mercado se verifique logo em momento anterior ao da conclusão dos contratos de intermediação. Cfr. n.º 16 do preâmbulo do CVM.
46- O CVM determina, no seu artigo 290.º, n.º1, alínea d) que a “colocação de valores mobiliários em ofertas públicas de distribuição constitui (…) um serviço de investimento em valores mobiliários” e autonomiza a actividade de assistência, por sua vez qualificada como serviço auxiliar, no artigo 291.º alínea e), dos serviços de investimento em valores mobiliários (prevista e regulada pelo artigo 337.º). Tam- bém neste sentido, em Espanha: “(…) se habilita a las empresas de servicios de inversión para prestar «servicios de inversión con carácter profesional a terceros» (art. 62), y entre estos servicios se menciona expresamente «la colocación de las emisiones y ofertas públicas de ventas»”, QUINTÁNS EIRAS, Las Relaciones…, 1999, pág. 205.
47- XXXX XXXXX, Xxxxxxxxxx…, 2002, pág. 829. 48- Artigos 337.º e 127.º, n.º1, b) do CVM.
49- Assim, CÂMARA, Paulo – Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra, Almedina, 2009, pág. 447.
44 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
autonomamente, no CºMVM.
Quanto à colocação de valores mobiliários, esta diz respeito à intervenção do intermediário fi- nanceiro para a distribuição, em sentido pró- prio, dos valores mobiliários objecto da oferta. O conceito de colocação pode ser analisado segundo duas perspectivas: (i) como forma de distribuição de valores mobiliários pelo público e (ii) como o resultado concreto da actividade de distribuição.
No primeiro caso, a colocação configura um serviço de investimento, a exercer exclusiva- mente por um intermediário financeiro, que compreende um conjunto de actividades de pro- moção da distribuição dos valores mobiliários, permitindo fazê-los chegar aos potenciais inves- tidores e de recepção da sua adesão à oferta50.
A segunda perspectiva apresenta a colocação como sendo o resultado da subscrição dos valo- res mobiliários, a obtenção de declarações de aceitação por parte dos investidores a quem se destina a oferta, concretizando, assim, os objec- tivos a que se propôs a entidade emitente e as obrigações a cumprir pelo intermediário finan- ceiro, ao abrigo das disposições do contrato a celebrar entre este e aquela51.
Na vigência do CºMVM, o conjunto de activi- dades a exercer pelo intermediário financeiro, nos termos do contrato de colocação, era distri- buído em três grupos. O primeiro dizia respeito às “obrigações relativas à preparação da emis- são”, o segundo referia-se às “obrigações refe- rentes à colocação propriamente dita” e o ter-
ceiro compreendia as “outras obrigações”52.
A esta menção não é alheio o propósito de apro- veitar o esquema referido para clarificar quais as actividades que, no âmbito do antigo CºMVM, caracterizavam o serviço de coloca- ção, concluindo que, no actual CVM, se desta- cou uma parte dessa estrutura (o primeiro gru- po, de um modo geral), agrupando as respecti- vas actividades num instituto autónomo deno- minado assistência, regulado, como se viu, no artigo 337.º do CVM. A autonomia que foi da- da a esta figura é tal que a assistência, qualifica- da como serviço auxiliar, pode ser exercida por um intermediário financeiro distinto do intermediário financeiro responsável pela colocação53.
Conclui-se que, sendo qualificadas, respectiva- mente, como serviço de investimento e serviço auxiliar de serviços de investimento, a coloca- ção e a assistência em oferta pública de distri- buição de valores mobiliários são actividades de intermediação financeira, nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do CVM, cujo exercício profis- sional cabe, exclusivamente, a intermediários financeiros autorizados.
4.1 As modalidades de colocação de valores mobiliários
Concretizada uma primeira distinção entre as- sistência e colocação, afigura-se essencial pro- ceder à distinção entre as várias modalidades de colocação54, empregando, como critério de distinção, o conteúdo da prestação do interme- diário financeiro55 e procurando identificar as
50- XXXXXX XXXXXXXX, Direito…, 1997, pág. 324.
51- Neste sentido, XXXXXX XXXXXXX, Subscrição…, 1994, pág. 119 a 123.
00- XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx…, 0000, pág. 322 e ss.
53- “O contrato de colocação pode ser celebrado com intermediário financeiro diferente daquele que presta os serviços de assistência na oferta”, n.º 2 do artigo 338.º.
54- Na vigência do antigo CºMVM existiam apenas duas modalidades de colocação, a colocação directa e indirecta. Estas duas formas ou modos de colocação eram qualificadas como tipos de contratos de colocação, cfr. XXXXXX XXXXXXXX, Direito…, 1997, pág. 321.
55- XXXXXX XXXXX, Subscrição…, 1994, pág. 226.
45 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 45
particularidades subjacentes ao seu regime.
Para este efeito será, por vezes, feita referência ao regime do antigo CºMVM e aos autores que, na sua vigência, se pronunciaram nestas maté- rias, uma vez que se encontram perspectivas díspares no que respeita à qualificação das vá- rias formas de colocação.
4.1.1 Colocação Simples
A colocação stricto sensu de valores mobiliá- rios ou colocação simples está prevista e regula- da no artigo 338.º do CVM que dispõe que, através do contrato de colocação, o intermediá- rio financeiro se obriga a desenvolver os melho- res esforços com vista à distribuição dos valores mobiliários objecto de oferta pública, incluindo a recepção das ordens de subscrição ou de aqui- sição (n.º 1).
Trata-se de uma obrigação de diligência, na qual o intermediário financeiro se limita a pôr os seus meios materiais e humanos à disposição da entidade oferente56. Os valores mobiliários são colocados sem que se assegure o resultado da oferta, ou seja, sem que advenha qualquer responsabilidade, para o intermediário financei- ro, quanto ao eventual insucesso da operação, desde que este haja cumprido todos os deveres a que está vinculado. O risco da colocação não é assumido pelo intermediário financeiro, já que não há qualquer obrigação (de garantia) quanto à aquisição dos valores mobiliários não subscritos57.
Na vigência do CºMVM, afirmava-se o seguin- te: “[o] intermediário financeiro pode limitar-se
a preparar a operação e a publicitar a mesma junto dos seus clientes, não assumindo a obrigação de subscrever quaisquer valores, é o caso do chamado regime de melhores esforços”58.
Em Espanha, a colocação (simples) é considera- da “una actividad donde su función no queda supeditada al hecho de que su realización ten- ga éxito por haberse realizado contratos de suscripción o compra de los valores emitidos y ofertados, sino al hecho de desarrollar el man- dato de promover la colocación de forma dili- gente y profesional desde la búsqueda de con- tactos con los inversores”59.
Já no direito francês, a colocação simples é qua- lificada como um dos “méthodes de place- ment”, definido da seguinte forma: “[p]our le placement des actions, les banques prêtent par- fois simplement leurs guichets, en sollicitant leur clientèle, mais sans souscrire personnelle- ment (placement pour compte)”.
Por último, de referir que, no ordenamento jurí- dico norte-americano, a colocação simples é denominada “best efforts underwriting”, tratan- do-se de uma das “distribution techniques”, através das quais os valores mobiliários são distribuídos.
LOSS e SELIGMAN60 referem-se brevemente a esta modalidade, afirmando tratar-se de uma técnica através da qual as empresas “customarily distribute their securities through firms that merely undertake to use their best efforts”. Acrescentam que a sua utilização ocorre, de forma paradoxal, tanto no casos das
56- XXXXXX XXXXX, Subscrição…, 1994, pág. 224.
00- XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxx…, 0000, pág. 322
00- XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx…, 0000, pág. 35.
00- XXXXXX XXXX, Xx xxxxxxxx…, 0000, pág. 191.
60- XXXX, Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxx - Fundamentals of Securities Regulation, 4th ed., New York, Aspen Law & Business, 2001, pág. 63 a 83.
46 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
empresas que não têm estabilidade ou capacida- de financeira para recorrer às modalidades de colocação que assegurem o êxito da oferta (garantia de colocação ou tomada firme), como nos casos das empresas mais estáveis, que, por essa razão, conseguem distribuir os valores mo- biliários sem terem de recorrer ao “underwriting commitment” conseguindo, as- sim, diminuir os custos da operação61.
4.1.2 Garantia de colocação
Para além de desenvolver os melhores esforços com vista à colocação da emissão - obrigação comum a todas as modalidades de colocação - o intermediário financeiro pode, ainda, compro- meter-se a subscrever uma dada percentagem (garantia parcial) ou a totalidade (garantia total) dos valores mobiliários que não tenham sido subscritos pelo público no decurso do perí- odo da oferta, assumindo, assim, uma dupla obrigação62.
A garantia de colocação encontra-se regulada no artigo 340.º do CVM:
“No contrato de colocação o intermediá- rio financeiro pode também obrigar-se a adquirir, no todo ou em parte, para si ou para outrem, os valores mobiliários que
não tenham sido subscritos ou adquiridos pelos destinatários da oferta.”
No direito francês, esta modalidade é considera- da como um dos (supra mencionados) “méthodes de placement” através do qual “(…) le banques (…) garantissent le succès de l’émission dans un délai déterminé, et par con- séquent, s’engagent à souscrire elles-mêmes les titres qui ne seront pas placés dans le public (placement garanti)”63.
No direito espanhol, encontramos menção feita a esta modalidade no contexto da definição de entidades colocadoras, qualificam-se como tal as entidades que “medien «con compromiso de aseguramiento» (…) cuando hubiese un com- promiso xx xxxxxx xx xxxxx xx xx xxxxxxxxxx, xx garantizar la prestadora de la función coloca- dora por sí que se efectuará la totalidad o parte de la suscripción o compra de los valores emiti- dos u ofertados mediante la adquisición por cuenta propia del sobrante de los valores o colocados entre el público (…)”64.
Parte da doutrina espanhola e norte-americana considera a garantia de colocação como uma obrigação que vem, normalmente, clausula da no contrato de colocação65, não lhe
61- LOSS e XXXXXXXX, Fundamentals…, 2001, pág. 74 e 75.
62- A segunda obrigação assumida pelo intermediário financeiro nesta modalidade de colocação é, por princípio, de objecto indeterminado, uma vez que no momento de celebração do contrato, não se sabe ainda qual a quantidade de valores mobiliários a subscrever ou adquirir, já que esta quantidade só é determinada no final do período previsto para a subscrição ou aquisição da oferta. Neste sentido, XXXXXX XXXX, El Contrato…, 2004, pág. 295, escreve que “(…) se denota que esta prestación aseguradora posee un carácter aleatorio en su realización, al quedar el cumplimiento de la obligación aseguradora dependiente de que los valores objeto de la emisión u O.P.Vs., no resultasen colocados entre el público inversor, y de tal forma, vinculada al devenir de un acontecimiento incierto”.
63- XXXXXX, X. x XXXXXX, R. – Traité de Droit Commercial, Tome 2, 16.º ed., Paris, L.G.D.J., 2002, pág. 515. 00- XXXXXX XXXX, Xx Xxxxxxxx…, 0000, pág. 191.
65- Quanto ao direito norte-americano, “some contracts provide an option to the dealer to underwrite the remainder once a prescribed level of sales is met (…)”, LOSS e XXXXXXXX, Fundamentals…, 2001, pág. 75. Já no que respeita ao direito espanhol salientamos o seguinte: “(…) queda integrada en el contrato de colocación (…)”, XXXXXX XXXX, El Contrato…, 2004, pág, 294.
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Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 47
sendo atribuída autonomia contratual66. No entanto, no direito espanhol, esta autonomia verifica-se quando a garantia de colocação (“aseguramiento”) é assumida por uma entida- de diferente da entidade responsável pela colo- cação dos valores mobiliários. Se não for este o caso, ou seja, se estas actividades forem levadas a cabo pela mesma entidade, a obrigação de aquisição dos valores mobiliários remanescen- tes fica integrada no contrato de colocação67.
Esta aquisição pelo intermediário financeiro só se verifica no final do período de distribuição e apenas quanto aos valores mobiliários remanes- centes68.
O “intermediário financeiro assume o risco de colocação da emissão, na parte em que assu- miu a obrigação de a garantir”69, podendo esta obrigação ser contraída pelo intermediário fi- nanceiro de forma total ou parcial, por referên- cia aos valores mobiliários objecto da oferta relevante e individualmente ou em conjunto com outros intermediários financeiros70. Se obrigação abranger a totalidade dos valores
mobiliários remanescentes (garantia total), não será aplicável o regime da subscrição in- completa71.
Concentremo-nos, por momentos, no regime da subscrição incompleta de acções.
Este regime enquadra-se no âmbito do apura- mento das subscrições ou aquisições efectuadas e ocorre quando se verifica que os investidores não adquiriram a totalidade das acções objecto da oferta. Por outras palavras, verifica-se a subscrição incompleta da oferta quando o nú- mero de declarações de aceitação dirigidas pe- los investidores aos intermediários financeiros, responsáveis pela colocação, foi inferior à quantidade de acções oferecida72. Este regime encontra a sua sede legal no artigo 161.º do CVM e nos artigos 280.º e 457.º do CSC73.
Quanto ao CVM, a distribuição incompleta74 vem regulada no artigo 161.º no contexto das ofertas públicas de distribuição75, estabelecendo que se “a quantidade total dos valores mobiliá- rios que são objecto das declarações de
66- Seguindo esta tese, XXXXXXXX XXXXX, Las Relaciones de…, 1999, pág. 226: “(…) aseguramientos que van unidos a contraltos de colocación (…) es preciso aclarar que el llamado «aseguramiento» es un pacto que se integra en el contrato de colocación y no un tipo contractual distinto e independiente del mismo”. Em sentido divergente, há quem considere existir um “contrato de aseguramiento de OPVs y emisiones de valores”, cfr. XXXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx – Los contratos de dirección, colocación, aseguramiento y asesora- xxxxxx xx xxxxxxxxx x xxxxxxx xx xxxxx xx xxxxxxx, Xxxxxx, Dykinson, 1996, pág. 13 e 152.
Este autor considera “(…) el aseguramiento de valores como relación jurídica independiente de la colocación (…)”, seguindo, desta forma, em termos semelhantes aos que caracterizam o nosso sistema jurídico, no qual a garantia de colocação é, em geral, considerada um contrato autónomo, com características próprias, não obstante ser reconduzível a uma categoria (intermediação) e a um tipo (colocação). O autor acrescenta que “(…) se puden distinguir al menos dos modalidades de aseguramiento: el aseguramiento en firme y el aseguramiento de garantía (..)”.
67- XXXXXX XXXX, El Contrato…, 2004, pág. 294.
68- Ao contrário do que acontece com a tomada firme, que se distingue desta figura quer quanto ao objecto da obrigação quer quanto ao
timing de actuação do intermediário financeiro.
69- XXXXXX XXXXXXXX, Direito…, 1997, pág. 327.
70- O que ocorrerá em caso de ser celebrado um contrato de consórcio de colocação. 71- XXXXXX XXXXXXXX, Direito…, 1997, pág. 327.
72- Por oposição à subscrição excedentária, que ocorre quando, do apuramento das subscrições ou aquisições, resulta um número superior à quantidade de acções oferecidas, cfr. XXXXXX XXXXXXXX, Direito…, 1997, pág. 311 e ss.
73- O artigo 280.º CSC insere-se no âmbito da constituição de sociedades com apelo a subscrição pública e o artigo 457.º CSC disciplina a subscrição incompleta em aumentos de capital.
74- Conceito mais abrangente do que a noção de subscrição incompleta, uma vez que aquela consagra, em simultâneo, o regime da subscrição e da aquisição incompletas.
75- Mais concretamente nas “Disposições gerais” do Capítulo II (Ofertas públicas de distribuição) do Título III (Ofertas públicas).
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aceitação for inferior à quantidade dos que foram oferecidos, a oferta é eficaz em relação aos valores mobiliários efectivamente distribuí- dos, salvo se o contrário resultar de disposição legal ou dos termos da oferta”. Conclui-se, portanto, que o princípio consagrado neste diploma é o da eficácia da oferta, em caso de distribuição incompleta.
