PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CONTRATUAL COGEAE – PUC/SP
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CONTRATUAL COGEAE – PUC/SP
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O CONTRATO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE E A TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL.
SÃO PAULO - SP 2015
XXXXXX XXXXX XX XXXXXX X XXXXX
O CONTRATO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE E A TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL.
Monografia apresentada a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como requisito essencial para obtenção do título especialista, sob a orientação da Professora Doutora Xxxxxx Xxxxxx
SÃO PAULO – SP 2015
O presente trabalho visa analisar a possibilidade de aplicação da teoria do adimplemento substancial nos contratos de assistência a saúde, considerados estes como contratos de trato sucessivo e consumo. Nesses termos situa esse contrato em seu contexto histórico e social, sua evolução até sua aplicação no direito atual especialmente sua delicada análise, haja vista ser um contrato entre privados que tutela um direito social, a saúde. A monografia discute a orientação jurisprudencial no sentido da aplicação das leis de consumo a relação jurídica do plano de saúde, bem como dos princípios da função social do contrato e da boa-fé contratual. Aponta em seguida o nascimento da teoria do adimplemento substancial no direito estrangeiro sua caracterização através dos dispositivos do Código Civil e posterior adoção pelos tribunais. Finalmente faz a análise da possibilidade de aplicação da teoria do substantial performance nos contratos de assistência médica em consonância com a socialidade do contrato em tela, bem como a repercussão positiva que a aplicação da teoria ensejou.
Palavras-chave: contratos de assistência médica. teoria do adimplemento substancial.
The aim of this work is to analyze the possibility to apply the theory of substantial performance in the contracts of healthy assistance in Brazil, as a contract of long duration which is applied the consumer law. The work traces back the historical and social context of this contract, it`s evolution till nowadays. The work brings the courts orientations about the contract being a consumer contract, and also the principles of the Civil Code applied. The work also discusses the birth of the substantial performance theory in foreign law and the approval of the theory in Brazilian law. Finally discuss about the possibility of using substantial performance in health insurance contracts and the repercussion in the contractors.
Key-words: medical assistance contracts. substantial performance.
1 O DIREITO À SAÚDE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 6
1.1 Direito à saúde em países estrangeiros: 14
1.2 Histórico da lei 9.656 de 1998, a normatização da saúde suplementar e a criação da agência nacional de saúde suplementar: 16
2 CONCEITO DE CONTRATO E OS CONTRATOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA A SAÚDE: 22
2.1 O contrato de assistência à saúde como relação de consumo. 38
3 A TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL 54
3.1 A teoria do adimplemento substancial aplicada aos contratos de assistência a saúde: 59
INTRODUÇÃO
É inato a um estado social democrático prover saúde eficiente aos indivíduos. É imperioso que o estado garanta não somente acesso a saúde a todos, bem como promova com qualidade este serviço, mormente considerado a dicção expressa de nossa constituição nesse sentido.
Todavia, se observa na prática o vértice oposto vemos diariamente o descaso com a saúde populacional, o sucateamento dos hospitais e o alijamento da população carente que não possui recursos para custear a saúde privada.
Diante dessa situação fática narrada, a adesão a planos de saúde é vista corriqueiramente, de modo que as operadoras, muitas vezes visando tão somente o lucro, se refutam ao dever de prestar o serviço contratado. Simplesmente negando o pedido e afastando o direito do contraente em ter o seu atendimento médico.
A título exemplificativo, situação que inspira o presente trabalho, são as hipóteses em que pelo mero inadimplemento de parcelas, a despeito da longa relação contratual travada, a operadora suspende a execução do contrato, fazendo com que cesse a prestação médica, resultando na necessidade de o consumidor, se ver impelido a acessar o poder judiciário para ter seu contrato cumprido e garantido seu atendimento médico nos ditames contratuais estipulados.
Sob esse espectro, o presente trabalho possui o escopo de abordar os temas relacionados aos contratos de plano de saúde vis a vis a teoria do adimplemento substancial.
Nessa senda, para alcançar seu fim, necessário analisar primariamente o direito a saúde como disposto na Constituição Federal e aplicado no ordenamento jurídico pátrio, em seguida realizar breve discussão sobre o conceito de contrato no direito brasileiro, os princípios aplicáveis e orientações jurisprudenciais acerca de sua interpretação e aplicação, por conseguinte, discorrer sobre o contrato de plano de saúde tutelado pela legislação de consumo.
Por derradeiro, necessário trazer à elucidação a teoria do adimplemento substancial e abordar jurisprudencialmente a possibilidade de manutenção contratual a despeito do inadimplemento.
1 O DIREITO À SAÚDE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA:
Saúde, consoante definição é “Estado de quem é são ou de quem tem as funções orgânicas no seu estado normal” 1. Nessa esteira de raciocínio, em amplo e moderno tratamento, define em seu preâmbulo a constituição da organização mundial da saúde: “a saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”2 .
O direito à saúde sempre esteve presente na vida humana, é um direito consagrado não somente ter vida, mas também que essa vida seja pautada no bem estar do indivíduo, ou seja, uma vida com saúde e bem estar físico e mental.
Conforme traz a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que visa impor a seus aderentes rol de prestação mínima de direitos e garantias, todo homem tem direito a saúde:
Artigo 25
I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Na disciplina constitucional o texto maior de 1988 trouxe divisão inovadora. No título VIII – Da ordem social traz o conceito da seguridade social, que “compreende um conjunto integrado de ações, de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” ( Constituição Federal, artigo 194).
Adiante, traz como seu objetivo a universalidade da cobertura e atendimento (Constituição Federal, artigo 194, parágrafo único, I). O que demonstra o caráter
1 XXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx. Minidicionário da língua portuguesa: Ed. Ver. E atual. Por Xxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxx. – São Paulo : FTD : XXXX, 1996.
2 Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/XXX-Xxxxxxxx%X0%X0%X0%X0x-Xxxxxxx- da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html
social e garante do texto, impondo o atendimento a todos os indivíduos, sem qualquer exclusão.
Nessa esteira de raciocínio, a denominada constituição cidadã, trouxe em seu bojo a busca pela redução das desigualdades sociais. Assim contempla rol de direitos sociais (artigo 6º) os quais constituem o sistema mínimo de indispensável para que o indivíduo viva dignamente.
Trazido entre os direitos sociais do indivíduo pela Constituição da República Federativa do Brasil, a saúde traduz-se em um dos alicerces do estado social, é um direito do cidadão e dever do estado.
