Contract
Existe alguma hesitação ao se tratar do contrato de transação, especialmente ao se deparar com os possíveis significados que este contrato pode acarretar. Isto se deve à dupla vertente que o contrato de transação possui: tanto um significado e uma faceta dedicada à possibilidade do seu emprego como um negócio jurídico processual como um significado e uma face voltada ao sentido técnico que, na verdade, advém do direito material. Esta dualidade implica que embora a transação seja um meio de resolução de litígios, o contrato de transação não perde a sua eminente característica contratual. Neste sentido, observa-se que tanto o Código Civil brasileiro como o Código Civil português consagram o contrato de transação apenas na parte dedicada aos contratos. Possui uma alargada importância nos diversos conflitos que emergem nos problemas do dia-a-dia, visto que pode abreviar a “luta pelo direito” e alcançar – por livre vontade das partes – a resolução do conflito. Toda esta complexa teia jurídica está delineada nos seus mais importantes aspectos neste artigo, orientado para uma análise de direito comparado e obediente à sua origem romanística. Palavras-chave: Contrato de transação; meios de resolução de litígios; negócio jurídico processual; justiça privada. | There is some hesitation when it is time to deal with the contract of transaction, especially when faced with the possible meanings that this contract can cause. This occur due to the double side of the contract of transaction: both a meaning and a facet dedicated to the possibility of its employment as a procedural agreement as a meaning and a face turned to the technical sense which, in fact, derives from material law. This duality implies that although the transaction is a mean of resolving disputes, the contract of transaction does not lose its eminent contractual characteristic. In this sense, it is observed that both the Brazilian Civil Code and the Portuguese Civil Code establish the contract of transaction only in the part dedicated to the contracts. It has a great importance in the various conflicts that emerge from day to day problems, since it can shorten the "fight for the right" and reach - by free will of the parts - the resolution of the conflict. All this complex juridical web is outlined in its most important aspects in this article, oriented towards an analysis of comparative law and obedient to its romanistic origin. Keywords: Contract of transaction; mean of resolving disputes; procedural agreement; private justice. |
O CONTRATO DE TRANSAÇÃO COMO NEGÓCIO
JURÍDICO PROCESSUAL: UMA ANÁLISE LUSO- BRASILEIRA
THE CONTRACT OF TRANSACTION AS A PROCEDURAL AGREEMENT – A PORTUGUESE-BRAZILIAN ANALYSIS
Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx* | Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx S. Xxxxxxx Xxxxxx **
* Mestre e Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal (FDUC).
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
** Graduada em Direito (FDUC). Mestranda em Ciências Jurídico-Processuais (FDUC).
Recebido em 1-9-2017 | Aprovado em 15-9-2017
O contrato de transação como negócio jurídico-processual: uma análise luso-brasileira
SUMÁRIO
NOTA INTRODUTÓRIA; 1 ORIGEM; 2 BREVE EXPLANAÇÃO DO CONTRATO DE TRANSAÇÃO NO ÂMBITO DO DIREITO SUBSTANTIVO; 3 A TRANSAÇÃO COMO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL;
3.1 Pressuposto e elementos essenciais; 3.2 Liberdade negocial no âmbito do processo;
3.3 Momento e forma; 3.4 A posição do juiz perante uma transação; 3.5 Capacidade; 3.6 Objeto e limites; 3.7 Efeitos; 3.8 Nulidades e anulabilidades; 3.9 Recurso e impugnação do contrato de
transação; 4 NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
◼ NOTA INTRODUTÓRIA
O termo transação é utilizado frequentemente com um sentido diverso do verdadeiro significado técnico. Mesmo entre juristas, o termo transação acaba por ser empregado como vocábulo para outros negócios, v. g., nos negócios comerciais1. Contudo, a utilização deste vocábulo de forma vulgar e generalizada nada tem a ver com o sentido do termo técnico do contrato de transação, pois, de forma muito sucinta, a transação consiste em um acordo celebrado entre as partes para a realização de um contrato que implicará em mútuas concessões para ambas as partes e com a finalidade de pôr termo ou de prevenir um conflito de interesses. E é justamente este o conteúdo estabelecido nos artigos 1248 do Código Civil português e 840 do Código Civil brasileiro.
O presente artigo destina-se ao tratamento do contrato de transação sob uma perspectiva processual, versando especialmente sobre as recentes alterações desta matéria no “novo” Código de Processo Civil português de 2013 e no “novo” Código de Processo Civil brasileiro de 2015.
A transação pode ser um importante mecanismo de autocomposição da lide. Na sua vertente processual é caracterizada como um negócio jurídico processual típico, pois limita-se ao objeto do processo. Quando é empregada como um meio de resolução de litígios constitui- se como um autêntico ato processual que extingue a lide, assim como a desistência do pedido e a confissão. Pode ainda ser realizada extrajudicialmente. Mesmo quando a transação é efetivada pela via extrajudicial não perde o seu principal efeito: a garantia de título executivo. Tudo isso sem descurar o seu significado original, oriundo do direito material.
1 ORIGEM
A transação tem a sua origem no direito romano, mais precisamente nos acordos internacionais de paz que Roma concluía com outros povos nas situações em que as
1 Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011 que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento das transações comerciais. Sobre as implicações desta Diretiva da União Europeia, ver, PIÇARRA, Nuno. O contributo da União Europeia para a disciplina jurídica dos prazos de pagamento nas transacções comerciais. A Directiva 2000/35/CE e a sua revisão. O Direito, n.º 4, p. 659-679, 2010.
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inimizades e os conflitos podiam ser resolvidos por um acordo transacional2. Já naquele tempo a transação ocupava lugar de destaque no comércio jurídico3. Quando Xxxxxxxxxx mandou compilar o seu Código, foram selecionadas as doutrinas mais relevantes e 42 rescritos imperiais os quais continham a disciplina jurídica sobre a transação4.
Desde esta época, a transação é vista como um contrato «pelo qual as partes convertiam em certo um direito incerto, prometendo, dando ou retendo reciprocamente qualquer coisa»5. Em seu desenvolvimento histórico, na época clássica do direito romano, a transação (transactio) era vista como um pactum no qual se podia juntar uma stipulatio, fazendo surgir uma obligatio, tutelada pela actio ex stipulatu. Durante a época pós-clássica, a transação foi convertida para contactus inominado tutelado pela actio praescriptis verbs6.
Em um primeiro momento, a transação era vista como um meio de extinguir e modificar as obrigações e por este mesmo motivo a transação no Código Civil brasileiro de 1916 era inserida na parte geral das obrigações. A transação não era vista como um negócio jurídico de natureza contratual, mas sim como um meio de extinção das relações obrigacionais7. Ao longo do tempo, passou a ser vista como um negócio jurídico de natureza contatual, tendo em conta que exige uma dupla manifestação de vontade8 dirigida à produção de certos efeitos jurídicos9. Porém, sempre permaneceu fiel a sua origem e a seu fio condutor.
No Código Civil brasileiro de 2002 a transação foi deslocada para a seção que regula os contratos em espécie. Por seu turno, no Código Civil português a transação está localizada na seção dos contratos em especial.
Desde a sua origem o contrato de transação tem o objetivo de prevenir um conflito de interesses ou pôr termo a um litígio processual mediante recíprocas concessões10, possuindo como limite apenas os direitos indisponíveis, as coisas fora do comércio jurídico e não sendo admitida depois de já se ter declarado uma sentença11.
