PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP LUCIANA CAVALCANTI BUCHARELLI
XXXXXXXXXX XXXXXXXXXXXX XXXXXXXX XX XXX XXXXX XXX/XX XXXXXXX XXXXXXXXXX XXXXXXXXXX
CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ALIMENTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
Em face do princípio da informação no Código de Defesa do Consumidor
São Paulo – SP 2013
XXXXXXX XXXXXXXXXX XXXXXXXXXX
CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ALIMENTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
Em face do princípio da informação no Código de Defesa do Consumidor
Monografia apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica e São Paulo como requisito básico para conclusão do Curso de Especialização de Direito Contratual.
Orientadora Prof. Dra. Greice P. Fuller
São Paulo - SP 2013
A polêmica sobre os produtos transgênicos é um terreno fértil para o surgimento de mitos, mesmo nos países desenvolvidos, porque os impactos acabam não sendo de domínio público, ou seja, a população acaba não tendo o conhecimento necessário acerca do que representa os transgênicos, quais é a sua finalidade, além do interesse de empresas que produzem sementes transgênicas e das que atuam na área dos defensivos agrícolas. A informação de que os transgênicos contribuirão para reduzir com o problema da fome mundial, bem como que os produtos orgânicos são perfeitamente saudáveis para a qualidade de vida da sociedade, devem ser, ambos, interpretados com bastante sensatez. Com o surgimento da chamada sociedade de massa, o direito começa a se preocupar com as relações entre consumidor e o fornecedor. Assim, na área jurídica, nós operadores do direito devemos estar preparados para esta situação que se encontra a sociedade, a falta de informação. Deve ser realizado um trabalho árduo de esclarecimento despertando a consciência das pessoas para a nova tecnologia dos alimentos transgênicos, as suas implicações jurídicas: os direitos dos consumidores, os riscos e benefícios, os debates e a cautela necessária (principio da precaução), em todas as áreas da tecnologia.
PALAVRAS-CHAVE: Contratos, transgênicos, OGM´s, consumidor, direito a informação, alimentos, principio da precaução.
The polemic on GM crops is a fertile terrain for myths to emerge even on developed countries since the process and impacts do no belong o the public domain, ie, the population ends up not having the necessary knowledge about what is GMO, which is its purpose, Besides, the economic interest of enterprises which produce GM seeds and pesticides. The claim that GM crops will reduce the world starvation should be interpreted plenty of awareness. As the so-called mass society appeared, there is some concerns about the relationship between costumers and suppliers. So in the juridical field, people involved in law practice should be prepared to the situation in wich society is found – lack of information. A hard work on making this subject clear and rising the awareness of the public to the new technology of GM food and its juridical implications: rights of costumers, riskis and benefits, discussion and the necessary warning (principle of precaution), in all technological areas.
KEYWORDS: genetically modified organisms, biosafety, costumer, right of information, principle of precaution.
Dedico este trabalho:
Ao meu Pai, Xxxx Xxxxxxxxxx, que no íntimo do seu silêncio, sempre foi meu admirador, minha espada, meu escudo.
Agradeço a todos os que, de modo direto ou indireto, colaboraram para que eu pudesse aperfeiçoar e me especializar neste estudo, em especial minha família, aos meus pais e irmãos que com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida.
À minha prima Dra. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, detentora de profundo conhecimento na área, que mesmo há quilômetros de distância, se dispôs a fazer parte deste projeto, dividindo comigo experiências e informações que foram fundamentais para o meu aperfeiçoamento profissional.
À Prof. Dra. Greice P. Xxxxxx pela orientação, conhecimento, amizade e incentivo que fizeram com que se tornasse possível a conclusão desta monografia.
À Dra. Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, por ter dedicado parte do seu tempo me fornecendo a atenção, conteúdo, informações e conversas para a conclusão e desenvolvimento do trabalho.
Ao Dr. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, mestre que em sua bondade me colaborou com materiais e conhecimento suficientes, para que eu pudesse ter as informações necessárias para desenvolver e concluir este estudo, além de ter me proporcionado um brilho especial pelo agronegócio.
Aos amigos e colegas profissionais e pessoais, em especial a Dra. Xxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx x Xxxxx e Dr. Xxxxxx Xxxxxxx pelo incentivo e apoio constantes.
À minha Luz, agradeço pelo apoio, força e sabedoria em me guiar sempre pelos caminhos do bem, me ensinando o conhecimento necessário para me tornar a mulher e profissional que almejo ser.
INTRODUÇÃO
1 BIOTECNOLOGIA NO BRASIL 1
1.1 A Era da Biotecnologia 2
1.2 O Futuro da Biotecnologia no Brasil 6
1.3 O impacto do Uso da Biotecnologia nos Países da América Latina 9
2 ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS 12
2.1 Organismo geneticamente modificado e organismo transgênico 12
2.2 A aplicação dos Organismos Geneticamente Modificados 14
2.2.1 A aplicação dos OGM´s no campo vegetal: as sementes 14
2.3 Alimentos Transgênicos 17
3 OS RISCOS DA MANIPULAÇÃO GENÉTICA 20
3.1 A Polêmica no Brasil 20
3.2 Instrumentos Legais 25
3.2.1 A Agricultura, a Ciência, Tecnologia o Direito e a Democracia 25
3.2.2 O aparato Jurídico Internacional 26
3.2.2.1 Convenção da União de Paris (1883) 26
3.2.2.2 Convenção sobre Diversidade Biológica (1992) 27
3.2.2.3 Agenda 21 (1992) 27
3.2.2.4 Acordo Geral de Tarifas e Comércio-GATT (1994) 27
3.2.3 O Aparato Jurídico Brasileiro 28
3.2.3.1Política Nacional do Meio Ambiente (1981) 28
3.2.3.2 Constituição Federal (1988) 28
3.2.3.3 Lei de Agrotóxicos (1989) 29
3.2.3.4 Código de Defesa do Consumidor (1990) 29
3.2.3.5 Lei de Biossegurança (1995) 29
3.3 Biossegurança no Brasil 30
3.3.1 Segurança dos Alimentos derivados da Biotecnologia 31
3.3.2 Princípio da Precaução 32
3.4 Riscos Inerentes para o processo produtivo com OGM´s 35
3.4.1 Potenciais riscos e benefícios da tecnologia dos OGM’s 36
3.4.1.1 Potenciais benefícios 36
3.4.1.2 Potenciais riscos 37
4 O CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ALIMENTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS EM FACE DO PRINCIPIO DA INFORMAÇÃO 40
4.1 Aspectos Gerais sobre o Código de Defesa do Consumidor 40
4.1.1 Conceito de Consumidor e Fornecedor 41
4.1.2. Doutrina Finalista e Maximalista 42
4.1.3 Consumidor por equiparação 43
4.2 Contratos de Fornecimento de Alimentos Geneticamente Modificados e o Código de Defesa do Consumidor 46
4.2.1 Conceito de Contrato de Fornecimento de Alimentos Geneticamente Modificados 47
4.3 Principiologia nas relações de Consumo 50
4.3.1Princípios constitucional da defesa do consumidor 51
4.3.2 Princípios na Lei Consumerista 53
4.3.2.1Dignidade da Pessoa Humana 54
4.3.2.2 Proteção à vida, saúde e segurança 55
4.3.2.3 Garantia das necessidades básicas = protecionismo 55
4.3.2.4 Vulnerabilidade 56
4.3.2.5 Liberdade de Escolha 57
4.3.2.6 Intervenção do Estado = Dirigismo Contratual 58
4.3.2.7 Boa-Fé 58
4.3.2.8 Equilíbrio e Igualdade nas contratações 61
4.3.2.9 Função Social do Contrato de Consumo 62
4.3.2.10 Informação 63
4.4 Rotulagem de alimentos geneticamente modificados em face do princípio da informação do Código de Defesa do Consumidor 66
4.4.1Rotulagem de Alimentos Transgênicos e o Decreto 3871/01 (Revogado pelo Decreto 4.680/2003) 67
4.4.2 Rotulagem e processo de análise de liberação dos produtos geneticamente modificados 68
4.5 Casuísticas: Teoria das Grandes Empresas do Mercado de Sementes Geneticamente Modificadas 70
4.5.1 O mercado mundial das sementes 70
4.5.2 Trajetória das empresas 70
4.5.2.1 Syngenta 70
4.5.2.2 Monsanto 71
4.5.2.3 Aventis 72
4.5.2.4 DuPont 73
4.5.2.5 Dow AgroSciences 73
4.6 Estratégias das empresas 74
4.6.1 Garantia de Monopólio tecnológico 74
4.6.2 Formalização de contratos com agricultores 75
5 CONCLUSAO 77
6 REFERENCIAS BILIOGRAFICAS 80
INTRODUÇÃO
Temos verificado ao longo dos anos, o avanço e as novas conquistas no campo da medicina, biotecnologia, inclusive dos medicamentos que apontam a melhoria do bem estar da população e o desenvolvimento tecnológico.
Entre tais progressos nos deparamos com os organismos geneticamente modificados, tema que obteve progressos expressivos, gerando aumento na produção agrícola, até mesmo, em países em desenvolvimento. Todavia, a escolha do tema surgiu exatamente no momento, em que o assunto se tornou além de desafiador, também polêmico, principalmente quando o Brasil se tornou peça-chave no comércio mundial de sementes. E todo o novo conhecimento gera divergências de opiniões, que devem ser respeitadas, quando dentro de argumentos sólidos e concretos.
Os organismos geneticamente modificados, mais conhecidos como transgênicos é o tema deste trabalho, pois ainda é possível verificar que grande parte da população brasileira desconhece o que são os OGM´s, quais são suas vantagens e desvantagens e qual a situação do Brasil em todo este contexto.
Os documentos que são produzidos acerca deste assunto ainda são muito escassos, e quando não, tendenciosos a impor uma opinião, apenas sob um ponto de vista, o da grande massa crítica.
Como qualquer processo tecnológico de impacto ambiental, o tema foi regulamentado por inúmeras Normas, Decretos, Leis Especiais, Convenções, Acordos que serão abordados como instrumentos legais, que tratam do assunto, bem como daqueles relacionados ao tema, informando que os OGM´s é uma matéria séria e bem regulamentada.
O presente estudo tem como objetivo central introduzir àqueles que não possuem conhecimento acerca do tema, uma dissertação clara e introdutória sobre o que seriam os transgênicos, seus potenciais riscos e benefícios, os fatores que
influenciaram a entrada do Brasil nesta tecnologia, qual o contrato que rege esta relação de consumo, seu conceito, natureza jurídica e seus princípios basilares; a questão da rotulagem neste mercado; o direito a informação clara e transparente aos consumidores finais e o estudo da trajetória das grandes empresas que atuam neste segmento, qual o papel delas e suas estratégias.
No capítulo 1 abordamos acerca da parte introdutória do presente trabalho, sobre o conceito da biotecnologia, seu avanço tecnológico, o futuro desta biotecnologia, bem como o impacto dos OGM´s nos países da América Latina.
Na sequência, no segundo capítulo falamos sobre os Organismos geneticamente modificados e suas expressões semânticas, a aplicação desta tecnologia e como a CTNBIO atua dentro desta evolução, através de seus pareceres.
Posteriormente no capítulo 3, tratamos sobre os potenciais riscos e benefícios desta manipulação genética, a polêmica no Brasil sobre comercializar a soja transgênica da Monsanto denominada de Roundup Ready, bem como os instrumentos legais, o aparato jurídico internacional sobre a regulamentação desta tecnologia. Abordaremos neste capítulo também o princípio da Precaução e da Prevenção, princípios estes norteadores, para as questões relacionadas aos produtos químicos.
No capítulo 4 tratamos sobre o tema do presente trabalho, o contrato de fornecimento de alimentos geneticamente modificados em face do princípio da informação no Código de Defesa do Consumidor. Abordando, primeiramente, a parte introdutória dos contratos, a teoria finalista e maximalista, as espécies de consumidor e os princípios basilares na relação contratual.
Ainda neste capítulo, falamos sobre a rotulagem e o direito a informação clara e precisa aos consumidores finais, abordando, inclusive algumas empresas do segmento neste mercado, sobre suas estratégias e trajetórias.
1 BIOTECNOLOGIA NO BRASIL
Para começarmos o presente estudo, importante primeiramente, entendermos o conceito de Biotecnologia, na visão de alguns especialistas no assunto.
No entendimento do Dr. Xxx Xxxxx Xxxxx0, biotecnologia é uma extensão das técnicas de cruzamento de plantas existentes2.
Em síntese, trata-se de criar uma mutação genética para que seja possível produzir uma nova variedade de espécie, seja ela planta ou alimento. Constata-se que a Biotecnologia é apenas uma extensão de métodos que já existem para se chegar nesta mesma mutação genética.
Na visão da engenheira química Dra. Xxxxxxx Xx Xxxxxx Xxxxxxxxx0:
Biotecnologia consiste na aplicação em grande escala dos avanços científicos e tecnológicos resultantes de pesquisas em ciências biológicas. O próprio desdobramento da terminologia implica a Biotecnologia como sendo o uso de organismos vivos (ou de células e moléculas) para a produção racionalizada de substancias, gerando produtos comercializáveis.4
No entendimento do engenheiro agrônomo Xxxx Xxxxx Xxxxxxx0, biotecnologia é o nome que se dá as tecnologias e processos que utilizam organismos vivos ou substancias produzidas por eles, para obtenção de produtos de interesses econômicos 6.
1 Professor do Departamento de Nutrição da Faculdade de Medicina da Universidade de Toronto, Canadá. Membro do Centro de Segurança Alimentar do Canadá, Agência de Inspeção Sanitária, da FAO, do Conselho Internacional de Biotecnologia da Academia Nacional de Ciências e Instituto Nacional do Câncer, entre outras.
2 Transcrição da Palestra proferida pelo Dr. Xxx Xxxxx Xxxxx, realizada pela ABIA – Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação. Exposto no Livro Coletânea de Palestras. Tema: Alimentos Geneticamente Modificados, Segurança Alimentar e Ambiental. Pg. 47. 2002.
3 Engenheira Química, graduada pela Escola Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em Transgênicos e Especialista em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos, além de Examinadora de Patentes do INPI – Instituto Nacional de Propriedade Intelectual.
5 Engenheiro Agrônomo, graduado pela Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, Mestre em
melhoramento de plantas pela University of Illinois, nos Estados Unidos da América.
Com essas definições têm se pacificado o entendimento da biotecnologia e é possível verificar, entre os especialistas na área, que consideram este processo um avanço para a tecnologia, além de ser um método em que se utilizam organismos vivos para a criação de nova espécie, seja ela uma substancia células ou moléculas, visando única e exclusivamente à comercialização.
Podemos concluir, contudo, que a biotecnologia é portanto, um vasto conjunto de técnicas que utilizam seres vivos, ou parte deles, para produzir ou modificar produtos, aumentar a produção de plantas ou animais, ou ainda, produzir, microrganismos para fins específicos.
O que tem se verificado é que o uso da Biotecnologia há muito anos, senão milênios já vêm sido utilizado, apenas não era formalmente regulamentado, nem tampouco oferecido uma denominação para tal prática. O homem vem domesticando, melhorando raça e hibridizando animais e plantas há muitos anos. Todavia na longa trajetória estas práticas foram sendo restringidos a empecilhos naturais impostos pelas fronteiras das espécies.7
Com isso, entende-se que existem limites implícitos em relação ao quanto pode ser manipulado um organismo ou espécie viva.
O desenvolvimento e o uso de produtos biotecnológicos acabaram sendo estimulados em várias regiões, devido a seus benefícios potenciais para a saúde humana e para o meio ambiente. Assim, verificou-se que inúmeras técnicas de modificação genética foram desenvolvidas e seu imenso potencial tem se materializado em um avanço expressivo do uso agrícola e industrial de organismos geneticamente modificados, assunto este que será abordado ao longo do presente estudo.
Diante desse avanço da Biotecnologia e com o surgimento deste método eficaz e produtivo de se comercializar produtos, através do cruzamento genético de
7 Idem, ibidem.
plantas e sementes, surgiu uma nova Era na ciência da biologia, que será tratado no tópico seguinte.
1.1 A Era da Biotecnologia
A era da biotecnologia ocorreu conforme exposto acima, com a inovação cientifica, em que se abriu um novo horizonte, complementando métodos e modificando procedimentos mecânicos e químicos utilizados nos cultivos da terra.
O surgimento desta era para a ciência biológica é exatamente no ponto em que a agricultura avança em produtividade para que se mantenha uma capacidade de suprir o alimento que nutre a humanidade.
Em seu livro o engenheiro agrônomo Xxxx Xxxxx Xxxxxxx, explica a situação da biotecnologia, expondo que:
Bactérias, fungos, vírus, plantas daninhas e até insetos, que normalmente são problemas nas grandes lavouras, passam a ser aliados na biotecnologia, ao serem utilizados na formulação de biotepesticidas ou como fornecedores de genes capazes de alterar a constituição genética das plantas, conferindo-lhes resistência a fatores adversos ou melhorando seu valor nutricional 8.
Podemos verificar ao longo dos anos diversos alimentos que através dos anos, se utilizaram do processo da biotecnologia para sua fabricação, tais como o queijo, pão, vinho, vinagre, leites fermentados.
A era da Biotecnologia surgiu, pois se verificou que uma bactéria ao ser alterada por um processo de genética, passaria a ser considerada uma invenção do homem, e, portanto, passível de ser patenteada. Eis aí a questão de toda esta evolução.
8. Op. cit. p 74.
Com este desdobramento surge a criação de uma nova indústria de engenharia genética. E constata-se, que o que há de novo na realidade não é o termo da biotecnologia, pois essa sempre existiu, mas sim processos tecnológicos desenvolvidos dentro da biotecnologia recentemente desenvolvidos e aplicados em milhares de atividades desde a engenharia química até a manipulação genética.
Dessa forma, verifica-se que o termo “revolução biotecnológica” não é na verdade, muito apropriada. Se levarmos em conta que há mais de 10.000 anos atrás, domesticamos plantas e animais, e que por milhares de anos utilizamos microrganismos como fermentos e bactérias para a fabricação de produtos alimentícios importantes. Exemplo é que desde o século XIX utilizam-se microrganismos para o controle de pragas e tratamento de solo com bactérias para aumentar o rendimento de colheitas. Contudo, não há que se falar em uma nova tecnologia, para uma prática que vem ocorrendo há vários anos.9
Conclui-se então, que a novidade, na era desta tecnologia não é a manipulação destes microrganismos, e sim a maneira como eles estão sendo manipulados nos dias atuais.