Em brilhante síntese, Xxxxxxxxx xx Xxxxxx conceitua direito social:
Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando- se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.3
A luz do conceito acima exposto, se observa que os direitos sociais, incluído neste rol o direito a saúde, se impõe ao estado pelo indivíduo. É obrigação daquele sua prestação, e direito deste sua concretização.
Ainda cumpre informar, seu importante papel na redução das desigualdades, ou seja, sua função de trazer aos indivíduos carentes a condição mínima de saúde necessária. Assegura portanto que a população necessitada encontre guarida no atendimento a sua saúde, não sendo necessário dispor de seu patrimônio para suprir seu atendimento referente a saúde.
Consoante transcreve o texto constitucional, “a saúde é direito de todos e dever do estado” (artigo 198, Constituição Federal). Assim, conclui-se que é papel público a prestação dos serviços concernentes a garantia do bem estar da população, considerando sua saúde.
Com maestria define Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx:
3 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx. Direito Constitucional. 23ª edição. São Paulo : Atlas, 2008. P. 193
A Constituição Federal, de 1988, seguindo os passos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, situa-se como marco jurídico da institucionalização da democracia e dos direitos humanos no Brasil, consagrando, também, as garantias e direitos fundamentais e a proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira, ao asseverar os valores da dignidade da pessoa humana como imperativo de justiça social.4
Nessa esteira de raciocínio, importante também mencionar que o atendimento prestado deve ser integral, assim como preleciona o artigo 198, II, verbis:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
Interpretando o artigo supra citado, o Superior Tribunal de Justiça entende que o atendimento integral é uma “diretriz” constitucional das ações e serviços públicos de saúde, portanto a prestação deve sempre ocorrer verificada a necessidade do indivíduo:
ADMINISTRATIVO - MOLÉSTIA GRAVE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - DEVER DO ESTADO – DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE.
2. O direito à percepção de tais medicamentos decorre de garantias previstas na Constituição Federal, que vela pelo direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º), competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios o seu cuidado (art. 23, II), bem como a organização da seguridade social, garantindo a "universalidade da cobertura e do atendimento" (art. 194, parágrafo único, I).
3. A Carta Magna também dispõe que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
4 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Revista dos Tribunais, 2011. P. 26
promoção, proteção e recuperação" (art. 196), sendo que o "atendimento integral" é uma diretriz constitucional das ações e serviços públicos de saúde (art. 198).5 (G.N.)
Como anteriormente explanado, a assistência a saúde deve ser integral, ou seja, é obrigação do estado brasileiro prestar assistência à saúde a todos, de forma ampla, igualitária, universal e a título gratuito.
Analisando outros diplomas normativos, dispõe a Lei 8.080 de 1990, que regulamenta as ações e serviços de saúde: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”.
A saúde pública no Brasil, é prestada através do SUS – Sistema Único de Saúde, criado com a constituição garantista de 1988 representa um conjunto de ações responsáveis pelos serviços de saúde, como dispõe o artigo 4º da Lei 8.080 de 1990:
Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).
Para a completa elucidação sobre o que representa este serviço, necessário trazer a análise o conceito de serviço público.
Para Odete Medauar:
Serviço público, como um capítulo do direito administrativo, diz respeito à atividade realizada no âmbito das atribuições da Administração, inserida no Executivo. E refere-se a atividade prestacional, em que o poder público propicia algo necessário à vida coletiva, como, por exemplo, água, energia elétrica, transporte urbano.6
5Disponível em: xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/XXXX/xxxxxxxxxxxxxx/xxx.xxx?xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx&&xxXXXX&xxxxxx& t=&l=10&i=28
6 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 13ª edição. São Paulo : Revista dos tribunais, 2009. P. 323.
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx traz que
Toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.7
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx, afirma:
Serviço público pode ser definido como toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público”.8
Diante dos conceitos acima citados, serviço público se caracteriza por ser prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes para os seus administrados.
Nesse contexto de prestação de serviço, insere-se o Sistema Único de Saúde. Ademais, toda sua sistematização e competência é trazida no texto constitucional.
Ao criar o SUS a Constituição federal fixou sua competência:
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
7 BANDEIRA DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de direito administrativo. 13ª edição. São Paulo : Malheiros 2001. X. 000.
0 XX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito administrativo. 16ª edição. São Paulo : Atlas 2003. P. 99.
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Observa-se que sua competência, portanto, ultrapassa seu caráter meramente assistencial a saúde, executando inclusive ações voltadas a vigilância sanitária e outras competências relacionadas.
Dispõe a Lei 8.080 de 1990 os princípios e diretrizes do SUS:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;
V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário;
VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;
VIII - participação da comunidade;
IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;
XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e
XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos. (G.N.)
O princípio da universalidade de acesso traz a irrestrita cobertura dos serviços da saúde, deve cobrir todo e qualquer cidadão, destacada ainda a desnecessidade de contraprestação, como ocorre na seara da Previdência Social, exempli gratia.
Por sua vez a integralidade implica na assistência a toda e qualquer enfermidade. O princípio da igualdade possui espectro formal, o SUS deve respeitar as necessidades e prioridades de atendimento.
Expressamente prevê o texto constitucional, que o serviço público de saúde deve ser prestado de forma gratuita e integral. Não obstante a Carta Maior, também trouxe a liberdade de atuação ao setor privado, por meio do custeio exclusivo do segurado, no que concerne ao oferecimento de serviços de saúde.
Dispõe o artigo 197 da C.F.:
Artigo 197: são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (G.N.)
Dessa maneira, a Constituição trouxe a liberdade de atuação para a esfera privada, O que leva a concluir que o Brasil expressamente adota sistema híbrido de saúde, mediante participação particular e pública.
É importante mencionar que o poder público atua em caráter integral e universal, mediante a prestação de serviço público, regido por essa disciplina, ao passo que a atividade tipicamente privada rege-se pelo direito privado.
De sorte a esclarecer o tema, no artigo 199 da Constituição Federal, é trazido a forma complementar de atuação privada na saúde:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
Essa atuação privada, denominada complementar, consiste na comunhão de esforços entre o SUS e as instituições privadas. Será feito, como expressa a Constituição, por meio de contrato de direito público ou convênio no qual a entidade privada se incumbirá de prestar os serviços em caráter público, “sujeitando-se ao regramento característico dos serviços públicos, inclusive no que diz respeito a questões de contratação e responsabilização civil” 9
Imperioso destacar, como disciplina a Constituição Federal, que as instituições privadas atuam em caráter subsidiário. Cabe ao Estado prestar serviços de saúde de forma integral, à iniciativa privada, portanto, caberia somente atender necessidades subsidiárias.