Este contrato sempre alcançou grande relevância, pois desde há muito tempo a sabedoria dos povos afirma que as demandas judiciais arruínam os litigantes e, muitas vezes, subtraem a paz. Sendo que na maioria das vezes os esforços empregados pelo litigante
2 XXXXXXXXXX, Xxx Xxxxxx. Sobre la eficácia novatória de la transacción. In: XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx (Coord.). Estudios de Derecho Romano en Memória de Xxxxxx Xx Xxxxxxxx Xxxxx. Tomo I. Burgos: Universidad de Xxxxxx, 0000, p. 6.
3 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Transacção. Coimbra. Dactilografado, 1946, p. 1.
4 Idem, p. 2.
5 Ibidem.
6 XXXXXX XXXXX, Xxxxxxx xxx. Direito Privado Romano. Vol. II (Direito das Obrigações). 4ª ed. Coimbra: Editora Coimbra, 2011, p. 105.
7 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de Direito Civil. Vol. III (Contratos). 12ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 507; XXXXXX, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Vol. 2 - Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 5ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 31.
8 XXXXXXX, ob. cit., p. 507.
9 XXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx da. Teoria Geral do Direito Civil. 4ª ed. por Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxx Xxxxx. Coimbra: Coimbra editora, 2005, p. 99. Conforme Xxxx Xxxxx, a produção de efeitos jurídicos sejam, constitutivos, extintivos ou modificativos resulta principalmente de atos de vontade que são manifestações de intenção em coincidência com o teor da declaração dessa intenção e se designam negócios jurídicos.
10 XXXXXX XXXXX, ob. cit., p. 105.
11 Ibidem.
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vitorioso não são compensados pelos resultados obtidos. Por esta razão, antes um acordo modesto do que uma suntuosa sentença12.
2 BREVE EXPLANAÇÃO DO CONTRATO DE TRANSAÇÃO NO ÂMBITO DO DIREITO SUBSTANTIVO
Tradicionalmente aponta-se ao contrato de transação uma dupla face: a de negócio jurídico privado e a de negócio jurídico processual13. A transação está diretamente ligada ao direito de disponibilidade na esfera do direito privado, por isto, liga-se mais ao plano substantivo do que ao plano processual14. Diante desta constatação, será importante realizar uma breve exposição deste contrato no âmbito do direito material.
O conceito de contrato coincide com a noção de negócio jurídico bilateral, onde duas ou mais pessoas através das suas declarações de vontade, com conteúdos opostos, mas em sentido convergente, acordam na formação de um resultado jurídico unitário e na produção de certos efeitos jurídicos15. Para caracterizar o contrato existente como contrato de transação é necessário a existência de um conflito de interesses ou uma lide16 em que as partes decidem pôr termo mediante recíprocas concessões, conforme estabelece o art. 1248 do Código Civil português e o art. 840 do Código Civil brasileiro.
Com efeito, a transação pode ser classificada como um negócio jurídico de natureza contratual de cunho obrigacional ou real consoante as concessões efetuadas pelas partes, podendo modificar, extinguir ou constituir direitos de créditos como também direitos reais.
As concessões efetuadas entre as partes são limitadas aos direitos indisponíveis, dentre os quais as coisas que estejam fora do comércio, os negócios em contrariedade com a lei, as matérias de ordem pública, bem como o respeito aos bons costumes17.
O contrato de transação é um negócio jurídico formal, assim a forma deve estar em conformidade com a natureza da obrigação. Para as obrigações que a lei exige escritura pública ou documento particular autenticado a transação deve obedecer esta exigência. Por seu turno, nos contratos em que não seja exigido nenhum requisito formal, a transação adquirirá validade apenas mediante um escrito particular18. Por outro lado, para que o contrato de transação extrajudicial adquira um dos seus efeitos mais importantes (a garantia
12 Parafraseando CARAMUJO, ob. cit., p. 4.
13 XXXX XXXXXX, Xxxx. Transacção Judicial e Processo Civil. In: XXXXXXX, Xxxxx (Coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Xxxxxxx Xxxxxxx. Vol. III. Coimbra: Coimbra editora, 2010, p. 818.
14 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx; MITIDIERO, Xxxxxx. Curso de Processo Civil. Vol. 1 – (Teoria do Processo Civil). 2ª ed. e-book. São Paulo: XX, 0000, p. 571.
15 Por todos, XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx xx. Direito das Obrigações. 12ª ed. Coimbra: Almedina, 2009, p. 220. 16 VENOSA, ob. cit., p. 313. A lide pressupõe já a existência de um processo judicial em curso, enquanto o conflito de interesse pressupõe a possibilidade de vir a existir uma lide devido um conflito de interesse já existente.
17 CC português art. 1249 e CC brasileiro art. 841. Neste sentido tem se manifestado a generalidade da doutrina. Por todos, MENEZES LEITÃO, ob. cit., p. 524; XXXX, Xxxxxx. Código Civil Anotado. 19ª ed. Lisboa: Ediforum, 2016,
p. 1148. Na doutrina brasileira, XXXXXXX, ob. cit., p 508; XXXXXX, ob. cit., p. 317.
18 CC/pt, art. 1250 e CC/br, art. 842. Para maiores esclarecimentos, v. MENEZES LEITÃO, ob. cit., p. 525; PEREIRA,
ob. cit., p. 509; XXXXXX, ob. cit., p. 315-316.
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de título executivo19 extrajudicial), será necessária a devida autenticação com força pública. A seguir uma transação, as partes ficam desobrigadas da obrigação antiga, constituindo a transação em uma garantia de título executivo, caso um dos contraentes venha a descumprir a obrigação contratualizada.
A possuir como elemento essencial a existência de recíprocas concessões, não será lícito que o contrato de transação seja interpretado para além das vontades liberatórias as quais devem constar de forma precisa e clara no contrato (art 843 CC/br)20, visto que transigir envolve a renúncia de direitos21. Nesta medida é um contrato oneroso, pois envolve sacrifícios patrimoniais de ambas as partes22; sinalagmático23, pois as concessões entre as partes surgem conectadas por um nexo de correspectividade durante a sua constituição, permanecendo durante a execução do contrato24 e indivisível, pois caso uma das cláusulas contratuais seja declarada nula, tornar-se-á nulo todo o contrato de transação (art. 848 CC/br).
Vale ressaltar, que assim como os contratos em geral, a transação tem eficácia apenas entre as partes, não prejudicando, nem beneficiando aqueles que nela não intervém, mesmo quando a transação verse sobre coisa indivisível não irá extravasar seus efeitos para a esfera jurídica de terceiros, ainda que estes estejam ligados aos direitos do transator que foi objeto da transação.25
3 A TRANSAÇÃO COMO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL
Depois de realizada uma necessária e breve parte expositiva sobre o contrato de transação no âmbito do direito civil, passa-se agora para a análise da segunda faceta deste contrato, pois ainda que possua uma origem de natureza material também poderá ser utilizado no âmbito do direito adjetivo, sem, contudo, perder a sua natureza autenticamente contratual26.
Como foi dito supra, a própria noção do contrato de transação, pressupõe uma lide ou um conflito de interesses. Ao lado da confissão do pedido e da desistência do pedido, a transação constitui um verdadeiro negócio jurídico de direito privado, onde as partes se fazem
19 Títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que são munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou um novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador. Provando a constituição ou a existência da obrigação e do direito subjetivo correspondente, o titulo prova ainda, em princípio, até prova em contrário, a violação da obrigação, visto ser ao devedor que incumbe alegar e provar os fatos modificativos, extintivos ou impeditivos. XXXXXXX XXXXXX, Xxxx xx Xxxxx; XXXXXX XXXXXXX, Xxxx; XXXXXXX E XXXX, Xxxx. Manual de Processo Civil. 2ª ed. Coimbra: Coimbra editora, 2004, p. 77-78.