Os produtos derivados de biotecnologia não são inerentemente menos seguros do que os derivados de cruzamento convencionais. Os extensivos testes que são realizados comprovam uma garantia de segurança maior do que os alimentos que são consumidos hoje, sem mapeamento genético. Contudo, este é tema de outro capitulo mais adiante.
Um dos exemplos em ter feito a biotecnologia se desenvolvido ao longo dos séculos e que deve ser considerado, é que mais de quarenta variedades geneticamente modificadas, através do processo de biotecnologia, já foram mundialmente aceitas. Uma delas é o organismo chamado Bacillus Thuringiensis10.11
9 Op. cit, p. 80.
10 Organismo que ocorre na natureza, da qual se extrai um gene, que produz uma proteína que tem como
propriedade matar insetos.
11 XXXXXXXXX, Xxxxxxx, 2008, p. 10.
No caso da biotecnologia agrícola em especial, apesar do êxito no crescimento da área plantada de cultivos transgênicos, ainda há vários fatores para aperfeiçoar a obtenção dos seus benefícios para a sociedade.
Xxxxx Xxxxxx Xxx, em seu artigo sobre a percepção pública e seus impactos na regulamentação e no desenvolvimento da biotecnologia agrícola, diz que:
Somente as “commodities” desenvolvidas por multinacionais para grandes mercados internacionais estão sendo comercializadas. Os procedimentos regulatórios da agrobiotecnologia moderna são tão rigorosos, caros e longos que apenas os cultivos de alto valor comercial conseguem passar pelo oneroso processo e chegar a mesa dos consumidores12.
Assim, entende-se que não são todos os produtos que passam pelo crivo da Indústria para que seja deferido seu processo tecnológico de transgenia, muitos projetos não são financiados, ou seja, a CTNBIO que é o órgão competente para analisar as licenças pode aprovar ou não seu uso para comercialização, caso entenda que o estudo não fora realizado adequadamente. Exemplo disso foram os algodões que teve, aqui no Brasil, seu financiamento tardio, para o combate as pragas.
Esse complicado fator de regulamentação proibitiva é muito influenciado pelos riscos potenciais ou especulativos muitas vezes exacerbados pelos movimentos contrários a esta tecnologia, se considerarmos que todos os cultivos existentes, hoje, na agricultura moderna sofreram manipulações no genoma com técnicas convencionais, que vão além do “natural” e que impõem riscos muitas vezes similares, e que não sofrem o mesmo processo de avaliação de risco, como os transgênicos13.
Mesmo diante deste complicador, não inibiu a biotecnologia de avançar e se desenvolver, principalmente nos países da América do Norte, como os Estados
12 ODA. Xxxxx Xxxxxx. Percepção pública e seus impactos na regulamentação e no desenvolvimento da biotecnologia agrícola. Londrina- PR: Eduel. 2009.p. 359.
13 Idem, Ibidem.
Assim, diante do exposto acima acerca desta Era na ciência da biologia e os efeitos que geraram com esta tecnologia, vamos abordar no próximo item, como é a questão deste impacto nos Países da América Latina, mais especificamente, o Brasil.
1.2 O Futuro da biotecnologia no Brasil
O Brasil é um país com uma grande esfera de oportunidades para a biotecnologia, especialmente no setor agrícola, bem como na saúde humana e animal, e para o meio ambiente. Por possuir uma vasta biodiversidade natural, com biomas distintos, como cerrados, florestas, pantanal, caatinga, enfim, possui uma indústria de biotecnologia relativamente grande e um mercado com uma ampla capacidade de pesquisa tecnológica.
O setor de público de pesquisa brasileiro contribui significativamente para solucionar vários problemas nacionais e reduzir custos na área da saúde, com a produção, por exemplo, de vacinas recombinantes contra hepatite B e outras proteínas recombinantes e vem avançando ainda mais, buscando novas soluções para enfermidades de importância local, como malária e doença de chagas14.
O trecho abaixo fora extraído da Palestra realizada pelo engenheiro agrônomo e chefe-geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Dr. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx.
14 ODA. Xxxxx Xxxxxx, 2009,p. 361.
O fato notório da humanidade é que o mundo vai, inevitavelmente, produzir mais alimentos numa área cada vez menor. Ocorre que este espaço não vai aumentar o que terá que aumentar são os rendimentos destes alimentos15.
Entendemos que com a era da biotecnologia, surgiram muitas descobertas na área da biologia molecular, afetando consequentemente todo o metabolismo primário e secundário desses genes. Ocorre que com toda a descoberta por trás dessa tecnologia, ela ainda não passou da fase do produzir plantas que possuem características agrônomas importantes, tais como reduzir a necessidade de inseticidas nas plantas resistentes a vírus, substituindo os herbicidas que são mais agressivos para a natureza, além de serem do ponto de vista econômico, menos vantajoso.
O que ocorre é que o mercado de agroquímico é muito forte, além de ser muito caro, estima-se uma média em torno de 40 bilhões de dólares. No Brasil o ponto crítico é que somos um país que consome muito agroquímico, pagamos em média 2.5 bilhões de dólares para este mercado16.
A pergunta que fazemos é o que acontece com este agroquímico? E chega- se a conclusão que utilizamos três milhões de toneladas de inseticidas no mundo para diminuir uma perda de 30% causadas pelas pragas e após 50 anos, verificamos que continuamos a perder 30% da lavoura mundial para as pragas17.
O problema é que todo e qualquer projeto que envolva os transgênicos já gera uma insegurança, e ninguém quer financiar por tais ideias, principalmente das indústrias. Este é um problema grave de quem faz ciência, não tem a possibilidade de financiar, enfim, soluções para problemas graves.
No Brasil, existem vários outros problemas, principalmente quando se verifica que o mundo esta plantando hoje quase quarenta milhões de hectares com
15 Transcrição da Palestra proferida pelo Dr. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx, realizada realizado pela ABIA – Associação Brasileira das Industrias da Alimentação. Exposto no livro Coletânea de Palestras. Tema: “Segurança dos Alimentos Derivados de Biotecnologia”. 2002. P.72
16 Idem, Ibidem.
17 CASTRO. Xxxx Xxxxxxx, 2002, p. 73.
transgênicos. E quem esta plantando são os nossos maiores competidores no mercado internacional, quais sejam: Estados Unidos, Canadá, Argentina, e também a China, forte potência que esta investindo no Algodão resistente a inseto18.
Um dos grandes pontos do futuro da tecnologia no Brasil é com relação ao preço dos alimentos. Há mais de 20 anos o preço dos produtos nacionais para os consumidores, esta intimamente ligado à sua produção rural, ou seja, todo o processo de circulação do produto para chegar as estantes dos supermercados.
Em geral, metade de um produto alimentício que pagamos corresponde a sua distribuição e industrialização, a outra metade a produção agrícola.
O fato é que as empresas do segmento de biotecnologia no Brasil têm crescido consideravelmente, desde 2007, sendo a saúde humana e a agricultura as suas atividades predominantes. Sendo em Minas Gerais a cidade que se concentra 25% destas empresas19.
O Brasil tem o 2º maior contingente de cientistas qualificados fora dos países desenvolvidos, mas infelizmente, o numero de patentes é ainda, muito baixo. Possuímos também a maior diversidade do planeta, 200 mil espécies de plantas, animais e microrganismos conhecidos, podendo chegar a 1.800.000,00. Isto significa 1/5 de toda a diversidade mundial20.
Um dos principais frutos da biotecnologia é o desenvolvimento de vários Organismos Geneticamente Modificados (OGM´s), que passaram a oferecer possibilidades e alternativas importantes para vários problemas de cunho econômico, e de melhoria na qualidade de vida humana e do meio ambiente. Por outro lado, o desenvolvimento da biotecnologia também trouxe preocupações com as questões de biossegurança, que será tratada em capitulo especifico.
18 Idem, Ibidem.
20 Idem, p. 78.
Atualmente no Brasil, além da soja, já foram liberados para plantio e comércio, o algodão resistente a inseto (Algodão BollGard® 531 Monsanto), em 2005, o milho resistente a inseto (Milho Liberty Link Bayer Cropscience) em maio de 2007, e mais recentemente, o Milho Xx 00 (Xxxxx Xx 00 Xxxxxxxx Xxxxx) e o Milho MON810 (miho Guardian Monsanto)21
Em suma, um estudo feito pela consultoria Céleres e divulgado pela Associação Brasileira de Sementes e Mudas – Abrasem – sobre impactos econômicos e socioambientais dos transgênicos nas lavouras brasileiras, mostrou que a biotecnologia agrícola já proporcionou aos agricultores benefícios econômicos em torno de US$ 18,8 bilhões de dólares22.
Com a previsão de novas liberações dos transgênicos e aprimoramento das tecnologias atuais, estima-se que o beneficio econômico total da adoção dos transgênicos nos próximos dez anos, no Brasil devem chegar a US$ 118,2 bilhões de dólares23.
1.3 O impacto do Uso da Biotecnologia nos países da América Latina
Após a segunda guerra mundial, a pressão por produção de alimentos passou a ser maior e com isso novos conhecimentos foram necessários para acelerar esta produção24.
A biotecnologia foi a tecnologia que trouxe essa aceleração no processo para a obtenção de resultados, além de agregar valores aos produtos criados e auxiliar na produção de tecnologias mais amigáveis ao meio ambiente, permitindo que a
22 Conselho de Informações sobre Biotecnologia. Adoção da biotecnologia garante benefícios de US$ 18,8
bilhões ao Brasil. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx.xxx?xxx00000. Acesso em 24 de março de 2013.
23 Idem, Ibidem.
sociedade rural obtenha mais renda, com menos esforço físico e consequentemente, mais condições de se manter estável.25
Inúmeros fatores devem ser analisados para a aceitação da cultura transgênica, entre eles, os sociais, ambientais, econômicos, culturais, educacionais, religiosos, bem como o entendimento desta sociedade acerca da real necessidade e aplicabilidade desta tecnologia para sua vida diária.
A aceitabilidade pública da biotecnologia esta ligada fortemente à clara demonstração dos reais benefícios desta tecnologia a todos os segmentos da cadeia produtiva em que o produto esta inserido.
Dentre os países do Mercosul, a Argentina é o que apresenta maior experiência, o que levou o país a ter a maior área de cultivo mundial de transgênicos e ser o segundo maior país exportador mundial de OGM’s. Dentre os produtos comerciais liberados estão, a soja, o algodão, o milho, a colza26 entre outros27. A Argentina possui seu enfoque similar aos países considerados fortes nestes mercados, como Estados Unidos e Canadá. 28
Para os países do MERCOSUL, o que tem se verificado é que tem se desenvolvido estruturas para tratar da biossegurança dos produtos OGM’s. Ocorre que o problema dos transgênicos não é apenas sua rejeição por parte da sociedade leiga no assunto, mas sim uma forte e imensurável luta pela disputa do poder.
O Brasil, infelizmente, assim como outros países da América Latina, não tem habilidade de influenciar mercado. O Brasil não é formador de preço, mesmo oferecendo o melhor produto. O mesmo ocorre com a carne e o trigo argentino, a lã uruguaia ou as frutas chilenas29.
25 Ibidem, p. 363.
26 Colza ou couve-nabiça (Brassica Napus) é uma planta de cujas sementes se extraem o azeite de colza, utilizado também na produção do biodiesel. No Brasil, é conhecido popularmente, como óleo de canola.
27 PIPOLO. Xxxxxxx, 2009, p.315.
28 Idem, Ibidem.
29 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx,2002, p.86.
O que se tem visto, portanto, é que a América Latina não esta planejando o futuro de sua agricultura no mercado internacional. Mesmo possuindo um cenário extremamente favorável, ainda estamos andando em passos lentos e morosos, comparados com países desenvolvidos.
O crescimento da população no mundo esta ocorrendo a índices próximos a 1.3% ao ano. O planeta terá aproximadamente nove bilhões de habitantes em 2025, e a população rural esta caindo drasticamente. Conclui-se com esta pesquisa, que a América Latina esta perdendo mercado, concentrando-se em discutir obtenção de plantas, ao invés de serem mais eficazes como produtores agrícolas30.
Após o explanado acima e toda a exploração da biotecnologia no Brasil e no Mundo, o próximo capítulo analisará o que é esta tecnologia, seu conceito, aplicação e efeitos.
30 Idem, p.89.
2 ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
2.1 Organismos Geneticamente Modificado e Organismo Transgênico
O termo geneticamente modificado tem sido amplamente empregado na descrição das aplicações de tecnologia do DNA recombinante na alteração genética de animais, plantas e microrganismos. Essa tecnologia moderna desenvolvida em 1973 permite a transferência do material genético de um organismo pra outro eficientemente31.
Com estas novas técnicas de engenharia genética, qualquer gene de qualquer organismo pode ser isolado e transferido para o genoma de qualquer outro ser vivo. Esta possibilidade amplia os recursos genéticos para o melhoramento de plantas e animais, resultando na obtenção de organismos geneticamente modificados, também denominados para alguns especialistas, organismos transgênicos.32
A insulina humana, os hormônios de crescimento humano, as plantas resistentes a vírus, a insetos e a herbicidas, plantas capazes de resistir a condições climáticas, de interesses farmacêuticos, bactérias geneticamente modificadas capazes de degradar resíduos oleosos da indústria do petróleo e lixo tóxicos, são alguns exemplos de substâncias e produtos que têm sido produzidos por meio da biotecnologia moderna. 33
No item 2.2, do presente estudo que trata das Aplicações dos Organismos Geneticamente Modificados, serão citados outros exemplos de aplicações práticas da biotecnologia moderna.
Importante esclarecer que, ainda que os termos geneticamente modificado e transgênico sejam empregados, na maioria das vezes, como sinônimos, existe uma diferença semântica entre eles.
31 XXXXXXXXX, Xxxxxxx, 2008, p. 4.
32 Idem, Ibidem.
33 PIPOLO. Xxxxxxx, 2009, p.327.
Conceitualmente, na visão da Dra. Xxxxxxx Xx Xxxxxx Xxxxxxxxx “todo transgênico é um OGM, mas nem todo OGM é um transgênico” 34.
Isso ocorre, porque se considera transgênico o organismo cujo material genético foi alterado, por meio de genes provenientes de organismos de espécies diferentes da espécie do organismo alvo. Estes genes que são inseridos artificialmente nos organismos vivos, são denominados de transgenes.
Organismos geneticamente modificados, por sua vez, podem ser transgênicos ou não. Se o organismo alvo for modificado geneticamente por um ou mais genes provenientes de um organismo da mesma espécie do organismo alvo, este é considerado um organismo geneticamente modificado e não um transgênico.35
Conclui-se, portanto, que para ser transgênico, o organismo alvo tem de ter seu material genético diferente dos genes que farão o procedimento. Todavia, para os organismos geneticamente modificados, os genes têm de ser provenientes da mesma espécie.
No entendimento de Xxxx Xxxxx Xxxxxxx:
A denominação de Organismo Geneticamente Modificado ou OGM tem sido utilizada ultimamente como uma expressão de impacto negativo ao material genético resultante de procedimentos biotecnológicos, como a transferência
genética. 36
Acontece que ambas as expressões são resultantes de processos tecnológicos que acabam por alterar sua constituição genética. Assim sendo esta distinção entre os termos “geneticamente modificado” e “transgênico” não é unânime, muito ainda se discute em relação às definições desses dois termos, principalmente para a elaboração de leis de rotulagem desses organismos.
34 Idem, Ibidem.
35 XXXXXXXXX, Xxxxxxx, 2008, p. 23.
36 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx, 2001, p. 89.
2.2 A aplicação dos organismos geneticamente modificados
Já se pode verificar até este tópico do presente estudo que os organismos geneticamente modificados foram e ainda são uma tecnologia que impulsiona a ciência básica para a melhoria e o desenvolvimento, possuindo sua importância dentro da biotecnologia moderna.
Com isso a aplicação dos OGM´s pode ser aplicada para diversos segmentos dentro da ciência biológica, todavia como o presente trabalho apenas se atém aos alimentos geneticamente modificados iremos abordar com enfoque, as plantas e sementes, pois nosso objetivo é mostrar, inclusive, as estratégias das empresas no mercado de sementes geneticamente modificadas.
2.2.1 Aplicação dos organismos geneticamente modificados no campo vegetal: as sementes.
Com a tecnologia do DNA recombinante surgiu a possibilidade de produzir plantas geneticamente modificadas, visando obter determinadas características de interesse.
As plantas geneticamente modificadas (GM´s) podem ser classificadas em três gerações:37
• 1ª Geração: Plantas com características agronômicas de resistência a herbicidas, pestes e a vírus. Primeiras plantas a serem desenvolvidas. Maioria das sementes aprovadas para comercialização pertence a esta geração.
• 2ª Geração: Plantas com características nutricionais. Melhoradas qualitativa e quantitativamente. Poucas são autorizadas para comercialização. Porém os plantios experimentais são crescentes e volumosos em vários países do mundo.
37 XXXXXXXXX, Xxxxxxx, 2008, p. 10.
• 3ª Geração: Plantas destinadas a síntese de produtos especiais. Ex. Vacinas, anticorpos, hormônios.
Podemos extrair como um exemplo o Milho Bt, ele é geneticamente modificado e já é utilizado na agricultura orgânica como alternativa aos inseticidas convencionais, protegendo a lavoura de ataque de insetos. 38
Várias marcas do Milho Bt já receberam autorização para comercialização em diversos países, inclusive, no Brasil. Embora muitos cientistas estejam convencidos dos benefícios dos OGM´s, outros, e particularmente, o público em geral, por muitas vezes, não conhecerem a fundo a tecnologia dos transgênicos, desconfiam de seu uso, temendo a liberação desses organismos deliberada ou acidentalmente no ambiente.
Em 1999, uma história se tornou manchete em todos os jornais e revistas, recebendo atenção especial dos ambientalistas em todo o mundo. Pesquisadores da Cornell University 39 tinham demonstrado que o pólen do milho geneticamente modificado (Bt), estaria matando as borboletas monarcas. Muitas manchetes em todo o mundo, principalmente na Europa, dera origem a uma exaltada manifestação, com ações políticas. 40
Ativistas se mobilizaram para obter a proibição mundial da biotecnologia agrícola, solicitando que o governo dos Estados Unidos retirasse as sementes do milho Bt do mercado.