O CSC consagra, quanto às acções, uma regra supletiva que configura um regime especial em relação ao previsto no CVM, na medida em que, a “ocorrer subscrição incompleta de acções, a emissão fica de princípio sem efeito, quer em constituição da sociedade por apelo à subscrição pública, quer em aumento de capital”76. Vejamos, de perto, as características deste regime de acordo com as várias modalida- des de ofertas públicas de distribuição.
Quanto à constituição da sociedade com apelo a subscrição pública77, o CSC estabelece que os promotores devem requerer o cancelamento do registo provisório e publicar um anúncio atra- vés do qual os subscritores sejam informados de que devem levantar as suas entradas. Esta regra só será afastada se o programa da oferta de ac- ções à subscrição pública “especificar que, no caso de subscrição incompleta, é facultado à assembleia constitutiva deliberar a constituição da sociedade, contanto que tenham sido subs- critos pelo menos três quartos das acções desti- nadas ao público”78.
Tratando-se de subscrição incompleta de um aumento de capital79, a deliberação da assem- bleia ou do conselho fica sem efeito, salvo se tiver sido previsto que, nesse caso, o aumento fica limitado às subscrições recolhidas. Ficando a deliberação sem efeito, o n.º 3 do artigo 457.º do CSC impõe que o órgão de administração, nos quinze dias seguintes ao encerramento da subscrição, avise os subscritores e restitua ime- diatamente as importâncias recebidas, nos mes- mos termos da subscrição incompleta na consti- tuição com apelo a subscrição pública80.
A finalidade da referência ao regime da subscri- ção ou distribuição incompleta prende-se com o facto de, como foi mencionado, o seu regime não ser aplicável quando o êxito da oferta dos valores mobiliários se encontra totalmente asse- gurado. Assim sendo, não há subscrição incom- pleta quando, apesar do número de declarações de aceitação dos investidores ser inferior à quantidade de acções oferecidas, tiver sido cele- brado, entre o oferente e o intermediário finan- ceiro, um contrato de garantia de colocação81 ou um contrato de colocação com tomada firme.
Na verdade, a preocupação de minorar (na ga- rantia de colocação parcial) ou até excluir (na garantia de colocação total e na tomada firme) o risco de uma distribuição incompleta, com as consequências legais acima descritas, constitui um dos fundamentos da celebração de contratos
76- CÂMARA, Paulo - “Emissão e Subscrição de Valores Mobiliários”, Direito dos Valores Mobiliários, Lisboa, Lex, 1997, pág. 201 a 241 (215).
77- Artigo 280.º CSC.
78- Cfr. n.º 3 do artigo 280.º do CSC. 79- Artigo 457.º CSC.
80- No mesmo sentido, no direito norte-americano: “best efforts underwritings may be on an «all or none» basis (…) if the full number of shares registered are not sold in the required time, all funds received from the purchasers are to be refunded”, cfr. LOSS e XXXXXXXX,
Fundamentals…, 2001, pág. 75, nota 9.
81- Note-se que esta situação ocorre apenas nos casos em que a garantia de colocação é total, independentemente de a obrigação recair apenas num intermediário financeiro ou em vários intermediários financeiros, em consórcio.
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Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 49
de colocação nos quais o intermediário finan- ceiro se compromete não apenas a desenvolver os melhores esforços mas também a assegurar a colocação, ele próprio, através da aquisição posterior (garantia de colocação) ou anterior (tomada firme) ao período de subscrição pelos investidores.
No entanto, a existência de um contrato de ga- rantia de colocação não arreda, em definitivo, a hipótese de distribuição incompleta. Se a garan- tia for parcial, o número de valores mobiliários que o(s) intermediário(s) financeiro(s) se com- promete(m) a subscrever poderá ser inferior ao total de valores mobiliários remanescentes, co- brindo somente uma parte deles, proporcionan- do apenas uma diminuição (e não uma exclusão total) do risco acima aludido. Nestes casos, se a intenção do oferente for diferente das regras supletivas, este deverá prever qual o regime aplicável à distribuição incompleta.
Regressando à caracterização da garantia de colocação, recorde-se o que dispõe o artigo 340.º do CVM nesta matéria: “[No] contrato de colocação o intermediário financeiro pode tam- bém obrigar-se a adquirir, no todo ou em parte, para si ou para outrem, os valores mobiliários que não tenham sido subscritos ou adquiridos pelos destinatários da oferta”.
Sintetizando o exposto, e decompondo o precei- to aplicável, poderá decompor-se esta modali- dade de colocação da seguinte forma:
...“o intermediário financeiro pode também obrigar-se a adquirir”: este excerto reflecte a dupla obrigação assumida na garantia de
colocação, adicionando à actividade caracte- rística da colocação (simples) a obrigação de aquisição dos valores mobiliários objecto da oferta;
...“no todo ou em parte”: mencionámos que a garantia pode ser parcial ou total, analisan- do as consequências da opção por uma ou outra situação no que respeita à diminuição ou exclusão do risco;
...“para si ou para outrem”: a referência fei- ta a este propósito respeita à possibilidade de inserção no contrato de uma cláusula para pessoa a nomear;
...“os valores mobiliários que não tenham sido subscritos ou adquiridos pelos destina- tários da oferta”: este ponto respeita à inde- terminação do objecto do contrato de garan- tia de colocação que resulta da quantidade de valores mobiliários remanescentes.
4.1.3 A tomada firme
A terceira modalidade de colocação de valores mobiliários82 encontra-se, como vimos, prevista no artigo 339.º do CVM.
Tal como sucede no caso da colocação com garantia, também a tomada firme implica uma dupla actuação do intermediário financeiro, o qual adquire os valores mobiliários objecto da oferta e se obriga a oferecê-los aos investidores. No entanto, contrariamente ao que acontece na garantia de colocação, a aquisição pelo interme- diário financeiro é, na tomada firme, prévia à fase de exteriorização da oferta, ocorrendo an- tes da colocação dos valores no público - e não no final do período da oferta.
82- A apresentação das três modalidades de colocação não respeita a ordem pela qual as mesmas aparecem reguladas no CVM (artigo 338.º colocação; artigo 339.º tomada firme; artigo 340.º garantia de colocação) já que segue o critério da “intensidade” das obrigações a que se vincula o intermediário financeiro, cujo grau mais elevado se identifica, precisamente, na tomada firme.
50 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Escolhemos com cuidado a terminologia utili- zada na descrição da tomada firme, pelo seguin- te motivo: a actuação do intermediário financei- ro no âmbito de um contrato de tomada firme é, geralmente, caracterizada pela doutrina como uma dupla vinculação, através da qual esse in- termediário se obriga, em primeiro lugar, a ad- quirir83 para si os valores mobiliários objecto da emissão ou venda e, em segundo lugar, a colo- car junto do público esses valores por si subs- critos.
Pela nossa parte, consideramos inexacta esta forma de caracterizar a actuação do intermediá- rio financeiro, na medida em que este não assu- me duas obrigações mas apenas uma: a obriga- ção de colocação. A aquisição dos valores mo- biliários, anterior à sua oferta ao público, não configura uma obrigação do intermediário fi- nanceiro mas antes um pressuposto ou um ele- mento próprio do contrato de tomada firme. Neste sentido, o n.º 1 do artigo 339.º estabelece que, através da celebração do contrato de colo- cação, o intermediário financeiro “adquire os valores mobiliários” e “obriga-se a colocá- los”, e não que esse intermediário se obriga quer a adquirir quer a colocar.
Note-se, porém, que esta posição não representa um mero preciosismo terminológico, tendo, pelo contrário, repercussões fundamentais, quer na qualificação jurídica do contrato em análise, quer nas consequências que daí advêm no que respeita à conformação dos direitos e deveres das partes e à sua constituição na esfera jurídica
dos respectivos titulares.
Na verdade, de acordo com a perspectiva e qua- lificação propostas, afigura-se imperativo con- cluir que o contrato de tomada firme é um con- trato real quanto à constituição84, uma vez que a aquisição85 efectiva, plena, ou seja, a transmis- são da titularidade dos valores mobiliários para o intermediário financeiro, é elemento essencial para que o contrato seja validamente celebrado e produza efeitos86.
Ainda no contexto desta tópica descrição (por distinção) desta modalidade de colocação, im- porta notar quais as várias “denominações” que, ao longo das últimas décadas, foram atribuídas aos institutos que, actualmente, a lei designa como colocação (simples), garantia de coloca- ção e tomada firme.
Recuando ao período de vigência do CºMVM, transcrevemos um excerto que exemplifica a correspondência das nomenclaturas utilizadas:
“Ao proceder à emissão de títulos de dívida ou de acções, podem certas entidades não ter aptidão ou capacidade para a respectiva colocação junto do público a que se destina. Em tais circunstâncias, vai sendo habitual aquelas entidades socorrerem-se dos servi- ços do seu banco para uma das seguintes modalidades de prestação:
• simples venda através dos seus balcões, onde os títulos serão publicitados e vendidos, por um preço indicado pelo emitente e medi- ante pagamento de determinada taxa de colocação;
83- XXXXX XXXXXX considera tratar-se de uma “obrigação de aquisição imediata”, cfr. XXXXX XXXXXX, Manual…, 2009, pág. 445. Esta adjectivação, apesar de permanecer no seio da qualificação como obrigação, reflecte a preocupação com o facto de esta aquisição só fazer sentido no momento da celebração do contrato.
84- “Contratos reais quanto à constituição são aqueles em que a tradição de uma coisa se insere no seu processo de formação”, cfr. XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de - Contratos I, 3ª ed., Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000. O autor acrescenta que “(…) a tradição consiste na entrega, ou colocação à disposição, por um dos contraentes, de uma coisa que é objecto do contrato, ou que a representa (…)”. Sobre este assunto, v., ainda, CORDEIRO, Xxxxxxx Xxxxxxx – Tratado de Direito Civil Português, Tomo I, 2ª ed., Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pág. 313 a 316.
85- Aquisição essa que pode resultar da subscrição (aquisição originária) dos valores mobiliários, se no âmbito de uma OPS, ou da compra (aquisição derivada) dos mesmos, se ocorrer no contexto de uma OPV.
86- TELLES, Xxxxxxxxx Xxxxxx – Manual dos Contratos em Geral, Coimbra, Coimbra Editora, pág. 464.
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• para venda, nos balcões, dos títulos de deter- minada emissão, a certo preço, com o com- promisso de o banco comprar todos os títulos que o público não venha a adquirir;
• ou, ainda, para que o banco compre toda a emissão podendo, depois, proceder à reven- da.
No primeiro caso, diz-se que o banco proce- de à colocação da emissão; no segundo ca- so, diz-se que o banco toma firme a emissão; no terceiro caso, diz-se que o banco procede à compra firme da emissão” 87(sublinhados nossos).
A partir da identificação destes conceitos, cujos traços gerais de conteúdo se mantêm, sem que exista correspondência nominativa, melhor se apreende o pensamento de XXXXXX XXXXX quando, igualmente na vigência do CºMVM, afirmava que a figura tradicionalmente qualifi- cada como tomada firme tinha passado a ser a garantia de colocação, esclarecendo que esse facto levantava (como ainda levanta) a dificul- dade de identificar a que realidade se referiam os autores e à necessidade de determinar se a tomada firme continuaria a ser uma garantia de êxito na colocação88.
Aquando da menção ao regime da distribuição incompleta, referimos o facto de a intervenção dos intermediários financeiros, na colocação de valores mobiliários, permitir minorar (na garan- tia parcial) ou excluir (no caso da garantia de colocação total e da tomada firme) o risco de subscrição incompleta. Daqui se retira que, quer a garantia de colocação, quer a tomada firme, são serviços de investimento que permitem
assegurar ao oferente o êxito da oferta pública de distribuição de valores mobiliários.
Desta forma, a harmonização entre a disciplina actual destas figuras e o regime anteriormente aplicável deve ser feita atendendo ao conteúdo das prestações dos intervenientes nos contratos de colocação.
Depois de uma abordagem, em traços gerais, das várias modalidades de colocação de valores mobiliários e dos institutos que se cruzam com a figura central deste estudo, cumpre atender, ainda que sumariamente, a um dos mais rele- vantes elementos do contrato de tomada firme: os seus intervenientes.
5. Intervenientes
O regime da intermediação obrigatória, previsto no artigo 113.º do CVM, determina que, nas ofertas públicas de distribuição, é obrigatória a intervenção de um intermediário financeiro que preste, pelo menos, os serviços de assistência e colocação.
As ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários89, pano de fundo da problemática em análise, formam uma categoria90 que englo- ba as ofertas públicas de subscrição (“OPS”) e as ofertas públicas de venda (“OPV”), cujo cri- tério de distinção respeita ao próprio objecto da oferta e está relacionado com a finalidade de apelo a uma decisão de investimento que carac- teriza as ofertas públicas. Ora, esta decisão de investimento poderá ser uma decisão de subs- crição ou uma decisão de compra.
87- XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx - Direito Bancário, Coimbra, Coimbra Editora, 1998, pág. 120 e 121. 88- XXXXXX XXXXX, Subscrição…, 1994, pág. 225 e ss.
89- Que estão reguladas no Capítulo II do Titulo II do CVM.
90- O CºMVM estabelecia a distinção entre ofertas públicas de subscrição e ofertas públicas de transacção reflectindo a distinção entre mercado primário (valores mobiliários a emitir) e mercado secundário (valores mobiliários emitidos). Neste sentido, XXXXX XXXXXX, Manual…, 2009, pág. 575.
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Concretizando, a OPS ocorre nos casos em que se apela a uma decisão de subscrição por parte dos investidores, uma vez que se trata de uma oferta pública que visa a distribuição de valores mobiliários (acções) ainda não emitidos91. Por outro lado, estaremos perante uma OPV quando a decisão de investimento por parte dos investi- dores seja uma decisão de compra (aquisição), determinada pelo facto de esta oferta ao público ter como objecto valores mobiliários (acções) já emitidos, em circulação.
Esta distinção reflecte-se, desde logo, na deter- minação do objecto do contrato, na medida em que, como já referimos, nas OPS’s estão em causa valores mobiliários a emitir, enquanto nas OPV’s estamos perante valores mobiliários já emitidos. Em segundo lugar, a distinção tem repercussões quanto aos intervenientes no con- trato, uma vez que, a celebração do contrato de colocação com o intermediário financeiro pode- rá ser levada a cabo (i) pelos promotores, nas OPS’s para constituição da sociedade, (ii) pelo emitente, nas OPS’s para aumento de capital ou
(iii) pelo alienante nas OPV’s.
5.1 O Intermediário Financeiro
Feito o enquadramento da assistência e coloca- ção a partir do relato das disposições do CVM nesta matéria, concluímos que a colocação de valores mobiliários em ofertas públicas de dis- tribuição, onde se insere a tomada firme, é qua- lificada, pela alínea d) do n.º 1 do artigo 290.º, como um serviço de investimento em valores
mobiliários, enquanto a alínea e) do artigo 291.º define a assistência em ofertas públicas de valo- res mobiliários como serviço auxiliar dos servi- ços de investimento. Nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 289.º, estes serviços inse- rem-se nas actividades de intermediação finan- ceira que, de acordo com o n.º 2 do mesmo pre- ceito, só podem ser exercidas, a título profissio- nal, por intermediários financeiros92.
Assim sendo, a tomada firme é um serviço de investimento em valores mobiliários que deve ser exercido, a título profissional, exclusiva- mente por intermediários financeiros. A presta- ção deste serviço de investimento insere-se no âmbito de uma actividade de intermediação, prosseguida através de um contrato de interme- diação93.
Em Espanha, releva o conceito de entidades colocadoras aplicável aos “intermediários fi- nancieros (…) que llevan a cabo una función de intermediación consistente en «colocar» en el mercado emisiones u OPVs y que por este moti- vo reciben el calificativo de entidades coloca- doras”94. Esta é uma noção com carácter fun- cional que se refere ao papel que determinados sujeitos de direito adoptam ou assumem numa relação negocial em concreto, denominada con- trato de colocação de emissões (OPS’s) ou de OPV’s95.