20 No mesmo sentido do Código, PEREIRA, ob. cit., p. 510; VENOSA, ob. cit., p. 322.
21 XXXXX XX XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXX XXXXXX, Xxxx xx Xxxxx. Código civil: anotado. Vol. 2. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 931.
22 XXXXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxx de. Direito das Obrigações. Vol III. 11ª ed. Coimbra: Almedina, 2016, p. 524.
23 XXXXX XX XXXX; XXXXXXX XXXXXX, ob. cit., p. 930.
24 MENEZES LEITÃO, ob. cit., p. 524.
25 XXXXXXX, ob. cit., p. 510.
26 Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx apud LOBO XXXXXX, ob. cit., p. 817.
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valer de um ato processual com a finalidade de pôr termo à instância27. Por esta razão Xxxxxxx Leitão classifica o contrato de transação como um contrato de justiça privada28, pois se trata de um ato processual onde ambas as partes, bilateralmente, podem, através de um acordo que envolve necessariamente concessões recíprocas, pôr termo à lide29.
Tanto o Código de Processo Civil português, quanto o Código de Processo Civil brasileiro se referem a este contrato como um negócio jurídico processual que tem por finalidade (principal) pôr termo a um litígio. O contrato de transação é uma das soluções de autocomposição dos litígios, elencadas por ambos os ordenamentos. Ao seu lado estão os institutos da confissão e da desistência do pedido (renúncia) pela parte autora da ação30. Nestes casos os litigantes dispõem da situação jurídica de direito material alegada em juízo determinando o conteúdo dos seus direitos e deveres, os quais a sentença homologatória virá a tutelar posteriormente, extinguindo a lide, conferindo-lhe força de caso julgado31.
3.1 Pressuposto e elementos essenciais
Contudo para se caracterizar um contrato de transação no âmbito do direito adjetivo, deve-se, em primeiro lugar, ter em conta a verificação de um pressuposto básico e a existência de dois elementos essenciais:
a) o conflito de interesses ou de uma lide já constituída, seja no âmbito de um processo judicial em curso ou apenas perante uma mera possibilidade de constituição de um processo, constitui o pressuposto básico do contrato. Por esta razão Xxxxxxx Xxxxxx classifica este contrato como um contrato de justiça privada32;
b) existência de concessões recíprocas empreendidas por ambas as partes, o que não significa que necessariamente sejam equivalentes, pois cada uma das partes fazem o seu próprio juízo de valor relativamente as concessões por elas realizadas. Constitui o montante que cada parte esta disposta a pagar pela vantagem que terá com a realização da transação33. Com a existência das recíprocas concessões encontramos o primeiro elemento essencial do referido contrato;
c) incerteza da garantia do cumprimento da obrigação ou do direito34 que possivelmente geraria a lide ou ainda nos casos de incerteza de uma decisão favorável do tribunal, tendo em conta as dificuldades com a prova ou ainda por dúvidas relativas a própria exegese das normas do direito substantivo35, e assim as partem decidem tornar certo o direito incerto36. A incerteza compõe aqui o segundo elemento essencial;
27 XXXXX XX XXXXXXX, Xxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Código de Processo Civil: Anotado. Vol 1: artigo 1º a 361º. 3ª ed. Coimbra: Coimbra editora, 2014, p. 560.
28 MENEZES LEITÃO, ob. cit., p. 523
29 XXXXX XX XXXXXXX; XXXXXXXXX, ob. cit., p. 560.
30 XXXXXXXXX, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Gen/Atlas, 2016, p. 144. 31 XXXXX XX XXXXXXX, Xxxx. Introdução ao Processo Civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo Código. 3ª ed. Coimbra: Coimbra editora, 2013, p. 45.
32 MENEZES LEITÃO, ob. cit., p. 523.
33 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 830
34 PRATO, Xxxxxx Xxx. La Transazione. Milano: Giuffrè Editore, 1992, p. 22-23.
35 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 829.
36 XXXXXXXX, ob. cit., p. 8.
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Classificamos o conflito de interesses como pressuposto básico do contrato de transação e a incerteza e as concessões recíprocas como elementos essenciais do contrato de transação. E a falta quer pressuposto quer dos elementos essenciais descaracteriza o contrato de transação.
Uma minoria da doutrina brasileira trata o contrato de transação no espectro processual de uma forma ampla37, afirmando que também se poderá designar como transação a submissão (confissão) do réu quanto ao pedido do autor, bem como as situações em que o autor desiste do pedido e os casos de compromisso arbitral, casos estes que ao invés de terminar o litígio apenas limita a forma em que este resolverá. Nós discordamos desta opinião38.
Por vezes, as partes procedem ao contrato de transação não por “vontade”, mas sim por “necessidade”39, em muitos casos um dos contraentes não fica contente com a solução obtida através da transação, mas em razão da incerteza relativamente ao conteúdo da decisão tomada pelo juiz (se a decisão será favorável à sua pretensão ou não), da morosidade dos tribunais e das necessidades de se alcançar uma rápida solução, a “livre vontade” se transtorna em uma “necessidade”. Contudo, isto não que dizer que esta necessidade retire a própria caracterização do contrato de transação, antes pelo contrário, o caracteriza.
Em função disto, encontramos aqui uma clara nota de disponibilidade do processo
atribuída às partes40.
3.2 Liberdade negocial no âmbito do processo
O novo Código de Processo Civil brasileiro (art. 190 e 200) traz um novo modelo dogmático, que permite uma ampla negociação no âmbito do processo41, permitindo assim um grande rol de negócios jurídicos processuais típicos e atípicos. Prevê, por exemplo, os acordos e contratos que têm por objeto a faculdade, o ônus, os deveres e os poderes processuais são estes os negócios jurídicos-processuais atípicos os quais têm como finalidade alterar a marcha processual42. Este novo modelo de contratualização processual advém, de uma influência, do direito francês43 e marca a moderna conceção adotada pelo novo CPC brasileiro.
O contrato de transação como negócio jurídico processual pode ser classificado como um negócio jurídico processual típico, pois seu objeto é verdadeiramente o objeto do litígio,
37 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 1 – Teoria Geral do Processo. 5ª ed. e-book. São Paulo: XX, 0000, p. 53; XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1 – Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento, Procedimento comum. 56.ª ed. Rio de Janeiro: Editora Gen/Forense, 2016, p. 1035.
38 Neste sentido, XXXXXXX XXXXXX, ob. cit., p 523; XXXXXX Xx., Xxxxxx. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1 – Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 18ª ed. Salvador: editora JUSPODIVM, 2016, p. 167.
39 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx. Manual de Direito Processual Civil. 8ª ed. Salvador: Editora JUSPODIVM, 2016, p. 80.
40 XXXXXXX, Xxxxx. Processo Civil Declarativo. Coimbra: Almedina, 2016, p. 14.
41 XXXXXX Xx., ob. cit., p. 387.
42 XXXXXX Xx., ob. cit., p. 385.
43 XXXXXXXX; XXXXXXXX; XXXXXXXXX, ob. cit., p. 570.
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muito embora seja permitido que os contratos de transação extravasem o objeto do litígio, porém sempre terá a finalidade da obtenção de autocomposição do litígio de forma pacífica.
Estes novos caminhos que marcam esta moderna concepção do processo civil os quais permitem uma ampla liberdade negocial que os atuais Códigos de Processos Civis vêm consagrando tem como raiz o Estado de direito democrático, o qual possui como um dos seus princípios estruturantes o direito de acesso aos tribunais44, na sua vertente publicista e na sua vertente privatística as pessoas são também livres para se fazer valer de soluções de autocomposição da lide através dos negócios jurídicos processuais típicos, tais como a transação, a confissão ou a desistência do pedido45.