A história acima é um bom exemplo de como a emoção pode influenciar a análise objetiva do que entendemos por risco, criando muitas vezes, consequências negativas. Na verdade empresas, agrônomos e agentes reguladores não foram surpreendidos com as manchetes e o estudo da respeitada Universidade. O milho foi
38 Idem, p.18.
39 Universidade privada de Ithaca, Nova York.
40 XXXXXXX, Xxxxx. Engenharia Genética e Biotecnologia. 2ªedição. São Paulo-SP: Artmed. 2002., p. 289.
cuidadosamente testado e avaliado antes de sua comercialização. Utilizando-o como agente de controle biológico desde 1938. 41
Importante analisar os riscos e benefícios desta tecnologia de forma objetiva, sem se deixar influenciar somente por orientações ou entendimentos de cunho estritamente ambiental e sociológico. Temos que tratar do assunto, visando o princípio da prevenção e da precaução, assunto este que será tratado em capítulo especifico, levando-nos a entender que não existe em nenhum segmento da ciência, da biotecnologia, da biossegurança, até mesmo da ciência convencional, aquilo que denominamos de risco zero.
Conforme Extrato Prévio nº. 3314/2012, disposto no site da CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, em 04 de Setembro de 2012, fora aprovado a autorização da licença de Milho Bt, para a empresa multinacional Syngenta Seeds Ltda42, conforme transcrito abaixo:43
O Presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, no uso de suas atribuições e de acordo com o Artigo 14, inciso XIX, da Lei 11.105/05 e do Art. 5, inciso XIX do Decreto 5.591/05, torna público que encontra-se em análise na Comissão o processo a seguir discriminado: Requerente: Syngenta Seeds Ltda.
Ementa: A requerente solicita à CTNBio autorização para conduzir liberação planejada no meio ambiente de milho geneticamente modificado resistente a insetos e tolerante a herbicidas (Ref.Interna SYN120707), contendo os genótipos Bt11, MIR162, MIR604 e TC1507, e os eventos combinados Bt11 x MIR 162 x GA21, 5307 x MIR604 e Bt11 x MIR162 x TC1507 x GA21. Os experimentos serão realizados na Unidade de Apoio a Pesquisa da Syngenta Seeds Ltda., Fazenda Catuçaba, Uberlâncida/MG.
A CTNBio esclarece que este extrato prévio não exime a requerente do cumprimento das demais legislações vigentes no país, aplicáveis ao objeto do requerimento.
41 Idem, Ibidem.
42 Syngenta Seeds, empresa de proteção de cultivos e biotecnologia com sede na Suíça. Consideradas uma das maiores industrias de sementes do mercado global.
43 CTNBio. Documentos Publicados no Diário Oficial da União. Disponível em:
xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxx/xxxx/00000.xxxx. Acesso em 03/04/2013.
A CTNBio informa que o público terá trinta dias para se manifestar sobre o presente pleito, a partir da data de sua publicação. Solicitações de maiores informações deverão ser encaminhadas, por escrito, à Secretaria Executiva da CTNBio. (grifos nossos).
Desta forma, o Presidente da CTNBio pelo Extrato acima, autoriza a empresa a produzir o Milho Bt, todavia dentro das conformidades da Lei de Biossegurança, lei esta que regulamenta o processo de produção e comercialização das sementes geneticamente modificados.
2.3 Alimentos Transgênicos
No tópico anterior, foi abordado sobre a aplicação dos organismos geneticamente modificados, dando como exemplo o Milho Bt, que é um dos alimentos em que a biotecnologia genética, através de DNA recombinante foi implantado, e hoje, já possui autorização para sua comercialização.
Nesse tópico abordaremos os alimentos obtidos por manipulação genética, que são submetidos a processos de engenharia genética.
Algumas organizações, como por exemplo, Greenpeace44 e a Adena-WWF45 é a de exigirem uma suspensão da produção e comercialização destes alimentos geneticamente modificados. Estas organizações acreditam que, no momento, os riscos sanitários, ecológicos, sociopolíticos e econômicos, são inaceitáveis, ao passo que a imensa maioria dos alimentos obtidos por esta tecnologia é desnecessária. 46
Claramente, a palavra desnecessária, não seria a mais coerente para argumentar acerca dos transgênicos. Não podemos, nos esquivar ao ponto de ignorarmos, de como qualquer ciência, possui seus riscos, todavia, há também que se pontuar os benefícios desta tecnologia, que de desnecessária não tem nada.
44 Organização não Governamental, fundada no Canadá, com sede em Amsterdã. Atua internacionalmente em questões relacionadas à preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável.
45 Organização não Governamental, fundada na Espanha, que atua nas questões relacionadas ao meio
ambiente e a conservação da natureza.
46 XXXXXXXXX, Xxxxx, 2009, p.78.
Na visão da Dra. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxxx00:
Muito pode ser dito sobre os contras dos transgênicos, há vários artigos na internet. Entendo que há vários riscos ambientais, com efeitos diretos sobre os seres vivos, o solo e a água, e com efeitos indiretos. A ameaça à diversidade biológica e além da poluição genética, a erosão da diversidade genética e a interrupção da reciclagem de nutrientes e de energia. Na verdade, pouco se conhece cientificamente sobre os efeitos diretos do produto dos transgenes em organismos-alvo, no solo e na água, os poucos estudos sobre pássaros ou outros animais que consomem insetos que se alimentam de plantas transgênicas ainda não são conclusivos.
É nítido e notório que a aplicação do DNA recombinante em plantas, gerou um aumento na capacidade de produção de alimentos. O fato é que os agricultores e empresas desses segmentos tornaram-se altamente competitivos. Qualquer resultado, como por exemplo, o aumento da produtividade por hectare, que seja capaz de depositar um quilo de carne, uma caixa de pão ou de ovos em um supermercado para o consumidor, em um tempo menor e com menos trabalho, é de alto valor para a sociedade. É a visão do custo/beneficio
A devastação pela fome vai muito além que a escassez de alimentos. Através de pesquisas e estudos, feitos por especialistas, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – FAO48 - estima-se que 49:
• 925 (novecentas e vinte e cinco) milhões de pessoas no mundo não comem o suficiente para serem consideradas saudáveis.
47 Graduada em Medicina Veterinária, na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP, Especialista em Produção animal, em Toyama Research Institute, TRI, no Japão. Doutora em Produção Animal, pela University of Reading, na Inglaterra e Pós Doutorado pela Universitá Degli Studi di Firenze, UNIFI, Tadjaquistão.
os países desenvolvidos e em desenvolvimento, se reúnem em igualdade para negociar acordos, debates, políticas e impulsionar iniciativas e estratégias. Sede em Roma, na Itália. Fundada desde 1945.
49 Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura Notícias. O que você precisa saber sobre a
fome Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxx0000.xxx>. Acesso em 29 de março de 2013.
• 578 (quinhentos e setenta e oito) milhões de pessoas que passam fome vivem na Ásia e na região do Pacífico. A África responde por pouco mais de ¼ da população com fome do mundo.
• A fome é o número um na lista dos 10 maiores riscos para a saúde. Ela mata mais pessoas anualmente, do que a AIDS, malária ou tuberculose juntas.
• 1/3 das mortes entre crianças menores de cinco anos de idade, nos países em desenvolvimento, esta ligada a desnutrição.
• A fome é o único grande problema solucionável que o mundo enfrenta
hoje.
Diante dos dados acima, mais que nunca a penúria alimentar desses eventos da humanidade precisa ser sanada através da produção suficiente de alimentos. Claro que este é alguns dos modos de sanar a fome no Mundo, muitos outros processos e acordos devem ser feitos, para que possamos diminuir estes números em consideravelmente. Todavia, a biotecnologia é um caminho, que inegavelmente não podemos ignorar, nem tampouco denominá-la de desnecessária.
Assim, as conquistas tecnológicas que promovam maior capacidade de produção de alimentos devem ser valorizadas na proporção exata de sua importância.
No próximo capítulo continuaremos tratando dos Alimentos transgênicos, todavia, com enfoque e desenvolvimento dos potenciais riscos e benefícios desta tecnologia.
3 OS RISCOS DA MANIPULAÇÃO GENÉTICA
Entendemos que a descoberta de que os alimentos geneticamente modificados iriam chegar ao mercado, foi sem dúvida, motivo de grande movimentação, conforme exposto acima, fazendo a opinião pública brasileira acordar para esta tecnologia, que trouxe ao mundo além de muita polêmica, grandes evoluções.
Vimos que a ideia de se imaginar ingerindo comidas e alimentos transgênicos, fez com que as pessoas criassem, sem conhecimento de causa, enormes fantasmas, diante de compararem esta ciência moderna, com uma energia nuclear, sendo uma tecnologia incompreensível, fora do controle público e capaz de colocar em circulação ameaças contra a saúde humana.
Concluímos que tais pessoas com os argumentos expostos no parágrafo anterior foram inegavelmente motivadas pela ignorância e desconhecimento do assunto acerca desta tecnologia.
Por mais angustiante que seja o fato é que anos de estudos, ainda não foram suficientes para espantar totalmente os fantasmas criados pela sociedade. O presente capítulo tem como objetivo oferecer algumas respostas parciais acerca do assunto. Talvez sejam, informações suficientes para que cada um tire suas próprias conclusões dentro de argumentos sólidos.
3.1 A polêmica no Brasil
A polêmica chegou ao Brasil com certo atraso, se comparado a países da Europa e Ásia onde a questão dos transgênicos é assunto de destaque há muitos anos, sendo defendido ferozmente por ambientalistas.
Em 1998, uma associação de agricultores no sul da Índia lançou uma campanha “Operação cremar a Monsanto50”, com objetivo de arrancar e queimar pé de algodão transgênico plantado, segundo eles, ilegalmente. 51
Protestos e manifestações começaram a surgir em larga escala, principalmente no continente europeu. No Brasil, desde junho de 1998 a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), começou a examinar um pedido de licença da Monsanto para comercializar a soja transgênica, denominada de Roundup Ready. A licença foi deferida, conforme transcrito abaixo, sob o argumento de que nada haveria de temer do ponto de vista da biossegurança.
I- Processo nº 01200.002402/98-60. Interessado: Monsanto do Brasil Ltda. CGC: 61.740.049/0001-75.
Assunto: Solicita da CTNBio liberação comercial de soja geneticamente modificada tolerante ao herbicida Roundup Ready.
Ementa: A interessada vem requerer a liberação comercial da soja Roundup Ready, bem como de qualquer germoplasma derivado da linhagem “glyphosate tolerant soybean”(GTS) 40-30-2 ou de suas progênies geneticamente modificadas para tolerância ao herbicida Roundup®. Esta solicitação compreende a livre prática de atividades de cultivo, registro, uso, ensaios, testes, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, importação e descarte da referida soja. A interessada colecionou informações sobre a caracterização molecular, desenvolvimento de genótipos, segurança ambiental, segurança alimentar e dados bibliográficos da soja Roundup Ready, submetidas juntamente com sua solicitação à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, que analisou o pedido e emitiu parecer técnico conclusivo. O presente pedido refere-se, apenas, à soja transgênica para o gene cp4-epsps (promotor 35S, região de peptídio de trânsito para o cloroplasto, região de codificação para a enzima 5-enolpiruvato-chiquimato-3-fosfato sintase - EPSPS, região 3' do gene nopalina sintase) que confere tolerância ao referido herbicida.
Decisão: A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio concluiu, em sua 5ª Reunião Extraordinária, realizada no dia 24 de
50 Companhia Monsanto, é uma indústria multinacional de agricultura e biotecnologia, fundada em 1901, em Missouri, nos Estados Unidos. Sendo o produtor líder de sementes geneticamente modificadas.
51 XXXXX, Xxxxxxx. Os Alimentos Transgênicos. São Paulo-SP. Editora PubliFolha, 2000., p.11.
setembro de 1998, a avaliação de biossegurança (ambiental e alimentar) sobre o uso, em escala comercial, do cultivar de soja geneticamente modificada “Roundup Ready”. O parecer técnico conclusivo refere-se aos genótipos derivados da linhagem de soja GTS 40-3-2 ou de suas progênies, tolerantes ao herbicida Glifosate, de acordo com a solicitação encaminhada à CTNBio pela empresa Monsanto do Brasil Ltda. (processo nº 01200.002402/98-60).
A. Análise do Processo
A CTNBio concluiu que não há evidências de risco ambiental ou de riscos à saúde humana ou animal, decorrentes da utilização da soja geneticamete modificada em questão. Tal conclusão baseou-se nos seguintes elementos:
A.1. Elementos Ambientais
A.1.1. A soja é uma espécie predominantemente autógama, cuja taxa de polinização cruzada é da ordem de 1,0%. Trata-se de espécie exótica, sem parentes silvestres sexualmente compatíveis no Brasil. Assim sendo, a polinização cruzada com espécies silvestres no ambiente natural não é passível de ocorrência no território nacional.
A.1.2. A soja é uma espécie domesticada, altamente dependente da espécie humana para sua sobrevivência. Portanto, não há razões científicas para se prever a sobrevivência de plantas derivadas da linhagem GTS 40-3- 2 fora de ambientes agrícolas. Além disso, na ausência de pressão seletiva (uso do Glifosate), a expressão do gene inserido não confere vantagem adaptativa.
A.1.3. O evento de inserção do transgene está molecularmente caracterizado e não foram observados efeitos pleiotrópicos decorrentes desta inserção, em estudos conduzidos em diversos ambientes.
A.1.4. Existem, no Brasil, pelo menos três espécies conhecidas de plantas daninhas que são naturalmente tolerantes ao herbicida glifosate (Poaia Branca – Richardia brasiliensis; Trapoeraba – Commelina virginica; Erva Quente – Spermacoce latifolia). A utilização do Glifosate no Brasil não ocasionou, nas últimas décadas, o aparecimento de outras espécies de plantas daninhas a ele tolerantes. A introdução de cultivares tolerantes ao Glifosate não aumentará a pressão de seleção sobre as plantas daninhas, em termos de concentração do Glifosate (produto/área).
A.1.5. Não há evidências de que a utilização rotineira do herbicida Glifosate nas lavouras de soja no Brasil tenha efeito negativo no processo de fixação
biológica de nitrogênio. Esta observação está baseada em ensaios realizados por entidades governamentais e privadas brasileiras, onde o uso continuado do herbicida não afetou a nodulação e a produtividade dos cultivares de soja. O gene marcador nptII, que confere resistência à Kanamicina, não foi transferido para a linhagem GTS 40-3-2.
A.1.6. Não há indicação de que o uso de cultivares derivados da linhagem GTS 40-3-2 levará a alterações significativas no perfil e na dinâmica de populações de insetos associados à cultura da soja convencional.
A.2. Elementos da Saúde Humana e Animal
A.2.1. A CTNBio concluiu que a introdução do transgene não altera as características da composição química da soja, com exceção da acumulação da proteína transgênica CP4 EPSPS. Esta conclusão de equivalência de composição química é baseada em avaliações realizadas através de metodologia científica, publicadas em revistas científicas indexadas e de circulação internacional. A segurança da proteína CP4 EPSPS, quanto aos aspectos de toxicidade e alergenicidade, também, foi comprovada. É importante registrar que, após a utilização da soja geneticamente modificada e de seus derivados na América do Sul, Central e do Norte, na Europa e na Ásia, não foi verificado um só caso de desenvolvimento de reações alérgicas em humanos que não fossem previamente alérgicos à soja convencional. Adicionalmente, é importante registrar que indivíduos sensíveis à soja convencional continuarão sensíveis à soja transgênica e, portanto, não deverão fazer uso deste produto.
A.2.2. A análise dos resultados descritos na literatura não confirmou um possível aumento, na soja geneticamente modificada, da concentração de proteínas que reagem com uma combinação de soros de pacientes alérgicos à soja convencional. De fato, os artigos científicos disponíveis e citados sobre a matéria mostraram que a expressão do transgene não resultou no aumento dos níveis de proteínas reativas, especialmente daquelas de peso molecular próximo a 30 kilodáltons, a uma combinação de soro de indivíduos sensíveis à soja comercial (BURKS and XXXXX, 1995, Journal of Allergy and Clinical Immunology, 96: 1008-1010). Os autores do artigo científico acima mencionado afirmaram que “nossos estudos demonstram que a introdução do gene codificador da proteína EPSPS, que confere tolerância a Glifosate, não causou modificação discernível, qualitativa ou quantitativamente, na composição de proteínas alergênicas endógenas de soja em qualquer dos cultivares resistentes a Glifosate analisados”.
B. Parecer Técnico Conclusivo
Fica aprovada a solicitação encaminhada à CTNBio pela empresa Monsanto do Brasil Ltda. 52 (grifos próprios).
Outra planta geneticamente modificada que esta em discussão no Judiciário é o do Milho Liberty Link, que teve Parecer Técnico favorável pela CTNBio para sua comercialização, contudo as ONG´s, não concordando com tal posicionamento entraram com Ação Civil Pública, pleiteando tal proibição. Recentemente foi publicado o seguinte acórdão que deu parecer favorável a sua comercialização:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA - CTNBIO. VÍCIO NA LIBERAÇÃO DE COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTO GENETICAMENTE MODIFICADO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO.
A autorização de liberação comercial do milho geneticamente modificado constitui ato administrativo, cuja observância da legalidade, princípio insculpido no art. 37 da CF/88, sujeita-se ao crivo do Judiciário, na forma de inúmeros precedentes julgados por este Tribunal e pelo STJ. Proferida, pela CTNBio, a decisão técnica em questão no exercício da competência legalmente a ela atribuída, resta o procedimento administrativo em tela de acordo com as exigências legais.
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo da parte autora e, por maioria, dar provimento ao apelo da parte ré União, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. (RELATORA DESEMBARGADORA FEDERAL XXXXX XXXXX XXX XXXXXXX. 3ª TURMA .(UNANIMIDADE). DATA DO JULGAMENTO: 06/03/2013. PUBLICADO NO DJE 06/03/2013. APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº. 5000629-66.2012.404.7000/PR).
(grifo nosso).
Assim, diante da polêmica e das fortes opiniões de ambos os lados, contras e a favor, a sociedade com conhecimento limitado acerca do tema, como era de se esperar, questionou, se realmente os transgênicos fazem ou não mal?
52 Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. Aprovações Comerciais. Plantas. Soja. Comunicado 54. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxx/xxxx/00000.xxxx. Acesso em: 05.04.2013.
A verdade é como quase sempre ocorre no mundo da ciência, não há uma resposta clara, muito menos definitiva. Todavia, os princípios da Precaução e Prevenção são além de basilares, também norteadores para esta tecnologia, restando claro que toda liberação que é concedida pela CTNBio, é deferida através de estudos, análises, pareceres de profissionais técnicos especializados e até hoje não foi comprovado cientificamente que os OGM´s são de fato, arriscado a sociedade.
3.2 Instrumentos Legais
A existência de legislações favoráveis ou pelo menos não restritivas ao OGM não corresponde a uma aceitação da tecnologia pela opinião pública. A engenharia genética nasceu e ainda permanece polêmica, por mais que normas tenham sido criadas para sua regulamentação.