Neste contexto, afirma-se ainda que a comple- xidade desta actividade e o facto de serem os intermediários financeiros a assumir os riscos
91- Pode recorrer-se a uma OPS no âmbito da constituição de uma sociedade, nos termos dos artigos 168.º do CVM e 279.º a 283.º do CSC e nos casos em que a subscrição de valores mobiliários nos casos em que foi deliberado um aumento de capital na modalidade de novas entradas, previsto e regulado nos artigos 85.º e seguintes e 456.º e seguintes do CSC
92- Este princípio comporta as excepções previstas pelo n.º 3 do mesmo artigo. Acrescente-se, ainda, que o artigo 294.º prevê que os consultores autónomos que actuam numa base individual e profissional, apesar de não serem considerados intermediários financeiros, estão sujeitos ao seu regime.
93- A própria designação do contrato sugere que uma das partes seja um intermediário financeiro, cfr. XXXXXX XXXXX, Contratos…, 2002, pág. 570.
94- QUNTÁNS EIRAS, Las Relaciones…, 1999, pág. 200.
95- A autora diz-nos, ainda, que “una de las principales funciones de los intermediarios financieros de los mercados de valores es la de mediar en la colocación de emisiones u OPVs”, cfr. XXXXXXX XXXXX, Las Relaciones…, 1999, pág. 204.
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Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 53
económicos destas operações implica que “sólo a determinada clase de entidades puedan de- sarrollarla profesionalmente, con el agravante de que ese grupo de entidades suele, en la prác- tica, quedar polarizado en torno a un tipo muy concreto: las entidades de crédito”96.
5.1.1 Vantagens da intervenção
de um intermediário financeiro
Uma das vantagens da intervenção dos interme- diários financeiros nas operações sobre as quais nos debruçamos resulta do facto de os investi- dores poderem beneficiar dos deveres de con- duta que são impostos aos intermediários finan- ceiros no exercício das actividades de interme- diação97.
As normas que disciplinam a actuação dos in- termediários financeiros no âmbito das activida- des de intermediação encontram-se dispersas por todo o Título VI (Intermediação), mas pre- vistas em especial na Secção III do Capítulo I (Disposições gerais), relativa à organização e exercício das actividades de intermediação.
O artigo 304.º determina que os intermediários financeiros devem proteger os legítimos interes- ses dos clientes e a eficiência do mercado, actu- ando de acordo com os ditames da boa-fé (diligência, lealdade e transparência) e com a informação que devem recolher acerca da situa- ção financeira e dos conhecimentos e objectivos de investimento do seu cliente, devendo ainda guardar segredo profissional, elemento essenci- al da confiança dos investidores98.
A concretização destes princípios decorre da enunciação dos deveres que recaem sobre os
intermediários financeiros. Neste sentido, en- contramos (i) deveres relativos à organização interna, como o de adopção de políticas e siste- mas para reagir a eventuais incumprimentos e para a gestão de riscos, (ii) deveres respeitantes à salvaguarda dos bens de clientes, como a se- gregação patrimonial entre os bens do interme- diário financeiro e os bens do cliente ou a actu- ação de acordo com as regras previstas para o registo, depósito e movimentação dos seus bens ou das suas contas, (iii) deveres de registo e conservação de documentos, (iv) deveres de defesa do mercado e, entre muitos outros, (v) deveres de informação quer perante os clientes, individualmente considerados, quer diante dos mercados, em geral.
Ademais, as vantagens decorrentes do recurso aos contratos de intermediação devem-se, ain- da, ao facto de as sociedades anónimas estarem, muitas vezes, concentradas em deter minados pontos do país, privadas da disseminação geo- gráfica necessária ao sucesso da operação de colocação dos seus valores mobiliários. Tal dis- seminação é, deste modo, assegurada ou facili- tada pelo facto de os intermediários financeiros possuírem uma rede de balcões dispersos geo- graficamente, o que permite um contacto mais próximo e eficaz com os investidores.
Neste sentido, no contexto dos mercados em Espanha: “El emisor no cuenta con una prepa- ración técnica ni organización comercial – es- tabelecimientos con suficiente diseminación geográfica – para la colocación de los valores que emite entre los presuntos o hipotéticos in- versores. Como los emisores no cuentan con los canales de acceso al mercado, se ven en la necesidad de servirse de los intermediarios
96- Cfr. nota anterior, pág. 200 e 201.
97- XXXXXX XXXXXXX, Subscrição…, 1994, pág. 133.
98- XXXXXX XXXXX, Contratos…, 2002, pág. 573.
54 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
financieros, que les prestan este servicio a través de unos instrumentos sumamente varia- bles.”99.
As vantagens resultantes do recurso aos inter- mediários financeiros podem ser mais ou menos extensas consoante a modalidade desta inter- venção e os compromissos assumidos pelos intermediários financeiros perante a entidade emitente. A opção pela colocação com tomada firme configura a modalidade mais intensa e que melhor assegura a concretização dos objec- tivos do oferente.
Na vigência do CºMVM, podia ler-se o seguin- te:
“A subscrição indirecta visa cumprir duas fina- lidades essenciais: a facilidade na dispersão dos valores emitidos e o encaixe financeiro imediato. Com efeito, para além da genérica função financiadora, a subscrição indirecta pretende alcançar uma distribuição difusa de valores mobiliários, o que, para o caso particu- lar das acções, adquire manifesta importância como requisito de admissão à cotação destes valores mobiliários”100.
O pagamento integral e imediato, pelo interme- diário financeiro ao oferente, do preço de subs- crição das acções objecto da oferta é, na verda- de, a grande vantagem e o fundamento essenci- al para a opção pela modalidade de colocação que é a tomada firme. Salvaguarda, desde logo, quer a constituição da sociedade, quer o aumen- to de capital, quer o êxito da venda das acções que os promotores, o emitente ou o oferente, respectivamente, pretendem ver distribuídas.
5.1.2 Consórcio para assistência
ou colocação
Os serviços de assistência e colocação podem ser prestados por mais do que um intermediário financeiro sendo, para o efeito, celebrado um contrato de consórcio101. Nos termos do artigo 341.º do CVM, este contrato deve ter o acordo do oferente e indicar, expressamente, (i) o chefe do consórcio, (ii) a quantidade de valores mobi- liários a colocar por cada intermediário finan- ceiro e (iii) as regras por que se regem as rela- ções entre os membros.
No que respeita ao chefe do consórcio, o n.º 2 do artigo 341.º determina ser este o responsável pela organização da constituição e estrutura do consórcio e pela representação dos seus mem- bros perante o oferente.
No CºMVM, o artigo 127.º previa o seguinte: “Havendo lugar à constituição de consórcio nos termos do artigo precedente, competirá ao intermediário ou intermediários financeiros incumbidos da respectiva liderança: a) Promo- ver a formação e estruturação do consórcio; b) Representar os consorciados perante a entida- de emitente e a CMVM e coordenar a activida- de de todos os membros do consórcio na colo- cação da emissão; c) Prestar todos os serviços e cumprir todas as obrigações que se prevêem no n.º 3 do artigo 125.º”.
Algumas das actividades que podiam ser leva- das a cabo pelo chefe do consórcio eram, por exemplo, estudos de mercado, estudos financei- ros, admissão à cotação, definição do preço dos
00- XXXX XXXXX, Xxxxxxxxxxxx…, 0000, pág. 1218.
100- XXXXX XXXXXX, Emissão…, 1997, pág. 219. Em Espanha, QUINTÁNS EIRAS, Las relaciones…, 1999, pág. 225: “el emisor u oferente consigue desplazar los riesgos inherentes a la colocación a las entidades intermediarias, logrando simultáneamente una inmediata dispo- nibilidad de los fondos (…)”.
101- “The underwriting syndicate is formally created by a contract among its members, usually called the ‘agreement among underwrit- ers’, by which they agree to be represented in their negotiations with the issuer either by the managing or lead underwriter or by one, two or three of their members, whom is currently the style to call the ‘representatives of the underwriters’. The agreement among underwriters typically grants the managing underwriter broad authority over the offering process”. Cfr. LOSS e XXXXXXXX, Fundamentals…, 2001, pág. 69.
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Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 55
valores, estudo do público-alvo e determinação do calendário da emissão102. Essas actividades enquadram-se, actualmente, de uma maneira geral, no serviço de assistência, que, por sua vez, continua a ser prestado pelo chefe de con- sórcio.
5.2 Os destinatários da oferta: accionistas e outros investidores
Cabe aos intermediários financeiros recolher informação necessária acerca dos seus clientes, de forma a proceder à categorização dos inves- tidores103. O regime fixado no CVM, resultado da transposição da DMIF, veio reconhecer a categorização dos investidores de acordo com três classificações possíveis: investidor não qualificado, investidor qualificado e contrapar- te elegível.
A protecção concedida aos investidores, essen- cialmente ao nível dos deveres de informação, decresce em função destas categorias, na medi- da em que implica uma maior protecção para os investidores não qualificados, e uma protecção mínima das contrapartes elegíveis104.
Atento o exposto, é permitido ao intermediário financeiro aumentar o nível de protecção de um determinado investidor (tratamento como inves- tidor não qualificado ao invés do tratamento que lhe caberia de investidor qualificado), não podendo, no entanto, acontecer o contrário, ou seja, uma diminuição do grau de protecção105.
O CVM permite, no entanto, que os próprios investidores, mediante a verificação de determi-
nados requisitos e obtido o acordo do interme- diário financeiro, optem por uma qualificação distinta daquela que lhe seria aplicável em fun- ção dos seus conhecimentos e competências. Neste caso, é possível que o resultado dessa opção seja quer menor quer maior protecção106.
A análise da situação dos destinatários da oferta como intervenientes no contrato de colocação com tomada firme levanta a questão essencial dos direitos de preferência107. O artigo 339.º do CVM, relativo à tomada firme, prevê como uma das obrigações do intermediário financeiro o respeito pelos direitos de preferência na subs- crição ou na aquisição. O mesmo princípio apa- rece regulado no artigo 461.º do CSC, não de modo expresso, mas antes por remissão para as disposições que o antecedem.
A referência a este preceito tem como finalida- de proceder a um paralelismo entre a forma co- mo é regulada a tomada firme no CSC e no CVM.
No CºMVM recorria-se, indistintamente, aos conceitos de tomada firme e de subscrição indi- recta. Apesar de ter sido suprimida do CVM, a noção de subscrição indirecta continua presente no CSC, que mantém esta expressão como epí- grafe do artigo 461.º, relativo à subscrição de novas acções em aumentos de capital.
A disparidade entre o CVM e o CSC é apenas terminológica, não material, na medida em que se mantém a coerência entre as respectivas disposições. Deste modo, consideramos oportu- na a menção e a breve análise da regulação da
102- Cfr. XXXXXX XXXXXXXX, Direito…, 1997, pág. 295.
103- A propósito desta questão, v. XXXXX, Xxxxxxx – “Categorização de Investidores no Âmbito da Intermediação Financeira, Apontamentos sobre o Novo Regime”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 27, 2007, pág. 97 a 106.
104- Neste sentido, XXXXXX, Xxxxx Xxxxx e XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx de - “A Transposição em Portugal da DMIF e da Directiva da Transparência”, Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 19, 2008, pág. 35.
105- De salientar que a violação do dever de respeito das regras sobre categorização de investidores por parte das entidades autorizadas a exercer actividades de intermediação financeira constitui contra-ordenação grave, de acordo com o artigo 397.º, n.º 4, alínea h) do CVM.
106- Preâmbulo do Decreto-Lei n 357-A/2007, de 31 de Outubro.
56 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
subscrição indirecta no CSC.
O CSC estabelece que o órgão que aprove o aumento de capital pode também deliberar que as novas acções sejam subscritas por uma insti- tuição financeira, a qual assumirá a obrigação de as oferecer aos accionistas ou a terceiros, nas condições estabelecidas entre a sociedade e a instituição e respeitando os artigos precedentes108.
A parte final do n.º 1 deste preceito impõe o respeito pelas disposições relativas ao direito de preferência, o que espelha a finalidade essencial da regulação desta figura no CSC que é a de preservar o respeito pelo direito de preferência dos accionistas, apesar de juridicamente alterado109, ou seja, esclarece que, apesar de a subscrição não ser feita directamente pelos ac- cionistas à entidade emitente, não pode, ainda assim, haver supressão dos seus direitos de preferência, devendo o seu exercício ser garantido110.
Na verdade, esta norma prevê um exercício in- directo do direito de preferência111, que tem como principal objectivo salvaguardar a aquisi- ção das novas acções pelos accionistas. A subs- crição indirecta é, inclusivamente, encarada
como uma “transmutação” desse direito112, uma vez que este deixa de ser um direito que atribui a prioridade relativamente a terceiros na subs- crição, para passar a ser um direito, relativa- mente a terceiros, na compra ao intermediário financeiro das acções por este subscritas. Esta norma visa acautelar uma alternativa para al- cançar o resultado, pretendido pelos accionistas, de aquisição das novas acções, possibilitando não já um direito na subscrição mas antes um direito na aquisição dessas novas acções113.
Deve procurar consolidar-se esta disposição do CSC com o que prevê o CVM sobre esta temá- tica, nomeadamente, no n.º 3 do artigo 339.º que estabelece uma distinção entre os direitos de preferência de subscrição e os direitos de preferência na aquisição.
Com esta distinção serve o legislador o intuito de demonstrar a preocupação pelo respeito por estes direitos, em ambos os tipos de ofertas pú- blicas de distribuição (nas OPS’s e nas OPV’s), demonstrando que este respeito deverá estar acautelado como obrigação do intermediário financeiro, quer nas situações em que esses di- reitos de preferência resultam da própria parti- cipação social, quer quando os mesmos resul- tam de convenção nesse sentido.
107- A propósito desta matéria, v. XXXXXXXXXXX, Xxxxx de – Direito de Preferência dos Sócios em Aumentos de Capital nas Sociedades Anónimas e nas Sociedades por Quotas, Coimbra, Almedina, 1993 e VASCONCELOS, Xxxxx Xxxx X. Pestana de – “Do Direito de Preferência dos Sócios em Aumentos de Capital nas Sociedades Anónimas e por Quotas”, Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais, vol. III, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pág. 503 a 558.
108- Artigo 461.º n.ºs 1 e 2. Para o efeito de dar cumprimento a esta obrigação, o intermediário financeiro deverá seguir o disposto nos artigos 458.º e seguintes do CSC.
109- XXXXXXX, Xxxx – “Adaptação do direito português à 2ª Directiva do Conselho da Comunidade Económica Europeia sobre o Direito das Sociedades”, Separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 3, Lisboa, Documentação e Direito Comparado, 1980, pág. 94.
110- XXXX XXXXXXX, Alterações…, 1996, pág. 232.
000- XXXX XXXXXXX, Xxxxxxxxx…, 0000, pág. 93.
112- Tese defendida por XXXX XXXXXXX, Alterações…, 1996, pág. 238, em oposição à doutrina que considera tratar-se de um caso de uma limitação ou supressão do direito de preferência, nos termos do artigo 460.º do CSC. “A este propósito, cumpre salientar que a Segunda Directiva Comunitária sobre direito das sociedades declara, expressamente, no art. 29.º, n.º 7, não haver exclusão do direito de preferência quando as acções forem subscritas por instituições financeiras com o fim de serem oferecidas aos sócios”, cfr. XXXXX XXXX XXXXXXXXXXX, Do Direito…, 2007, pág. 550. No mesmo contexto, XXXX XXXXXXX afirma que o artigo 29.º n.º 7 da 2ª Directiva “(...) tem a manifesta intenção de esclarecer que esse exercício indirecto não deve ser tomado como uma exclusão do direito de preferência (...)”, cfr. XXXX XXXXXXX, Adaptação…, 1980, pág. 93.
113- Neste sentido, XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx X. Xxxxx – “Aumento do Capital”, Problemas do Direito das Sociedades, Coimbra, IDET/ Almedina, 2002, pág. 253 e XXXX XXXXXXX, Alterações…, 1996, pág. 238. “O negócio que, em cumprimento dessa obrigação, venha a ser celebrado entre o Banco e cada um dos antigos accionistas da sociedade é uma venda de acções, nomeadamente não é uma subscrição de acções por esses accionistas”, cfr. XXXX XXXXXXX, Adaptação…, 1980, pág. 94.
6. Classificação e qualificação jurídica da tomada firme
Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 57
57 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
na prestação do serviço de investimento117.