Nessa senda, entende-se que os serviços prestados pela assistência a saúde do Estado deveriam suprir as necessidades de todos os cidadãos, de forma ampla, irrestrita e gratuita, de sorte que a busca pela iniciativa privada deveria ocorrer em última instância. O Estado deve, conforme a constituição, ser capaz de suprir todas as necessidades, deve prestar um serviço de qualidade para toda sua população.
Todavia o que se observa in praxis, é que o que trazido como algo de caráter excepcional, ou seja, a saúde deveria ser amplamente e com eficiência, prestada pelo estado, não é, imperando a atuação privada e custeada, fazendo com que o hipossuficiente financeiramente se veja muitas vezes alijado do acesso à saúde.
Dessa maneira, os serviços de atenção à saúde, como expressamente prevê a Constituição, a teor da dicção do artigo 199, parágrafo 1º da Carta Magna, é permitida também a esfera privada. Isso caracteriza seu hibridismo.
Como melhor assevera Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx:
O sistema de saúde é formado por dois subsistemas: de um lado, estão subsistema público, que incorpora a rede própria e a conveniada/contratada ao SUS; e, de outro, está o subsistema
9 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 35.
privado, que agrupa a rede privada de serviços de saúde não vinculados ao SUS.10
Nessa esteira de raciocínio, existem duas formas de atuação do setor privado, a saúde complementar e a saúde suplementar. Cumpre trazer a elucidação que a denominada saúde complementar, como já trazido, ocorre por meio de um convênio entre particulares e o estado, marcando a interação entre o vinculo com o SUS.
Todavia é permitida a atuação exclusiva de entidades privadas, custeada por consumidores, sem que haja convenio entre as esferas particulares e públicas, é a denominada atividade de saúde suplementar.
Ou seja, na atuação supletiva com participação privada há dois subsistemas, o complementar, que complementam a assistência hospitalar do SUS, por meio de convenio ou contrato.
Há também a denominada assistência suplementar, na qual o estabelecimento presta seus serviços sem qualquer participação do estado, sem vínculos com o SUS, atuando sob a égide das leis aplicáveis aos consumidores.
1.1 Direito à saúde em países estrangeiros:
O modelo brasileiro de saúde, baseado na assistência universal, integral e gratuita ao indivíduo é também adotado em diversos outros países.
Nessa esteira de raciocínio define a Constituição portuguesa, que independente da condição econômica do indivíduo é assegurada e incumbe prioritariamente ao Estado a garantia dos cuidados médicos:
Artigo 64.º Saúde
1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.
2. O direito à protecção da saúde é realizado:
10 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 39
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;
b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.
3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;
c) Orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos; 11 (G.N.)
Percebe-se também que a Constituição lusitana permite que instituições privadas promovam a assistência a saúde juntamente com o estado, reservando a este o dever de fiscalização da atividade, a exemplo do texto constitucional brasileiro:
d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;
e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;
f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência.12 (G.N.)
Seguindo modelo semelhante a Constituição italiana assegura a saúde a todos os seus indivíduos. Para a Carta Magna, a saúde é um direito fundamental do indivíduo e interesse da coletividade e garantido pela República:
Art. 32: a República tutela a saúde como direito fundamental do indivíduo e interesse da coletividade, e garante tratamentos gratuitos
11 Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xx/Xxxxxxxxxx/Xxxxxxx/XxxxxxxxxxxxXxxxxxxxxXxxxxxxxxx.xxxx
12 Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xx/Xxxxxxxxxx/Xxxxxxx/XxxxxxxxxxxxXxxxxxxxxXxxxxxxxxx.xxxx
aos indigentes. Xxxxxxx pode ser obrigado a um determinado tratamento sanitário, salvo disposição de lei. A lei não pode, em hipótese alguma, violar os limites impostos pelo respeito à pessoa humana. 13
A presença da saúde universal e gratuita pública, fornecida amplamente pelo estado, não obstante observada na grande maioria de países, encontra situação inversa nos Estados Unidos da América.
Em controverso documentário divulgado em 200714, que aborda as falhas no sistema americano. Fica demonstrado o intuito puramente lucrativo e extremo capitalista das operadoras de plano de saúde do país, fato este que opera em desfavor do consumidor, resultando na ausência de atendimento quando necessitado.
Situação análoga a supra citada também é encontrada no Brasil, posto que muitas vezes o consumidor hipossuficiente enfrente a negativa de cobertura em desrespeito ao contrato.
Ainda no âmbito da saúde americana, não obstante as tentativas de estatizar a assistência a saúde, os governos americanos vem obtendo inúmeros insucessos, o que demonstra o poder das operadoras no controle das políticas públicas, fazendo com que a população mais pobre se veja alijada do acesso a saúde pois em virtude da carência financeira não podem custear planos privados de saúde.
1.2 Histórico da lei 9.656 de 1998, a normatização da saúde suplementar e a criação da agência nacional de saúde suplementar:
A regulamentação da saúde suplementar no ordenamento jurídico pátrio é fato recente. Como alude Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx:
13 Disponível em : xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxxxx-xx-xxxxxxxxx-xxxxxxxx-0000-xxxxxx-xx- portugues/
14 SICKO, Produtor: Xxxxxxx Xxxxx, 8 de junho de 2007. 120 minutos. Gênero: documentário.
Até o final da década de 90, com a entrada em vigor da Lei 9.656, de 03.06.1998, e das medidas provisórias que sucessivamente a alteraram, a normatização só existia para o setor de seguro-saúde, e mesmo assim apenas nos aspectos econômico-financeiros dessa atividade.15
Nesse contexto de ausência de diploma normativo, caracterizou-se o descontrole na atuação dessas entidades, resultando no enfraquecimento dos consumidores e no consequente desrespeito aos segurados, imperava portanto uma supressão no direito dos consumidores.
Após a apresentação de diversos projetos de lei, com vistas a regulamentar o tema, foi somente em 1993 que as discussões tomaram corpo, por meio da aprovação do Projeto de Lei do Senador Xxxx Xxxxxxx que limitava a exclusão de tratamento de determinadas doenças.