3.2.1 A Agricultura, a Ciência, Tecnologia o Direito e a Democracia
Vimos que a atividade mais típica do ser humano tem sido interagir com a natureza, no sentido de modificá-la segundo as próprias necessidades individuais ou no grupo societário ao qual pertence.
Em um sentido mais amplo, pode-se dizer que a natureza, tem sido considerada ao longo dos anos, como algo que precisa ser domado, retirado de seu estado selvagem, através de cuidados do homem, para sua preservação.
Outros acontecimentos históricos viriam a alterar significativamente as práticas agrícolas, como a Revolução Industrial 53 . A utilização do vapor como substituição da força humana e animal, viria aos poucos a mecanizar a agricultura, acelerando, portanto, as práticas comerciais da colheita. Seria, assim, a tecnologia industrial, outro fator que impulsionou a racionalização dos fatores da natureza, seja
53 Conjunto de mudanças tecnológicas, com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Iniciada no Reino Unido, em meados do Século XVIII, em que as máquinas começam a substituir o homem, denominada de Revolução Industrial.
na produção de alimentos ao homem e aos animais domesticados por eles, seja na utilização mais adequada da terra.
Assim, após a Revolução Industrial foi possível constatar que a ciência estava intimamente ligada à economia e sua globalidade. Com este avanço acelerado da ciência convencional para a ciência moderna, a introdução de produtos químicos como pratica corrente na agronomia, para a melhoria do solo, tratamento da água, combate a plantas ou animais nocivos, surgiu a necessidade de regulamentação destas atividades, nascendo então, através do Direito Internacional, normas, decretos, Acordos, enfim, instrumento legais com o intuito de controlar e reger estes setores da agricultura.
3.2.2 O aparato Jurídico Internacional
A seguir serão descritos, conforme dito acima, os Acordos, Leis, Normas, Decretos internacionais que regem as negociações comerciais, os direitos de propriedade intelectual sobre organismos vivos, as questões relacionadas ao acesso da biodiversidade e a preservação do meio ambiente, bem como a rotulagem dos OGM’s, tema este que será também tratado no presente estudo.
3.2.2.1 Convenção da União de Paris (1883)
Esta Convenção deu origem ao hoje denominado sistema internacional da propriedade industrial, que inclui o sistema de patentes e marcas. Possuindo como princípios basilares a prioridade, independência e igualdade.54
O Princípio da prioridade que confere ao requerente da patente a prioridade para requerer, em 12 (doze) meses um pedido de patente em qualquer país membro, considerando como se tivesse sido requerido na data do primeiro pedido.
O Princípio da independência institui que as patentes requeridas durante o prazo de prioridade, são independentes.
54 GUERRANTE, 2009, p.74.
E o Princípio da Igualdade entre estrangeiros e nacionais, segundo o qual os estrangeiros devem ter tratamento idêntico ao conferido aos nacionais do país onde for requerida a patente.
3.2.2.2 Convenção sobre a Diversidade Biológica CDB (1992)
Foi o primeiro acordo internacional a reconhecer o direito de soberania de um país com relação aos seus recursos genéticos, bem como a responsabilidade deste de facilitar o acesso a estes recursos, foi a CDB, sigla designada a esta Convenção, assinada por 150 países em 92, e hoje já constam 170 países aderindo a este acordo.55
Seu principal objetivo é a adoção de medidas para a conservação e o uso sustentável dos recursos biológicos.
Para este acordo o acesso aos recursos genéticos tem limite, obrigando os países a adotarem medidas legislativas, administrativas ou políticas para assegurar o acesso e a transferência destas tecnologias protegidas por direitos de propriedade intelectual.
3.2.2.3 Agenda 21 (1992)
Foi instituída durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), realizada no Rio de Janeiro. Possuí 40 capítulos, sendo um compromisso extenso, com informações sobre políticas de cooperação internacional a serem adotadas, visando a melhoria da qualidade de vida das populações de todo o mundo, bem como a preservação e recuperação do meio ambiente. A Agenda 21, foi ratificada por mais de 130 países. 56
3.2.2.4 Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATT (1994)
55 Idem, p. 75.
56 Idem, ibidem.
É um instrumento internacional de negociações comerciais, com vários acordos já firmados, em inglês é denominado, General Agreement on Tariffs and Trade, por tal a sigla GATT.57
Seu objetivo é harmonizar as políticas aduaneiras dos Estados signatários.
Esta na base da criação da Organização Mundial do Comércio
3.2.3 O aparato jurídico brasileiro
No Brasil os avanços na engenharia genética estão submetidos a um controle legal complexo e rigoroso. Sendo o assunto, descrito no texto constitucional, além de ser objeto de lei específica acerca do tema.
3.2.3.1 Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA (1981)
A lei estabelece que, a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, e capazes de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente, integrado pelo SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente e do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
Desta forma, para ser autorizada qualquer atividade e engenharia genética no Brasil, deve passar pela avaliação do SISNAMA.
3.2.3.2 Constituição Federal (1988)
Estabelece ao Poder Público preservar a diversidade e a integração do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético, controlando a produção e comercialização, visando a qualidade de vida e o meio ambiente.
57 Wikipédia, a enciclopédia livre.. Acordo Geral de Tarifas e Comércio. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx/xxxx/xxxx. Acesso em 29 de março de 2013
3.2.3.3 Lei de Agrotóxicos (1989)
Lei especifica que dispõe sobre os agrotóxicos e afins. Desta forma certos OGM’s, destinados a preservar os produtos agrícolas, respondem também ao regime da Lei dos Agrotóxicos, pois mesmo que sua finalidade seja benéfica, são considerado afins. Um exemplo é o Milho Bt, que foi geneticamente modificado para ser resistente ao ataque de insetos predadores.58
3.2.3.4 Código de Defesa do Consumidor - CDC (1990)
O Código de Defesa do Consumidor garante a informação do consumidor, como consequência das suas prerrogativas constitucionais, baseado no direito de escolha. Este direito passa a não ser respeitado quando o mercado não assegura as informações que os vários sujeitos envolvidos na relação comercial (consumidor, fornecedor e Poder Público), necessitam para tomar decisões conscientes sobre a eventual aquisição do produto.59
3.2.3.5 Lei de Biossegurança (1995)
Por meio desta Lei, criou-se a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, mais conhecida popularmente como CTNBio. A legislação tem como fundamento preservar o meio ambiente, a biodiversidade e a saúde humana, de modo a assegurar a adequação dos procedimentos das pesquisas envolvendo a Biotecnologia moderna e o regular uso da engenharia genética.
Após elucidações acima sobre os principais instrumentos legais que fundamentam e regulam a Biotecnologia moderna, importante continuarmos nosso estudo, abordando mais especificamente sobre a Biossegurança, a Lei dita acima, que normatiza esta tecnologia e todo o conceito extraído acerca deste importante assunto.
58 GUERRANTE, 2008, p.82
59 Idem, p.84
3.3 Biossegurança no Brasil
Já vimos que a nova biotecnologia revolucionou o processo de melhoramento de plantas, conseguindo assim, plantas mais nutritiva e com uma grande diminuição no custo da produção.
Por outro lado, não podemos esquecer, nem tampouco ignorar que esta tecnologia também trouxe preocupações com as questões de segurança e bioética, tanto na manipulação laboratorial como no que diz respeito a potenciais danos ecológicos diante da liberação e trânsito, no ambiente de organismos transgênicos.
Biossegurança, na visão da FAO, significa:
O uso sadio e sustentável em termos de meio ambiente de produtos biotecnológicos e aplicações para a saúde humana, biodiversidade e sustentabilidade ambiental, como suporte ao aumento da segurança alimentar global. 60
Desta forma as normas adequadas para regulamentar o uso, bem como os instrumentos de rastreamento são necessários e indispensáveis para se prevenir os danos à saúde humana e ao meio ambiente.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxx, diz que toda nova tecnologia deve ser analisada previamente com o objetivo de se evitar que sua utilização resulte em risco para o homem e o ambiente. 61
A adoção de legislações que regulamentassem a prática e o uso da manipulação genética passou a ser condição fundamental para países que detêm a liderança nesta área. No Brasil, a biossegurança encontra-se adiantada, até mesmo mais avançada que o próprio desenvolvimento tecnológico e social.
60 XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Riscos dos Transgênicos. Petropolis-RJ. Editora Vozes. 2000, p. 41.
61 XXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxx da. Biotecnologia na agricultura e na agroindústria. Guaiba-RS. Editora
Agropecuária. 2007. p. 421.
Importante então, termos o conceito de especialistas acerca do que é a biossegurança. Na visão da engenheira química Xxxxxxx Xx Xxxxxx Xxxxxxxxx:
Biossegurança é o conjunto de ações voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação de riscos inerentes à atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços, riscos que podem comprometer a saúde do homem, dos animais, do meio ambiente ou a qualidade dos trabalhos desenvolvidos.62
No Brasil, foi criada a Lei de Biossegurança, como já exposta no tópico anterior, em 1995, visando regulamentar o art. 225 da Constituição Federal, em que responsabiliza o Poder Público pela preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético do país.
Assim fazer uso da biossegurança significa adotar procedimentos específicos para evitar ou reduzir os potenciais riscos destas atividades.
Desta forma, iremos no próximo item tratar da segurança e padrões acerca dos alimentos derivados da biotecnologia.
3.3.1 Segurança dos Alimentos derivados da Biotecnologia
Xxx Xxxxx Xxxxx, deixa claro em sua palestra que, o padrão de segurança dos alimentos, é o chamado “razoável certeza de não causar dano”,63 ou seja, não se pode aplicado o “risco zero” aos alimentos, nem tampouco aos alimentos geneticamente modificados.
Assim, importante esclarecermos que todo o alimento contém substâncias tóxicas, exemplo da mandioca que contém cianeto de hidrogênio, altamente tóxico e precisa ser processada para reduzir o teor de toxidez; tomates, batatas, abóbora e
62 GUERRANTE, 2008, p. 92.
Indústrias da Alimentação. Exposto no Livro Coletânea de Palestras. Tema: Alimentos Geneticamente Modificados, Segurança Alimentar e Ambiental. Pg. 44. 2002
salsão, também são alguns dos alimentos, que contém toxinas, sem passar por nenhum processo de transgenia.64
Então o que é importante ter em mente, é que independente de estarmos tratando da biotecnologia ou de alimentos geneticamente modificados, o fato é que nenhum alimento seja ele, transgênico ou orgânico, irá fornecer a sociedade o “risco zero”, pois senão não teríamos alimentos para consumir.
Dessa forma o padrão dos alimentos é o de razoável certeza de não causar dano, porém sem garantia de segurança absoluta. A segurança dos alimentos derivados da biotecnologia é um procedimento muito rigoroso e a Lei de Biossegurança surgiu exatamente para comprovar e regular este processo.
3.3.2 Princípio da Prevenção e da Precaução
Importante antes de qualquer coisa conceituar estes dois princípios basilares e norteadores para as questões relacionadas aos produtos químicos.
Na visão do doutrinador Celso Xxxxxxx Xxxxxxx00:
O princípio da prevenção se aplica a riscos “certos”, a perigos conhecidos. Enquanto que o princípio da precaução se aplica para os riscos “incertos”, ou seja, riscos que podem se concretizar ou não. Frise-se, porém, que neste caso, é fundamental o suporte de uma prova científica mínima como forma de evitar uma aplicação por demais rigorosa, o que levaria a um imobilismo.66
O Princípio da Precaução foi proposto na Conferência realizada no Rio de Janeiro, em 1992, tendo neste ato, a seguinte definição:
64 Idem, Ibidem.
65 Advogado, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP, MBA em Gestão Financeira e Risco
FIPECAPI/USP. Sócio no Escritório de Advocacia Xxxxxxx Advogados.
SRS. 2011, p. 3
O Princípio da Precaução é uma garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano. 67
Para a doutrinadora Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx:
O Princípio da Precaução, que é típico do direito ambiental, também inverte o ônus da prova: se não comprovou que não há risco, não introduza. Poderíamos conceber o princípio da prevenção de danos e a proibição de introduzir no mercado produtos que acarretem riscos à saúde e segurança do consumidor como base para uma ação semelhante.68
Conforme exposto acima, este princípio torna-se norteador para a utilização da bioética. Ocorre que com a noção de dano, o individuo passou a buscar respostas mais objetivas para saciá-lo de suas aflições ou até mesmo evitá-las.
Assim, importante distinguir um princípio do outro, para que seja possível os órgãos tomadores de decisão examinarem caso a caso, dentro dos conceitos pertinentes a cada princípio.
No entendimento de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx:
No Princípio da Prevenção os riscos são conhecidos e, assim, podem ser reduzidos ou eliminados; já a precaução, figura quando não existe um nexo causal entre os supostos danos ou não existe certeza absoluta seja da causa, seja de que um dano realmente ocorrerá.69
Nesse sentido, podemos concluir que o ônus da prova de que os produtos transgênicos não produzem efeitos nocivos recairá sobre seus produtores, visando à aplicação lógica do princípio da Prevenção.
67 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O Princípio da Precaução. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxxxx.xx/xxxxxx.xxx>. Acesso em 30 de março de 2013
68 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx, Contratos de Defesa do Consumidor. 3.ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
p.201.
69 LUCHESI, 2011, p. 54.
É, sem dúvida, dois dos princípios mais importantes da biossegurança, pois são a base que sustenta a obrigatoriedade da análise de riscos desta tecnologia. Riscos estes, que serão analisados no tópico seguinte, do presente estudo.
É o Princípio da Prevenção que obriga o empreendedor a realizar o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, previsto pelo art. 225, inc. IV da Constituição Federal e que também serviu como argumento definitivo para a questão da rotulagem de produtos transgênicos. 70
Tal princípio é fruto da necessidade de se lidar com as consequências dos danos ambientais causados pelos mais diversos setores. Desta forma, se não for possível a base científica definir os efeitos ou os níveis de contaminação de certo produto, é mais prudente ao Estado e aos cidadãos exigirem que o provável causador do dano ambiental seja compelido a provar que a atividade específica ou o uso de certos produtos não irão afetar o Meio Ambiente. 71
O princípio da Precaução é em sua essência, um princípio prudente. Entretanto, constata-se que na prática, muitas vezes se uso o conceito de forma absoluta e, consequentemente para alguns, distorcida. Segue exemplo:72
A interpretação do Greenpeace: para a ONG britânica, nenhuma atividade com possível potencial impactante no meio ambiente deve ser permitida, a menos que se prove o contrário.
Se as atitudes da sociedade frente à liberação de OGM’s na natureza fossem orientadas por esta interpretação acima, a ciência pouco ou nada evoluiria, uma vez que nenhuma atividade é 100% segura.
70 XXXXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. Biossegurança & Patrimônio Genético. Curitiba-PR. Juruá Editora. 2008, p. 64.
71 Idem, p.65.
72 GUERRANTE, 2008, p. 98.
O princípio da Precaução, pelo exposto acima sofre muitas criticas, por sua aplicação, na prática, poder causar muitas vezes mais danos do que benefícios.
Temos que ter em mente, que o riso zero é impossível em qualquer atividade humana, muitas atividades que trouxeram benefícios a sociedade, como por exemplo, a transfusão de sangue, fornos de microondas, café, teriam que ser proibidos, ou nunca teriam existido em decorrência deste princípio.
Conforme entendimento abaixo de Celso Xxxxxxx Xxxxxxx:
O que precisa ser entendido é que nosso sistema jurídico admite atividades que possam causar danos ao meio ambiente, mas quer conhecê-los e reduzi-los no que for possível. Veja-se que a construção de estradas e de usinas hidrelétricas certamente vão ocasionar danos, mas, por vezes, em vista da necessidade de desenvolvimento são inevitáveis. Então, o Principio da Prevenção age, via Estudo de Impacto Ambiental, para que se conheçam os possíveis danos e a partir daí se autorize ou não o empreendimento. Por isso a existência de órgãos reguladores e fiscalizadores instituídos pelo Estado.
Portanto, entendemos que o mesmo deve ser analisado de forma objetiva, para que não gere retrocesso no processo e no avanço da ciência, principalmente no que tange aos organismos geneticamente modificados.
Importante verificarmos que o principio da precaução, não é um princípio absoluto, e que, por isso deve ser sempre aplicado com outros princípios, como o da sustentabilidade e da justiça.
3.4 Riscos Inerentes ao Processo Produtivo com Organismos Geneticamente Modificados
A utilização desta nova tecnologia pode trazer riscos, isso é fato e ponto mais que consolidado no estudo desta ciência moderna. É necessário verificar que os riscos advindos desta tecnologia são muito menores do que os das tecnologias usadas no passado.
A engenharia genética vem sendo estudada desde 1976 e os riscos claramente, fazem parte destes estudos, sendo eles, o ponto basilar de qualquer nova tecnologia. O avanço da ciência traz com si, uma prevenção muito maior e sem duvida um progresso neste setor.
3.4.1 Potenciais riscos e benefícios da tecnologia dos OGM’S
3.4.1.1 Potenciais benefícios
Conforme já tratado em capítulos anteriores os transgênicos, conforme estudos científicos são considerados benéficos, conforme alguns exemplos abaixo:
✓ Biorremediação: técnica de descontaminação de locais sujeitos a contaminação. Com esta técnica é possível combater estes herbicidas. Um dos campos mais promissores da biotecnologia visa o emprego de microrganismos geneticamente modificados para o tratamento destes locais. 73
✓ Tolerância das plantas a condições climáticas e de solo adversas: um estudo feito em 1997 mostrou uma pesquisa com plantas transgênicas capazes de produzir ácido cítrico nas raízes e proporcionar melhor tolerância a alumínio nesses solos (frios/seca/salinidade/acidez).74
✓ Aumento da produtividade das colheitas: alguns estudos mostram que a produtividade em colheitas geneticamente modificadas parece ser maior que a de colheitas convencionais. 75
✓ Redução de custos de plantio para o agricultor: a redução dos custos de produção de culturas geneticamente modificadas decorre da soma de vários
73 CONSTANTINOV, 2008, pg. 72.
74 Idem, pg. 76.
75 Idem, Ibidem.
fatores, como diminuição da quantidade de defensivo aplicada, redução dos gastos com combustível para o maquinário empregado, entre outros.76
✓ Síntese de fármacos e vacinas com menor custo e em maior quantidade: por meio da engenharia genética podem-se produzir vacinas e biofármacos. Exemplos de doenças como leucemia, esclerose múltipla e hemofilia, são tratadas através desta tecnologia. Uma doença de grande destaque para a população é a diabetes, que dependem de insulina para que seja possível estabilizar o nível da glicose no sangue. Foi através da engenharia genética que fora possível desenvolver insulina humana para o tratamento da diabetes.77
3.4.1.2 Potenciais Riscos
Importante também, termos conhecimento dos Potenciais Riscos, que podem advir desta tecnologia, seguem alguns exemplos:
✓ Tecnologia Terminator: é a introdução de3 (três) genes nas plantas, cada um com uma função, a fim de torná-la estéril, ou seja, a planta não pode reproduzir outra safra/colheita. Qual o intuito da introdução destes genes nestas plantas?