Apesar de serem diversas as propostas da dou-
Chegados a este ponto, cumpre tomar posição quanto ao enquadramento do contrato de toma- da firme nas questões essenciais até agora enun- ciadas e, em particular, nas modalidades de co- locação. Com este propósito, recorreremos às operações de classificação e qualificação114 de contratos.
A celebração de contratos de intermediação (entre os quais, a tomada firme) visa o desem- penho de uma actividade de intermediação115. Atendendo ao elemento subjectivo116 dos con- tratos de intermediação, o n.º 2 do artigo 289.º consagra que “só os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, activida- des de intermediação financeira”.
Ora, atentas as características dos denominados contratos pessoais, podemos qualificar os con- tratos de intermediação como contratos pró- prios, na medida em que, a qualidade de um dos intervenientes no contrato (que deve ser um intermediário financeiro autorizado) é um re- quisito para a celebração do mesmo, requisito esse que visa assegurar um elevado nível de qualidade e o correspondente grau de diligência
trina quanto à qualificação dos contratos de in- termediação, importante será, destacando as que consideramos essenciais, consolidar os princí- pios que lhes subjazem.
Uma das soluções propostas pela doutrina é a da qualificação dos contratos de intermediação como categoria jurídica118, que permite compre- ender a perspectiva dos contratos de intermedi- ação como “instrumentos jurídicos privilegia- dos do exercício profissional autorizado das actividades de intermediação financeira (…) elemento estruturante do regime jurídico destes contratos”119. A constituição dos contratos de intermediação como categoria120 determina a agregação de várias figuras jurídicas que nela coexistem e que são dotadas de uma tipicidade própria121.
Outra das perspectivas que consideramos im- portante salientar, analisa as características dos contratos de intermediação pela sua recondução ao mesmo macrotipo122 da prestação de servi- ços. A qualificação destes contratos pela recon- dução à prestação de serviços era já solução da doutrina na vigência do CºMVM, ao incluir no
114- Definidas, respectivamente, da seguinte forma: “classificação de contratos consiste no agrupamento em classes de conjuntos de contratos que tenham em comum um elemento ou mais, escolhido(s) como critério” e “qualificação de um determinado contrato consiste na verificação da sua pertença a uma determinada classe de contratos (tipo, subtipo, categoria)”, cfr. XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de - Contratos II, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, pág. 25. O autor acrescenta, de seguida, que as “duas operações relacionam-se mas diferenciam- se: a classificação organiza genericamente as classes contratuais; a qualificação incide sobre contratos em concreto, celebrados ou em vias de celebração, pressupondo os resultados de anteriores classificações”.
115- “(…) a disciplina dos contratos de intermediação só se compreende quando analisada em conjunto com o regime das actividades de intermediação financeira, na medida em que o contrato será algo que subjaz à actividade em causa (…)”, cfr. XXXXXX XXXXX, Contratos…, 2002, pág. 571.
116- Cfr. PINTO DUARTE, Contratos…, 2000, pág. 358 e ss.
117- Aplicamos ao contrato em análise o exposto por XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos II, 2007, pág. 34 a 36. Um dos exemplos de contratos próprios oferecido pelo autor é o contrato celebrado pelo intermediário financeiro nos contratos sobre valores mobiliários.
118- Solução proposta por XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx – “Contratos de Intermediação Financeira enquanto Categoria Jurídica”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 24, 2006, pág. 291 a 303.
119- Cfr. XXXXXXX XXXXXXX, Contratos…, 2006, pág. 294 e 295.
120- As categorias são “mais amplas do que o tipo, formadas por contratos dotados de uma categoria comum”, cfr., FERREIRA DE
XXXXXXX, Contratos I, 2005, pág. 40.
121- XXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos…, 2006, pág. 293.
122- PINTO DUARTE, Contratos…, 2000, pág. 355.
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âmbito das actividades de intermediação “a prestação de serviços relacionados com ofertas públicas de subscrição e de transacção (…) embora a colocação possa envolver também uma operação de conta própria (certamente na tomada firme, eventualmente na colocação com garantia (…)”123.
As soluções aqui reproduzidas aproximam-se da posição do legislador, vertida nos números 17 e 18 do Preâmbulo do CVM, onde qualifica os contratos de intermediação como um “importante grupo dos contratos de mandato e de outros contratos de prestação de serviços”.
Será necessário, no caso concreto, distinguir as especificidades do contrato de colocação com tomada firme, na medida em que, apesar de se verificar, de facto, a presença de elementos da prestação de serviços, esta modalidade da colo- cação combina este elemento com elementos de outros negócios jurídicos.
6.1 Tipo e subtipo contratual
Define-se tipo contratual como sendo o resulta- do das “combinações repetidas com frequência na prática negocial” 124, com relevância social, que são ou não reconhecidas e descritas por lei. Perante a relevância social dessas combinações, a lei pode atribuir-lhes um nome e um regime
jurídico (tipo legal ou jurídico) ou ignorar a frequência dessas mesmas combinações (tipo meramente social125).
No seguimento da definição de tipo contratual aqui apresentada e servindo-nos do que foi sen- do desenvolvido ao longo do presente estudo, pode dizer-se que o contrato de tomada firme configura um tipo legal nominado126, previsto e regulado no artigo 339.º do CVM.
Acresce que, partindo da inserção sistemática deste instituto, concluímos ser a tomada firme uma das modalidades de colocação de valores mobiliários. O legislador foi claro ao procurar preservar a herança do antigo CºMVM, assen- tando a regulação desta figura, no actual CVM, numa secção cuja epígrafe é “Assistência e co- locação”, servindo-se do artigo 339.º, sistemati- camente inserido entre a norma relativa à colo- cação simples (artigo 338.º) e a norma que re- gula a garantia de colocação (artigo 340.º), am- bas figuras unanimemente consideradas como modalidades de colocação.
A posição defendida acompanha grande parte da doutrina que afirma que “[o] serviço de colocação pode, em termos típicos, assumir uma de três modalidades: (i) colocação com prévia tomada firme; (ii) colocação garantida; e (iii) simples colocação” 127 e que refere
123- XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de – “As Transacções de Xxxxx Xxxxxx no Âmbito da Intermediação no Mercado de Valores Mobiliários”, Direito dos Valores Mobiliários, Lisboa, Lex, 1997, pág. 291 a 309 (293). Em sentido concordante, XXXXXX XXXXXXXX descrevia os contratos de colocação da seguinte forma: “São contratos de colocação os celebrados entre um (ou vários) intermediário financeiro e uma entidade emitente, em que aquele se obriga a colocar uma determinada emissão de valores mobiliários contra o pagamento de um preço. Estamos, pois, perante um contrato de prestação de serviço”, cfr. XXXXXX XXXXXXXX, Direito…, 1997, pág. 321.
124- Cfr. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos II, 2007, pág. 21.
125- Desenvolvendo a noção de tipo social, v. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx - O Contrato de Concessão Comercial, Coimbra, Almedina, 1990, pág. 163 e ss: “o tipo jurídico reflecte o fim económico do tipo social”, cfr. pág. 67. A autora acrescenta que “[como] consequência da admissibilidade da tipicidade social, só poderá falar-se de contratos atípicos em relação a contratos absolutamente novos, que não correspondam, nem aos tipos legais, nem a qualquer dos tipos sociais aceites em determinada ordem jurídica. Contratos atípicos são aqueles que, não sendo realizados de forma reiterada e não tendendo a ser novas figuras contratuais com carácter permanente e geral, se apresentam de forma isolada e esporádica, e em relação aos quais não existe uma disciplina legal e social concreta; são contratos que, pela sua estrutura nova e original, não podem ser reconduzidos nem aos tipos legais nem aos tipos sociais”, cfr. XXXXXX XXXXX, O Contrato…, 1990, pág. 169 e 179.
126- A propósito do conceito de contrato nominado, v. inter alia, XXXXXX XXXXXX, Manual…, 2002, pág. 467 e ss. 127- Cfr. XXXXXX XXXXX XXXX, Instituições…, 2005, pág. 352
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Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 59
expressamente ser a tomada firme um “tipo de contrato de colocação em que o intermediário financeiro assume uma obrigação de resulta- do”128 .
Os argumentos que até aqui apresentámos ba- seiam-se, fundamentalmente, no elemento lite- ral e sistemático da regulação deste contrato. Mas a conclusão por uma resposta afirmativa à questão de saber se a tomada firme é ou não uma das formas de colocação de valores mobi- liários cruza com a qualificação da própria co- locação e com a necessidade de destrinça dos vários elementos integrantes da tomada firme.
A denominada colocação simples ou colocação stricto sensu caracteriza-se, essencialmente, pela obrigação assumida pelo intermediário financeiro de desenvolver os melhores esforços com vista à distribuição dos valores mobiliários objecto da oferta129. Ora, esta obrigação de dili- gência não é exclusiva da colocação simples, antes se verifica, igualmente, quer na garan- tia de colocação quer na tomada firme. Nestes dois últimos, são acrescentadas “prestações que figuram como um plus em relação ao dever de melhores esforços na distribuição”130.
Articulando este pressuposto com a noção de tipo contratual, definida como “o conjunto de contratos compostos pela mesma combinação de elementos necessários”131, podemos extrair a conclusão de que a colocação (simples) repre- senta não uma modalidade de colocação mas antes, ela própria, um tipo contratual.
Os contratos de garantia de colocação e de to- mada firme, por sua vez, conformam subtipos do contrato de colocação que, sem prejuízo da presença necessária dos elementos caracteriza- dores da colocação, acrescentam prestações típicas de outros negócios jurídicos, que se cumulam com as obrigações inerentes da colo- cação132.
A recondução da tomada firme como subtipo processa-se, como referimos, através do adita- mento de características ao tipo. Resta saber que características são essas e como podem qualificar-se.
Consideramos que o aditamento característico da tomada firme deve distinguir-se consoante se trate de uma OPS ou de uma OPV. No primeiro caso, à obrigação de colocação soma-se a subs- crição pelo intermediário financeiro das acções a distribuir; por outro lado, no caso das OPV’s, acrescenta-se à colocação a aquisição das acções objecto da oferta.
Estas conclusões levam-nos a equacionar a qua- lificação do contrato de tomada firme como um contrato misto, uma vez que implicam a combi- nação ou associação de elementos da colocação com elementos da subscrição ou da compra e venda, consoante o caso.
O n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil, no âm- bito do princípio da liberdade contratual, dispõe que as partes possam “reunir no mesmo contra- to regras de dois ou mais negócios, total ou
128- XXXX XXXXX XXXXX, Xxxxxxxxxx…, 2002, pág. 828. V., ainda, XXXXXX XXXXXXXX, Direito…, 1997, pág. 332: “Devemos ter, antes de mais, presente que se trata de uma das espécies de contratos de colocação, inserindo-se, pois, dentro da prestação de serviços por um intermediário financeiro à entidade emitente”.
129- Artigo 338.º n.º1 do CVM.
130- XXXXX XXXXXX, Manual…, 2009, pág. 444.
131- Cfr. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos II, 2007, pág. 23.
132- Desta forma, concordamos apenas parcialmente com XXXXX XXXXXX, uma vez que o autor afirma que apenas a garantia de colocação é considerada um subtipo da colocação, deixando a tomada firme fora desta qualificação, cfr. XXXXX XXXXXX, Contratos…, pág. 356.
60 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
parcialmente regulados na lei”. A generalidade da doutrina retira do aludido enunciado legal, a legitimação dos contratos mistos. Estes tanto podem designar “tipos derivados da combina- ção entre outros tipos (…) como contratos atí- picos em que se reconhecem combinações entre contratos típicos”133.
Concretizando: a subscrição ou a compra e ven- da são elementos que se acrescentam aos ele- mentos característicos da colocação e que têm carácter instrumental deste tipo, na medida em que, a realização das finalidades subjacentes à oferta pública de distribuição através da obriga- ção de colocação depende, no caso da tomada firme, do facto de ter ocorrido a traditio dos valores mobiliários para a esfera jurídica do intermediário financeiro134. Assim sendo, pode- mos confirmar a ausência de autonomia de qualquer um dos negócios jurídicos (e respecti- vas prestações) que incorporam o contrato de tomada firme, concluindo pelo carácter misto do contrato.
Quanto à natureza jurídica da tomada firme, pronunciaram-se várias vozes em diferentes sentidos. As principais posições da doutrina no que respeita ao contrato de tomada firme pro- põem a qualificação como contrato a favor de terceiro, negócio de interposição real (mandato para alienar) e negócio fiduciário135.
Deste modo, destacamos os autores que consi- deram tratar-se de um negócio fiduciário136. Quanto a esta explicação da natureza da tomada firme, devemos dizer que, apesar de concordar- mos com XXXX XXXXXXX quando afirma que “[como] negócio fiduciário, explica-se a liga- ção entre o efeito real do negócio – aquisição pelo Banco do direito sobre as acções – e o efeito obrigacional do mesmo – obrigação pelo Banco de dar um certo destino às acções que adquiriu”137, consideramos desnecessário recor- rer a tal instituto, que encontra grandes resistên- cias no nosso sistema jurídico138, para encontrar o regime aplicável ao contrato de tomada firme e explicar, de uma forma compreensível, a sua natureza jurídica.
Na nossa opinião, o contrato de colocação com tomada firme combina as características do ne- gócio jurídico de subscrição139 (tratando-se de uma OPS) ou do contrato de compra e venda (se ocorrer no âmbito de uma OPV) com os elementos que formam o tipo contratual coloca- ção de valores mobiliários e que se caracteriza, essencialmente, por uma obrigação de melhores esforços.
Este tipo contratual, destacado dos contratos de intermediação, abarca características do regime aplicável à classe dos contratos de prestação de serviços, na medida em que a prossecução desta
133- Cfr. XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos II, 2007, pág. 22. No mesmo sentido, v. XXXXXX XXXXXX, Maual…, 2002, pág. 469, que considera que “há convenções mistas típicas, porque têm expressa consagração legal, e outras atípicas, porque não a possuem”. Sabemos já que a tomada firme se inclui nas primeiras. Em sentido contrário, XXXXX XXXXXX: “[os] contratos mistos devem, pois, ser considerados como contratos atípicos (…)”, cfr. XXXXXX, Xxx Xxxxx – Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, Colecção Teses, Almedina, 2000, pág. 49.
134- Este elemento característico é o fundamento que nos leva a concluir que se trata de um contrato real quanto à constituição.
135- As várias soluções de qualificação mencionadas são desenvolvidas com algum pormenor em XXXXXX XXXXXXX, Subscrição…, 1994, pág. 233 e ss.
136- Defendendo esta teoria, XXXXX XX XXXXXXXXXXX, Direito de Preferência…, 1993, pág. 367 e ss. 000- XXXX XXXXXXX, Xxxxxxxxx…, 0000, pág. 94.
138- Apesar de existirem propostas da doutrina para a sua implementação no direito português, como é o caso de TOMÉ, Xxxxx Xxxx Xxx e CAMPOS, Xxxxx Xxxxx de – A Propriedade Fiduciária (Trust), Estudo Para a Sua Consagração no Direito Português, Coimbra, Almedina, 1999.
139- A referência à subscrição usando uma fórmula tão ampla quanto a noção de negócio jurídico tem o propósito explícito de não tomar posição quanto à controvérsia doutrinária que a caracteriza, quer porque consideramos que esta opção não afecta a qualificação do contrato de tomada firme, uma vez que, como defendemos, esta é apenas uma parte do mesmo (e aditamento ao tipo contratual), quer porque essa análise, que tem tanto de interesse como de profundidade, implicaria a ultrapassagem das fronteiras a que estamos restritos. A este propósito v. XXXXXX XXXXXXX, Subscrição…, 1994, pág. 93 e ss.
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Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 61
actividade de intermediação configura a presta- ção de um serviço de investimento em valores mobiliários.
Esta “miscelânea” de elementos de vários tipos, categorias, classes, (ou, simplesmente, ocorrên- cias negociais), denominada de contrato misto, é temperada pelo elemento subjectivo, essencial nestes contratos, que é a exigência de legitimi- dade do interveniente, elemento esse que deter- mina que seja concedido, aos intermediários financeiros autorizados, o monopólio do exercí- cio profissional destas actividades.