Após esse marco, importante mencionar também que em 1994 houve a apresentação do Projeto de Lei 4.425/1994 do Deputado Xxxxx Xxxxxxxx.
Após a realização de audiências públicas e a intensa participação do recém empossado ministro da saúde Xxxx Xxxxx, foi sancionada pelo Presidente da República a lei 9.656 de 1998, posteriormente alterada por diversas medidas provisórias, até que em 2001 sucedeu sua última alteração resultando no diploma normativo de 36 artigos utilizado hodiernamente.
Ocorre que segundo esse texto normativo, a regulação dos planos de saúde ficaria a cargo da SUSEP – superintendência de seguros privados, órgão já responsável pela regulação dos contratos de seguro.
Entrementes, com o novo governo e a atuação do Ministro Xxxx Xxxxx no ministério da saúde, houve uma mudança de orientação, no sentido de que deveria ocorrer a criação de órgão específico encarregado da regulação do setor.
In priori, vigia uma bipartição no modelo de regulação, com atuação conjunta do ministério da fazenda e do ministério da saúde.
Essa divisão supra citada, passava a incumbir o ministério da fazenda dos aspectos econômico-financeiros (política de reajuste de preços e normas para autorização de funcionamento das operadoras). Por sua vez o ministério da saúde responsabilizar-se-ia pelos aspectos assistenciais (rol de procedimentos
15 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 42.
obrigatórios, qualidade de assistência). Ou seja, sistematizava-se um sistema regulatório bipartite.
Em momento posterior houve uma unificação do modelo regulatório, no qual o ministério da saúde titularizava os dois níveis de regulação, o aspecto da assistência a saúde e o aspecto econômico-financeiro.
Por fim, em 1999 foi criada , por meio da lei 9.961 agencia reguladora especifica, ANS – Agencia Nacional de saúde suplementar, autarquia sob regime especial, vinculado ao ministério da saúde, incumbida de regular todo o setor da saúde suplementar:
Art. 1o É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro - RJ, prazo de duração indeterminado e atuação em todo o território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde.
A forma de relação entre a esfera pública e privada como vista hodiernamente, marcada por uma regulação nas instituições privadas feitas pelo poder público é fruto de evolução histórica marcada por diversas mudanças no papel do Estado.
Em um primeiro momento observou-se uma postura liberal, marcada pela ausência de interferência e livre concorrência.
É a partir da Primeira Grande Guerra e da depressão que o Estado Liberal se vê em crise e passa a ceder espaço a um novo formato de Estado, que procura desempenhar um papel inicial de indutor... Chega-se ao Welfare State ou Estado do Bem-Estar Social, em que tomam corpo os direitos sociais, notadamente no campo do emprego, das condições de trabalho e das garantias em prol dos trabalhadores.16
16 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 54 e 55.
A busca por uma eficiência e modernização do setor público deu azo a reforma do Estado, através de uma desestatização, observada principalmente na privatização de empresas públicas. Continua Xxxxx Xxxxxx:
No final do século XX, assiste-se ao agigantamento do Estado, em face das múltiplas funções assumidas, o que levou ao aumento dos gastos públicos e ao inchaço da máquina administrativa, em descompasso com o ritmo mais célere propiciado pela globalização. Diante desse novo contexto socioeconômico, o Welfare State vai perdendo suas características mais sólidas; o Estado caminha para se retirar do gerenciamento e execução direta da atividade econômica, deixando o antigo modelo interventor e passando a desestatizar empresas nacionais que vinham sendo geridas sob comando estatal, assumindo papel de regulador.17
Diante de um fortalecimento da esfera particular, e o crescimento dos direitos sociais, consagrados em respeito ao indivíduo e garantias individuais, o estado se viu obrigado a criar entidades incumbidas de fiscalizar e controlar a atuação desse setor.
Nesse contexto fático histórico surgem as agências reguladoras, criadas para regular as atividades estatais que tinham sido transferidas ao setor privado.
Como define Odete Medauar:
Com a extinção total ou parcial do monopólio estatal de alguns serviços públicos e outras atividades e com a transferência total ou parcial, ao setor privado, da execução de tais serviços e atividades, mediante concessões, permissões ou autorizações, surgiram no ordenamento brasileiro as respectivas agências reguladoras.18
Observa-se desse modo, que as agencias reguladoras possuem importante função em um estado-social, devem garantir a observância dos princípios jurídicos que visam a proteção aos indivíduos bem como, dentre outras funções, assegurar a prestação adequada dos serviços a qual lhe são afetas a fiscalização.
17 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. X. 00.
00 XXXXXXX, Xxxxx. Direito Administrativo Moderno. 13ª edição. São Paulo : Editora Revista dos tribunais, 2009. P. 77.
Constituem entes dotados de autonomia financeira e administrativa, possuem diretores nomeados pelo presidente da república após aprovação do Senado e são órgãos vinculados ao ministério competente.
Com maestria define Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx:
A função essencial das Agências, objetivamente, é a de executar as políticas do Estado de orientação e planejamento da economia, com vistas á eficiência do mercado, corrigindo, ou ao menos atenuando, suas falhas, por meio de intervenção direta nas decisões dos setores econômicos, tais como formação de preços, competição, entrada e saída do mercado, garantias de operação etc.19
Complementa:
Engloba, pois, ações de regulamentação da atividade econômica das empresas de monitoramento e acompanhamento do mercado e de fiscalização e controle do cumprimento das normas erigidas para o setor, sob as premissas da defesa da concorrência e da proteção do consumidor, princípios que se inscrevem como vetores da ordem econômica brasileira, além da observância de aspectos relacionados á obtenção ou preservação de valores sociais e políticos considerados relevantes na atividade regulada.20
Convém esclarecer, que não obstante expressamente definir a Constituição que a lei emana precipuamente do Poder Legislativo, no ordenamento jurídico vigente é assegurado ao Poder Executivo a competência de expedição de decretos, com vistas a regulamentar a lei, ressaltando não ser possível que este exerça a competência legislativa, ou seja, edite leis, inove na ordem jurídica, sendo permitido tão somente a regulamentação legislativa expedir regulamentações referentes a determinada lei.
No contexto de competência legislativa do Poder Executivo citado acima, inserem-se as agências reguladoras, possuem portanto o poder regulador de interferir na atuação das entidades a ela submetidas, expedindo resoluções de observância obrigatória.
19 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 65.