Para promover esta tecnologia as empresas que detém as patentes dos genes que conferem esta esterilidade alegam que esta tecnologia lhe garante o retorno financeiro (LUCRO) dos grandes investimentos feitos no desenvolvimento de sementes transgênicas. 78
Na realidade, este processo é uma garantia que as grandes empresas possuem para que os agricultores não guardem sementes de uma safra para o plantio em safra posterior e que comprem, assim, sempre das empresas detentoras
76 Idem, pg. 78.
77 Idem, Ibidem.
78 GUERRANTE, 2008, pg. 101.
desta tecnologia as sementes geneticamente modificadas e seus respectivos defensivos agrícolas, fornecendo a estas multinacionais, o monopólio do mercado.79
Sem dúvida o pequeno/médio agricultor sofre com a implantação desta tecnologia, pois deixa de exercer o seu papel, que é o de melhorar a biodiversidade, através de cruzamentos e seleção de sementes.
✓ Elevados custos de produção: para o agricultor e para o meio ambiente a engenharia genética, conforme dito acima, a transgenia trouxe conseqüências e uma delas, senão for a principal, foi os elevados custos e investimentos que estas produções exigem para que seja possível plantar sementes geneticamente modificadas.
Um vídeo exposto no site do YouTube, para acesso e conhecimento de todos, chamado “O Mundo segundo a Monsanto”80 explica de forma bem genérica, todavia, recomenda-se que seja assistido, para quem possui uma base sobre o assunto. Tendo em vista o mesmo ter sido feito por uma empresa francesa e a Europa ser completamente contra o uso dos transgênicos. É sensato assistir ao vídeo, com uma visão, além de crítica, ampla para os dois lados.
O documentário expõe a questão dos altos custos de investimentos para se produzir sementes geneticamente modificadas, principalmente na Índia. E as enormes dívidas que são contraídas por estes pequeno-médios agricultores em decorrência do monopólio das grandes empresas.
Particularmente entendemos que o documentário é pautado, como um todo, em uma crítica a empresa multinacional e sua política interna para alcançar o lucro, do que uma posição contra o uso dos transgênicos.
Vimos, por meio das patentes, as grandes empresas deste mercado, passam a cobrar taxas de transferência tecnológica pelo uso desta tecnologia que é
79 GUERRANTE, 2008, p. 34.
80 Youtube. O Mundo segundo a Monsanto. Disponível em:
xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx/xxxxxxx?xxxxxx_xxxxxxXxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. Acesso em: 02/04/2013.
embutida na semente. Além disso, o agricultor é obrigado a assinar um contrato em que se compromete a não plantar na safra seguinte a mesma semente para replantio, concordando, inclusive, com que a empresa retire amostras dos plantios, a cada compra de sementes.
Mais uma vez, segundo o documentário, os agricultores entrevistados informam que as grandes empresas, “invadem” sua propriedade para retirar amostras e para tanto, verificar se está havendo o replantio de sua tecnologia. O que de fato, não é esclarecido pelo vídeo é o que expressamente prevê no contrato em que ambas as partes assinaram, de comum acordo. Ou seja, se existe Cláusula autorizando a empresa de vistoriar, a cada período, a propriedade do agricultor para resguardá-la de sua propriedade intelectual, não há que se falar em “invasão de propriedade”.
Desta forma, entendemos que o vídeo tem um cunho informativo/social, de extrema importância e deve ser respeitado, todavia, os extremos quando não estudados, se tornam radicais, levando a uma população se tornar detentora de conhecimento limitado.
Sem dúvida, o intuito do presente trabalho é observar e expor o contrato de fornecimento destes alimentos em face ao direito à informação do Código de Defesa do Consumidor, que será tratado no capítulo seguinte.
4 O CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ALIMENTOS GENETICAMENTE MODIFICADOS EM FACE DO PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO NO CDC
4.1 Aspectos Gerais sobre o Código de Defesa do Consumidor
4.1.1 Conceito de Consumidor e Fornecedor
O artigo 2°, caput, do CDC, dispõe que: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Pela simples leitura do dispositivo legal, será considerado consumidor qualquer pessoa – física ou jurídica – desde que seja destinatário final do produto ou serviço. Contudo, a expressão “destinatário final”, por ser um conceito indeterminado, gera problemas na sua definição e interpretação.
Segundo Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, o Código de Defesa do Consumidor optou pelo conceito econômico de consumidor, afirmando que:
O conceito de consumidor adotado pelo código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem que no mercado de consumo adquire os bens ou então contrata a prestação de serviços como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de outra atividade negocial. 81
Assim, nessa linha de entendimento, para ser considerado consumidor, o produto deve ser adquirido ou o serviço utilizado para satisfazer um interesse ou necessidade pessoal.
A doutrina conceitua o destinatário final com destinatário fático e destinatário econômico. O destinatário fático é quem retira o produto da cadeia produtiva; e o
81 In: XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxxxx (Coord.) Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.18.
destinatário econômico é aquele que adquire o produto ou utiliza o serviço para satisfazer um interesse ou necessidade pessoal.
A definição de fornecedor foi muito bem delimitada no artigo 3.° do CDC que assim conceitua:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Verifica-se que o conceito de fornecedor estabelecido pela lei consumerista é amplo, e torna possível a identificação de todos os participantes da cadeia produtiva desde a fabricação até o último elo que se forma quando da aquisição do bem pelo consumidor como destinatário final do produto ou serviço. E, até mesmo os profissionais liberais – advogados, engenheiros, dentistas - serão considerados fornecedores, pelo conceito do artigo 3°do CDC.
Portanto, podemos concluir que será considerado fornecedor quem desenvolve habitualmente uma atividade profissional para oferta de um produto ou serviço ao consumidor.
4.1.2 Doutrina Finalista e Maximalista
Com base nesses conceitos de destinatário, sobre o campo de aplicação do CDC, encontramos duas teorias, quais sejam: a dos finalistas e a dos maximalistas.
A professora Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, ao comentar sobre a teoria finalista, afirma que:
Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser
destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso não haveria a exigida ‘destinação final’ do produto ou serviço 82
E ainda, a doutrinadora acima afirma que:
Para os finalistas, pioneiros do consumerismo, a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores. Esta tutela só existe porque o consumidor é parte vulnerável nas relações contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art.4°, I. Logo, convém delimitar quem é consumidor e quem não é. Propõe, então, que se interprete a expressão ‘destinatário final’ do art. 2°de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos nos arts. 4°e 6°.83
Verificamos, na obra da ilustre professora, para teoria finalista, a retirada do produto da cadeia produtiva não é suficiente para caracterizar o consumidor como destinatário final, deve a pessoa adquirir o produto ou utilizar o serviço na satisfação de um interesse pessoal. Logo, para esta parte da doutrina, haverá a necessidade da conjugação dos conceitos de destinatário fático e econômico para ser possível a aplicação das normas de proteção do Código de Defesa do Consumidor.
Por esse raciocínio, estaria excluída do conceito de destinatário final a pessoa jurídica e o profissional. Entretanto, por influência da doutrina francesa e belga, a teoria finalista passa a admitir que seja reconhecido como consumidor a pessoa jurídica e o profissional desde que o produto ou serviço esteja fora da sua atividade principal, ou seja, não vislumbre o lucro. 84
Agora, para teoria maximalista, as regras do CDC são voltadas à proteção da sociedade de consumo, destinadas a todos os seus participantes e não somente ao consumidor. Afirmam que a retirada do produto do mercado de consumo é suficiente para que o adquirente venha a ser considerado consumidor, ou seja, basta que seja
82 MARQUES, 1999. p.142.
83 Idem, p. 141.
84 Idem, Ibidem.
destinatário fático, pouco importando a destinação que será dada ao produto, ou se tem finalidade de lucro ou não na aquisição do produto ou serviço.
Para demonstrar que essas correntes podem gerar injustiças, o professor Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxx, lança o seguinte exemplo:
(...) pessoa de vastas posses adquire, para seu uso, um veículo com valor aproximado de 300 mil reais; enquanto um vendedor autônomo adquire automóvel popular do mesmo fabricante, instrumento necessário para o exercício da sua profissão. Pois bem: fiando-nos na pureza da teoria finalista, o primeiro dos adquirentes estaria acobertado pelos princípios protetivos do CDC, enquanto o segundo não – o que, à evidencia, traduz situação de extrema injustiça.
A teoria maximalista, muito embora pareça a mais justa em face da amplitude, também gera distorções graves. Tomemos como exemplo uma grande multinacional de fabricante de veículos que adquire, para utilização em seu processo produtivo, parafusos de uma microempresa. Ou uma rede de hipermercados que compra do pequeno produtor rural potes de mel para revenda. Elas poderiam ser consideradas partes vulneráveis na relação jurídica como decorreria da adoção pura da teoria maximalista? A resposta, à evidência, é negativa 85
Vale ressaltar que na doutrina encontramos adeptos da teoria maximalista, mas de forma limitada, como é o caso do entendimento trazido por Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, o qual sustenta que o produto ou serviço quando tem a finalidade de consumo, está à disposição de todos no mercado, se aplicará integralmente o CDC, independente do fim que lhe é dado. Todavia, caso o bem tenha finalidade exclusiva de produção, não está à disposição de todos no mercado de consumo, mesmo identificado seu destinatário final, não se aplicará as disposições do CDC.86
No direito comparado, a jurisprudência francesa reconheceu a vulnerabilidade do profissional que não possui conhecimento técnico especial e fora de sua atividade profissional, merecendo a proteção das leis aplicáveis aos direitos dos consumidores. A doutrina belga reconheceu que as contratações que não visem o
85 XXXXX, Motauri Xxxxxxxxxx, Interesses Difusos em Espécie. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.203.
86 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva,
2000.p.84.
lucro, seja pelo profissional ou pela pessoa jurídica, se assemelham a relação de consumo. Já no direito alemão, o seu Código Civil define consumidor como pessoa física que celebra contratos, que não tenham finalidade comercial ou com sua atividade profissional. 87
A atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a existência da relação de consumo quando ocorre destinação final do produto ou serviço, e não nos casos em que o produto seja utilizado para outra atividade produtiva. Dessa maneira, para o Egrégio Tribunal, o consumidor será considerado destinatário econômico final quando o produto ou serviço não tiver qualquer relação direta ou indireta com a atividade desenvolvida pela pessoa, mas sim for adquirido para atendimento de uma necessidade própria, pessoal do consumidor.
Para os transgênicos o posicionamento no Superior Tribunal de Justiça, encontra-se pacificado acerca do produtor rural não ser considerado consumidor, segue entendimento transcrito abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRODUTOR RURAL. COMPRA E VENDA DE INSUMOS AGRÍCOLAS. REVISÃO DE CONTRATO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NÃO APLICAÇÃO. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. Esta Corte Superior consolidou o entendimento no sentido de que no contrato de compra e venda de insumos agrícolas, o produtor rural não pode ser considerado destinatário final, razão pela qual, nesses casos, não incide o Código de Defesa do Consumidor.
2. Ausente a relação de consumo, torna-se inaplicável a inversão do ônus da prova prevista no inciso VIII do art. 6º, do CDC, a qual, mesmo nas relações de consumo, não é automática ou compulsória, pois depende de criteriosa análise do julgador a fim de preservar o contraditório e oferecer à parte contrária oportunidade de provar
fatos que afastem o alegado contra si. Precedentes.
3. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa. RELATOR DESEMBARGADOR XXXX XXXXXX XXXXXXX ACÓRDÃO 04ª TURMA nº. 86.914 (UNANIMIDADE) DATA DO JULGAMENTO 21/06/2012
87 Idem, pg. 90.
PUBLICADO NO DJE EM 28/06/2012. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL 2011/0205783-).
Diante das teorias aqui mencionadas e do posicionamento do STJ acima, para o caso dos transgênicos, temos como certo que não sendo o adquirente do produto ou do serviço destinatário econômico final não há dúvida quanto a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor porque não há a presunção de sua condição de consumidor.
Portanto, a pessoa física ou jurídica será considerada consumidor se for a destinatária econômica do produto ou serviço, contudo, o destinatário fático também poderá sê-lo, mas dependerá da análise do caso concreto pelo Poder Judiciário.
4.1.3 Consumidor por equiparação
Como já mencionado, o CDC equipara a condição de consumidor, que está definida no seu artigo 2º,caput, às pessoas nas disposições trazidas pelo parágrafo único do artigo 2°., e pelos artigos 17 e 29 todos do CDC.
Nos termos do parágrafo único do artigo 2°do CDC será atribuída a qualidade de consumidor a coletividade de pessoas, mesmo que não identificadas, desde que tenham intervindo nas relações de consumo.
Analisando a disposição do parágrafo único do artigo 2° em relação ao previsto em seu caput, somente será considerado consumidor a coletividade que tenha participado como destinatário final do produto ou do serviço. Ou seja, essa coletividade de pessoas deve estar ligada ao fornecedor por meio de uma relação jurídica de consumo.
Neste sentido é o entendimento de Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx que afirma:
A intervenção da coletividade nas relações de consumo só pode ocorrer, a partir do momento que cada uma dessas pessoas haja intervindo, per se, na relação de consumo, na qualidade de destinatário final do produto ou serviço. Regrar-se-ão, pois, as aplicações objetivas do parágrafo único do art. 2.° às normas do Código de Defesa do Consumidor na mesma esteira outorgada ao seu caput. Mister se faz, por conseqüência, que a intervenção da coletividade se dê finalisticamente, ou seja, visando-se sempre à destinação final da aquisição ou utilização do produto.”88
Dessa maneira, a proteção das normas do CDC será outorgada a coletividade de pessoas, nos termos do parágrafo único do artigo 2.°desde que seja destinatário final do produto ou do serviço.
O artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor equipara a vítima de acidente de consumo ao consumidor. Para tal equiparação, não será considerada se a vítima é consumidor como destinatário final do produto ou serviço ou tenha intervindo na relação de consumo, basta que tenha suportado os danos decorrentes do acidente de consumo.
Por fim, o artigo 29 do CDC equipara ao consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas as práticas comerciais e contratuais.
Diferentemente do que se exige para ser considerado um consumidor, nos termos do artigo 2°, caput, do CDC, nesse caso, é suficiente que a pessoa, física ou jurídica, esteja exposta as práticas comerciais e contratuais.
4.2 Contratos de Fornecimento de Alimentos Geneticamente Modificados e o Código de Defesa do Consumidor
Já vimos no presente estudo a definição e conceito do que são os organismos geneticamente modificados. Todavia, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, diz:
88 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, Proteção ao Consumidor. Conceito e Extensão. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994.p.191.
Vimos que a novidade inserida no Código de Defesa do Consumidor foi identificar um sujeito de direitos fundamentais construindo para protegê-lo de um sistema de normas e princípios, podendo ter conotações pós- modernas fortes. Tratando-se, pois, de um direito fundamental protegido sobremaneira pelo nosso Estado Democrático de Direito, eis que o consumidor é identificado no âmbito constitucional pátrio.89
Desta feita, o Decreto 4.680 de 24 de abril de 2003, regulamenta o direito à informação, assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor, quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham organismos geneticamente modificados, ou seja, produzidos a partir deles, deverá ser observado. Assim, percebe-se que o presente Decreto contribui com o “diálogo” das fontes, segundo expôs Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, mandando aplicar em seu artigo 6º, as sanções e penalidades do Código de Defesa do Consumidor.
Outro importante princípio que visa atender as necessidades dos consumidores é o princípio da transparência, ele possibilita uma relação contratual mais clara e que cause menos danos entre consumidor e o fornecedor, tendo transparência nas informações acerca do produto a ser vendido, do contrato a ser firmado em todas as fases negociais.
No próximo tópico falaremos sobre o contrato de fornecimento de alimentos geneticamente modificados, seu conceito e diretrizes.
4.2.1 Conceito de Contrato de Fornecimento de Alimentos Geneticamente Modificados
Importante esclarecermos que o contrato de fornecimento é considerado um contrato atípico, previsto no Código Civil no artigo 425, em que expressa que é lícito as partes estipular contratos atípicos, observadas as normas fixadas neste Código.
89 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx, XXXXXX, Xxxxxxx X. Benjamin, MIRAGEM, Xxxxx. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo-SP. 2ªEdição. Revista dos Tribunais. 2006, p.176.
Desta forma o individualismo e o liberalismo econômico permitiram que as partes pudessem concluir contratos que não necessariamente fossem regulamentados pelo legislador, desde que não contrariem os princípios norteadores de qualquer relação contratual, qual seja a boa-fé, função social e justiça contratual.
O Superior Tribunal de Justiça é pacífico no entendimento que o contrato de fornecimento é considerado um contrato atípico, todavia, isso não o exime de ser examinada a luz da legislação especifica que rege o contrato, conforme transcrito abaixo:
PARCERIA RURAL. Aviário. Contrato atípico. Abusividade.
- O contrato celebrado entre a companhia de alimentos e o pequeno produtor rural para a instalação de um aviário destinado à engorda de frangos para o abate, com recíprocas obrigações de fornecimento de serviços e produtos, é um contrato atípico, mas nem por isso excluído de revisão judicial à luz da legislação agrária e dos dispositivos constitucionais que protegem a atividade rural.
- Caso em que as instâncias ordinárias, examinando a prova, inclusive pericial, concluíram pela inexistência de abusividade, seja na celebração, seja na execução do contrato e na fixação do preço final do produto. Incidência das Súmulas 5 e 7/STJ.
Recurso não conhecido. (RELATOR MINISTRO XXX XXXXXX XX XXXXXX. ACORDAO 4ª TURMA. 171989 (UNANIMIDADE) DATA DO JULGAMENTO 20/08/1998. PUBLICADO NO DJ EM 13/10/1998. RECURSO ESPECIAL 1998/0029835-5)
Dessa forma, visando o consumidor final, precisamos entender o papel dos fornecedores por toda a cadeia da relação de consumo, ou seja, qual as responsabilidades destes fornecedores, para com o consumidor, até os produtos chegarem adequadamente nas prateleiras dos supermercados.
A responsabilidade pelas relações de consumo se subdivide em Responsabilidade pelo fato do produto e serviços e Responsabilidade pelo vício do produto e serviços.
O comerciante pode ser qualificado como “fornecedor aparente”, ou seja, aquele que embora não tendo participado do processo de fabricação, apresenta-se como tal pela colocação do seu nome, marca ou outro sinal de identificação; responsabilizando-se subsidiariamente, com fulcro no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, bem como solidariamente, pelo fundamento do artigo 18 do mesmo Código.