Por último, faremos uma breve referência à re- lação jurídica que se estabelece entre o interme- diário financeiro e os investidores, no âmbito da colocação dos valores, que assume algumas particularidades quando se trate de um aumento de capital. Essas particularidades resultam do facto de parte (ou a totalidade) dos adquirentes poderem ser os accionistas da sociedade, com direito de preferência na aquisição das acções em causa, que justifica a previsão expressa na lei de uma das obrigações impostas ao interme- diário financeiro, aquando da celebração do contrato140.
Neste contexto, a qualificação jurídica do con- trato não suscita questões de maior, no sentido em que a relação entre o intermediário financei- ro e os investidores não será distinta de uma relação normal entre vendedor e comprador de participações sociais (sendo o intermediário financeiro o seu titular). Contudo, será interes- sante considerarmos a existência de três níveis negociais: num primeiro nível, temos a relação que se estabelece entre o intermediário finan-
ceiro e a entidade emitente, cuja base é o con- trato de colocação (prestação de serviços) com tomada firme (subscrição ou compra); num se- gundo nível, encontra-se a relação entre a enti- dade emitente e os accionistas, sustentada pelo contrato de sociedade e, como terceiro nível, a relação que se estabelece entre o intermediário financeiro e os investidores (contrato de compra e venda).
7. Conclusão
A evolução legislativa da regulação do contrato de colocação com tomada firme, apesar de ter mantido o núcleo essencial do instituto, reflec- tiu também as tendências legislativas das últi- mas décadas.
Se, em 1991, a “desconfiança sistemática” do Código Sapateiro imprimiu uma grande preocu- pação com o detalhe na regulação dos institu- tos, o intuito do CVM era, essencialmente, o de simplificar e flexibilizar o sistema, reflectindo a confiança na sua coerência e na capacidade de adaptação à constante mutação dos mercados. O regime actual da tomada firme espelha esses princípios deixando, porém, de fora a resposta expressa para algumas questões com interferên- cia na prática negocial.
Atento o escopo do presente texto, muitas fo- ram as questões deixadas à margem no que con- cerne ao contrato da tomada firme e aos institu- tos a este conexos. Procurámos, ainda assim, abarcar os mais relevantes aspectos da figura em apreço, com o intuito de assim contribuir para o seu estudo, ainda que nas condições necessariamente sumárias, que nesta sede se pretendiam141.
140- Prevista pelo n.º 3 do artigo 339.º.
141- Para um estudo mais aprofundado do contrato de colocação com tomada firme, remetemos para o nosso Contrato de Colocação com Tomada Firme, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídicas Empresariais na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, dactilografada, Lisboa, 2010, base do presente texto.
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Bibliografia
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63 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Contrato de Colocação com Tomada Firme (Breves Notas) : 63
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65 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira - Evidência Empírica
para o Mercado Português
Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx*
1. Introdução
Os analistas financeiros desempenham um im- portante papel no tratamento e dessiminação de informação nos mercados financeiros. Estes profissionais recolhem e analisam informação, e produzem estimativas para os resultados e fluxos de caixa das empresas analisadas, contri- buindo para a eficiência informacional dos mer- cados através da redução dos custos de agência do capital. Estudos anteriores concluíram pela importância dos analistas financeiros na promo- ção da eficiência dos mercados ao ajudar os investidores a avaliar os ativos das empresas com maior precisão (Shipper, 1991 e Brown, 2000). Segundo Xxxx, Xxx e Stein (2000) e Elgers, Lo e Pfeiffer (2001), a velocidade à qual é incorporada a informação pública nas cota- ções aumenta nos casos de empresas com maior cobertura dos analistas financeiros.
Contudo, os benefícios do papel desempenhado pela atividade de análise financeira não são unânimes entre a comunidade académica. É certo que os méritos dos analistas financeiros para promover a eficiência nos mercados de capitais podem ser consultados num vasto con- junto de artigos académicos, mas muitos outros argumentam que os analistas financeiros desin- formam o mercado. Por exemplo, Xxxxxx Xxxxxx,
antigo Chairman da SEC afirmou que “… xxx- xxxxx’ employers expect them to act more like promoters and marketers than unbiased and dis- passionate analysts”. Xxx e XxXxxxxxx (1998), Xxxxxxxx e Xxxxxx (1999), Dechow et al (2000) e Xxxxxxxx et al (2003) sugerem que os incentivos dos analistas para gerar receitas para a atividade de banca de investimento e correta- gem comprometem a sua objetividade enviesan- do as suas recomendações de investimento e as suas estimativas de resultados.
Vários artigos empíricos sugerem que os mer- cados reagem à divulgação do conteúdo dos relatórios de análise financeira (por exemplo, Xxxxx-Xxxxxx e Canes, 1978). Neste documento examinam-se os possíveis efeitos da divulgação do conteúdo informacional dos relatórios de análise financeira nas cotações dos títulos lista- dos na Euronext Lisbon. Dada a dimensão da amostra utilizada (1816 observações), trata-se de um exercício singular para o mercado português. Em primeiro lugar, analisam-se os efeitos imediatos das recomendações de investimento nas cotações dos títulos. Uma recomendação de investimento representa a opinião do analista financeiro acerca da valorização (desvalorização) de um ativo num
* Economista do Gabinete de Estudos da CMVM. As opiniões e ideias expressas neste artigo vinculam exclusivamente o autor.
66 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
futuro próximo. Como Xxxxx, Xxxxxx e Xxxxxxxx (1986, página 699) referem, essas recomendações representam um dos poucos casos na avaliação de informação das socieda- des emitentes onde o “previsor” aconselha o investidor de forma clara e inequívoca a um ato, ao invés de apresentar uma estimativa ou inter- pretação. Nesta análise recorreu-se à metodolo- gia de estudo de eventos, tendo-se calculado as rendibilidades anormais acumuladas em janelas temporais iniciadas na data da divulgação dos relatórios de research.
Os efeitos das recomendações de investimento nas cotações foram controlados para terceiros fatores, muitas vezes negligenciados em estu- dos similares. Por um lado, analisou-se a posi- ção da recomendação de investimento emitida face à última recomendação emitida pelo mes- mo analista financeiro. Por outro, procurou isolar-se o efeito do posicionamento da reco- mendação de investimento face ao consensus dos demais analistas financeiros que cobrem o título.
Contrariamente a outros estudos que abordam esta temática, é também analisada a interação das recomendações de investimento com outras variáveis divulgadas nos relatórios de análise financeira e que podem influenciar as cotações, das quais são exemplo os preços-alvo e as pre- visões para os resultados económicos das em- presas visadas pela atividade de research.
Por fim, investiga-se a existência de uma idios- sincrasia nos efeitos imediatos da emissão de recomendações de investimento, designada- mente procura-se aferir se o sector de atividade, nível de cobertura dos analistas financeiros e liquidez dos títulos, assim como a nacionalida- de da casa de investimento que emite a reco- mendação tem influência no impacto imediato da recomendação de investimento.
2. Revisão da literatura
O impacto da divulgação da informação contida nos relatórios de análise financeira nas cotações dos títulos tem sido alvo de um intenso debate académico, tanto ao nível empírico como teóri- co. As primeiras investigações relacionam-se principalmente com a reacção dos mercados a alterações de recomendação de investimento ou de previsões de resultados. A maioria dos arti- gos empíricos aponta para a existência de retor- nos anormais positivos (negativos) na sequên- cia de subidas (descidas) das previsões de resul- tados das empresas. Xxxxx-Xxxxxx e Xxxxxxxx (1982), Lys e Sohn (1990) e Xxxxxxx (1991) apresentam evidência consistente com o impac- to das revisões de previsão de resultados nas cotações.
Xxxxx-Xxxxxx e Canes (1978) averiguam as re- acções do mercado à divulgação de recomenda- ções de investimento veiculadas no Wall Street Journal’s. Encontraram retornos anormais mé- dios de 0,93% (-2,37%) para as recomendações de compra (venda) na data dessa divulgação. Xxxxxx (1996), a partir de dados da First Call avalia o impacto nas cotações nas categorias extremas das recomendações de comprar e ven- der (por exemplo, Forte Compra/ Forte Venda). Em média, os títulos adicionados (removidos) da lista de Strong Buy alcançaram retornos ajus- tados de 2,98% (-1,94%), ao passo que títulos adicionados (removidos) da lista de Strong Sell alcançaram retornos ajustados de -4,69% (0,32%) na janela de evento centrada na difusão da revisão da recomendação.
Xxxxxxxx e Xxxxxx (1999) investigam os re- tornos anormais associados à divulgação de recomendações de Compra e Forte Compra de títulos objeto de IPO’s recentes. As recomenda- ções emitidas por analistas não-afiliados eram
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O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 67
seguidas por retornos anormais acumulados médios de 13,1% no ano seguinte à dispersão pública do capital. Pelo contrário, os retornos anormais acumulados médios de recomenda- ções emitidas por analistas afiliados eram de - 5,3%. Kadan et al (2004) observam que os ana- listas afiliados são mais otimistas que os não afiliados no que respeita às recomendações de investimento, mas o mesmo não acontece com as projecções de crescimento de longo prazo e com os resultados por ação no curto prazo. Os autores encontram alguns indícios de que os mercados passaram a reagir mais positivamente às recomendações de Compra e Forte Compra de analistas afiliados após o “Global Analyst Research Settlement”.
Xxxxxxx e Xxxxxx (1997) analisam a interação dos efeitos das recomendações de investimento e da divulgação de estimativas para os resulta- dos, mostrando que quando as recomendações de investimento são favoráveis, os investidores atribuem maior peso à revisão das estimativas para os resultados. Stickel (1995) inclui na sua análise indicadores para a magnitude da revisão da recomendação, a reputação do analista finan- ceiro, a dimensão da casa de investimento e características do ambiente informacional da empresa alvo de cobertura do analista financei- ro. Os seus resultados são consistentes com os de Xxxxxxx e Xxxxxx (1997), sugerindo que a re- visão das estimativas de resultados tem valor informativo mesmo na presença de um sumário de recomendação. Ademais, encontram indícios de que a dimensão da casa de investimento e a reputação do analista financeiro influenciam os retornos das recomendações de compra, en- quanto que a magnitude da revisão da recomen- dação e a relevância da casa de investimento em termos de corretagem afetam os retornos associados a recomendações de venda.
Em Itália, Belcredi et al (2003) documentam retornos anormais acumulados nas 3 sessões de negociação centradas na data de divulgação da recomendação de 2,52% para Upgrades e - 2,63% nos Downgrades.
Os resultados de Xxxxxxx e Xxx (2000) sugerem que as recomendações de investimento têm po- der explicativo/preditivo sobre o desempenho dos títulos alvo de cobertura. Park e Stice (2000) mostram empiricamente que a reação do mercado é maior para os relatórios de análise financeira efetuados por analistas financeiros que exibem menores desvios das suas previsões e melhores reputações. Esses resultados são consistentes com os obtidos por Stickel (1992).
Outro vetor frequentemente divulgado nos rela- tórios de análise financeira e ao qual tem sido atribuído menor relevância nos estudos acadé- micos são os preços-alvo. Xxxxxxxx (2002) documenta que os preços-alvo são reportados mais frequentemente em relatórios de research mais favoráveis. Xxxxxxxx e Xxxxx (2002), utilizando uma amostra alargada de empresas, encontram evidência de que os preços-alvo são atingidos na maioria das vezes e que a precisão dos diversos analistas financeiros pode diferir significativamente.
Brav e Lehavy (2003) estendem o estudo dos preços-alvo às recomendações de investimento e estimativas de resultados. Os investigadores encontram evidência de que as três variáveis contribuem significativamente para explicar a variação dos retornos em torno das datas de divulgação dos relatórios de research. As revi- sões de preço-alvo e de estimativas de resulta- dos têm maior poder explicativo sobre a varia- ção dos preços nas reiterações de recomendação de investimento. Asquith et al (2004) mostram
68 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
que a revisão de preços-alvo tem valor informa- tivo, mesmo na presença de revisões de reco- mendações de investimento e/ou de estimativas de resultados.
Xxxxx, Xxxxxx e Xxxxx (1995) investigam o modo como os investidores acedem à informa- ção contida nos relatórios de research a partir de experiências comportamentais. Encontram evidência de que quando o relatório é desfavo- rável, a solidez dos argumentos usados pelo analista financeiro condicionam o julgamento dos investidores. Por outro lado, os investidores parecem reagir pior a relatórios de research desfavoráveis de analistas não independentes.
Em síntese, os estudos de investigação realiza- dos noutros países apontam para a existência de um impacto das recomendações emitidas pelos analistas financeiros. Esse impacto é maior quando se trata de revisões negativas (downgrades) das recomendações. À semelhan- ça das recomendações de investimento, também a revisão de preços-alvo parece ter valor infor- mativo, mesmo na presença de revisões de re- comendações de investimento e/ou de estimati- vas de resultados.
3. Metodologia
O efeito da divulgação das recomendações de investimento foi medido através da metodologia de estudo de eventos. Esta metodologia assenta no cálculo dos retornos anormais dos títulos analisados e na avaliação da sua significância estatística nas sessões de negociação posteriores à divulgação da recomendação de investimento (e sessões de negociação anteriores caso haja indícios de antecipação do evento por parte do mercado).
Para o efeito, foi usada uma janela de estimação do modelo explicativo das rendibilidades nor- mais de 120 sessões de negociação, que com- preende o período [ ; ], em que res- peita à sessão de negociação em que foi divul- gada a recomendação de investimento.
Para a estimação do modelo explicativo das rendibilidades normais foi tomado em conside- ração o modelo de mercado:
(1)
em que,
diz respeito ao retorno do activo i em t; corresponde ao retorno do mercado em t.
A utilização do modelo de mercado para a com- putação das rendibilidades normais é explicada pelo objetivo de se pretender isolar choques idiossincráticos (informação específica que in- cide particularmente sobre as empresas analisa- das) sobre o comportamento da rendibilidade dos títulos, dos choques sistemáticos ou conjun- turais (informação que afeta todas as empresas do mercado).
Simultaneamente foram utilizadas quatro jane- las de evento distintas:
[ ; ];
[ ; ];
[ ; ];
[ ; ];
Os retornos anormais são dados pela seguinte expressão:
(2)
em que representa a rendibilidade anormal para o título i em t.
A partir do modelo de mercado foram obtidas
69 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 69
as rendibilidades anormais acumuladas para as quatro janelas de evento apresentadas acima:
(3)
em que representa a rendibilidade anormal acumulada do título i na janela de
evento que compreende as sessões de negocia- ção entre t0 e t1. Seguidamente, efetuou-se a agregação cross-seccional dos : (4)
Para avaliar a relevância estatística dos foram realizados testes paramétricos:
(5)
Assumindo independência das observações, isto é, que as rendibilidades anormais não são corre- lacionadas entre os diversos títulos, podemos definir :
(6)
Relativamente a ), esta variável foi obtida a partir de duas metodologias alterna- tivas. A convencional assume que a variância das rendibilidades anormais da janela de esti- mação se mantém ao longo da janela de even- tos. Por seu turno, Xxxxxxx et al (1991) defen- dem que a variância da rendibilidade dos títulos geralmente aumenta após o evento e propõem a sua estimação a partir da janela de evento. Para- lelamente, e no sentido de aumentar a robustez dos resultados obtidos, foi igualmente utilizada a metodologia proposta por Xxxxxx (1976) e pro- cedeu-se à estandardização das rendibilidades anormais acumuladas, assegurando desse modo que os CAR de todos os eventos analisados teri- am a mesma variância.
4. Fontes de informação e descrição da amostra
Os dados referentes às recomendações de inves- timento, preços-alvo e outros elementos rele- vantes foram recolhidos a partir dos relatórios de análise financeira recebidos pela CMVM. Por sua vez, as cotações de mercado dos títulos foram obtidas a partir da Bloomberg.
Foram recolhidas 1816 observações referentes a relatórios de análise financeira, das quais 1791 recomendação de investimento e 1797 preços-alvo para o período compreendido entre 07-01-2009 e 21-10-2011. Os relatórios analisa- dos recaíram sobre 35 empresas listadas na Euronext Lisbon. Cerca de 88,1% dos relatórios incidiram sobre títulos que integravam o índice PSI-20. Em termos sectoriais, podemos subdi- vidir a amostra em três grupos de títulos, sendo que 14,0% respeitavam a relatórios de research de empresas do sector financeiro, 48,2% de em- presas dos sectores de Utilities e Telecomunica- ções e 37,8% de outras empresas. Paralelamen- te, identificou-se na amostra 35 casas de inves- timento responsáveis pela elaboração dos rela- tórios de research, das quais 6 estão domicilia- das em Portugal (tendo estas elaborado 49,0% dos relatórios analisados).