3.3 Momento e forma
A transação pode ser extrajudicial ou judicial, a primeira tem lugar antes do processo judicial iniciar perante a existência de um conflito de interesses que possa resultar em uma futura lide. E quando a transação se der durante qualquer fase do processo46, dar-se-á o nome de transação judicial. Neste caso, poder-se-á dizer que a transação será espontânea quando for realizada pelas partes sem a intervenção de um terceiro ou estimulada47 quando for realizada através de conciliação ou da mediação.
A tentativa de conciliação48 por parte do juiz no sentido de obter um contrato de transação pode ter lugar em qualquer altura do processo desde que o magistrado ache oportuno ou ainda a requerimento das partes. Quando a transação resulte de uma conciliação alcançada pelo juiz, será lavrada uma ata a qual o juiz limita-se a homologar a transação por sentença ditada na ata, conforme os termos do contrato realizado através da conciliação (art. 594/1 e 4 CPC/pt e 139, II e IV, 334 CPC/br)49.
Durante a pendência de uma ação a transação tem a veste de negócio jurídico processual. Poderá ser reduzida a termo no próprio tribunal, na secretaria a simples pedido verbal pelos interessados. Depois de lavrado o termo ou ainda depois de juntar o documento na secretaria do tribunal estes seguem para ser examinados quanto à disponibilidade do direito envolvido, à forma e para averiguar a legitimidade dos que intervieram. Se tudo estiver conforme a lei substantiva e processual seguir-se-á para a homologação da transação por via de sentença, a qual respeitará os precisos termos do contrato. Aqui o juiz agirá apenas como
44 XXXXXXXXX, X. X. Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxx. Constituição da República Portuguesa: anotada. Vol. 1. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 408.
45 XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit., p. 100; XXXXX XX XXXXXXX; XXXXXXXXX, ob. cit., p. 559-560.
46 Cf. art 283 do CPC/pt, no seu n.º 2 afirma que é licito as partes transigirem em qualquer altura da instância do processo e isto tem por base o princípio da economia processual, o qual nos diz que a finalidade do processo tem de ser atingida com maior economia de meios e que esta economia de meios exige por um lado a resolução de um maior número possível de litígios e por outro que comporte apenas atos e formalidades indispensáveis. XXXXX XX XXXXXXX, ob. cit., p. 203.
47 MARINONI; XXXXXXXX; XXXXXXXXX, ob. cit., p. 194.
48 Pela negociação as partes chegam a uma transação sem a intervenção de um terceiro, enquanto na conciliação há a presença de um terceiro (conciliador) que funcionará como intermediário entre as partes. O conciliador não tem o poder de decidir o conflito, mas pode desarmar os espíritos e levar as partes a exercer suas vontades no caso concreto para resolver o conflito de interesse, XXXXX, ob. cit., p. 82, 83.
49 No mesmo sentido, por todos, XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit., p. 850, 1035.
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um porta-voz dos contraentes, conferindo força de caso julgado à decisão tomada pelas partes que deu fim à relação material controvertida.
As partes têm largas oportunidades para realizar um contrato de transação no decurso de um processo. Podem transigir desde a fase inicial – logo depois da contestação independente da forma (defesa por impugnação ou por exceção, ou, reconvenção) – ou ainda depois da prolação da sentença, desde que esta não esteja transitada e julgada e que a transação realizada não tenha o mesmo conteúdo da sentença50.
Embora o juiz não conheça o mérito da causa na sentença homologatória51, esta terá o mesmo valor de uma sentença de mérito tal como se houvesse sido proferido um juízo de mérito52. Nestes casos o processo não realizará o seu curso normal, pois não há decisão pela causa principal53 conforme o direito substantivo aos fatos provados em juízo tal como estava no pedido da petição inicial54. Nos casos de transação realizada pelas partes a solução dada por elas para a autocomposição do litígio pode nem sequer estar em conformidade com a resolução da causa específica ou nem estar em correspondência com o pedido, pois este é um ato de natureza contratual o qual respeita o princípio da liberdade contratual o que se traduz na liberdade das partes em fixa o conteúdo do contrato conforme sua liberdade e autonomia privada55, por isto nada impede que um contrato de transação verse sobre aspetos que estejam fora dos limites do objeto do litígio56, desde que respeite sempre as regras e as formas da lei substantiva relativamente ao núcleo da obrigação em que o contrato de transação verse.
Por esta razão dir-se-á que apesar de a sentença homologatória não conter um conteúdo decisório e jurisdicional do objeto do litígio – pois não chega ao mérito do negócio jurídico realizado entre as partes57 – será o instrumento que irá conceder a força e a autoridade com caráter público de que a transação irá precisar, dado que a transação realizada durante a pendência de uma ação, faz caso julgado do pedido, constitui título executivo e extingue ou modifica a demanda58.
A transação extrajudicial não necessita de ser homologada por sentença para que constitua título executivo bastará apenas a feitura de um documento particular autenticado. Esta exigência constitui precisamente uma recente alteração nos Códigos de Processo Civil português e brasileiro (703/1/b) do CPC/pt e 784/IV do CPC/br). Porém, sem a proibição de uma eventual homologação judicial da transação, caso as partes requeiram, com a finalidade
50 XXXX, Xxxxxx. Novo Código de Processo Civil Anotado. 3ª ed. Lisboa: Ediforum, 2015, p. 347. (AC.RL, de 24/06.2004 – Enquanto a sentença não transitar e julgar esta tem valor provisório, sendo legítima a homologação de sentença de transação ou de desistência).
51 Também nestes casos se segue uma sentença de mérito, mas com natureza meramente homologatória, pois o tribunal limita-se a verificar se as partes no negócio jurídico eram capazes e tinham legitimidade para se ocupar do objeto negocial, bem como se este era disponível. Havendo homologação, a sentença é proferida em conformidade com a vontade das partes e não mediante aplicação do direito objetivo aos factos provados, isto é, tutelando o direito subjetivo ou o interesse juridicamente protegido que, em decorrência desses factos, se verifique existir (LEBRE DE FREITAS, ob. cit., p. 43).
52 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 822; XXXXXX Xx., ob. cit., p. 698; XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit., p. 1035.
53 XXXXXXX XXXXXX; XXXXXX XXXXXXX; XXXXXXX E XXXX, ob. cit., p. 663
54 XXXXX XX XXXXXXX; XXXXXXXXX, ob. cit., p. 571.
55 XXXXXXX XXXXX, ob. cit., p. 229; XXXX XXXXX, ob. cit., p. 102.
56 XXXXXX Xx., ob. cit., p. 744.
57 XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit., p. 1067.
58 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 823; XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit., p. 1067.
O contrato de transação como negócio jurídico-processual: uma análise luso-brasileira
de encerrar os conflitos por uma solução amigável e célere contribuindo para uma maior efetividade da tutela jurisdicional59.
3.4 A posição do juiz perante uma transação
O novo CPC brasileiro possui como um dos seus princípios estruturantes a solução consensual dos conflitos. Reza o art. 3, § 3 que estas soluções têm que ser estimuladas pelos juízes, advogados e pelos membros do Ministério Público. Tais acordos podem existir mesmo no âmbito do processo de execução60. Tal fomento para as soluções consensuais da lide também não ficou de fora da recente alteração do CPC português em 2013. O artigo 594 diz que por iniciativa das partes ou quando que o juiz considere oportuno, este tem que presidir a tentativa de conciliação de forma ativa e na tentativa da obtenção de uma solução equitativa e adequada, este imperativo da nossa lei processual significa que o juiz deve incentivar a autocomposição do litígio de forma pacífica.