O artigo 12 do CDC é categórico ao expor que:
Art. 12 - O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos90
Assim sendo, já está mais que pacificado que os fornecedores respondem solidariamente pelos eventuais produtos ou serviços, que vierem a causar danos aos consumidores finais. Toda a cadeia responde conjuntamente para ressarcir o consumidor dos danos sofridos.
Quando se fala em solidariedade, importante entender que no que se refere a produtos, sempre se verifica uma série de componentes, tais como matéria-prima, insumos básicos, além da informação adequada, embalagem, transporte ou seja, a forma e procedimento, que fez aquele produto ser colocado nas prateleiras, a disposição dos consumidores, por tal é que o produto final, acaba por ser um conjunto de elementos produzidos por vários agentes, havendo, portanto, que se falar em solidariedade das partes, ao responderem por eventuais danos.
O artigo 18 do CDC também segue o mesmo posicionamento de solidariedade, referente aos fornecedores dos produtos, conforme transcrito abaixo:
90 RIZZATO, 2010, p.244.
Art. 18 Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. (grifo nosso).
Entendemos com este artigo, que o mesmo segue a linha de interpretação do artigo 12, exposto acima, ou seja, coloca todos os partícipes do ciclo de produção como responsáveis diretos pelo vício, de forma que o consumidor poderá escolher e acionar diretamente qualquer dos envolvidos, exigindo assim, seus direitos.
4.3 Principiologia nas Relações de Consumo
A relação de consumo é o vínculo jurídico entre o consumidor e o fornecedor, regulada pela Lei 8.078/1990 que trata do Código de Defesa do Consumidor e dispõe sobre a proteção do consumidor. Essa relação jurídica é norteada por princípios que refletem os valores tutelados e protegidos.
O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor estabelece os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, visando o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos determinados princípios.
Eles consistem no estabelecimento de alguns pressupostos básicos previstos pela lei, a serem observados pela sociedade e também pelo Poder Público, que servem de diretrizes para todo o sistema de proteção e defesa do consumidor. Dessa forma, eles são a proteção integral do consumidor, entendida como a que leva em consideração o consumidor (e suas relações) em seus mais diversos aspectos.
Para atingir determinados objetivos, o mesmo artigo estabelece alguns dos princípios norteadores das relações de consumo, tais como o princípio da vulnerabilidade, o do direito à educação e à informação.
Importante ressaltar que os princípios norteadores da relação de consumo não estão alocados apenas no artigo acima mencionado, existem princípios irradiados por todo o Código de Defesa do Consumidor, bem como na Constituição Federal. Ainda, são aplicáveis às relações de consumo os princípios gerais de direito civil, dentre os quais destacamos o principio da boa-fé objetiva.
4.3.1 Princípio constitucional da defesa do consumidor
O Código de Defesa do Consumidor estabelece princípios aplicáveis às relações de consumo, conforme exposto acima. Contudo, antes de adentrarmos aos princípios expostos pela Lei nº. 8.078/90 importante destacarmos brevemente sobre a defesa do consumidor no âmbito da Constituição Federal.
A proteção ao consumidor é princípio de ordem constitucional e assim deve ser interpretado e vislumbrado. O artigo 17091 da Constituição Federal dispõe que:
Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado os seguintes princípios:
(...)
V- defesa do consumidor; (...)
Desta forma, nos termos do artigo supramencionado, a defesa do consumidor é elevada a princípio constitucional de ordem econômica a ser seguido pelo Estado brasileiro e pela sociedade para atingir a finalidade de existência digna e justiça social, mitigando assim a ocorrência de abusos no mercado consumerista.
91 XXXXXX, Xxxxxx Xxxx. Mini Código. São Paulo. Revista dos Tribunais. 11ª Edição. 2008, p. 118-119.
A Constituição, seguindo esta mesma linha, tratou a defesa do consumidor como direito fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XXXII, em que dispõe que “o Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor.” 92
Afirma Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx que:
não há mais como pensar numa hermenêutica jurídico-constitucional sem referir-se aos princípios, como referencia valorativa para a interpretação finalista do direito.93
Entende-se com esta afirmação, que para a correta aplicação do direito é necessária a aplicação e observância dos princípios que regem o sistema jurídico.
Xxxxx Xxxxx Xxxxxx ensina que o princípio da defesa do consumidor:
Esse direito é reconhecido no texto da constituição como fundamental porque o consumidor busca no mercado, na qualidade de não profissional, de destinatário de tudo o que o mercado produz a satisfação de suas necessidades essenciais de alimentação, saúde, educação, segurança,
lazer, etc. 94
Como direito fundamental que é o direito de defesa do consumidor não é exercido pelo seu titular apenas quando um contrato é formalizado:
O consumidor não exerce esse direito fundamental apenas quando esta celebrando um contrato de assistência a saúde ou adquirindo um imóvel para a moradia; esse direito fundamental é indissociável da condição de consumidor, seja em uma relação contratual ou extracontratual. O CDC é uma normatização que visa dar eficiência plena ao preceito constitucional do art. 5º, XXXII. É por tal motivo que o Código não cuidou de um contrato específico, mas de proteger o consumidor em toda a relação, principalmente, no domínio contratual, em que haja relação de consumo entre fornecedor profissional e um consumidor não-profissional. 95
92 Ibidem, p. 26.
93 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. A Nova Interpretação do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 84.
94 XXXXXX, Xxxxx. R. Roque. Direito do Consumidor. 4ª edição.Atlas, 2009, p. 33.
95 Idem, Ibidem.
Diante dos dispositivos supramencionados, bem como do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, podemos afirmar que a defesa do consumidor busca a proteção da pessoa humana, que deve prevalecer sobre os interesses econômicos.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, com relação a importância dos princípios no mundo jurídico, observa que:
Xxxxxx um principio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade (...)96
Assim, podemos concluir a importância dos princípios constitucionais para o nosso ordenamento jurídico, sendo estas linhas mestres, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico.
4.3.2 Princípios na lei Consumerista
Os princípios contratuais trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor são praticamente os mesmos dos contratos civis/comerciais disciplinados pelo Código Civil de 2002. Ressalte-se que não é à toa que o Código Civil de 2002 “repetiu” muito dos preceitos do CDC. Esse trouxe, na época, uma ruptura de paradigma contratual no que diz respeito a forma de contratar, de identificar as partes dessa contratação, das responsabilidades daí advindas e, principalmente, da função social e econômica que há por trás de todos os contratos e contratantes genericamente considerados, e não apenas isoladamente considerado (antiga visão do Código Civil de 1916 e também já afastada pelo Código Civil de 2002).
Como já fora dito anteriormente, o Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública, expressamente dito no artigo 1º da Lei nº. 8078/90, possuindo garantia constitucional.
96 NUNES, 2010, p.65.
Rizzatto Nunes97 repete em seu livro, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, a máxima da doutrina de que caso a Lei nº. 8078/90 se tivesse limitado apenas aos seus primeiros sete artigos, ainda assim o consumidor gozaria de ampla proteção jurídica, pois são efetivamente os primeiros artigos, nos quais constam os princípios constitucionais, que dão a base jurídica teórica para toda interpretação nesse sentido.
No caput do artigo 4º do referido código nos mostra quais os princípios que servem de base para a construção da lei de consumo: Dignidade, Saúde e Segurança, Interesses Econômicos, Qualidade de Vida, Transparência. Vê-se que os princípios mencionados no caput são garantidos constitucionalmente.
Art. 4º. “A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios.” (grifo nosso).
Mais adiante, os incisos do artigo 4º expressam um rol de princípios que devem ser atendidos. Para tanto, nos utilizaremos da doutrina de Xxxxxxxx Nunes 98, a fim de que não incorramos no erro de indicarmos como princípios o que é considerado por grande parte da doutrina como meramente uma garantia legal.
4.3.2.1 Dignidade da Pessoa Humana
A dignidade da pessoa humana, incluindo aqui também o consumidor é uma garantia fundamental que ilumina, abrange todos os demais princípios e normas, nos quais a ela devem respeito, dentro do sistema constitucional soberano brasileiro.
Tal princípio também consta expressamente no caput do artigo 4º da Lei 8078/90 (conforme já citado acima). Em suma, é o princípio do qual emanam todos os demais princípios, sejam do Código de Defesa do Consumidor sejam do ordenamento jurídico como um todo.
97 Ibidem, p.127
98 Idem, Ibidem, Op. Cit. p.127
A dignidade humana é um valor preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato de ser pessoa.
4.3.2.2. Proteção à vida, saúde e segurança
A proteção à vida, à saúde, à segurança também são princípios constitucionais, os quais, tal qual o princípio da dignidade da pessoa humana, constituem um “piso vital mínimo”. 99
Tais princípios são direitos que nascem atrelados ao princípio maior da dignidade, uma vez que, como já dissemos acima, a dignidade da pessoa humana pressupõe a base da pirâmide dos princípios norteadores das relações de consumo.
Ao consumidor é garantida a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.
Em uma sociedade de risco como a que vivemos, fica claro que este é um direito preliminar, atrelado ao princípio maior da dignidade da pessoa humana - art. 4º, caput, Código de Defesa do Consumidor - posto que muitos produtos, serviços e práticas comerciais são perigosos e nocivos para a vida, saúde e segurança do consumidor.
Percebe-se então que a regra do caput do art. 4º descreve um quadro amplo de asseguramento de condições morais e materiais para o consumidor.
4.3.2.3 Garantia das necessidades básicas = protecionismo
Alguns doutrinadores denominam tal princípio como da Proteção e Necessidade nas relações de consumo, pois a Lei n. 8.078/90 estabelece, logo no seu art. 1º, seu caráter protecionista e de interesse social:
99 Idem, Ibidem, Op. Cit. p.127.
Art. 1°. “O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.” (grifo nosso).
Refere-se este princípio aqueles produtos e/ou serviços tidos pelo consumidor como vitais, imprescindíveis, para os quais o Estado precisa intervir a fim de que estas necessidades básicas nunca sejam interrompidas pelo fornecedor.
4.3.2.4 Vulnerabilidade
O consumidor é vulnerável e esse fato foi expressamente reconhecido pelo inciso I do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor. Tal reconhecimento significa que o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza é real e concreta decorrendo de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico.
A primeira esta ligada aos meios de produção, cujo conhecimento é de caráter do fornecedor, e quando se fala em meios de produção importante frisar que não mencionamos apenas os aspectos técnicos e administrativos de fabricação e distribuição, mas também ao elemento fundamental da decisão que é o fato de o fornecedor escolher o que, quando e de que maneira produzir, visando unilateralmente seu lucro, e o consumidor esta a mercê do que é produzido.100
Por isso quando se fala em escolha do consumidor, a mesma já nasce reduzida, pois o mesmo só pode optar por aquilo que já existe e que foi oferecido no mercado.
O segundo aspecto, econômico, diz respeito à maior capacidade que, em regra, o fornecedor tem, em relação ao consumidor.
100 Nunes, 2010, pg. 133.
Tal pressuposto é o motivo pelo qual se verificou no Brasil e mundo afora a necessidade de ser protegido por norma especial, resultado da isonomia prevista na Constituição Federal.
É neste sentido que Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx000 discorre que:
O consumidor “exposto aos fenômenos econômicos, tais como a industrialização, a produção em série e a massificação, assim vitimado pela desigualdade de informações, pela questão dos produtos defeituosos e perigosos, pelos efeitos sobre a vontade e a liberdade, o consumidor acaba lesionado na sua integridade econômica e na sua integridade físico- psíquica, daí emergindo como vigoroso ideal a estabilidade e a segurança, o grande anseio de protegê-lo e colocá-lo em equilíbrio nas relações de consumo.
4.3.2.5 Liberdade de Escolha
O consumidor precisa ter liberdade de escolha dos produtos e/ou serviços que adquire. Este princípio também está diretamente ligado ao da vulnerabilidade, eis que a vulnerabilidade muitas vezes dá-se na relação de consumo por não ter o consumidor à opção de escolher, de discutir, de rever o que lhe é oferecido pelo fornecedor.
Essa garantia Constitucional é um dos elementos fundamentais para que o consumidor esteja inserido no mercado de consumo. Os comerciantes e os fornecedores de modo geral não podem embutir quaisquer práticas abusivas ou coercitivas, mesmo porque o consumidor “não deve ser obrigado a nada”.
Todas as relações de consumo devem ser transparentes, sem ofensa ou prejuízo ao princípio constitucional da liberdade.
101 AMARANTE, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Justiça ou Equidade nas Relações de Consumo. Rio de Janeiro: Xxxxx Xxxxx, 0000, p. 15-16.
A liberdade que o texto garante aos consumidores é o de assegurar que a sociedade seja livre. Isso significa que, concretamente, no meio social, dentre as várias ações possíveis, a da pessoa designada como consumidora seja livre.102
Acontece que em larga medida, é impróprio falar que o consumidor age com “liberdade de escolha”. Isso porque, como ele não tem acesso aos meios de produção, não é ele quem determina o que nem como algo será produzido e levado ao mercado. As chamadas escolhas do consumidor, por isso, estão limitadas àquilo que lhe é oferecido.103
4.3.2.6 Intervenção do Estado = Dirigismo Contratual
O princípio da intervenção estatal está previsto nos artigos 5º, XXXII, e 170, ambos da Constituição Federal, que determina que o Estado tenha o dever de promover a defesa do consumidor, e no artigo 4º, II, CDC. Com base neste princípio o Estado tem obrigação de atuar nas relações de consumo com a finalidade de proteger a parte mais fraca, a saber, o consumidor, por meios legislativos e administrativos, e para garantir o respeito aos interesses deste.
Verifica-se que o Estado tem obrigação de, mediante ação direta ou indireta, proteger os interesses dos consumidores, bem como garantir a efetividade dos direitos desses. A necessidade da intervenção governamental se dá em virtude de o consumidor ser, reconhecidamente, a parte mais fraca da relação jurídica de consumo.
Como já dito anteriormente, o Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública, e como tal, possui intervenção do estado a fim de fazer valer seus preceitos.
4.3.2.7 Boa Fé
102 NUNES, 2010, p. 80.
103 NUNES, Op. Cit. p.81.
Para atender aos anseios da moralização e socialização do contrato, os juristas lançam mão da boa-fé objetiva, a qual tem suas fontes no Direito Romano, com a finalidade de atenuar e limitar a autonomia da vontade, corrigindo seus reflexos, que desencadeiam no desequilíbrio entre as partes.
De fato, é difícil definirmos o conceito do princípio da boa-fé, não só porque ele apresenta múltiplos sentidos relacionados à ideia de justiça que auxiliam na formulação e interpretação dos contratos, mas também por transitarmos em um sistema dogmático-formalista, o qual passa a ceder espaço para um modelo ético- jurídico, obrigando-nos a re-analisarmos os conceitos solidificados através dos tempos.104
A boa-fé deve ser estudada sob dois enfoques: a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva. A que a Lei consumerista incorpora é a chamada boa-fé objetiva, diversa da subjetiva.
No tocante à boa-fé subjetiva, diz respeito à ignorância também denominada concepção ética da boa-fé, traduz-se num dever ser, impondo aos partícipes da relação jurídica o dever de agir com correção, segundo os padrões de comportamento do homem médio, estabelecidos e reconhecidos no meio social. Essa acepção configura um dever jurídico, que obriga a prática de certa conduta em vez de outra, não se limitando a operar como uma justificativa para um determinado comportamento.105
No entendimento de Xxxxxxx, no CDC a boa-fé também aparece como cláusula geral106, no inciso IV do artigo 51: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre
104 Idem, pg.83
105 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Contratos. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 28.
106 “Cláusulas gerais são normas orientadoras sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando-o ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir. As cláusulas gerais são formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizando para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral”. “Cláusula geral não é princípio, tampouco regra de interpretação; é também norma jurídica, isto é, fonte criadora de direitos e obrigações”. “A cláusula geral é norma de ordem pública (v.g. CC 2035, par. ún.) e deve ser aplicada, ex officio, pelo juiz. Com essa aplicação de ofício, não se coloca o problema de decisão incongruente com o pedido (extra, ultra ou infra petita), pois o juiz, desde que haja processo em curso, não depende de pedido da parte para aplicá- la a uma determinada situação. Cabe ao juiz, no caso concreto, preencher o conteúdo da cláusula geral, dando- lhe a conseqüência que a situação concreta reclamar”. XXXX XXXXXX, Xxxxxx. XXXXXXX XXXX, Xxxx X., Código Civil Comentado, 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 190-191.
outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor. Segundo o jurista, a boa-fé esperada no CDC é a objetiva, a qual, segundo sua definição:
(...) boa fé objetiva, que é a que está presente no CDC, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, como pretendem alguns, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, dentro do complexo de direitos e deveres das partes, em matéria de consumo, como regra, há um desequilíbrio de forças. (...)
A boa-fé objetiva funciona, então, como um modelo, um standard, que não depende de forma alguma da verificação da má-fé subjetiva do fornecedor ou mesmo do consumidor107.
Desse modo quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim estimado no contrato, realizando os interesses das partes.108
O princípio estampado no art. 4º da lei consumerista tem, então, como função viabilizar os ditames constitucionais da ordem econômica, compatibilizando interesses aparentemente contraditórios, como a proteção do consumidor e o desenvolvimento econômico e tecnológico. Com isso tem-se que a boa-fé não serve somente para a defesa do fraco, mas sim como fundamento para orientar a interpretação garantidora da ordem econômica.109
Assim a boa-fé merece um destaque especial em nosso trabalho, pois é um dos mais importantes princípios do direito moderno e como não podia deixar de ser, no CDC também o é, dada a reconhecida vulnerabilidade do consumidor.
107 NUNES, Op. Cit. p.131-132.
108 Idem, Ibiem.
109 NUNES, Op. Cit. p.133.
4.3.2.8 Equilíbrio e Igualdade nas contratações
O equilíbrio contratual é um dos objetivos principais, senão o principal da criação do CDC. A certeza de que, em regra, o fornecedor é a parte mais forte, com mais conhecimentos técnicos e na maioria das vezes de superior poder econômico, é que a tentativa de equilibrar a relação contratual com o consumidor com uma lei que minimize essa discrepância entre as partes.
O direito básico dos consumidores à igualdade nas contratações (inc. II, art. 6.º, Lei n.º 8.078/90), apresenta importância não apenas para as partes envolvidas, mas também para o restante do contexto social. Ele é composto de duas faces relevantes: o equilíbrio na contratação considerando seus partícipes diretos. Ou seja, o equilíbrio de forças entre o consumidor e o fornecedor; - e, o asseguramento de que nas relações de consumo, exista sempre a igualdade de possibilidades negociais, bem como o tratamento isento de qualquer discriminação injustificada para com consumidor que busque o fornecimento.