As recomendações originais foram harmoniza- das, porquanto os diferentes intermediários fi- nanceiros usam escalas e terminologias diferen- tes na sua classificação. É notório o enviesa- mento das recomendações de investimento no sentido da compra. Cerca de 55,2% das reco- mendações emitidas aconselham a compra do valor mobiliário alvo de cobertura, em contraste com os 15,9% que advogam a sua venda – ver Tabela 1. Estas percentagens estão em linha
70 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
com as obtidas para os EUA (70,8% de reco- mendações de Comprar, 28,7% de Manter e 0,5% de Vender [Asquith et al, 2004]) e Itália (57% de recomendações de Comprar, 31% de Manter e 9% de Vender, [Belcredi et al, 2003]). O enviesamento no sentido da compra parece também ser confirmado pela distribuição do potencial de valorização associado aos preços- alvo emitidos. A proporção de preços-alvo com um potencial de valorização negativo associado situa-se nos 15%, ao passo que 50% dos preços- alvo emitidos têm implícitas valorizações supe- riores a 15,7% – ver Tabela 2.
5. Resultados
5.1 Testes Univariados
Numa primeira fase, procurou-se aferir o im- pacto imediato da divulgação das recomenda- ções de investimento nas cotações através de testes univariados como descrito na terceira secção. Os retornos anormais acumulados (CAR) para as janelas de evento que compreen- dem a sessão de negociação referente à data da divulgação da recomendação de Comprar e as duas sessões posteriores são positivos e estatis- ticamente significativos, conquanto economica- mente pouco expressivos (0,30%) – ver Xxxxxx
3. Já os CAR que compreendem as três e quatro sessões de negociação após a divulgação das recomendações de Comprar são residuais e eco- nomicamente não significativos.
No que concerne às recomendações de Vender e de Manter, estas parecem ter associado um impacto negativo e estatisticamente significati- vo nas cotações. No caso das primeiras, esse efeito é de – 0,92%, -0,68% e -0,70% para os CAR [0,2], CAR [1,3] e CAR [1,4], respetiva-
mente. Para as recomendações de Manter, os resultados indicam um impacto mais modesto (CAR [0,2], CAR [1,3] e CAR [1,4] de -0,35%,
-0,35% e -0,37%, respetivamente).
Em tese, as alterações do sentido das recomen- dações de investimento podem por si só, revelar algum conteúdo informativo. Alguns investiga- dores como Bercredi et al (2003) e Xxxxxx (1996) atribuem maior relevância ao sinal dado na revisão da recomendação de investimento que à recomendação em si. A evidência empíri- ca recolhida para o mercado português sugere que o conteúdo informativo é superior nos Downgrades, por comparação com os Upgrades e reiterações de recomendação. O efeito dos Upgrades nas cotações aparenta ser, em média, residual, mas os Downgrades e as reiterações de recomendação têm um impacto negativo e estatisticamente significativo nas cotações. A magnitude do impacto é superior entre os Downgrades, e é, em média, superior a
-0,5% nas três janelas de evento que incluem sessões de negociação posteriores à divulgação da recomendação – ver Tabela 4.
O impacto das recomendações de investimento nas cotações dos títulos poderá variar consoante se trate de uma reiteração ou de uma revisão da recomendação. Interessa, assim, averiguar a interação entre as recomendações de investi- mento e o seu posicionamento face a anteriores recomendações por parte do intermediário fi- nanceiro. Em relação ao grupo das recomenda- ções de Comprar, não parece existir uma dife- rença estatisticamente significativa nos retornos anormais acumulados associados a Upgrades e a reiterações (ver Tabela 5 – Painel B). O dife- rencial das médias dos CAR[0,2], CAR[1,3] e CAR[1,4] de Upgrades e reiterações é positivo,
71 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 71
mas não é estatisticamente significativo.
No que concerne às recomendações de Xxxxxx, contrariamente ao que seria de esperar, os Downgrades denotam menor impacto (em ter- mos absolutos) que as reiterações. Não obstante os CAR[0,2], CAR[1,3] e CAR[1,4] serem ne-
gativos para revisões e reiterações de recomen- dação, estes são, em termos absolutos, mais elevados nas reiterações - ver Tabela 5 – Painel A), e apenas os retornos anormais acumulados das reiterações de recomendação são estatistica- mente significativos (muito embora o diferenci- al dos CAR[0,2], CAR[1,3] e CAR[1,4] entre Downgrades e reiterações em geral não o ser - ver Tabela 5 – Painel B).
Finalmente, não parece existir um efeito positi- vo estatisticamente significativo nas cotações aquando da emissão das recomendações de Manter/Upgrades. Pelo contrário, e com alguma surpresa, os CAR[1,3] e CAR[1,4] registam valores negativos. No que respeita aos Downgrades e reiterações o impacto é negativo e relevante em termos estatísticos. Como seria de esperar, o efeito é substancialmente superior nos Downgrades, mas o diferencial dos CAR [0,2], CAR[1,3] e CAR[1,4] entre Downgrades e reiterações de recomendação não é significati- vo do ponto de vista estatístico.
A posição da recomendação de investimento face ao consensus de mercado também pode influenciar o seu efeito potencial sobre as cota- ções. Em termos médios, as recomendações acima do consensus registam CAR[0,2], CAR [1,3] e CAR[1,4] positivos, mas residuais em termos económicos e estatisticamente não signi- ficativos. Em contraponto, as recomendações emitidas abaixo do consensus são caracteriza-
das por retornos anormais acumulados negati- vos e estatisticamente diferentes de 0 – Tabela 6 – Painel A. É ainda de salientar que o diferen- cial da média dos CAR[0,2], CAR[1,3] e CAR [1,4] acima e abaixo do consensus é positiva e estatisticamente significativa, o que mostra que o posicionamento da recomendação face à mé- dia dos demais analistas financeiros pode ter influência no seu impacto nas cotações, em par- ticular quando se posicionam abaixo dessa mé- dia - Tabela 6 – Painel B.
Posto isto, pode concluir-se pela existência de uma assimetria entre o impacto das recomenda- ções favoráveis e desfavoráveis: o mercado pa- rece reagir às recomendações de sinal desfavo- rável com uma intensidade superior às reco- mendações favoráveis. Os resultados apurados apontam para um efeito económico e estatisti- camente relevante das recomendações de Ven- der, dos Downgrades e da emissão de recomen- dações de investimento abaixo do consensus, em contraste com recomendações de Comprar, Upgrades e acima do consensus cujos efeitos aparentam ser negligenciáveis.
5.2 Análise multivariada
Com o intuito de aumentar a solidez das con- clusões atrás retiradas foram construídos mode- los econométricos que visam explicar os efeitos sobre as cotações nas janelas temporais ulterio- res às datas de divulgação de relatórios de aná- lise financeira.
Para assegurar a solidez do estudo são apresen- tados, em paralelo, resultados assentes nas vari- áveis CAR estandardizadas. Note-se que as va- riâncias das rendibilidades anormais acumula- das variam de título para título, bem como de
72 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
evento para evento. De facto, retornos anormais acumulados elevados (em termos absolutos) podem ser frequentes em títulos que apresentem variâncias também elevadas, ao passo que vari- ações das cotações mais modestas podem reve- lar movimentos anormais se a volatilidade do título for reduzida.
Assim, foi calculada a variável SCAR:
(7)
5.2.1 O impacto dos preços-alvo nas cotações
No sentido de averiguar o impacto dos preços- alvo nas cotações procedeu-se ao cálculo de três variáveis auxiliares relacionadas com os preços- alvo: o potencial de valorização face ao preço de mercado, a diferença percentual face ao pre- ço de consensus e a variação do preço-alvo. O potencial de valorização foi definido como a diferença percentual entre o preço-alvo emitido e a cotação de mercado do título. Já a variação do preço-alvo reflete a variação percentual face ao último preço-alvo do título emanado pelo analista financeiro.
Um modo simples de aferir o impacto da emis- são dos preços-alvo nas cotações consiste na realização de uma regressão econométrica que associe os retornos anormais acumulados dos títulos nas janelas de evento com as variáveis potencial de valorização e variação do preço- alvo (ver Tabela 7 – Painel A). A variável po- tencial de valorização (Potencial Val.) tem um coeficiente positivo e é estatisticamente signifi- cativa, contrariamente ao que acontece com a variação do preço-alvo (Variação dos PT). Todavia, quando se consideram os retornos
anormais acumulados estandardizados, o poten- cial de valorização apenas é estatisticamente significativo a um nível de significância de 10% na janela de evento que compreende as três ses- sões de negociação após a divulgação do relató- rio de research. À luz destes resultados, a posi- ção face ao último preço-alvo emitido pelo intermediário financeiro não terá influência sobre as variações anormais dos preços na sequência da divulgação de relatórios de análise financeira.
O diferencial percentual do preço-alvo face ao consensus dos demais analistas poderá também, em teoria, influenciar as cotações no curto pra- zo. Os resultados indicam que esta terceira vari- ável tem poder explicativo sobre o CAR[0;2] a um nível de significância de 10% (ver Tabela 7
– Painel B). Todavia, ao incluir esta terceira variável na equação, está-se a reduzir significa- tivamente o número de observações da análise (de 1394 para 634), além de que o diferencial percentual do preço-alvo face ao consensus apresenta uma correlação elevada (0,634) com o potencial de valorização, o que poderá distor- cer o desvio-padrão dos coeficientes estimados. Como tal, optou-se por não incluir o diferencial percentual do preço-alvo face ao consensus em análises ulteriores.
Os relatórios de research caracterizam-se pela divulgação de outros conteúdos informativos além dos preços-alvo, como por exemplo as recomendações de investimento já tratadas atrás. Para aumentar a solidez dos resultados, foram adicionadas duas novas variáveis à regressão inicial: Vender e Manter. Trata-se de duas variáveis binárias que assumem o valor 1 nos casos em que a recomendação de investimento é de Vender ou de Manter,
73 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 73
respetivamente. Expurgando o efeito destas du- as variáveis adicionais, o potencial de valoriza- ção deixa de exercer qualquer poder explicativo sobre as variáveis dependentes, estandardize-se ou não os CAR. Concomitantemente, a análise indica que o CAR[0;2] é, em média, inferior em
-1% e -0,6% quando se tratam de recomenda- ções de Vender e de Manter, respetivamente – ver Tabela 8 – Painel A. Foi ainda efetuado um teste de quebra de estrutura sobre as variáveis associadas aos preços-alvo, tendo resultado que o efeito marginal do potencial de valorização e da variação dos preços-alvo não parece divergir consoante a tipologia de recomendação emitida (ver Tabela 8 – Painel B).
Pode depreender-se dos resultados obtidos que a emissão de preços-alvo nos relatórios de aná- lise financeira não parece acrescentar valor in- formacional aos mercados face àquele que pro- vém das recomendações de investimento.
Com o intuito de aferir a robustez dos resulta- dos atrás evidenciados repetiu-se a análise efe- tuada, desta feita sem as observações para as quais se identificou a divulgação de outra infor- mação sensível nas janelas de evento analisa- das. Entre a informação sensível consta a divul- gação de informação privilegiada, prestação de contas, divulgação de resultados e transações de insiders. Os resultados encontrados (não repor- tados) estão em linha com as conclusões retira- das atrás. Dado que essas observações não pare- cem influenciar as conclusões retiradas, em análises subsequentes decidiu-se pela inclusão de todas as observações da amostra original.
5.2.2 As características das firmas e o efeito das recomendações
de investimento
As empresas analisadas estão na sua totalidade sediadas em Portugal, mas são diversas as ca- racterísticas particulares que as distinguem. Es- sas diferenças podem ser explicadas por fatores relacionados com a indústria/sector em que a empresa se insere, a sua liquidez no mercado, o grau de cobertura pelos analistas financeiros, entre outros aspetos.
Nessa medida, avalia-se de seguida se essas características explicam a magnitude dos efeitos das recomendações de investimento. Numa pri- meira fase, estimou-se o modelo inicial (8) e seguidamente foram realizados testes de signifi- cância conjunta às variáveis adicionadas em M1, M2, M3 e M4:
(8)
Foram estimadas as seguintes regressões auxiliares:
74 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Com o modelo M1 pretende-se averiguar se o impacto das recomendações de investimento nas cotações é influenciado pela dimensão/ liquidez da empresa visada pelo research. Co- mo proxy para a dimensão/liquidez foi usada uma variável binária (PSI20) que assume o va- lor 1 no caso do título integrar o índice PSI-20. Os testes de significância conjunta sobre as va- riáveis cruzadas associadas à variável PSI-20 mostram a não significância estatística conjunta das mesmas. Com efeito, somente o impacto sobre o CAR[1,4] parece ser influenciado pela dimensão/liquidez da empresa e mesmo esse desaparece quando se estandardizam os retor- nos anormais - ver Tabela 9. Significa isto que o impacto das recomendações de investimento nas cotações parece não ser influenciado pela dimensão/liquidez da empresa visada pelo rela- tório de research.
Já o modelo M2 tem por intuito avaliar a pre- sença de um efeito cross-seccional associado ao sector/indústria da empresa analisada sobre as rendibilidades anormais. Foram considerados três grupos de empresas: sector financeiro (BANCA) sector de infraestruturas e telecomu- nicações e um terceiro grupo que inclui as demais empresas. Os testes de signifi- cância conjunta indicam que a influência das recomendações de investimento sobre os CAR [1;3] e CAR[1;4] parece ser homogénea entre os vários grupos de empresas – ver Tabela 9. Quanto ao CAR[0;2], os resultados diferem no caso de se proceder à estandardização da variá- vel dependente. Assim, no caso de se usar o SCAR[0;2], os resultados apontam para um efeito sectorial na influência das recomen- dações de investimento sobre as cotações (esse efeito sectorial está associado ao menor
impacto das recomendações de compra que in- cidiram sobre o sector financeiro – resultados não reportados).
A combinação dos efeitos sectoriais e de di- mensão/liquidez sobre as cotações bolsistas é efetuada no modelo M3. Uma vez mais, os re- sultados obtidos dependem da realização ou não da estandardização das variações anormais acu- muladas. Ao estandardizar as variáveis depen- dentes, os resultados sugerem que o sector/ indústria da empresa objeto de análise poderá influenciar o impacto das recomendações emiti- das sobre os CAR[0;2] e CAR [1;3]1, e a di- mensão/liquidez poderá influenciar o impacto das recomendações emitidas sobre o CAR[1;4]2
– ver Tabela 9.
Por fim, analisa-se a possível existência de efei- tos cross-seccionais ao nível dos diferentes títu- los objeto de recomendação. Os parâmetros e são associados a variáveis binárias que assu- mem o valor 1 para o título j e o valor 0 para os demais títulos. Sobre esse modelo realizou-se um teste de significância conjunta para aferir se as características individuais de cada empresa influenciavam o impacto das recomendações de investimento nas cotações, tendo resultado que as características individuais das diferentes em- presas não parecem influenciar o impacto das recomendações de investimento nas cotações.3
5.2.3 Os intermediários financeiros e o efeito das recomendações de investimento
Alguns analistas financeiros apresentam maior notoriedade, reputação e um historial de sucessos ou insucessos diferente dos demais analistas financeiros, atraindo maior número de
1- O impacto das recomendações de Comprar sobre títulos do sector financeiro é, em média, superior ao dos títulos dos demais sectores; o impacto das recomendações de Vender é mais negativo nos títulos de outros sectores, que não empresas financeiras e de infraestruturas e Telecom (resultados não reportados).
2- Recomendações de Vender têm impacto mais negativo entre as empresas de menor dimensão/liquidez.
3- Sem prejuízo de os coeficientes cruzados associados às características das empresas serem significativos para CAR[0;2], este resultado não se mantém para SCAR[0;2].