Em termos substanciais, a sentença homologatória do contrato de transação em nada acrescenta ao contrato, pois o conteúdo da sentença homologatória decorrerá nos precisos termos decididos pelas partes por acordo a intervenção estatal tem o objetivo de confirmar e garantir que a decisão tomada entre as partes seja cumprida61. Como afirma Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, «o valor da sentença que homologa uma transação é semelhante ao valor de uma sentença declaratória»62. Ao juiz incube a tarefa de verificar a validade da transação enquanto negócio jurídico63.
Por fim, função de tutela judiciária é a de outorgar autoridade de caso julgado ao acordo celebrado pelas partes e por isso mesmo não fica aqui subtraído totalmente o princípio do monopólio estadual da função jurisdicional. Em primeiro lugar, este mecanismo trata-se de uma «administração da Justiça alternativa», tendo em conta que os tribunais poderiam resolver o litígio e em segundo lugar não estão totalmente desligados do sistema estadual da administração da justiça, pois poderá em algum momento estabelecer ligações com os órgãos judiciais64, v. g., por via do recurso de revisão de sentença.
59 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. 47ª ed. Rio de Janeiro: Editora Gen/Forense, 2016, p. 109.
60 XXXXXX Xx., ob. cit., p. 167.
61 XXXXXX Xx., ob. cit., p. 167; XXXXX, Cassio Scarpinnella. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2016, p. 358, 428.
62 XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit. (n.º 37), p. 1067.
63 XXXXX XX XXXXXXX, Xxxx. Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013. 6ª ed. Coimbra: Coimbra editora, 2014, p. 61; XXXXXXX, ob. cit., p. 15.
64 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 833.
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3.5 Capacidade
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Para ser parte de um processo exige que as partes possuam personalidade judiciária65 (art. 11 CPC/pt), porém não basta apenas que as partes tenham personalidade judiciária, será necessário que ambas possuam capacidade judiciária66, a qual consiste na possibilidade de estar, por si, em juízo e assim poder exercer a sua capacidade de exercício de direitos (art. 15 CPC/pt). No caso de falta da capacidade judiciária, as partes devem estar devidamente representadas ou então autorizadas pelos seus representantes legais (art. 16 CPC/pt)67
O CPC/pt no art. 12, alarga a extensão da personalidade judiciária. Deste modo, em muitas situações não se encontrará a correspondência entre a capacidade de exercício de direito e a personalidade judiciária. Isto significa que o legislador português achou por bem, e por razões práticas, atribuir personalidade judiciária a entidades que não tenham personalidade jurídica. Desta forma, mesmo as entidades que não sejam «pessoas (humanas ou coletivas), podem ser condenadas ou absolvidas de pedidos»68. Para tanto, é necessário que as partes sejam legítimas para que o juiz conheça o mérito da causa. Para identificar se as partes possuem legitimidade processual69, em um determinado processo, tem-se que averiguar se o autor tem interesse direto em demandar e se o réu tem interesse direto em contradizer70. Isto significa: ter efetiva titularidade da res litigiosa71.
Concluímos assim que autor e o réu podem transigir desde que sejam os titulares dos direitos em causa72 e aptos para os alienar73. Além da capacidade genérica para os atos da vida civil, para se tornar um dos contraentes em um contrato de transação, as partes devem possuir especial capacidade para alienar os seus direitos74, visto que não existe contrato de transação sem este elemento.
65 «Personalidade judiciária consiste, assim na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas em lei». XXXXXXX XXXXXX; XXXXXX XXXXXXX; XXXXXXX E XXXX, ob. cit., p. 108.
66 «Capacidade Judiciária, corresponde na relação processual à capacidade de exercício de direitos no âmbito do direito civil, consiste na possibilidade de estar, por si mesmo, em juízo. Assim ocorre com os cidadãos maiores, homens ou mulheres, nacionais ou estrangeiros, que não só podem ser partes na ação, mas que podem estar diretamente em juízo, por si mesmo ou por meio de representantes por eles escolhidos. São pessoas que gozam da assim chamada legitimatio ad processum». XXXXXXX XXXXXX; XXXXXX XXXXXXX; XXXXXXX E XXXX, ob. cit., p. 117, 118.
67 No mesmo sentido do artigo, XXXXXXX XXXXXX; XXXXXX XXXXXXX; XXXXXXX E XXXX, ob. cit., p. 117.
68 REMÉDIO XXXXXXX, J.P. Acção Declarativa à luz do Código Revisto. 3ª ed. Coimbra: Coimbra editora/ Wolters Xxxxxx, 0000, p. 354.
69 «Legitimidade processual exprime a posição concreta por quem é parte numa causa perante um conflito de interesses que aí se discute e se pretende resolver». XXXXXXX XXXXXXX, ob. cit., p. 372.
70 Ter interesse direito em demandar significar ter utilidade na procedência da ação e ter interesse em contradizer significa ter prejuízo direto na procedência da ação. Por todos, XXXX, Xxxxxxx dos. Código de Processo Civil: anotado. Vol. 1. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1948, p. 71.
71 XXXX XXXXXX, Xxxxx. Interesse processual e legitimidade singular nas acções de filiação. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 152.
72 PRATO, ob. cit., p. 61, 69.
73 XXXXXXX, ob. cit., p. 508
74 XXXXXXX, ob. cit., p. 509; XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit. (n.º 37), p. 1035.
O contrato de transação como negócio jurídico-processual: uma análise luso-brasileira
A própria letra da lei, tanto em Portugal75 como no Brasil76, impõe uma limitação expressa aos representantes dos incapazes, dos ausentes, dos interditados, das pessoas coletivas e das sociedades. Quanto à possibilidade de os representantes legais transigirem em nome dos seus representados, o legislador achou por bem limitar a transação apenas nos precisos termos das suas atribuições ou ainda mediante uma autorização judicial77. Esta limitação surge no sentido de conferir proteção ao patrimônio e aos interesses das pessoas jurídicas representadas em função de uma possível dilapidação do patrimônio por má administração78. Já os mandatários judiciais carecem de uma autorização expressa no mandato para transigir, a procuração forense tem que conter uma menção expressa sobre os poderes para transigir sob pena de extravasar os poderes nela conferidos (art. 291 CPC/pt)79.
3.6 Objeto e limites
O contrato de transação tem como objeto a prevenção ou o intuito de pôr termo em um conflito de interesses através de mútuas concessões de direitos patrimoniais de caráter privado, seja de natureza real ou obrigacional. Possui como limite os direitos indisponíveis80, tais como os relativos à capacidade e aos estados das pessoas, aos considerados direitos de família puros, como, p. ex., o estabelecimento da paternidade e a validade de casamento, os direitos personalíssimos, p. ex., o direito à honra e o direito à vida, bem como as matérias de ordem pública, os bons costumes e as coisas que estão fora do comércio81.