O fornecedor é “senhor do mercado”, porém precisa ser muito bem equilibrada esta natural desigualdade de forças que tende a prejudicar o consumidor. Sinaliza essa perspectiva, o próprio fato da Lei nº 8.078/90, ter sido instituída como Código de Proteção e Defesa do Consumidor (e não como Código das Relações de Consumo), a indicar sua função de reequilibrar relações intrinsecamente desiguais entre o fornecedor (mais forte) e consumidor (mais fraco). A mencionada lei, ao tratar de forma diferente aos desiguais (na medida adequada à sua desigualdade), trouxe a fórmula estabelecida para implementar a igualdade isonômica objetivada pela Constituição Federal.110
É desta forma, o asseguramento expresso do princípio da igualdade exposto no texto constitucional em seu art. 5º, caput, da Constituição Federal.
110 Xxxxx Xxxx Xxxx. A igualdade nas contratações. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx- xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/000/00000/?xxxxxxxxxXxXXXXXXXXXxXXXxXXXXXXXXXXXX. Dez/2007. Acesso em 05/04/2013.
Fica, contudo, estabelecido que o fornecedor não pode diferenciar os consumidores entre si. Ele esta obrigado a oferecer as mesmas condições a todos os consumidores. Apenas irá se admitir certos privilégios aos consumidores que necessitam de proteção especial, como, por exemplo, idosos, gestantes e crianças, exatamente em respeito à aplicação concreta do princípio da isonomia.
4.3.2.9 Função Social do Contrato de Consumo
Com a promulgação do Novo Código Civil, Lei n. 10.406, de 2002, as relações contratuais passaram a se realizar através de um novo prisma, ressaltando princípios como o da boa-fé, equidade e função social dos negócios jurídicos, o artigo 421 do Código Civil estabelece o seguinte: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”
O princípio da função social do contrato possui nítido relacionamento com o princípio da boa-fé, já mencionado acima, que exige que as partes ajam com lealdade e confiança recíprocas, devendo colaborar, mutuamente, na formação e execução do contrato, tudo na mais absoluta probidade.
A liberdade de contratar não é mais absoluta como no século XIX, estando limitada pela supremacia da ordem pública.
Considera-se violado o princípio da função social dos contratos quando os efeitos externos do pacto prejudicar injustamente os interesses da sociedade ou de terceiros não ligados ao contrato firmado.
Desta forma, o interesse social prevalece ao das partes, em outras palavras, o interesse coletivo é prevalecente ao interesse individual, não podendo haver conflito entre eles, pois qualquer contrato repercute no ambiente social.
O que se busca é a realização de um contrato que detenha a função social, ou seja, de um contrato que além de desenvolver uma função de circulação de riquezas, também realize um papel social atinente à dignidade da pessoa humana e
à redução das desigualdades culturais e materiais, segundo os valores e princípios constitucionais.
Na visão de Xxxxxx Xxxxx, essa colocação das avenças em um plano transindividual tem levado alguns intérpretes a temer que, com isso, haja uma diminuição de garantia para os que firmam contratos baseados na convicção de que os direitos e deveres neles ajustados serão respeitados por ambas as partes.111
Não há razão alguma para se sustentar que o contrato deva atender tão somente aos interesses das partes que o estipulam, porque ele, por sua própria finalidade, exerce uma função social inerente ao poder negocial que é uma das fontes do direito, ao lado da legal, da jurisprudencial e da consuetudinária.
Assim sendo, é natural que se atribua ao contrato uma função social, a fim de que ele seja concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o interesse público.
E por fim, adiante trataremos do princípio basilar nas relações de consumo, principalmente referente ao presente estudo.
4.3.2.10 Informação
Com já dito anteriormente um dos princípios básicos do consumidor é o direito a informação acerca dos produtos e serviços. Essa informação deve se basear por meio de especificações corretas sobre qualidade, quantidade, composição, preço e garantia.
O artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor trata da informação pré- contratual, isto é, da informação da publicidade, da rotulagem, que deve chegar ao consumidor para fazer com que ele possa optar por contratar ou não, com conhecimento de causa, segue o artigo transcrito abaixo:
111 XXXXX, Xxxxxx. Função Social dos Contratos de Consumo. Nov. 03. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx.xxx. Acesso em: 05/04/2013.
“Art. 31 A oferta e apresentação dos produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”
O Superior Tribunal de Justiça, já tem pacificado o entendimento acerca da rotulagem nos produtos e o dever positivo do fornecedor de informar adequadamente sobre os eventuais riscos de seus produtos, conforme acórdão abaixo.
1. Mandado de Segurança Preventivo fundado em justo receio de sofrer ameaça na comercialização de produtos alimentícios fabricados por empresas que integram a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação – ABIA, ora impetrante, e ajuizado em face da instauração de procedimentos administrativos pelo PROCON-MG, em resposta ao descumprimento do dever de advertir sobre os riscos que o glúten, presente na composição de certos alimentos industrializados, apresenta à saúde e à segurança de uma categoria de consumidores – os portadores de doença celíaca.
2. A superveniência da Lei 10.674/2003, que ab-rogou a Lei 8.543/92, não esvazia o objeto do mandamus , pois, a despeito de disciplinar a matéria em maior amplitude, não invalida a necessidade de, por força do art. 31 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, complementar a expressão “contém glúten” com a advertência dos riscos que causa à saúde e segurança dos portadores da doença celíaca. É concreto o justo receio das empresas de alimentos em sofrer efetiva lesão no seu alegado direito líquido e certo de livremente exercer suas atividades e comercializar os produtos que fabricam.
3. As normas de proteção e defesa do consumidor têm índole de “ordem pública e interesse social”. São, portanto, indisponíveis e inafastáveis , pois resguardam valores básicos e fundamentais da ordem jurídica do Estado Social, daí a impossibilidade de o consumidor delas abrir mão ex ante e no
atacado.
4. O ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor, mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a circulação dos bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios.
5. O direito à informação, abrigado expressamente pelo art. 5°, XIV, da Constituição Federal, é uma das formas de expressão concreta do Princípio da Transparência, sendo também corolário do Princípio da Boa-fé Objetiva e do Princípio da Confiança, todos abraçados pelo CDC.
6. No âmbito da proteção à vida e saúde do consumidor, o direito à informação é manifestação autônoma da obrigação de segurança.
7. Entre os direitos básicos do consumidor, previstos no CDC, inclui-se exatamente a “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (art. 6°, III).
8. Informação adequada , nos termos do art. 6°, III, do CDC, é aquela que se apresenta simultaneamente completa , gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor.
9. Nas práticas comerciais, instrumento que por excelência viabiliza a circulação de bens de consumo, “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores” (art. 31 do CDC).
10. A informação deve ser correta (= verdadeira), clara (= de fácil entendimento), precisa (= não prolixa ou escassa), ostensiva (= de fácil constatação ou percepção) e, por óbvio, em língua portuguesa.
11. A obrigação de informação é desdobrada pelo art. 31 do CDC, em quatro categorias principais, imbricadas entre si: a) informação-conteúdo (= características intrínsecas do produto e serviço), b) informação-utilização (= como se usa o produto ou serviço), c) informação-preço (= custo, formas e condições de pagamento), e d) informação-advertência (= riscos do produto ou serviço).
12. A obrigação de informação exige comportamento positivo, pois o CDC rejeita tanto a regra do caveat emptor como a subinformação, o que transmuda o silêncio total ou parcial do fornecedor em patologia repreensível, relevante apenas em desfavor do profissional, inclusive como oferta e publicidade enganosa por omissão.
13. Inexistência de antinomia entre a Lei 10.674/2003, que surgiu para proteger a saúde (imediatamente) e a vida (mediatamente) dos portadores da doença celíaca, e o art. 31 do CDC, que prevê sejam os consumidores informados sobre o "conteúdo" e alertados sobre os "riscos" dos produtos ou serviços à saúde e à segurança.
14. Complementaridade entre os dois textos legais. Distinção, na análise das duas leis, que se deve fazer entre obrigação geral de informação e obrigação especial de informação , bem como entre informação-conteúdo e informação-advertência .
15. O CDC estatui uma obrigação geral de informação (= comum, ordinária ou primária), enquanto outras leis, específicas para certos setores (como a Lei 10.674/03), dispõem sobre obrigação especial de informação (= secundária, derivada ou tópica). Esta, por ter um caráter mínimo, não isenta os profissionais de cumprirem aquela.
16. Embora toda advertência seja informação, nem toda informação é advertência. Quem informa nem sempre adverte.
17. No campo da saúde e da segurança do consumidor (e com maior razão quanto a alimentos e medicamentos), em que as normas de proteção devem ser interpretadas com maior rigor, por conta dos bens jurídicos em questão, seria um despropósito falar em dever de informar baseado no homo medius ou na generalidade dos consumidores, o que levaria a informação a não atingir quem mais dela precisa, pois os que padecem de enfermidades ou de necessidades especiais são freqüentemente a minoria no amplo universo dos consumidores.
18. Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis , pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a "pasteurização" das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna.
19. Ser diferente ou minoria, por doença ou qualquer outra razão, não é ser menos consumidor, nem menos cidadão, tampouco merecer direitos de segunda classe ou proteção apenas retórica do legislador.
20. O fornecedor tem o dever de informar que o produto ou serviço pode causar malefícios a um grupo de pessoas, embora não seja prejudicial à generalidade da população, pois o que o ordenamento pretende resguardar não é somente a vida de muitos, mas também a vida de poucos.
21. Existência de lacuna na Lei 10.674/2003, que tratou apenas da informação-conteúdo , o que leva à aplicação do art. 31 do CDC, em processo de integração jurídica , de forma a obrigar o fornecedor a estabelecer e divulgar, clara e inequivocamente, a conexão entre a presença de glúten e os doentes celíacos.
22. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (RELATOR MINISTRO XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX 02ª TURMA
(PARCIAL) DATA DO JULGAMENTO 17/04/2007 PUBLICADO NO DJE EM 19/03/2009. MANDADO DE SEGURANÇA EM RECURSO ESPECIAL
2003/0161208-5)
Em suma, o princípio a informação no âmbito dos contratos de fornecimento de produtos ao consumidor é matéria mais que pacificada para a Suprema Corte, não havendo que se falar em minoria de consumidores, conforme o julgado acima exposto.
Desta forma, iremos analisar a seguir o referido artigo acima, na sua interferência no problema da rotulagem dos alimentos que contenham organismos geneticamente modificados, tendo em vista o recente Decreto Federal nº. 3871/ 2001.
4.4 Rotulagem de alimentos geneticamente modificados em face do princípio da informação no CDC
Conforme dito acima, o princípio basilar das relações de consumo, referente aos alimentos geneticamente modificados é o princípio da informação.
A legislação brasileira tem como base para a rotulagem o Codex Alimentarius, principal órgão internacional responsável pelo estabelecimento de normas sobre a segurança e a rotulagem dos alimentos. 112
Como prevê o Código de Defesa do Consumidor, por meio da rotulagem é possível rastrear o alimento, pois em caso de efeito adverso a saúde humana, os produtos rotulados seriam facilmente identificados e retirados do mercado.
O direito a informação e o direito a escolha são direitos básicos e irrenunciáveis aos consumidores. Esta acabou sendo uma das maiores polêmicas que envolveram a questão dos produtos derivados de organismos geneticamente modificados.
4.4.1 Rotulagem de alimentos geneticamente modificados e o Decreto 3871/2001 (Revogado pelo Decreto 4.680/2003)
Em 2001, entrou em vigor o Decreto referente à rotulagem de alimentos embalados que contenham produzidos com organismos geneticamente modificados, estabelecendo assim, que todos os alimentos que contivessem mais de 4% de ingredientes geneticamente modificados, deveriam ser rotulados em suas embalagens.
Importante termos em mente que todo o alimento contém graus de sujeira, ainda que mínimo. Não é raro encontrarem-se coliformes fecais em garrafas d’água mineral, ainda que de ótima procedência. Isso acaba sendo inevitável, razão pela qual há, no mundo todo, regras de tolerância para a presença de elementos não intencionais nos alimentos.
112 GUERRANTE, 2008, p. 110.
Em virtude de críticas feitas pelas organizações de defesa dos direitos ao consumidor este Decreto fora revogado pelo Decreto 4.680/2003, estendendo a rotulagem para todos os alimentos embalados a granel ou in natura que contenham mais de 1% de transgenicidade em sua composição, inclusive para alimentos de origem animal que possuírem transgênicos em sua composição.
Ainda em 2003, fora criado o símbolo do transgênico, o qual deve constar nas embalagens de produtos geneticamente modificados, segue abaixo para conhecimento:
113
Em conclusão, percebe-se que a correta etiquetagem, deverá ser obedecida sob pena de ofensa aos princípios previstos em códigos ou normas internacionais e Brasileiras, visando sempre a proteção das relações consumeristas
4.4.2 Rotulagem e o processo de análise de liberação dos produtos geneticamente modificados
Notório afirmar que a segurança dos alimentos transgênicos é mais importante que sua rotulagem, não diminuindo a esta suas particularidades, tendo em vista que o consumidor possui o direito de saber o que esta comendo. Ocorre que no processo produtivo somente haverá discussão acerca da rotulagem se o produto tiver sido liberado, ou seja, antes de se rotular o alimento, ele primeiro precisa ser liberado para comercialização.
113 Extraído do site Google Imagens. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxx?xxxxx- BR&site=imghp&tbm=isch&source=hp&biw=1366&bih=643&q=simbolo+trasgencos&oq=simbolo+trasgencos&gs
_l=img.3...1941.8587.0.8934.26.12.0.14.2.1.232.1361.4j7j1.12.0...0.0...1ac.1.8.img.qJnD9eV-
zUw#imgrc=dn4y4_Fz8pVGeM%3A%3BtnlxiS1Bn710DM%3Bhttp%253A%252F%252Fembalagemsustentavel.c xx.xx%252Fwp- content%252Fuploads%252F2011%252F09%252Ftransgenicos.jpg%3Bhttp%253A%252F%252Fembalagemsus xxxxxxxx.xxx.xx%252F2011%252F09%252F21%252F4449%252F%3B746%3B699. Acesso em 10/04/13.
Para se liberar um produto geneticamente modificado para comercialização, conforme verificamos no presente estudo, requer análise criteriosa da CTNBio, que irá verificar, através de apoio técnico especializado se a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente.114
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio – foi criada e instalada, pelo Poder Executivo, como órgão da política nacional de biossegurança, objetivando a segurança dos consumidores e da população em geral.
Cabe, portanto, a esta Comissão emitir parecer técnicos conclusos acerca de caso a caso (pareceres estes que são públicos a toda a sociedade interessada no assunto, disponibilizados no site da CTNBio), sobre atividades, consumo ou qualquer liberação no meio ambiente de OGM, incluindo sua classificação quanto ao grau de risco e nível de biossegurança exigido.
Podendo, inclusive exigir ou dispensar o EIA/RIMA115 , nos procedimentos realizados sob a égide e responsabilidade da CTNBio, não confrontando tal poder com as competências do CONAMA116, que tem como aptidão determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos sobre alternativas e possíveis consequências ambientais de projetos públicos ou privados. Já a CTNBio, lhe é conferido o poder de exigir, como uma documentação adicional, se caso entender necessário o EIA/RIMA, de projetos que envolvam a liberação de OGM’s no meio ambiente.
Desta forma, cada órgão dentro de sua competência, pode exigir o EIA/RIMA, caso entendam que o projeto ou atividade, possa ter um impacto significativo para a degradação ambiental.
114 PIPOLO, 2009, p. 73.
115 Estudo de Impacto Ambiental, documento técnico onde se avaliam as consequências para o ambiente
decorrente de um determinado projeto. Avaliações imparciais, técnicas sendo um grande instrumento de avaliação de impacto ambiental.
116 Conselho Nacional do Meio Ambiente, criado em 1982, pela Lei 6.982/81. Trata-se do órgão brasileiro
responsável pela deliberação assim como para consulta de toda a política nacional do meio ambiente. Presidido pelo ministro do meio ambiente.
Através de um estudo minucioso, podemos verificar que muitos defensores/ativistas de Organizações relacionadas ao consumidor e ao meio ambiente alegam que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, nem sempre tem o compromisso com a população de colocar a saúde acima de questões econômicas, perdendo com isso sua credibilidade.
Importante elucidarmos que os membros da CTNBio são eleitos pelos órgãos da sociedade organizada, como a Sociedade brasileira de Genética. São estas Instituições que indicam os pesquisadores, em geral, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico), sendo que somente três nomes são escolhidos e enviados para o ministro do Meio Ambiente. Nenhum membro da CTNBio pode receber qualquer tipo de honorário.117
No próximo capítulo abordaremos as estratégias e trajetórias das grandes empresas detentoras destas tecnologias em todo o mundo.
4.5 Casuísticas: Teorias das grandes empresas do Mercado de sementes Geneticamente modificadas
4.5.1 O mercado mundial das sementes
O mercado mundial de sementes movimenta cerca de US$ 37 bilhões por ano. Só o Brasil é responsável por US$ 2,6 bilhões desse total. A tendência é que esse número cresça ainda mais com as novas tecnologias e variedades de sementes.
4.5.2 Trajetória das empresas
4.5.2.1 Syngenta
117 A CTNBio e a Política Nacional de Biossegurança, por Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/xx-xxxxxxx/xxxxxxx/0X_XxxxxXxxxxxxXxxxxxx.xxx Acesso em 06/04/2013.
Com sede em Basel – Suíça surgiu de uma fusão entre duas empresas já atuantes no setor de agroquímicos. Tanto a Zeneca Agrícola como a Novartis Agribusiness e a Novartis Seeds tinham suas atividades voltadas para a produção de sementes – geneticamente modificadas e convencionais – bem como de defensivos agrícolas.
Contam com a colaboração de mais de 26 mil cooperadores, em 90 países, investindo em torno de US$ 1 bilhão por ano em pesquisas e no desenvolvimento de soluções inovadoras.118
Atua no Brasil na produção de sementes de milho e soja, no mercado híbrido com alto potencial produtivo e qualidade de grãos e sanidade de plantas, bem como na proteção de cultivares, no controle de pragas Urbanas e de jardim.119
4.5.2.2 Monsanto
Fundada em 1901, com sede em St. Louis, Missouri, nos Estados Unidos. Acabou por relegar seu principal ramo de atividade, o químico, deixando este em segundo plano, para buscar atividades mais rentáveis. A engenharia genética foi assimilada como ativo complementar à agroquímica e a empresa passou a produzir as sementes geneticamente modificadas.