75 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 75
seguidores. Nesse sentido, pode colocar-se a hipótese de que as recomendações de investi- mento emanadas pelos analistas financeiros/ intermediários financeiros mais conceituados se traduzirem numa maior magnitude do impac- to das recomendações de investimento nas cotações.
Para averiguar esse efeito, testou-se o modelo:
em que os parâmetros e estão associados a variáveis binárias que assumem o valor 1 para as recomendações de investimento do interme- diário financeiro (Modelo M5) ou do analista financeiro (Modelo M6) q e o valor 0 para os demais intermediários financeiros ou analistas financeiros.
Os resultados reportados na Tabela 10 sugerem que o efeito das recomendações de investimen- to sobre os SCAR[0;2], SCAR[1;3] e SCAR [1;4] não são homogéneos entre os diversos intermediários financeiros. Com efeito, a infe- rência estatística parece rejeitar a hipótese de que o efeito das recomendações emitidas sobre as cotações não difere entre diferentes interme- diários financeiros. Quanto aos analistas finan- ceiros (Modelo M6), a hipótese de um impacto homogéneo das recomendações de investimento apenas é rejeitada pelos dados quando se inclui a data de divulgação do relatório de research na janela de evento.
Afigura-se ainda pertinente o confronto do efei- to das recomendações de investimento emana- das por intermediários financeiros nacionais e por estrangeiros. Constata-se que as recomen- dações de Comprar emitidas pelos intermediá-
rios financeiros nacionais têm associados retor- nos anormais acumulados em [0;2] inferiores aos dos estrangeiros. Significa isto que o efeito (positivo) das recomendações de Comprar emi- tidas pelos intermediários financeiros estrangei- ros é estatisticamente superior ao dos nacionais. Simultaneamente, a evidência empírica aponta para um efeito negativo superior das recomen- dações de Vender nos CAR[1,4] para os inter- mediários financeiros nacionais (Tabela 11).
5.2.4 O nível de cobertura dos títulos e o efeito das recomendações de investimento
O nível de cobertura dos títulos por diferentes analistas/intermediários financeiros também poderá influenciar a reação dos mercados aquando da divulgação de recomendações de investimento. Relatórios sobre títulos menos expostos à cobertura de analistas financeiros poderiam, em tese, desencadear maiores movi- mentos dos preços porquanto a informação adi- cional disponibilizada em cada novo relatório emitido deverá decrescer com o número de in- termediários a acompanhar o título (ou seja, o efeito marginal resultante da emissão de cada novo relatório nas cotações seria decrescente).
Considere-se o seguinte modelo econométrico:
em que,
e assumem por defeito o valor 0, e assumem o valor 1 se o emitente for alvo de cobertura por 5 ou menos intermediários finan- ceiros;
e assumem por defeito o valor 0, e assumem o valor 1 se o emitente for alvo de
76 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
cobertura por parte de um número de interme- diários financeiros compreendido entre 5 e 10; e assumem por defeito o valor 0, e assumem o valor 1 se o emitente for alvo de cobertura por parte de um número de interme- diários financeiros compreendido entre 10 e 15; e assumem por defeito o valor 0, e assumem o valor 1 se o emitente for alvo de cobertura por 16 ou mais intermediários finan- ceiros;
De seguida testou-se a seguinte hipótese estatís- tica para averiguar a significância conjunta dos coeficientes e :
Os testes de significância conjunta aos coefici- entes e infirmam a hipótese de que os efei- tos das recomendações de investimento variam conforme o nível de acompanhamento por parte dos analistas financeiros – ver Tabela 12.
5.2.5 A reação dos mercados à divulgação das recomendações de investimento é invariante ao track record histórico do intermediário financeiro?
Nesta subsecção averigua-se se o track record do intermediário financeiro influencia a reação dos mercados à divulgação das recomendações de investimento. Segundo Park e Stice (2000), os intermediários financeiros com melhores reputações e/ou melhores desempenhos na ati- vidade de research recebem maior atenção por parte dos investidores que as demais casas de investimento, estando-lhes associados maiores movimentos dos preços aquando da divulgação de recomendações de investimento.
Para aferir desta hipótese, calculou-se o desvio médio percentual dos preços-alvo face aos pre-
ços verificados por intermediário financeiroe definiu-se esta variável como proxy para o de- sempenho dos analistas/intermediários financei- ros. De seguida, agruparam-se os vários inter- mediários financeiros consoante o quartil da variável atrás calculada. Para os intermediários financeiros agrupados no 1º e no 4º quartil esti- mou-se o modelo:
em que a variável Precisão assume o valor 0 para os intermediários financeiros do 4º quartil e o valor 1 para os do 1º quartil (os intermediá- rios financeiros com menores desvios médios percentuais dos preços-alvo face aos preços verificados findo o horizonte temporal). A Ta- bela 13 mostra alguma evidência de que as re- comendações de venda têm um impacto negati- vo superior no SCAR[0;2] para os analistas do 1º quartil, o que indicia que essas recomenda- ções têm um efeito superior nos intermediários financeiros que exibem menores desvios de pre- visão (ver Tabela 13).
5.2.6 A divulgação dos EPS e o impacto das recomendações de investimento
Como foi referido atrás, são vários os académi- cos que apresentam evidência consistente com o impacto das revisões de previsão de resulta- dos nas cotações.4 Pretende-se averiguar nesta subsecção se a divulgação dos EPS acrescenta valor informacional às recomendações de inves- timento, à semelhança do que havia sido efetua- do para os preços-alvo. Para o efeito, estimou- se o seguinte modelo:
A estimação desta equação para os EPS de 2010 e de 2011 resulta numa redução
4- Por exemplo, Xxxxx-Xxxxxx e Xxxxxxxx (1982), Lys e Sohn (1990) e Xxxxxxx (1991).
77 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 77
significativa de observações da amostra usada porquanto alguns intermediários financeiros não divulgam estimativas de resultados. Os resultados da estimação podem ser consulta- dos na Tabela 14, e permitem verificar que os coeficientes associados à variável
não são estatisti- camente diferentes de 0. Por conseguinte, a divulgação dos EPS não parece acrescentar valor informativo para além do veiculado nas recomendações de investimento.
6. Conclusões
Neste documento examinam-se os possíveis efeitos da divulgação do conteúdo informacio- nal dos relatórios de análise financeira nas cota- ções dos títulos listados na Euronext Lisbon. Dada a dimensão da amostra utilizada (1816 observações), trata-se de um exercício singular para o mercado português.
Desde logo, uma análise mais descritiva a essa base de dados revela o otimismo dos analistas financeiros na emissão de recomendações de investimento. Cerca de 55,2% das recomenda- ções emitidas aconselham a compra do valor mobiliário alvo de cobertura, em contraste com os 15,9% que advogam a sua venda.
Em segundo lugar, a partir da metodologia de estudo de eventos analisam-se os efeitos imedi- atos das recomendações de investimento nas cotações dos títulos. Os resultados indiciam que os investidores atribuem maior relevância às recomendações desfavoráveis que às favorá- veis; o mercado parece reagir às recomendações de sinal desfavorável com uma intensidade su- perior às recomendações favoráveis. É certo que as recomendações de Comprar têm associa- dos retornos anormais acumulados positivos,
todavia estes são estatisticamente e/ou econo- micamente pouco significativos. Já as recomen- dações de Vender têm associados retornos anor- mais acumulados negativos e estatisticamente significativos. Na janela temporal que compre- ende a sessão de negociação em que foi divul- gada a recomendações de Vender e nas duas seguintes, os títulos apresentam um desempe- nho anormal médio de -0,92%. A evidência também parece confirmar que o efeito dos Downgrades nas cotações é, em média, negati- vo e relevante em termos estatísticos, em con- traste com os Upgrades cuja influência nas co- tações parece ser residual.
Em terceiro lugar, a análise efetuada permite concluir que a emissão de preços-alvo e a divul- gação de estimativas para os resultados econó- micos das empresas nos relatórios de análise financeira não acrescentam valor informacional aos mercados relativamente àquele que provém das recomendações de investimento. Dito de outro modo, o sinal dado pelos analistas finan- ceiros quando emitem um preço-alvo ou esti- mativas de EPS parece ser redundante quando se analisa o seu impacto em conjunto com o das recomendações de investimento.
Numa outra vertente, averigua-se se o impacto da emissão de recomendações de investimento é influenciado por fatores específicos associa- dos ao título visado pelo research. Conclui-se pela existência de alguns indícios (modestos, mas estatisticamente significativos) de que o sector e a dimensão das empresas visadas pelos relatórios de research podem influenciar o efei- to das recomendações de investimento nas cota- ções de mercado. O efeito das recomendações de investimento sobre os retornos anormais acumulados também não é homogéneo entre os diferentes intermediários financeiros e analistas
78 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
financeiros. Ademais, constata-se que o impac- to das recomendações de Comprar é superior quando estas são emitidas por intermediários financeiros estrangeiros, enquanto que as de Vender têm maior efeito quando emitidas por intermediários financeiros nacionais. Por outro lado, detetou-se, também, alguma evidência de que as recomendações de venda têm associado um impacto negativo superior quando emitidas
pelos intermediários financeiros que exibem menores desvios de previsão.
Finalmente é examinada a hipótese de os relató- rios que têm por objeto títulos menos expostos à cobertura de analistas financeiros desencadea- rem maiores movimentos dos preços. A evidên- cia empírica recolhida aponta para a rejeição dessa hipótese.
79 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 79
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80 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
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81 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 81
Tabelas
Tabela 1 – Distribuição das recomendações emitidas pelos analistas financeiros
segundo a sua tipologia
Recomendação | % de casos |
Vender | 15,9% |
Manter | 29,0% |
Comprar | 55,2% |
Tabela 2 – Distribuição do potencial de valorização associado aos preços-alvo divulgados
Percentil | Potencial de Valorização |
5 | -9,9% |
10 | -4,3% |
15 | 0,0% |
20 | 2,9% |
25 | 5,9% |
30 | 7,9% |
35 | 9,6% |
40 | 11,5% |
45 | 13,6% |
50 | 15,7% |
55 | 18,9% |
60 | 21,5% |
65 | 24,2% |
70 | 27,3% |
75 | 31,0% |
80 | 35,4% |
85 | 40,9% |
90 | 50,2% |
95 | 64,1% |
82 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Tabelas
Tabela 3 – Impacto imediato das recomendações emitidas pelos analistas financeiros
CAR [-4;-1] | CAR [0;2] | CAR [1;3] | CAR [1;4] | |||
Comprar | Média | 0,26% | 0,30% | 0,15% | 0,14% | |
t-stat | Standard | 2,49 ** | 3,36 *** | 1,62 | 1,36 | |
Boehmer | 2,54 ** | 3,22 *** | 1,93 * | 1,24 | ||
Pattel | 3,02 *** | 3,46 *** | 1,78 * | 1,33 | ||
Manter | Média | 0,14% | -0,35% | -0,35% | -0,37% | |
t-stat | Standard | 1,01 | -2,92 *** | -2,89 *** | -2,62 *** | |
Boehmer | 1,13 | -4,17 *** | -4,15 *** | -2,99 *** | ||
Pattel | 1,19 | -3,26 *** | -3,14 *** | -2,67 *** | ||
Vender | Média | 0,20% | -0,92% | -0,68% | -0,70% | |
t-stat | Standard | 0,94 | -4,89 *** | -3,63 *** | -3,22 *** | |
Boehmer | 1,15 | -7,95 *** | -7,86 *** | -4,97 *** | ||
Pattel | 0,15 | -5,15 *** | -3,72 *** | -2,56 ** |
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente
Tabela 4 – Impacto imediato da alteração do sentido das recomendações
emitidas pelos analistas financeiros
CAR [-4;-1] | CAR [0;2] | CAR [1;3] | CAR [1;4] | |||
Upgrade | Média | 0,08% | 0,16% | -0,03% | -0,05% | |
t-stat | Standard | 0,37 | 0,81 | -0,18 | -0,21 | |
Boehmer | 0,82 | 1,69 * | -0,46 | -0,42 | ||
Pattel | 1,21 | 1,03 | 0,01 | 0,04 | ||
Manutenção | Média | 0,14% | -0,13% | -0,17% | -0,18% | |
t-stat | Standard | 1,48 | -1,52 | -2,07 ** | -1,83 * | |
Boehmer | 1,14 | -1,49 | -2,03 ** | -1,43 | ||
Pattel | 1,33 | -1,11 | -1,62 | -1,61 | ||
Downgrade | Média | 0,83% | -0,56% | -0,51% | -0,55% | |
t-stat | Standard | 3,69 *** | -2,86 *** | -2,61 *** | -2,44 ** | |
Boehmer | 4,66 *** | -4,84 *** | -5,87 *** | -3,93 *** | ||
Pattel | 3,48 *** | -3,18 *** | -2,61 *** | -1,90 * |
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente.
83 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 83
Tabelas
Tabela 5 – Impacto das recomendações de investimento e alteração do seu sentido
Painel A | CAR [-4;-1] | CAR [0;2] | CAR [1;3] | CAR [1;4] | ||
Upgrade | Média | -0,08% | 0,16% | 0,07% | 0,12% | |
t-stat | Standard | -0,31 | 0,70 | 0,30 | 0,45 | |
Boehmer | -0,87 | 2,27 ** | 1,03 | 1,18 | ||
Compra | Pattel | 0,47 | 0,97 | 0,50 | 0,82 | |
Manutenção | Média | 0,29% | 0,14% | -0,03% | -0,05% | |
t-stat | Standard | 2,47 ** | 1,34 | -0,32 | -0,43 | |
Boehmer | 3,26 *** | 1,56 | -0,46 | -0,45 | ||
Pattel | 2,54 ** | 1,83 * | 0,15 | -0,37 | ||
Downgrade | Média | 1,16% | -0,30% | -0,25% | -0,64% | |
t-stat | Standard | 2,68 *** | -0,78 | -0,67 | -1,47 | |
Boehmer | 4,19 *** | -3,24 *** | -2,76 *** | -4,12 *** | ||
Venda | Pattel | 2,09 ** | -0,60 | -0,36 | -0,85 | |
Manutenção | Média | -0,02% | -0,99% | -0,71% | -0,45% | |
t-stat | Standard | -0,08 | -4,09 *** | -2,94 *** | -1,59 | |
Boehmer | -0,17 | -9,31 *** | -8,97 *** | -3,59 *** | ||
Pattel | -0,53 | -4,45 *** | -3,10 *** | -1,37 | ||
Upgrade | Média | 0,57% | 0,16% | -0,34% | -0,54% | |
t-stat | Standard | 1,27 | 0,41 | -0,87 | -1,20 | |
Boehmer | 3,36 *** | 1,91 * | -3,36 *** | -3,95 *** | ||
Pattel | 1,60 | 0,38 | -0,83 | -1,33 | ||
Manutenção | Média | -0,17% | -0,29% | -0,20% | -0,34% | |
Manter | t-stat | Standard | -0,85 | -1,69 * | -1,18 | -1,74 * |
Boehmer | -1,49 | -3,39 *** | -2,36 ** | -2,93 *** | ||
Pattel | -1,00 | -1,78 * | -1,14 | -1,67 * | ||
Downgrade | Média | 0,67% | -0,69% | -0,63% | -0,51% | |
t-stat | Standard | 2,58 *** | -3,05 *** | -2,82 *** | -1,95 * | |
Boehmer | 4,73 *** | -8,61 *** | -8,95 *** | -5,21 *** | ||
Pattel | 2,78 *** | -3,46 *** | -2,93 *** | -1,72 * |
Painel B | CAR [-4;-1] | CAR [0;2] | CAR [1;3] | CAR [1;4] | |||
Média | -0,37% | 0,02% | 0,10% | 0,17% | |||
Compra | Upgrade vs. Manutenção | t-stat | Standard | -1,30 | 0,08 | 0,40 | 0,59 |
Bohemer | -2,91 *** | 0,18 | 1,03 | 1,12 | |||
Pattel | -0,68 | 0,08 | 0,39 | 0,90 | |||
Downgrade vs. Manuten- ção | Média | 1,18% | 0,70% | 0,46% | -0,19% | ||
Venda | t-stat | Standard | 2,29 ** | 1,56 | 1,03 | -0,37 | |
Bohemer | 3,84 *** | 4,98 *** | 3,82 *** | -0,96 | |||
Pattel | 2,01 ** | 2,08 ** | 1,49 | 0,09 | |||
Média | 0,74% | 0,45% | -0,14% | -0,20% | |||
Upgrade vs. Manutenção | t-stat | Standard | 1,50 | 1,05 | -0,33 | -0,41 | |
Bohemer | 3,62 *** | 3,75 *** | -1,05 | -1,12 | |||
Pattel | 1,87 * | 1,10 | -0,27 | -0,50 | |||
Downgrade vs. Manuten- ção | Média | 0,84% | -0,40% | -0,43% | -0,17% | ||
Manter | t-stat | Standard | 2,57 ** | -1,42 | -1,54 | -0,52 | |
Bohemer | 4,64 *** | -3,45 *** | -3,94 *** | -1,11 | |||
Pattel | 2,79 *** | -1,54 | -1,54 | -0,27 | |||
Média | -0,10% | 0,85% | 0,30% | -0,03% | |||
Upgrade vs. Downgrade | t-stat | Standard | -0,19 | 1,88 * | 0,66 | -0,06 | |
Bohemer | -0,45 | 7,31 *** | 2,41 ** | -0,19 | |||
Pattel | 0,02 | 2,04 ** | 0,72 | -0,31 |
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente.