As concessões realizadas pelas partes têm por base a disponibilidade da própria relação material controvertida. Nos casos em que esta disponibilidade conheça restrições no âmbito do direito substantivo, a esfera processual, por conseguinte, também conhecerá destas mesmas restrições82. A este propósito cabe aqui fazer uma ressalva: existem matérias que são indisponíveis em absoluto e outras, tão somente, relativamente indisponíveis. No âmbito do direito da família é vedada a possibilidade de transação devido à sua grande importância e interesse. Quando muito, será a própria lei que imporá limites às concessões realizadas. Aos direitos de família puros não se admite a transação, justamente por causa da indisponibilidade destes direitos, como, p. ex., a validade do casamento e a perfilhação. Para o Código Civil português, será relativa a indisponibilidade nos casos de direito de prestação de alimentos (art. 2006 e 2012) e partilha de herança, dado que é permitido um acordo entre os interessados. No direito brasileiro também será permitida a transação para as hipóteses de direito de prestação de alimentos. Contudo, embora seja permitida a transação para a determinação do valor da prestação de alimentos (o quantum da prestação não faz coisa
75 Cf. art. 287 do CPC português e artigo 94, n.º 3 e 4 do CC português.
76 Art. 1748 e 1774 do CC brasileiro, os quais são aplicáveis à transação também no âmbito processual. Ver também o art. 163 §6º, III da lei n.º 11.101/2005 que Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
77 REIS, ob. cit., p. 402.
78 MENEZES LEITÃO, ob. cit., p. 525; XXXXXX, ob. cit., p. 318.
79 MENEZES LEITÃO, ob. cit., p. 525; XXXXXX, ob. cit., p. 318.
80 XXXXX XX XXXXXXX; XXXXXXXXX, ob. cit., p. 568.
81 MENEZES LEITÃO, ob. cit., p. 524; XXXXXXX, ob. cit., p. 510; XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit. (n.º 37), p. 1035. Cf.
art. 202, 1249 CC/pt, 289 CPC/pt e 841 CC/br
82 PIMENTA, ob. cit., p. 14.
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julgada, mas o dever de pagar sim83), não será permitida uma renúncia ao direito de prestação de alimentos, pois se trata de um direito indisponível que visa garantir o sustento de uma das partes.
Como já foi dito, nem toda relação material controvertida comporta soluções de autocomposição dos litígios por livre e espontânea vontade das partes. No âmbito do Direito Penal as normas versam sobre o direito à liberdade. Em Portugal está vedada a possibilidade de uma autocomposição do litígio por via da transação. Já no Brasil é permitida a transação no âmbito do Direito Penal, porém apenas é admitida os crimes de pequena e média criminalidade84, conforme dispõe a lei n.º 9.099/1995. Aqui a transação penal se baseia em três fatores fundamentais. O primeiro é ligado a conceitos criminológicos relacionados com as soluções amigáveis entre a vítima e o autor do crime. O segundo está intimamente ligado com a necessidade de penas que não sejam portadoras de estigmas. Por fim, o terceiro e último fator está ligado ao processo penal e tem a finalidade de estimular uma ativa participação do Ministério Público na concretização da política criminal85. Uma análise mais detida não poderá ser empreendida neste trabalho por estender os limites inicialmente propostos. Certo é que os fundamentos primeiros e os sentidos últimos desta modalidade de transação obedece a mesma teleologia e consideração político-jurídica que o contrato de transação civil.
Finalmente, resta uma breve menção ao contrato de transação no âmbito do direito administrativo e fiscal. Os representantes do poder público não têm autorização para transigir sobre os direitos de interesses público, salvo autorização prévia e expressa por lei ou por regulamento86. No direito brasileiro, a lei tributária permite expressamente a possibilidade de as partes procederem ao contrato transação87. Esta eventualidade se mostra interessante, pois aqui se encontra uma possibilidade de consenso em uma obrigação imposta pelo Estado. Para proceder a um contrato de transação, o agente administrativo deverá atender à melhor solução para os interesses estaduais segundo condições previamente traçadas e delimitadas, tendo em vista a incerteza da decisão e a imprecisão em que se encontra o litígio88.
Em suma, a transação é um contrato que se destina a dirimir um conflito de interesses através da criação de uma situação jurídica diversa da que foi objeto do conflito ab initio. É possível afirmar que a transação tem um conteúdo complexo, com duas finalidades: tendo como primeiro efeito a autocomposição do litígio e como segundo efeito a criação de uma nova figura jurídica mediante concessões recíprocas efetuadas pelas partes89.
83 VENOSA, ob. cit., p. 317; XXXXXXX LEITÃO, ob. cit., p. 524
84 XXXXXXXXX, ob. cit., p. 146.
85 XXXXX, Xxxxxxx. Transação Penal. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, p.195, 196
86 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx; MITIDIERO, Xxxxxx. Curso de Processo Civil. Vol. 3 – (Tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados). 2ª ed. e-book. São Paulo: XX, 0000, p. 48; XXXXXXX, ob. cit., p. 317.
87 Lei n.º 5.172/1966, art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso
88 REIS, ob. cit., p. 402; XXXXXX, Xxxxx. Transação Tributária: Possibilidade de consenso na obrigação imposta. Porto Alegre: Nuria Fabris editora, 2009, p. 99.
89 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 821.
O contrato de transação como negócio jurídico-processual: uma análise luso-brasileira
3.7 Efeitos
Para a autocomposição da lide prevalece o princípio da autonomia privada90 e a liberdade negocial. Nesta medida não é necessário que o conteúdo do contrato seja limitado ao objeto do processo que originou a lide. Este contrato pode envolver um sujeito estranho ao processo, bem como versar sobre uma relação jurídica estranha à lide. O contrato de transação tem como efeito principal a resolução do litígio e como efeitos acessórios a constituição, a modificação e a extinção dos direitos que lhe são instrumentais91.
A sentença homologatória da transação não é condição de validade necessária do ato jurídico celebrado entre as partes, apenas visa garantir força de caso julgado92 atribuindo um novo estatuto, dando-lhe a veste de ato processual e revestindo o ato com força de executoriedade93.
A garantia do título executivo é um dos principais efeitos erigidos provenientes do contrato de transação. Constitui uma garantia do cumprimento das pretensões dos contraentes, da mesma forma que lhe seriam asseguradas por uma decisão de mérito de um tribunal.
Outros efeitos importantes gerados pelo contrato de transação no âmbito do processo são: a extinção do processo, pois a transação que verse sobre todo o pedido da causa faz cessar a causa nos precisos termos em que for efetuada e a modificação do pedido ou – no direito brasileiro – a redução da demanda94, para os casos em que a transação trate apenas parcialmente do pedido. Nestes casos o processo continua em relação à parte restante e, por conseguinte, a homologação da transação não irá atingir o mérito da causa, mantendo ainda a relação material controvertida, dado que houve apenas uma modificação do pedido inicial.
Após a homologação da sentença, caso esta verse sobre todo o pedido, dar-se-á a extinção do processo (487, III, b) CPC/br)95. Por outro lado, quando a transação envolva apenas parte do pedido, a homologação judicial não implicará a extinção do processo, apenas uma mudança do pedido (redução da demanda)96. Por essas razões Xxxxxxxx xx Xxxxx faz uma diferença entre “transação quantitativa” – nos casos em que as concessões recíprocas versam apenas sobre o quantum do objeto, traduzindo numa modificação do pedido – e “transação novatória” – quando as concessões recíprocas se traduzem em uma modificação, constituição ou extinção de direitos diversos do objeto do litígio97.
O que se pretende dizer ao afirmar que a instância se extingue com a sentença homologatória de transação é que com a homologação da sentença a transação faz com que o objeto da lide adquira força de caso e julgado, o que significa um impedimento a ambas as partes de voltar ao tribunal com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir que originou a
90 XXXX XXXXX, ob. cit., p. 99.
91 MENEZES LEITÃO, ob. cit., p. 525.
92 DONIZETTI, ob. cit., p. 628; VENOSA, ob. cit., p. 316
93 XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit. (n.º 59), p. 108.
94 Art 284 do CPC português e no mesmo sentido a doutrina e o CPC brasileiro, por todos, XXXXXX Xx., ob. cit., p. 587; XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit. (n.º 37), p. 832.
95 E no mesmo sentido do Código caminha a doutrina brasileira. Por todos, XXXXXX Xx., ob. cit., p. 743; XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit. (n.º 37), p. 1030.
96 XXXXXX Xx., ob. cit., p. 744.
97 Xxxxxxx xx Xxxxx apud LOBO XXXXXX, ob. cit., p. 820.
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instância, ou seja o objetivo aqui é tornar incontestável a decisão tomada entre as partes e ratificadas pelo juiz 98.