O grande estímulo da Monsanto no segmento da engenharia genética foi o interesse desta em aumentar a utilização de seu produto, o herbicida Roundup, cuja patente estava por expirar. Assim a preocupação da empresa era a de que a tecnologia do Roundup caísse em domínio público e outras empresas do complexo do agroquímico passassem a comercializar a versão genérica do defensivo.120
118 Syngenta. Disponível em: xxx.xxxxxxxx.xxx/xxxxxx/xx/xx/xxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxx.xxxx Acesso em 07/04/2013.
119 Syngenta. Disponível em: xxx.xxxxxxxx.xxx/xxxxxx/xx/xx/xxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxx.xxxx
Acesso em 07/04/2013.
120 Monsanto. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxxxxx.xxx Acesso em:
07/04/2013.
Seus principais produtos, no campo das sementes são o algodão, sorgo, soja e milho, todas adaptadas às diferentes condições de solo e clima brasileiro. Em todo o mundo a empresa investe anualmente 10% de seu faturamento, ou seja, mais de US$ 800 milhões por ano, em pesquisa e desenvolvimento, para oferecer ao agricultor um amplo portfólio, com produtos diferenciados, de alta tecnologia e com características de cada região. 121
4.5.2.3 Aventis
A Aventis, com sede em Strasbourg, na França, também surgiu da fusão de duas empresas que já tinham atividades voltadas para a produção de sementes e de defensivos agrícolas, tanto convencionais quanto geneticamente modificados.
A CTNBio em 1999, autorizou o primeiro plantio experimental de arroz LibertyLink da Aventis CropScience do Brasil. A Companhia aumentou sua participação no mercado de sementes híbridas de milho. E seu crescimento se deu em escala mundial.122
Na Índia, por exemplo, a multinacional comprou a segunda maior sementeira do país, produtora de híbridos de milho, arroz, canola, algodão, a Proagro Group. Entretanto em setembro de 2000, foi verificado que trações do milho StarLink, que somente fora aprovado para uso em ração animal e na fabricação de etanol, fora detectados em produtos alimentícios comercializados no mercado norte-americano.
A Europa, na época se manifestou acerca do ocorrido, criticando ferozmente a Xxxxxxx, tendo esta que remodelar seu plano estratégico. Como consequência do ocorrido, a empresa deu início às renegociações para a venda de 76% de sua participação na Aventis CropScience.
121 Monsanto. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxxxxx.xxx Acesso em: 07/04/2013.
122 GUERRANTE, 2008, p. 103.
Como candidatos a compra, estavam a Monsanto, DuPont, Dow, a Basf e a Bayer. Somente em fevereiro de 2002, a Aventis fechou com a Bayer, a venda por US$ 7,25 bilhões. A nova empresa passou a se chamar Bayer CropScience.123
4.5.2.4 DuPont
Com sede em Wilmington, Delaware. Atua nas áreas de produção agrícola, químico, petroquímico, automobilístico, gráfico e nas áreas de embalagens, polímeros industriais, eletrônica, construção.
Referente ao segmento agrícola, que é a área de interesse em nosso estudo, a DuPont tem a reputação de ser líder no mercado brasileiro. Conta hoje, com 60 mil funcionários, 95 laboratórios e mais de US$ 1,6 milhão investidos em pesquisa e desenvolvimento.124
Em 1995, a DuPont anunciou que iria se desvincular da Conoco, subsidiária petrolífera da empresa que ocupava a nona posição no ranking das maiores companhias de petróleo do mundo. A venda da Conoco, por US$ 4,4 bilhões, foi essencial para que a DuPont investisse agressivamente na engenharia genética.
Em 1997 a DuPont formou uma joint venture 125, com a Pionner Hi-Bred, chamada Optimum Qulaity Products, para desenvolver sementes híbridas de milho com características qualitativas e quantitativas melhoradas. Devido ao sucesso do empreendimento, em 1999 a DuPont comprou por US$ 7,7 bilhões, os 80% restantes das ações da Pionner Hi-bred.126
4.5.2.5 Dow AgroSciences
123 GUERRANTE .2008, p. 112.
124 DuPont. Disponível em: xxxx://xxx.0.xxxxxx.xxx/XxXxxx_Xxxx_Xxxxxxxxxx/xx_XX/xxxxxxxxxxxxxx.xxxx
Acesso em 07/04/2013.
125 Empreendimento conjunto. Associação de empresas, que pode ser definitiva ou não, com fins lucrativos para explorar determinado negócio.
126 GUERRANTE. 2008, p. 114.
É uma empresa multinacional, líderes no mercado de agroquímicos, com sede na cidade de Indianápolis, em Indiana, nos Estados Unidos.
No Brasil ela conta com mais de 650 colaboradores. Possui como foco de seus negócios a genética de plantas, visando fornecer soluções para melhorar a produção de cultivos, gerando produtos agrícolas melhorados para uma variedade de usos alimentares e não alimentares, bem como o controle de plantas daninhas, controle de doenças e insetos.127
4.6 Estratégias das Empresas
Devido a baixa aceitação da população com relação à comercialização de sementes geneticamente modificadas, para consumo de alimentos e também devido a dificuldade em a apropriação dos benefícios decorrentes da comercialização desta tecnologia embutida nas sementes geneticamente modificadas as empresas multinacionais do setor depararam com certa dificuldade na expansão de seus negócios.
Sendo assim o plano de ação destas empresas teve que ser remodelado e novas estratégias foram buscadas como o marketing e o direito a propriedade intelectual, como uma forma de garantia do monopólio tecnológico.
4.6.1 Garantia do monopólio tecnológico
A apropriação desta tecnologia sempre foi para as empresas multinacionais do setor um grande problema na constituição e na evolução da indústria de sementes. É nítido e notório que os custos de pesquisa e desenvolvimento dos produtos geneticamente modificados são muito superiores aos custos das pesquisas de sementes convencionais. Desta forma, as empresas deste mercado tiveram que buscar proteção para que fossem resguardados seus direitos, como detentoras da propriedade intelectual de suas inovações.
127 Dow AgroSciences. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx/xx/xxxxx/xxxxxx.xxx. Acesso em: 26/05/13.
A proteção patentária da tecnologia embutida nas sementes geneticamente modificadas obriga o agricultor, a toda vez que adquirir uma semente, ter que pagar uma taxa de transferência tecnológica ou royalty à empresa detentora dos direitos da propriedade intelectual.
O que se verifica na prática é que muitos agricultores acabam não pagando esta taxa de transferência tecnológica, sendo muito comuns os contrabandos e o armazenamento de parte da safra para o replantio na safra posterior, o que evita o pagamento de royalties128.
4.6.2 Formalização de Contratos com os agricultores
Desta forma visando o objetivo principal do nosso trabalho e resguardando as grandes empresas acerca de sua propriedade intelectual, buscando garantir que os agricultores pagassem as devidas taxas, começaram a ser firmados contratos com os agricultores.
Entendemos que a cada compra de sementes, o agricultor deveria se comprometer, a atender todas as condições estabelecidas em contrato, ficando estabelecido que a cada violação/ inadimplementos de qualquer cláusula, estaria o mesmo sujeito ao pagamento de multa por descumprimento contratual.
Ocorre que na prática o índice de descumprimento contratual é altíssimo, levando as empresas neste setor ir à justiça e acabar por receber judicialmente o pagamento da multa contratual pleiteada e acordada em contrato.
Importante esclarecermos que se o contrato é ou não de adesão, o mesmo deve ser também discutido judicialmente, porém se formos “supor” que estaríamos diante de um contrato de xxxxxx, o cerne da questão é que não podemos tratar a presente contratação como uma relação de consumo.
128 Termo usado para designar a importância para ao detentor ou proprietário ou um território, recurso natural, produto, marca, patente de produto, processo de produção ou obra original pelos direitos de exploração, uso, distribuição ou comercialização do referido produto ou tecnologia.
O agricultor não é destinatário final do produto, esta na cadeia de produção e sua atividade busca como finalidade o lucro e não seu consumo final. Além de não possuir, conjuntamente, os dois requisitos basilares para ser considerado consumidor, que são: a hipossuficiência e a vulnerabilidade.
Até poderíamos a “grosso modo”, tratarmos o agricultor apenas como hipossuficiente em relação às empresas multinacionais do setor, tendo em vista que estas possuem uma receita dentro das casas dos bilhões de dólares. Muitos agricultores não chegam nem sequer as casas dos mil.
Ocorre que estes mesmos agricultores hipossuficientes, não são vulneráveis. Pois possuem o Know How, o conhecimento do seu negócio. Somente podemos tratar como consumidor, àqueles que não têm conhecimento do produto e/ou serviço que é colocado no mercado. No caso os agricultores, possuem o conhecimento, até porque são eles que plantam, cultivam, colhem as sementes que compram.
O Superior Tribunal de Justiça quanto a este assunto, já tem entendido que os agricultores não são considerados consumidores, conforme acórdão nº. 86.914/2012, já exposto no presente estudo.
CONCLUSAO
Vivenciamos uma época de modificações no modo de produção, sobretudo no que se refere aos alimentos. As inovações trazidas pela biotecnologia – que atualmente se mostra como sendo a grande precursora das novidades no ramo agrícola, mantendo as fornalhas econômicas acesas, passando a ter o material genético como recurso primário bruto para o desenvolvimento de uma nova era.
Com a era da biotecnologia, surgiram muitas descobertas na área da biologia molecular, sendo um dos seus principais frutos o desenvolvimento dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM´s) que passaram a oferecer possibilidade e alternativas importantes para vários problemas tanto econômicos, bem como de melhoria na qualidade de vida humana e do meio ambiente.
Obteve-se com esta nova tecnologia um grande êxito, no desenvolvimento de espécies mais adaptáveis aos estresses ambientais, como resistência a doenças e insetos, o que se refletiu em um aumento de 100% na produção do nosso país.
No entanto, o uso desta nova tecnologia, chamada de organismos geneticamente modificado ou transgênicos, veem despertando grande polêmica na população, mormente quando o assunto se refere a liberação desta técnica no meio ambiente.
Ficou demonstrado que para a realização de um desenvolvimento humano sustentável, o uso comercial de organismos geneticamente modificados, atento ao princípio da precaução, exige as avaliações de risco contidas nos estudos da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (em Parecer Prévio Conclusivo), mas é imprescindível Estudo Prévio de Impacto Ambiental, de modo a examinar os riscos à saúde e ao meio ambiente, e os impactos socioeconômicos.
Concluímos que como ocorre no mundo da ciência, não há uma resposta clara, muito menos definitiva. Todavia a Constituiçao Federal (art.225), reconhecendo a existência do bem ambiental, também admitiu como fundamental o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a fim de garantir a sadia qualidade de vida das gerações humanas e a continuidade da natureza existente no planeta. E, dentre os princípios constitucionais que visam assegurar a proteção desse direito está o principio da precaução.
O princípio da precaução serve à tutela do meio ambiente e, por conseguinte, da vida, ao traçar orientação ao desenvolvimento quando inexistir certeza científica a respeito do dano que possa ser causado ao meio ambiente, determinando que certas atividades sejam controladas ou não sejam executadas, até que exista evidência científica nítida de que estas não acarretem prejuízo para o meio ambiente e a saúde humana.
Toda a liberação que é concedida pela CTNBio, é deferida através de estudos, análise e pareceres de profissionais técnicos especializados e até hoje não foi comprovado cientificamente que os OGM´s são de fato, arriscado à sociedade.
O projeto de sociedade determinado pela Constituição permite extrair o entendimento de que também a ciência deve estar a serviço da vida. E o desenvolvimento econômico dela decorrente deve ser centrado na pessoa humana.
A criatividade e engenho humanos devem se desenvolver. O novo não deve ser causa de sustos e temores, mas deve ser objeto de precaução e cuidados, que vem sendo tomados através de instrumentos legais, legislações específicas e órgãos competentes.
No que tange ao Contrato de Fornecimento de Alimentos Geneticamente Modificados, tem-se certo que é o mesmo um contrato atípico, e se faz necessário entender toda a cadeia da relação de consumo, para saber as responsabilidades destes fornecedores para com o consumidor final, sendo pontuados todos os
princípios basilares previstos na Constituição Federal, bem como os norteadores da Relação de Consumo.
Nesta esteira, o direito a informação também oferece importante contribuição para a conscientização do consumidor e consequentemente para a proteção do meio ambiente.
A rigor, a informação deve ser ampla, indo do conteúdo do produto, sua descrição, até a rotulagem, oferecendo informação útil e eficaz ao consumidor quanto á segurança, economicidade, desempenho, composição. Tal informação deve estar sempre ao alcance dos consumidores.
A rotulagem dos OGM´s em nosso ordenamento jurídico é medida de proteção ao consumidor e ao meio ambiente.
Ainda, na construção de uma sociedade livre, justa, fraterna e democrática, onde o meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado seja um direito de todos, e o desenvolvimento humano sustentável seja a proposta de organização social, certamente a ciência tem um espaço enorme de atuação, para contribuir com aquela realização social.
Produzir transgênicos é uma questão científica, mas seu uso é uma questão ética e deve ser debatido por todos os setores da sociedade. Os organismos geneticamente modificados significam um grande progresso para a humanidade, mas o monopólio sobre os meios de produção de alimentos é sem dúvida, algo alarmante.
É necessário, essencialmente, que se avalie o que isto trará de benefícios e o que trará de malefícios. Não existe uma resposta pronta. Cada caso deve ser tratado como único, sendo observadas suas singularidades para que assim o uso dos transgênicos possibilite utilizar as descobertas científicas, porém sem gerar exclusão social.
Cabe, portanto, ao Poder Público, através da CTNBio, como órgão fiscalizador competente e capaz, exigir e analisar todas as informações necessárias para a liberação dos OGM´s. Deste modo, nada mais se estará fazendo do que observar rigorosamente e com veemência o ordenamento jurídico pátrio e, consequentemente respeitando o direito de cada cidadão.
BIBLIOGRAFIA
ABIA – Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação – Uma Abordagem Jurídica. São Paulo-SP, 2002.
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Justiça ou Equidade nas Relações de Consumo. Rio de Janeiro: Xxxxx Xxxxx, 0000.
XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxxxx (Coord.) Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. XXXXXX, Xxx Xxxxxxx Xxxxxx. XXXX, XXXXXXXXX XXXXXXXXX. Os Contratos de Adesão e o controle de cláusulas abusivas. Ed. Saraiva. São Paulo- SP, 2010.
XXXXXXX, Xxxx Xxxxx. A Polêmica dos Transgênicos. Ed. Centro Gráfico Unicruz. Cruz Alta- RS, 2010.
XXXXXX, Xxxxxx Xxxx. Mini Código. São Paulo. Revista dos Tribunais. 11ª Edição. 2008.
COSTA, Neuza Xxxxx Xxxxxxx. Biotecnologia e Nutrição – Saiba como o DNA pode enriquecer os alimentos. Ed. Nobel São Paulo-SP, 2003.
XXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxx da. Biotecnologia na agricultura e na agroindústria. Guaiba-RS. Editora Agropecuária. 2007
XXXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. Biossegurança & Patrimônio Genético. Ed. Juruá. Curitiba – PR. 2008.
XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, Proteção ao Consumidor. Conceito e Extensão. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994
XXXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Riscos dos Transgênicos.Ed. Xxxxx Xxx xx Xxxxxxx- XX,0000.
XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xx Xxxxxx. Transgênicos: Uma visão estratégica.
Ed. Interciência. Rio de Janeiro-RJ, 2008.
XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. O Contrato e seus Princípios. Aide Editora.
Rio de Janeiro, 2003.
XXXXXX, Xxxxx. R. Roque. Direito do Consumidor. 4ª edição.Atlas, 2009. KREUZER, Xxxxxx, XXXXXX, Xxxxxxxx. Engenharia Genética e Biotecnologia.
Ed. Artmed. Porto Alegre-RS, 2002.
LEITE, Marcelo. Os alimentos transgênicos. Ed. PubliFolha. São Paulo-SP,
2010.
XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Considerações sobre o Princípio da Precaução.
Editora SRS. São Paulo-SP, 2011.
MARQUES, Xxxxxxx Xxxx, Contratos de Defesa do Consumidor. 3.ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx, XXXXXX, Xxxxxxx X. Benjamin, MIRAGEM, Xxxxx. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo-SP. 2ªEdição. Revista dos Tribunais. 2006.
XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000.
ODA. Xxxxx Xxxxxx. Percepção pública e seus impactos na regulamentação e no desenvolvimento da biotecnologia agrícola. Londrina- PR: Eduel. 2009.
XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Contratos. Rio de Janeiro: Impetus, 2003.
XXXXXXXXX, Xxxxx. Cultivos e Alimentos Transgênicos – Um guia crítico. Ed. Vozes Rio de Janeiro-RJ, 2002.
XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx, XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx de, XXXXXXX, João Lucio. Biotecnologia na Agricultura e na Agroindústria. Ed. Agropecuária. Rio de Janeiro-RJ, 2001.
XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. A Nova Interpretação do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2007.
XXXXX, Motauri Xxxxxxxxxx, Interesses Difusos em Espécie. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2007
Sites:
CTNBio. Documentos Publicados no Diário Oficial da União. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxx/xxxx/00000.xxxx.
Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura Notícias. O que você precisa saber sobre a fome Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxx0000.xxx.
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. Aprovações Comerciais. Plantas Soja Comunicado 54. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxx/xxxx/00000.xxxx
Wikipédia, a enciclopédia livre: Acordo Geral de Tarifas e Comércio.
Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx/xxxx/xxxx.
XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. O Princípio da Precaução. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxxxx.xx/xxxxxx.xxx.
Youtube. O Mundo segundo a Monsanto. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx/xxxxxxx?xxxxxx_xxxxxxXxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.
Xxxxx Xxxx Xxxx. A igualdade nas contratações. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/000/00000/?xxxxxxxxxXxXXXXXXXXXx NAS+CONTRATACOES. Dez/2007.
XXXXX, Xxxxxx. Função Social dos Contratos de Consumo. Nov. 03.
Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx.xxx.
A CTNBio e a Política Nacional de Biossegurança, por Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxx. Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/xx- content/uploads/5C_VascoAristonAzevedo.pdf
Syngenta. Disponível em: xxx.xxxxxxxx.xxx/xxxxxx/xx/xx/xxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxx.xxxx.
Monsanto. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxxxxx.xxx
DuPont. Disponível em: xxxx://xxx.0.xxxxxx.xxx/XxXxxx_Xxxx_Xxxxxxxxxx/xx_XX/xxxxxxxxxxxxxx.xxxx
Dow AgroSciences. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx/xx/xxxxx/xxxxxx.xxx.