84 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Tabelas
Tabela 6 – O posicionamento das recomendações face ao consensus dos demais analistas financeiros e o seu efeito nas cotações
Painel A | CAR [-4;-1] | CAR [0;2] | CAR [1;3] | CAR [1;4] | ||
Média | 0,08% | 0,16% | 0,03% | 0,11% | ||
Acima do Consensus | t-stat | Standard | 0,53 | 1,22 | 0,25 | 0,72 |
Boehmer | 0,77 | 1,67 * | 0,42 | 0,94 | ||
Pattel | 0,99 | 1,57 | 0,48 | 0,62 | ||
Média | 0,00% | 0,25% | 0,48% | 0,15% | ||
Igual ao Consensus | t-stat | Standard | 0,00 | 0,80 | 1,53 | 0,42 |
Boehmer | 0,00 | 2,94 *** | 5,65 *** | 1,24 | ||
Pattel | 0,22 | 0,91 | 1,79 * | 0,21 | ||
Média | 0,22% | -0,47% | -0,46% | -0,41% | ||
Abaixo do Consensus | t-stat | Standard | 1,22 | -3,01 *** | -3,01 *** | -2,32 ** |
Boehmer | 1,23 | -4,04 *** | -5,36 *** | -2,96 *** | ||
Pattel | 1,33 | -3,65 *** | -3,59 *** | -2,38 ** |
Painel B | CAR [-4;-1] | CAR [0;2] | CAR [1;3] | CAR [1;4] | ||
Média | -0,14% | 0,62% | 0,50% | 0,52% | ||
Acima vs. Abaixo do Consensus | t-stat | Standard | -0,60 | 3,09 *** | 2,47 ** | 2,25 ** |
Boehmer | -0,68 | 4,19 *** | 4,32 *** | 2,89 *** | ||
Pattel | -0,38 | 3,81 *** | 3,06 *** | 2,22 ** |
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente.
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 85
Tabela 7 – Influência da emissão de preços-alvo nas cotações dos títulos
Painel A CAR[0;2] CAR[1;3] CAR[1;4] | SCA | R[0;2] | SCAR[1;3] | SCAR[1;4] | ||||||||
B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | |
c | ||||||||||||
-0,003 | -2,668*** | -0,004 | -3,913*** | -0,004 | -3,410*** | -0,075 | -1,900* | -0,111 | -2,992*** | -0,084 | -2,24** | |
Potencial Val. | ||||||||||||
0,008 | 2,244** | 0,008 | 2,418** | 0,007 | 1,919* | 0,202 | 1,532 | 0,218 | 1,758* | 0,111 | 0,889 | |
Variação | ||||||||||||
dos PT | -0,001 | -0,460 | 0,000 | 0,140 | 0,000 | -0,123 | 0,022 | 0,256 | 0,038 | 0,476 | 0,025 | 0,311 |
Tabelas
N. obs. =1394
Painel B CAR[0;2] CAR[1;3] CAR[1;4] | SCA | R[0;2] | SCAR[1;3] | SCAR[1;4] | ||||||||
B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | |
c | -0,001 | -0,439 | -0,002 | -1,165 | -0,002 | -0,994 | -0,017 | -0,258 | -0,066 | -0,050 | -0,050 | -0,766 |
Potencial Val. | -0,006 | -0,783 | 0,000 | -0,036 | 0,001 | 0,093 | -0,267 | -0,868 | -0,038 | -0,031 | -0,031 | -0,103 |
Variação dos PT | -0,001 | -0,320 | -0,001 | -0,336 | -0,001 | -0,291 | -0,027 | -0,192 | -0,037 | -0,010 | -0,010 | -0,074 |
Dif. % face ao Consensus | 0,017 | 1,805* | 0,013 | 1,365 | 0,015 | 1,368 | 0,775 | 1,950* | 0,567 | 0,441 | 0,441 | 1,129 |
85 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
N=634
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente.
Tabela 8 – Influência da emissão de preços-alvo nas cotações dos títulos
Painel A car[0;2] | car[1;3] | car[1;4] | SCAR[ | 0;2] | SCAR[1;3] | SCAR[1;4] | |||||
B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat |
Intercept 0,002 | 1,475 | -0,001 | -0,688 | -0,001 | -0,628 | 0,135 -0,402 -0,264 -0,171 0,012 | 2,104** -3,811*** -3,446*** -1,047 0,145 | 0,000 -0,180 -0,152 0,038 0,031 | -0,004 -1,827* -2,118** 0,248 0,389 | - 0,013 - 0,084 - 0,121 0,007 0,022 | -0,219 -0,843 -1,662* 0,048 0,272 |
Vender -0,010 | -3,667*** | -0,005 | -1,816* | -0,004 | -1,322 | ||||||
Manter -0,006 | -2,954*** | -0,003 | -1,748* | -0,004 | -1,696* | ||||||
Potencial Val. -0,002 | -0,577 | 0,003 | 0,789 | 0,002 | 0,532 | ||||||
Variação -0,001 | -0,522 | 0,000 | 0,049 | 0,000 | -0,194 | ||||||
dos PT |
N. obs. =1389
Painel B
86 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
CAR[0;2] CAR [1;3] CAR [1;4] SCAR[0;2] SCAR[1;3] SCAR[1;4]
Tabelas
B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat |
Const. 0,003 | 1,554 | -0,001 | -0,832 | -0,002 | -0,823 | 0,156 | 2,219** | -0,004 | -0,056 | -0,028 | -0,415 |
Vender -0,010 | -3,603*** | -0,004 | -1,592 | -0,003 | -1,037 | -0,412 | -3,744*** | -0,171 | -1,659* | -0,062 | -0,591 |
Manter -0,007 | -2,667*** | -0,002 | -0,669 | -0,001 | -0,494 | -0,331 | -3,275*** | -0,125 | -1,317 | -0,066 | -0,691 |
Potencial Val. -0,004 | -0,743 | 0,004 | 0,926 | 0,004 | 0,768 | -0,238 | -1,273 | 0,047 | 0,269 | 0,053 | 0,300 |
Variação dos PT -0,003 | -0,715 | 0,002 | 0,429 | 0,000 | 0,020 | 0,004 | 0,027 | 0,100 | 0,656 | 0,070 | 0,455 |
Vender * -0,001 | -0,038 | 0,007 | 0,503 | 0,008 | 0,530 | 0,054 | 0,093 | 0,279 | 0,512 | 0,189 | 0,344 |
Manter* 0,008 | 0,675 | -0,013 | -1,121 | -0,017 | -1,352 | 0,500 | 1,059 | -0,231 | -0,523 | -0,422 | -0,944 |
Vender * 0,006 | 0,670 | -0,008 | -0,987 | -0,006 | -0,592 | 0,248 | 0,723 | -0,226 | -0,706 | -0,106 | -0,328 |
Manter * 0,002 | 0,371 | -0,001 | -0,198 | 0,001 | 0,100 | -0,035 | -0,179 | -0,068 | -0,374 | -0,046 | -0,248 |
Potencial Val.
Potencial Val.
Variação dos PT
Variação dos PT N. obs. =1389
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente.
87 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 87
Tabelas
Tabela 9 – As características das empresas e o impacto das recomendações de investimento
F-stat | |||||||
Hipótese em estudo: | car[0;2] | car[1;3] | car[1;4] | scar[0;2] | scar[1;3] | scar[1;4] | |
M1 | 0,273 | 1,030 | 3,015** | 0,285 | 0,514 | 1,038 | |
M2 | 1,553 | 0,884 | 0,406 | 2,202** | 1,452 | 0,715 | |
M3 | 2,318* | 1,999 | 4,086*** | 2,802** | 1,875* | 1,325 | |
2,578** | 1,369 | 0,944 | 1,482 | 1,360 | 2,256* | ||
M4 | 1,288** | 0,842 | 0,828 | 1,110 | 0,821 | 0,783 |
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente.
Tabela 10 – Intermediários / analistas financeiros e o impacto das recomendações
F-stat | ||||||
car[0;2] | car[1;3] | car[1;4] | scar[0;2] | scar[1;3] | scar[1;4] | |
M5 | 1,288** | 0,842 | 0,828 | 1,391*** | 1,551*** | 1,259* |
M6 | 1,176** | 1,024 | 0,994 | 4,663*** | 0,886 | 0,645 |
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente.
Tabela 11 – Intermediários nacionais vs. Estrangeiros e o impacto das recomendações
car[0;2] | car[1;3] | car[1;4] | scar[0;2] | scar[1;3] | scar[1;4] | |||||||
B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | |
Intercept 0,007 | 4,491*** | 0,003 | 2,197** | 0,002 | 1,069 | 0,246 | 4,415*** | 0,118 | 2,208** | 0,048 | 0,890 | |
Vender -0,017 | -6,385*** | -0,008 | -3,422*** | -0,005 | -1,899* | -0,639 | -6,440*** | -0,331 | -3,491*** | -0,153 | -1,606 | |
Manter -0,010 | -4,349*** | -0,006 | -2,741*** | -0,004 | -1,865* | -0,368 | -4,330*** | -0,231 | -2,850*** | -0,137 | -1,673* | |
Vender * | ||||||||||||
IF Nacional 0,003 | 0,890 | -0,004 | -1,208 | -0,009 | -2,318** | 0,267 | 1,861* | -0,022 | -0,160 | -0,144 | -1,040 | |
Manter * IF | ||||||||||||
Nacional -0,001 Comprar * | -0,323 | -0,002 | -0,765 | -0,002 | -0,870 | -0,053 | -0,526 | -0,060 | -0,622 | -0,069 | -0,703 | |
IF Nacional -0,006 | -3,234*** | -0,003 | -1,493 | -0,002 | -0,754 | -0,234 | -3,201*** | -0,105 | -1,499 | -0,042 | -0,599 |
88 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente.
Tabela 12 – A cobertura dos intermediários financeiros e o impacto das recomendações
Tabelas
F-stat
car[0;2] car[1;3] car[1;4] scar[0;2] scar[1;3] scar[1;4]
M7 0,650 0,364 0,474 0,809 0,315 0,260
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente.
89 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Tabela 13 – A precisão dos preços-alvo dos intermediários financeiros e o impacto das recomendações
O Conteúdo Informativo dos Relatórios de Análise Financeira...: 89
Tabelas
car[0;2] car[1;3] car[1;4] SCAR[0;2] SCAR[1;3] SCAR[1;4]
B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat |
Intercept 0,004 | 2,410** | 0,002 | 1,154 | 0,001 | 0,652 | 0,136 | 2,235** | 0,053 | 0,893 | 0,024 | 0,402 |
Vender -0,010 | -2,537** | -0,010 | -2,677*** | -0,010 | -2,208** | -0,291 | -1,979** | -0,308 | - 2,123 | -0,155 | -1,056 |
** | |||||||||||
Manter -0,008 | -2,759*** | -0,004 | -1,443 | -0,003 | -0,837 | -0,257 | -2,389** | -0,106 | -0,998 | -0,037 | -0,343 |
Vender * -0,008 | -1,422 | 0,001 | 0,136 | 0,005 | 0,800 | -0,429 | -2,062** | -0,025 | -0,124 | 0,041 | 0,200 |
Manter * -0,001 | -0,205 | -0,003 | -0,623 | -0,001 | -0,236 | -0,181 | -0,999 | -0,206 | -1,154 | -0,125 | -0,694 |
Comprar * 0,007 | 1,696* | 0,003 | 0,865 | 0,002 | 0,449 | 0,210 | 1,344 | 0,128 | 0,834 | 0,029 | 0,186 |
Precisão Precisão
Precisão
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente.
90 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
Tabelas
Tabela 14 – A divulgação das previsões de EPS e o impacto das recomendações
Painel A car[0;2] | car[1;3] | car[1;4] | SCAR[0;2] | SCAR[1;3] | SCAR[1;4] | |||||||
B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | |
Intercept | 0,001 | 0,708 | 0,000 | -0,058 | -0,001 | -0,478 | 0,045 | 0,653 | 0,011 | 0,151 | -0,039 | -0,549 |
Vender | -0,013 | -3,359*** | -0,005 | -1,354 | 0,001 | 0,129 | -0,540 | -3,189*** | -0,243 | -1,390 | 0,090 | 0,514 |
Manter | -0,005 | -1,967** | -0,004 | -1,513 | -0,003 | -0,849 | -0,231 | -1,965** | -0,209 | -1,726* | -0,086 | -0,712 |
Dif. % do EPS 2011face ao Consensus | 0,000 | -0,491 | 0,000 | 0,012 | 0,000 | 0,197 | -0,011 | -0,533 | 0,001 | 0,042 | 0,004 | 0,191 |
N.º Obs.=510
Painel B car[0;2] | car[1;3] | car[1;4] | SCAR[0;2] | SCAR[1;3] | SCAR[1;4] | |||||||
B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | |
Intercept | 0,002 | 1,281 | 0,000 | 0,035 | -0,001 | -0,507 | 0,075 | 1,095 | 0,012 | 0,180 | -0,043 | -0,612 |
Vender | -0,010 | -2,774*** | -0,001 | -0,329 | 0,005 | 1,157 | -0,437 | -2,540** | -0,075 | -0,431 | 0,239 | 1,360 |
Manter | -0,005 | -1,945* | -0,004 | -1,526 | -0,002 | -0,511 | -0,249 | -2,048** | -0,219 | -1,789* | -0,073 | -0,589 |
Dif. % do EPS 2010 face ao Consensus | 0,000 | -0,310 | 0,000 | 0,158 | 0,000 | 0,309 | -0,004 | -0,327 | 0,003 | 0,212 | 0,005 | 0,358 |
N.º Obs.=480
Painel C car[0;2] | car[1;3] | car[1;4] | SCAR[0;2] | SCAR[1;3] | SCAR[1;4] | |||||||
B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | B | t-stat | |
Intercept | 0,001 | 0,879 | 0,000 | -0,049 | -0,001 | -0,536 | 0,049 | 0,696 | 0,005 | 0,063 | -0,050 | -0,689 |
Vender | -0,012 | -3,190*** | -0,002 | -0,511 | 0,005 | 1,013 | -0,520 | -2,957*** | -0,112 | -0,625 | 0,222 | 1,224 |
Manter | -0,005 | -1,682* | -0,004 | -1,412 | -0,001 | -0,406 | -0,220 | -1,788* | -0,207 | - 1,652* | -0,058 | -0,459 |
Dif. % do EPS 2010 face ao Consen- sus | 0,002 | 1,542 | 0,001 | 0,753 | 0,002 | 1,059 | 0,097 | 1,312 | 0,056 | 0,740 | 0,077 | 1,010 |
Dif. % do EPS 2011 face ao Consensus | -0,004 | -1,623 | -0,002 | -0,734 | -0,003 | -1,018 | -0,162 | -1,392 | -0,084 | -0,711 | -0,115 | -0,959 |
N.º Obs.=464
(***), (**), (*) representa significância estatística a 1%,5% e 10% respetivamente.
91 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
92 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
41ª EDIÇÃO DOS CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
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