3.8 Nulidades e anulabilidades
As nulidades e anulabilidades do contrato de transação são as mesmas possíveis e previstas para os negócios jurídicos (art. 285 CC/pt) e para os contratos em geral99. A validade do contrato de transação no âmbito jurídico-processual depende da sua correspondência com o direito substantivo, relativamente à forma do negócio jurídico celebrado e a respetiva legalidade para a alienação do direito ad causam. A transação é um negócio jurídico de justiça privada e independentemente do momento em que se constitua, não perde a sua natureza jurídica contratual.
Porém, apesar da sua natureza contratual, é vedada a possibilidade de resolução do contrato por incumprimento das obrigações mediante vontade de apenas uma das partes. Este entendimento decorre do próprio sentido do instituto da transação: prevenir ou pôr termo à lide. Desta forma, não se deve admitir a possibilidade de repristinação da obrigação anterior em razão do incumprimento do “novo” contrato100. Neste sentido, tanto a transação judicial, como a transação extrajudicial – desde que possua fé pública (autenticada por notário ou por autoridades competentes) – constitui título executivo e garantia de execução do contrato.
Segundo o regime do Código Civil português (art. 1248), não se afigura legítimo aceitar a resolução do contrato através da vontade de apenas um dos contraentes tendo em conta que a transação é um negócio jurídico que implica recíprocas concessões e que uma tal aceitação ofenderia as legítimas expectativas das partes. Por seu turno, o Código Civil brasileiro (art. 849), muito acertadamente, afirma expressamente que a transação só pode ser anulada por dolo, coação ou erro essencial que verse sobre pessoa ou objeto.
Entendemos que a resolução do contrato por parte de apenas um dos contraentes não é válida, mesmo nos casos em que a sentença da transação ainda não foi homologada. Assim, defendemos, que apenas uma nova ação ou mediante ao pedido de revisão de sentença é que será possível o pedido de nulidade ou anulabilidade da transação. Tomando em conta que estas hipóteses só poderão ser invocadas com fundamento em um vício de consentimento, erro de fato ou por falta de legitimidade para proceder ao ato101.
Porém, se ambos os transatores decidirem revogar a transação, voltando a existir a obrigação antiga, poder-se-á admitir a revogação do contrato, pois ambos os contraentes decidiram em conjunto e por livre vontade restabelecer a obrigação anterior.
A autoridade de caso julgado e a força executiva que está por trás do contrato de transação seja ele judicial ou extrajudicial, torna o seu conteúdo imutável e indiscutível. Porém, não impede que o negócio jurídico entre as partes seja anulado ou declarado nulo em
98 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 825
99 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 817.
100 Em sentido oposto, Brandão Proença apud XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 817.
101 Neste mesmo sentido, XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit. (n.º 37), p. 1036; XXXXXXXXX, ob. cit., p. 628.
O contrato de transação como negócio jurídico-processual: uma análise luso-brasileira
ação própria como ocorre com os negócios jurídicos em geral (art. 291 CPC/pt e art. 966§ 4 do CPC/br)102.
Caso seja invocada nulidade da transação com o fundamento apenas em falta de legitimidade para proceder a transação por parte do mandatário judicial, por não ter procuração com poderes especiais para transigir, o mandante será notificado e se nada disser contra a transação realizada pelo mandatário a nulidade será suprida (291/3 CPC/pt), no Código de Processo Civil português anterior era necessário que a parte recorresse a uma impugnação por recurso, com o fundamento de falta de legitimidade do mandatário, hoje o nosso novo Código simplificou, basta que o mandante declare por requerimento que não ratifica o ato do mandatário103.
3.9 Recurso e impugnação do contrato de transação
O contrato de transação é impugnável nos mesmos termos daqueles previstos aos negócios jurídicos em geral, assim como a outros atos da mesma natureza104. A sentença homologatória pode ser objeto de revisão105 quando se verifique nulidade ou anulabilidade oriunda do contrato de transação em que a sentença homologatória se xxxxxx000.
A ação de impugnação de um contrato de transação pode servir de fundamento para um pedido de revisão de sentença, porém o recurso de revisão de sentença pode ser requerido sem a declaração de nulidade ou anulabilidade do contrato de transação por sentença107 de maneira independente. Pois o objeto do pedido do recurso de revisão será a decisão transitada em julgada, o qual se destina a impugnação da sentença e não a uma reapreciação do pedido por um tribunal superior108. Por esta razão, podemos dizer que o recurso de revisão de sentença comporta-se verdadeiramente como uma nova ação tendo uma nova causa de pedir109.
Este recurso de revisão de sentença deve ser apresentado com o intuito de alegar a existência de um vício ou de um erro no contrato de transação o qual conduziu a decisão tomada pelo tribunal. O recurso de revisão, ou a denominada ação rescisória no Brasil, é o instituto adequado para impugnar uma sentença homologatória de transação, sem a necessidade de uma prévia ação de impugnação do contrato. Esta desnecessidade, de uma dupla impugnação, tem o seu fundamento no princípio da economia processual110, o qual impõe que o resultado processual deve ser atingido através de uma maior economia dos atos
102 No mesmo sentido do Código, XXXXXXXX XXXXXX, ob. cit. (n.º 59), p. 98.
103 XXXXX XX XXXXXXX; XXXXXXXXX, ob. cit., p. 575.
104 Idem, p. 572. Cf. art 291/1 do CPC/pt; art 285 e ss do CC/pt e art 849 do CC/br.
105 No Brasil a revisão de sentença é chamada de ação rescisória pois este é o meio cabível para combater a coisa julgada. Cf. art 966 e ss do CPC/br. Pela doutrina, XXXXXX Xx., Xxxxxx; CUNHA, Xxxxxxxx Xxxxxxxx da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3 – Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 13ª ed. Salvador: editora JUSPODIVM, 2016, p. 485.
106 Como é previsto expressamente no art. 696/1 d) CPC/pt e art. 966 CPC/br.
107 Antes de 2003 era necessário uma declaração prévia de nulidade ou anulabilidade do contrato de transação por sentença transitada e julgada como fundamento do pedido de revisão de sentença homologatória do contrato de transação. XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 827.
108 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 827.
109 XXXXXX Xx.; CUNHA, ob. cit., p. 445, 472. Neste mesmo sentido o artigo 696, d) do CPC/pt e 966 do CPC/br.
110 LOBO XXXXXX, ob. cit., p. 828.
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processuais111. De fato, a exigência deste pressuposto para a revisão de sentença é um excesso desnecessário de atos processuais, pois a procedência da “ação” de revisão de sentença, daria o mesmo resultado da ação de declaração de nulidade ou de anulabilidade, dado que o resultado obtido e querido pelo recorrente, muito embora, ser a revogação da sentença homologatória é a volta do status quo ante.
Concluímos assim que ainda hoje existem dois mecanismos de impugnação para o contrato de transação. Ou um novo processo com fundamento de uma declaração nulidade ou anulabilidade, mediante um processo declarativo comum, ou por meio do recurso de revisão de sentença112. O tribunal competente para conhecer o recurso extraordinário de revisão é o próprio tribunal que proferiu a homologação da transação, pois o que se quer aqui não é uma reapreciação do pedido por um tribunal superior, mas a revogação da sentença homologatória.
O prazo para a propositura do pedido é de 60 dias contados a partir do conhecimento do fato, desde que não tenha passado mais de 5 anos da sentença transitada em julgada (art. 697/1 CPC/pt). O trâmite do recurso extraordinário de revisão de sentença é o mesmo do processo declarativo comum. Após a admissão do recurso, o recorrido tem 20 dias para exercer o contraditório.