20 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 65
À guisa exemplificativa, recente resolução definiu prazos máximos para a realização de exames e cirurgias (Resolução normativa 259 de 2011), compelindo as entidades de assistência a saúde suplementar a um atendimento mais célere dos assegurados.21
Através da necessidade de regulamentação de um setor já existente, complexo e essencial a qualidade da vida humana, a saúde, foi criada em 1998 a Agência Nacional de Saúde suplementar – ANS, posteriormente promulgada pela lei 9.961 de 2000, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde com autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de gestao de recursos humanos (artigo 1º, parágrafo único, da lei 9.961 de 2000).
Sua finalidade, nos termos da lei:
Art. 3o A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.
A ANS é dirigida por uma Diretoria Colegiada composta por até cinco diretores. Seus diretores serão brasileiros, indicados pelo Presidente da República após aprovação prévia do Senado Federal para mandato de três anos admitida uma única recondução.
Em face de todo o acima explanado, se observa que a ANS possui um importante papel no controle da atuação da atividade de saúde suplementar. Contribuindo dessa sorte para a melhoria da qualidade da prestação destes serviços, e trabalhando inclusive na defesa do interesse público na assistência a saúde e na relação das entidades com os consumidores.
Diante disso, possui um importante papel na efetivação dos direitos sociais, haja vista a Constituição Brasileira ter alçado o direito a saúde, o qual esta agência tutela, como direito de todo indivíduo.
21Disponível em : xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxx-xx-xxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxx/0000-xxxxx-xxxxx-xxxxxxxx-x- tempos-maximos-de-atendimento-entra-em-vigor?highlight=WyJyZXNvbHVcdTAwZTdcdTAwZTNvIl0=
2 CONCEITO DE CONTRATO E OS CONTRATOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA A SAÚDE:
Tema intrincado e amplamente divergente, o surgimento do contrato reveste- se de inúmeras teorias. A despeito de seu nascimento ter ocorrido desde o início das relações humanas, quando estes começaram a criar vínculos entre si, foi no Direito Romano que esta figura jurídica ganha a conotação atual.
No Direito Romano a convenção era gênero que abrangia duas espécies o pacto e o contrato. O primeiro representava acordo de vontades entre partes, dotados de menores formalidades, por sua vez os contratos possuíam maior formalidade, exigindo para sua existência a obediência a determinadas fórmulas previstas especificamente para cada espécie de operação.
Corroborando o entendimento acima, assevera Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx: “No direito romano, o contrato se estrutura como instituto jurídico figurando como a base de um acordo de vontades a respeito de um mesmo ponto”.22
Sob esse mesmo arcabouço jurídico, desenvolveu-se o Código Napoleônico, dividindo também as convenções em pactos e contratos.
Hodiernamente, todos os termos são utilizados como sinônimos, representando contratos como fonte de obrigações e deveres entre duas ou mais pessoas.
Todavia, é necessário reconhecer o contrato como a mais importante fonte de representação de negócios e geradores de obrigações, não obstante “os fatos humanos que o Código Civil brasileiro considera geradores de obrigação são: a) os contratos; b) as declarações unilaterais da vontade; e c) os atos ilícitos, dolosos e culposos”. 23
Conceitua Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx:
Oriundos da natural necessidade de regular as relações entre indivíduos, no intuito de se conferir confiabilidade e certeza aos atos
22 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 135.
23 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx, Direito Civil Brasileiro, volume III : contratos e atos unilaterais. 6ª edição – São Paulo : Saraiva, 2009. P. 1.
negociais, o contrato representa o instrumento pelo qual se constituem, resguardam, modificam ou extinguem direitos e obrigações reciprocamente pactuados, cuja função é conciliar interesses antagônicos, possibilitando sua coexistência equilibrada e permitindo aos contraentes a convivência pacífica de suas vontades.
24
Por sua vez, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, define que “contrato é uma das modalidades de obrigação, ou seja, uma espécie de vínculo entre as pessoas, em virtude do qual são exigíveis prestações.” 25
Nos ensinamentos de Xxxxxxx Xxxxx “contrato é, assim, o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita às partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam” 26
Para Xxxxx Xxxxxx Xxxxx:
[...] contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial 27
Anota-se, portanto, que o contrato constitui-se como a mais importante e usual fonte de obrigações presentes no direito brasileiro, oriunda da vontade de duas ou mais partes na conformidade legal, capaz de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações. Nessa esteira de raciocínio, sua análise, interpretação e compreensão faz-se necessária ao operador do direito.
A construção moderna de contrato, mormente considerado o Código Civil atual, afastou a aplicação engessada da norma com o intuito de reduzir as desigualdades e também em decorrência da busca de uma justa construção contratual.
Diante desse contexto, com vistas a conceber novo enfoque aos contratos, foram mitigados princípios como a obrigatoriedade dos contratos ao passo em que
24 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 134.
25 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Manual de direito comercial : direito de empresa / 23ª edição. São Paulo, Saraiva, 2011. P. 457.
26 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. P. 10.
27 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. P. 30.
ganham espaço princípios relacionados a socialidade, tal como a função social do contrato ou v.g. a possibilidade de modificação das cláusulas através da construção da teoria da onerosidade excessiva.
Como melhor define Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx: “O princípio da socialidade por ele adotado reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana”.28
Como anteriormente demonstrado, ganham relevância os princípios que buscam a proteção da coletividade, que enxergam no contrato um componente essencial à sociedade, um importante vetor na construção de uma sociedade justa e pautada na igualdade entre os indivíduos que a compõem.
Conforme a tese acima guerreada, na exposição de motivos do anteprojeto do Código Civil é elucidado:
Superado de vez o individualismo, que condicionara as fontes inspiradoras do Código vigente; reconhecendo-se cada vez mais que o Direito é social em sua origem e em seu destino, impondo a correlação concreta e dinâmica dos valores coletivos com os individuais, para que a pessoa humana seja preservada sem privilégios e exclusivismos, numa ordem global de comum participação, não pode ser julgada temerária, mas antes urgente e indispensável, a renovação dos códigos atuais, como uma das mais nobres e corajosas metas de governo.29
Nesse sentido, a novel legislação, trouxe em seu corpo as cláusulas gerais, normas orientadoras de valores amplos, destinadas ao preenchimento por juiz, construídas sob a forma de diretrizes com caráter genérico e abstrato, conferindo ao magistrado liberdade para as utilizar, todavia assegurando a vinculação do magistrado a sua aplicação.