Caso se verifique a procedência de algum dos pedidos, a sentença homologatória será revogada e o objeto do litígio que originou a transação será novamente instruído e julgado, sendo resguardando, em todo o modo, a parte do processo que não foi prejudicada pelo vício (art. 697 a 701 CPC/pt), como já vimos no caso da sentença homologatória de transação não houve um verdadeiro juízo de mérito por isso em bom rigor não haverá um “novo” julgamento, pois embora de mérito a decisão não conheceu o mérito da ação113.
No Brasil existe o instituto de agravo de instrumento que é o recurso cabível contra decisão interlocutória114, assim quando a transação verse apenas sobre parte do pedido será cabível o agravo de instrumento, tendo provimento o agravo será resposta a parte em que tinha sido objeto da transação parcial115.
Tem legitimidade para propor um recurso de revisão os contraentes, o ministério público e terceiros interessados, como é o caso dos credores prejudicados116. Os credores prejudicados podem recorrer também ao instituto da impugnação pauliana e sendo a impugnação procedente não será necessário recorrer ao recurso extraordinário de revisão, pois a própria impugnação pauliana provocará a ineficácia do contrato117.
111 LEBRE DE FREITAS, ob. cit. (n.º 31), p. 203.
112 XXXXXX Xx.; CUNHA, ob. cit., p. 430; XXXXX XX XXXXXXX; XXXXXXXXX, ob. cit., p. 574.
113 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 828.
114 No CPC-1973, a decisão interlocutória era o pronunciamento do juiz que resolvia uma questão incidente. No CPC-2015, a definição de decisão interlocutória passou a ser residual: o que não for sentença é decisão interlocutória. Se o pronunciamento judicial tem conteúdo decisório e não se encaixa na definição do § 1° do art. 203, é, então, uma decisão interlocutória. XXXXXX Xx.; CUNHA, ob. cit., p. 206.
115 Idem, p. 213.
116 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 829; XXXXXX Xx.; CUNHA, ob. cit., p. 485.
117 XXXX XXXXXX, ob. cit., p. 829.
O contrato de transação como negócio jurídico-processual: uma análise luso-brasileira
4 NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO
O contrato de transação possui grande importância para as relações comerciais. Contudo, a comum utilização da expressão transação no âmbito das relações comerciais não condiz com a sua precisa significação stricto sensu, ou no seu sentido técnico. Xxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, se manifestou no mesmo sentido, embora venha a admitir um significado mais alargado. «O epíteto “transacção” não tem o sentido dado nos arts. 1248º e segs. do Código Civil (ou nos arts. 293 e segs. do CPC), ou seja, o “o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões”. Fora deste casos, o vocábulo é pouco utilizado na lei. Veja-se, por exemplo, o art. 3º, n.º 1, alínea d), do já revogado DL n.º 272/87, de 3/7, relativo às vendas ao domícilio, por correspondência, em cadeia e forçadas. De todo o modo, assinala-se que a transacção tem, para nós, o significado amplo de acto, sem se restringir ao seu uso corrente, não técnico (isto é, à compra e venda)»118.
O que pretendemos assinalar aqui é que a natureza jurídica do contrato de transação não é a de um contrato comercial, ou seja, não retira a sua natureza jurídica do direito substantivo comercial. Conforme o art. 2º do Código Comercial português, os atos do comércio119 podem ser atos objetivos ou subjetivos120. Os primeiros são atos e negócios jurídico previstos na lei comercial enquanto os segundos são todos os atos praticados por comerciantes121, desde que não sejam de natureza exclusivamente civil e que exista algum nexo de ligação com a sua atividade comercial122.
Dado o exposto, entendemos que o contrato de transação possui uma natureza exclusivamente civilística, em virtude do seu pressuposto básico (o conflito de interesses ou o litígio) e que dos seus elementos essenciais (a incerteza do direito e as concessões recíprocas), entendemos que o contrato de transação mesmo quando realizado entre comerciantes não possui o seu nexo de ligação com a atividade comercial, mas, antes pelo contrário, quando as partes realizam o contrato de transação, procedem a este contrato com a finalidade de pôr termo à algum conflito de interesse ou à uma lide já constituída.
Deste modo, ainda que o contrato de transação seja praticado por comerciantes a transação, de cunho civilística, não será caracterizada como um negócio de natureza jurídica comercial. Neste caso, diremos que o contrato de transação operará apenas uma função prático-instrumental123, atuando como um negócio jurídico-processual típico, não podendo, portanto, ser qualificado como um contrato de natureza comercial.
118 XXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. A tutela do credor perante o atraso no pagamento de transacções comerciais.
Scientia Iuridica, T. 54, n.º 302, 2005, p. 275.
119 «atos do comércio são, grosso modo, operações de trocas realizadas, com escopo lucrativo, por empresas (singulares ou coletivas), previstas enquanto tal na lei comercial». XXXX XXXXXXX, Alexandre Libório. Direito Comercial da Empresas: apontamentos teórico-práticos. 2ª ed. Lisboa: Editora Juruá, 2015, p. 37.
120 Ibidem.
121 «Comerciante é um empresário comercial, quando exerce uma atividade comercial, rectius, a partir do momento que se propõe exercer uma atividade comercial prevista na lei comercial, nomeadamente no art. 230º». Idem, p. 46.
122 XXXX XXXXXXX, ob. cit., p.38
123 «o direito processual civil regula apenas os meios necessários para, a partir do direito privado, se alcançar a solução concreta do conflito levantado entre as partes ou para se dar a realização efetiva ao direito violado» (XXXXX XX XXXX; XXXXXXX XXXXXX, ob. cit., p. 8).
Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx | Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx S. Brandão Kullok
◼ CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os meios de autocomposição de litígios têm alcançado cada vez mais um maior destaque no momento de realização da justiça. A exigência de uma solução rápida e eficaz para um conflito tem reclamado respostas mais ágeis da ordem jurídica. Muitas vezes os meios tradicionais de resolução de litígios não conseguem acompanhar as demandas impostas pela velocidade do atual sistema social. Neste contexto, o contrato de transação assume um papel privilegiado, adquirindo uma grande importância social, votado à finalidade de resolução de conflitos. Este contrato possibilita a paz social entre o autor e o réu. Nele, especialmente, não existem vencedores nem perdedores, pois são as próprias partes que mutuamente acordam os termos da (re)solução. A solução alcançada pela transação promove a economia processual, assim como uma maior economia para a máquina estadual.
Como já sublinhado, dentre a previsão e evolução dos contratos, a transação possui uma característica peculiar: a não erosão diante do tempo. A transação foi e é empregada para os mesmos efeitos desde o direito romano. Prova disto são as recentes reformas dos “novos” Códigos de Processo Civil português e brasileiro. Neles não encontramos grandes modificações no contrato de transação. As normas respeitantes à transação, em ambos os ordenamentos, permanecem inalteradas, constatando-se apenas uma pequena alteração em sua localização sistemática, porém – como já há muito se tem mantido – sem qualquer interferência no sentido, na definição, no pressuposto, na capacidade, nos elementos essenciais e no próprio contexto deste autêntico contrato.
Perante o caminho percorrido, nomeadamente à luz do direito comparado luso- brasileiro, mas também perante diversos ordenamentos jurídicos tais como Itália, França, Alemanha e Espanha, foi interessante constatar e com isso será possível concluir que a estrutura do contrato da transação é praticamente a mesma em todos os ordenamentos jurídicos em todo os países de civil law.
Para finalizar, vale a pena citar as palavras de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx que expressam todo o sentido exposto no texto, bem como a verdadeira essência da transação,
«[p]or isso opinam unanimemente tanto os legisladores como os filósofos, e os litigantes também, ser preferível um acordo modesto a uma sentença opulenta»124.
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124 CARAMUJO, ob. cit., p. 4.
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