A título exemplificativo são cláusulas gerais a função social do contrato (artigo 421 do Código Civil), a observância obrigatória da boa fé objetiva e subjetiva (artigo 422 do Código Civil).
28 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx, Direito Civil Brasileiro, volume III : contratos e atos unilaterais. 6ª edição – São Paulo : Saraiva, 2009. P. 4.
29 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Código civil comentado / Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx – 7a edição – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009. P. 170.
Sob essa esteira de raciocínio, define o artigo 421 do Código Civil: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Consoante entendimento de Xxxxxx Xxxx Junior três cláusulas gerais constam deste dispositivo: “As três cláusulas gerais constantes do dispositivo são: a) autonomia privada (liberdade de contratar); b) respeito à ordem pública; c) função social do contrato.”30
Dessa maneira o caráter social comentado desenha-se, o dispositivo demonstra a preocupação do novo legislador em trazer mandamentos de caráter amplo e abrangente, dispensando o antigo método, que se encarregava de trazer normas sintéticas, engessadas e não passíveis de interpretação e definição pelo seu aplicador.
A sociedade moderna exige que a forma clássica de observar um contrato seja modificada. Ou seja, não se pode mais observar o contrato como um acordo inviolável, onde suas cláusulas devem ser cumpridas em detrimento dos fatores sociais que o circundam.
A massificação contratual ordena uma relatividade na aplicação do direito, fazendo com que o caráter social ganhe força e dessa maneira é necessário que se dê maior força e liberdade ao juiz para a interpretação contratual.
Sob outro vértice de pensamento, a massificação contratual resultou no aviltamento do direito dos mais fracos, aqueles que possuem pouco conhecimento jurídico e muitas vezes condições hipossuficientes financeiramente.
Com vistas a proteger os mais fracos na relação contratual, e em respeito a princípios de direito como o da boa-fé e função social do contrato, reclama-se a intervenção do Estado na relação contratual. Essa intervenção denominada “dirigismo contratual” demanda um hábil intérprete e amplas noções de equidade, impossíveis de perpetrarem-se mediante a aplicação de normas estanques, que não permitem ao julgador uma interpretação, que reduzam a liberdade do juiz.
Segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx:
30 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Código civil comentado / Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx – 7a edição – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009. P. 529
Do reconhecimento do valor social do contrato decorre o dirigismo contratual. Percebeu-se que a lei entre as partes pode produzir reflexos sobre a sociedade como um todo. A lei passou a proteger os interesses sociais, valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé dos contratantes. O Estado, então, passa a interferir na liberdade de contratar, naquelas relações jurídicas merecedoras de controle para manutenção do equilíbrio entre as partes.31
No contexto acima narrado, o operador da área jurídica, se viu compelido à aplicação principiológica em detrimento da regra estanque, aquela que não permite interpretação pelo julgador, com o fulcro de trazer equidade e socialidade ao caso concreto.
Nessa esteira de raciocínio, como já explanado, a legislação vigente encontra-se permeada de princípios, com vistas a garantir uma efetividade coletiva do contrato, diante de seu reconhecido papel na sociedade.
Nesse sentido, alude o já citado artigo 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Oriunda do princípio da função social da propriedade, expressamente previsto na Constituição da República Federativa Brasileira, o princípio da função social do contrato representa um dos vetores da moderna interpretação e aplicação contratual.
In priori, cumpre ressaltar que este princípio está intimamente conectado a autonomia da vontade e liberdade contratual, constituindo-se desse modo uma ruptura nestes dois últimos princípios, os influenciando de forma cerceadora.
Por conseguinte, é destacado seu valor de preservação dos contratos, posto que estão intimamente relacionados, como apresentado na I Jornada de Direito Civil do STJ:
22 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.
31 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 139
Nesse contexto, o reconhecimento do contrato como um importante fator social, traz a necessidade da imposição de limites aos contraentes. Ou seja, o contrato passa a representar um papel na sociedade e diante desse reconhecimento as partes não mais podem dispor de uma total e ilimitada liberdade de estipulação.
Nesse sentido, comentando o dispositivo supra citado, traz Xxxxx Xxxxxx
Diniz:
O art. 421 é um princípio geral de direito, ou seja, uma norma que contém uma cláusula geral. A „função social do contrato‟ prevista no art. 421 do novo Código Civil constitui clausula geral, que impõe a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito; reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas e não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presente interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.32
Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx:
A função social não coíbe a liberdade de contratar, como induz a dicção da norma, mas legitima a liberdade contratual. A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar. Porém, o ordenamento jurídico deve submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento, tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que estruturam a ordem constitucional.33
Nessa esteira de raciocínio a cláusula geral em debate constitui uma limitação à autonomia privada, o contrato somente preencherá seu objetivo se possuir em seu conteúdo a função social a que se destina. Dessa maneira, a elaboração do texto contratual, deve ser permeada pelo princípio guerreado, sob pena de modificação ou outras consequências em eventual acesso ao judiciário.
32 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Código Civil Anotado. 15ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo, 2010. P. 365.
33 XXXXXXXXX, Xxxxxx. XXXXXX, Xxxxx (coordenador). Código Civil Anotado. 6ª Edição. Editora Manole. São Paulo, 2012. P. 486.
É relevante mencionar também que o princípio que aqui se debate não exclui totalmente a força de cumprimento contratual, o pacta sunt servanda, o contrato nasce com o objetivo de ser cumprido integralmente. Todavia o que passa a ser analisado é o conteúdo abusivo de determinadas estipulações, de maneira a garantir que o contrato cumpra com uma função analisada diante de seus valores. Com base nisso, dispõe a I Jornada de Direito Civil do STJ:
23 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.34
No que concerne aos efeitos da não observância do princípio da função social do contrato, é imperioso anotar que se constitui como norma de ordem pública, dessa maneira poderá ser inclusive aplicada ex officio pelo magistrado, ou seja, independente de manifestação ou pedido de partes.
Xxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx, destacam ainda a função instrumentalizadora do princípio em comento, e com maestria trazem a elucidação:
A cláusula geral aqui examinada tem função instrumentalizadora, vale dizer, o juiz deve servir-se de sua enunciação abstrata para dizer, na situação concreta que se lhe apresenta, o que seria dar função social àquele determinado contrato que está sob sua análise. Por função instrumentalizadora deve entender-se a atividade do juiz de dar concretude à enunciação abstrata do CC 421. Não é regra de interpretação, tampouco princípio geral de direito. Na prática, a cláusula geral de função social do contrato permite que o juiz faça lei entre as partes, isto é, o juiz vivifica, no caso concreto, a norma abstrata e estática posta pela lei. 35
34 Disponível em : xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxxx.xxx/xxxxxxx/xxxxxxx/xxxxXxxx/0000/0000 35 NERY JUNIOR, Xxxxxx. Código civil comentado / Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx – 7a edição – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009. P. 531
Amplamente abraçado pela jurisprudência o princípio que prega a observância da função social do contrato impõe equidade servindo de vetor interpretativo, integrativo e corretivo.
Nesse sentido, o eminente Ministro do STJ, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx em acórdão, demonstra o arbítrio do magistrado na aplicação da norma em tela:
RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO CIVIL. CONTRATO COM CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE CELEBRADO ENTRE REDE DE TELEVISÃO E APRESENTADOR (ÂNCORA) DE TELEJORNAL. ART. 413 DO CDC. CLÁUSULA PENAL EXPRESSA NO CONTRATO.
5. Sob a vigência do Código Civil de 1916, era facultado ao magistrado reduzir a cláusula penal caso o adimplemento da obrigação fosse tão somente parcial, ao passo que no vigente Código de 2002 se estipulou ser dever do juiz reduzir a cláusula penal, se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, afastando-se definitivamente o princípio da imutabilidade da cláusula penal. A evolução legislativa veio harmonizar a autonomia privada com o princípio da boa-fé objetiva e função social do contrato, instrumentário que proporcionará ao julgador a adequada redução do valor estipulado a título de cláusula penal, observada a moldura fática do caso concreto. (G.N.)
REsp 1186789 / RJ
Consoante a decisão colacionada, restam claros os limites proporcionados por este princípio. Ou seja, in casu, o julgador fixará novo valor a cláusula penal a partir da análise do caso concreto.
Dessa forma ficou ao alvitre do magistrado o que seria a adequada redução do valor de cláusula penal, portanto resta destacado o dirigismo contratual proporcionado pelos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, que permitem inclusive a modificação de cláusulas.
Nessa esteira de raciocínio o princípio em tela reforça o ideal de justiça e utilidade presente no novo código. Em sua aplicação o juiz deverá sempre atentar a uma intervenção pela manutenção da função social do contrato, não obstante é imperioso que o faça de forma a preservar a utilidade e equidade contratual.
Por conseguinte, estabelece o artigo 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Expressamente previsto no artigo supratranscrito os princípios da boa-fé e probidade, cláusulas gerais dispostas no novo Código Civil, traduzem-se no padrão de conduta correta, exigindo que as partes, na relação contratual, se comportem pautadas na probidade, honestidade e lealdade.
O princípio em tela divide-se em duas outras espécies, a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva. A sua forma subjetiva, denominada psicológica, representa um dever de conduta, ao passo que a boa fé objetiva representa um dever ético.
A concepção psicológica se reflete num agir, se crê que diante de determinada situação a parte ex adversa agiu pautada em seu convencimento individual de que sua conduta estava regular, v.g. CC 1242 onde o usucapiente acredita estar de posse de justo título.
Sem embargo do sobredito em sua segunda concepção a boa fé objetiva implica a observância de norma de comportamento. As partes devem pautar-se na relação travada por meio da lealdade, como assevera Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx:
[...] está fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e na consideração para com os interesses do outro contraente, especialmente no sentido de não lhe sonegar informações relevantes a respeito do objeto e conteúdo do negócio.36
Importante mencionar que esta norma consiste em cláusula geral, portanto sua observância pelo magistrado pode ser feita ex officio. Lado outro, vez celebrado o contrato há a presunção da boa fé.
Daí a razão pela qual o juiz, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, deve dar por pressuposta a regra jurídica (lei, fonte de direito, regra jurígena criadora de direitos e obrigações) de agir com retidão, nos padrões do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar37
36 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx, Direito Civil Brasileiro, volume III : contratos e atos unilaterais. 6ª edição – São Paulo : Saraiva, 2009. X. 00
00 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Código civil comentado / Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx – 7a edição – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009. P. 536
Corroborando todo o entendimento supra explanado, definiu a I Jornada de Direito Civil do STJ, trazendo também o caráter integrativo, interpretativo e corretivo do princípio em tela:
26 – Art. 422: A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes.
Face o sobredito, com o fortalecimento das cláusulas gerais, se observa claramente na jurisprudência a aplicação desta norma, ocasionando muitas vezes o afastamento de regras, em detrimento da real vontade no momento de sua manifestação.
Nesse sentido, o eminente Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, em brilhante acordão afastou a formalidade de aposição de aval dentro do título de crédito, em virtude de o avalista ter claramente manifestado sua vontade de conceder a garantia:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE CONTRATO DIRECIONADA CONTRA "AVALISTAS" DO TÍTULO EXECUTIVO. AVAL APOSTO FORA DE TÍTULO DE CRÉDITO. EXEGESE DO ART. 85 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ART. 112 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002). RECONHECIMENTO DA SITUAÇÃO DE COOBRIGADO NA AVENÇA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO QUE PRIVILEGIA A INTENÇÃO DOS CONTRATANTES, A BOA-FÉ OBJETIVA E OS USOS E COSTUMES.
2. No caso concreto, é incontroverso que o ora recorrido assinou o contrato de mútuo como "avalista-interveniente". Porém, o próprio acórdão recorrido reconheceu que, no corpo do contrato, "o agravado Xxxx Xxxx Xxxxx assumiu a condição de coobrigado interveniente avalista, nos termos da cláusula 8.7 dos contratos firmados pelas partes, objeto da execução" (fl. 127), o que evidencia, deveras, que a manifestação de vontade consubstanciada na literalidade da expressão "avalista" não correspondeu à intenção dos contratantes, cujo conteúdo era, decerto, ampliar as garantias de solvência da dívida, com a inclusão do sócio da devedora como coobrigado.
3. Assim, a despeito de figurar no contrato como "avalista- interveniente", o sócio da sociedade devedora pode ser considerado coobrigado se assim evidenciar o teor da avença, conclusão que
privilegia, a um só tempo, a boa-fé objetiva e a intenção externada pelas partes por ocasião da celebração.
4. Ademais, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme os usos e costumes (art. 113, CC/02), e se mostra comum a prática de os sócios assumirem a posição de garantes pessoais das obrigações da sociedade da qual fazem parte (por aval ou por fiança), de modo que a interpretação pleiteada pelo ora recorrente não se distancia – ao contrário, aproxima-se - do que normalmente ocorre no tráfego bancário.
REsp 1013976 / SP
Consoante dicção do artigo 422, os contraentes estariam obrigados a manter os deveres de boa fé e probidade somente nas fases executória e de conclusão. Todavia interpretação mais acertada permite que o respeito a este axioma se imponha durante todas as fases contratuais.
Nesses exatos termos, define o enunciado de número 25 da I Jornada de Direito Civil do STJ: “O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual”.
O princípio em comento, inspirou a denominada teoria dos atos próprios, ou a proibição do venire contra factum proprium. Sob a égide dessa teoria a parte não poderá exercer comportamento contrário ao anteriormente estabelecido. Nas Palavras de Xxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx: “aquele que praticou determinado ato ou permitiu à contraparte a prática de determinada conduta, não pode, posteriormente, alegar circunstâncias que se contraponha àquelas posturas iniciais a que ele mesmo dera causa”. 38
Também oriundo da teoria dos atos próprios e do venire contra factum proprium através da supressio ocorrerá a perda do direito em virtude de seu não exercício no tempo. Importante mencionar que a diferenciação entre este instituto e a prescrição ou decadência consiste em que a supressio não está inicialmente vinculado a um prazo específico tal qual a decadência e a prescrição, estaria assemelhado a uma renúncia tácita do direito.
Dessa maneira, orienta-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
38 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Código civil comentado / Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx – 7a edição – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009. P. 538.
CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA.REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. PRESCRIÇÃO. REDUÇÃO ZONA DE ATUAÇÃO. REMUNERAÇÃO. ANUÊNCIA TÁCITA DO REPRESENTANTE. COMISSÃO.
5. O princípio da boa-fé objetiva torna inviável a pretensão da recorrente, de exigir retroativamente valores a título da diferença, que sempre foram dispensados, frustrando uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual pela recorrida.
REsp 1323404 / GO
Advinda da supressio a surrectio consiste no vértice oposto, trata-se portanto da aquisição de um direito em virtude de a outra parte não o ter exercido no tempo devido. “É a vantagem advinda da incidência da supressio”39
Por derradeiro outra figura advinda deste princípio é o tu quoque, ou por expressão sinônima a mora bilateral. Dessa maneira, aquele que viola determinada norma não pode exigir que a outra parte cumpra seus deveres obrigacionais.
Nos termos da orientação 22 da I Jornada de direito Civil, está presente no ordenamento jurídico pátrio o princípio da conservação dos contratos:
22 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.
Consoante esse entendimento, o julgador deve fazer uma ponderação no momento em que se ve diante de uma possibilidade de extinção do contrato, ao passo que deve primar pela manutenção da avença, sempre observando os ideais de equidade e justiça.
39 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Código civil comentado / Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx – 7a edição – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2009. P. 539.
Desse modo, ao deparar-se com uma situação em que contraente se veja lesado e busque o fim do pacto, deverá o magistrado verificar a possibilidade de dar destino diverso ao do fim, optando, v.g. pela manutenção do contrato e obrigando uma das partes a buscar sua tutela mediante outra via.
Nesse sentido, se orienta a jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDEFERIMENTO DE EFEITO SUSPENSIVO - RECURSO DE AGRAVO. DIREITO DO CONSUMIDOR - EXTINÇÃO DE CONTRATO COLETIVO DE SEGURO - OBRIGAÇÃO DE A SEGURADORA OFERECER NOVO SEGURO (INDIVIDUAL OU FAMILIAR) AOS BENEFICIÁRIOS - CONTRATO CATIVO DE LONGA DURAÇÃO - PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS CONTRATOS - IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAR-SE A COBERTURA OUTRORA OFERECIDA E ESTIPULAR-SE NOVA CARÊNCIA - RECURSO IMPROVIDO. À
UNANIMIDADE. 1- Juiz a quo manteve íntegro o direito de assistência médica através do plano de saúde contratado. Deferimento de liminar 2- Impossibilidade de ruptura unilateral de assistência médica contratada. 3- Obedecido o princípio da conservação dos contratos. Contrato cativo de longa duração. 4- Indeferimento de atribuição de efeito suspensivo. (G.N.)
(TJ-PE - AGR: 2892908 PE 0022912-26.2012.8.17.0000, Relator:
Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, Data de Julgamento: 18/12/2012, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 03)
Após essa breve ilação no que tange ao conceito de contrato, suas origens históricas bem como aos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva que os regulam. Pende o presente trabalho a seu cerne, ou seja, adentrar ao contrato privado de assistência a saúde, seu nascimento histórico, conceito e contornos atuais.
Os serviços de assistência à saúde privados no país, foram esboçados através do financiamento feito por empresas, que revertiam recursos obtidos por contribuições de seus funcionários, destinando-as ao financiamento de eventual necessidade de assistência à saúde.
Após período de evolução histórica e jurídica o contrato de plano de saúde hoje é regulado pela Lei 9.656 de 1998, ao passo que anteriormente a promulgação deste diploma normativo era tutelado pelo decreto lei 73 de 1966, conjunto de normas destinadas a tutelar as relações de seguro.
Sob a égide dessa norma, o contrato possuía duas modalidades, i) contratos que envolviam o reembolso de despesas médicas eventualmente realizadas (artigo 129)40 ; ii) contratos em que havia o pré-pagamento de despesas médicas (artigo 135)41. Sendo importante mencionar também que a nova lei, atualmente regula todo o mercado de serviços de saúde oferecidos no mercado brasileiro.
Face a bipartição antiga e diante de uma evolução normativa a avença tomou novos contornos, ensina a doutrina :
Hoje a forma mais comum é um contrato misto de plano de saúde, contrato da modalidade pré-pagamento, onde a utilização dos serviços médicos “conveniados” é livre, não necessitando pagamento e consequente reembolso, ficando o reembolso das despesas médicas e de pré-pagamento para os tratamentos mais caros ou casos excepcionais.42
Em outras palavras, com pertinente e elucidativa conceituação, noz traz Xxxxxxx Xxxxxxxx:
No entanto, tradicionalmente, duas as formas de cobertura: ou pelo reembolso de despesas com liberdade de escolha de quem presta os serviços, caracterizando o seguro-saúde; ou pelo credenciamento de médicos e hospitais, para os quais se encaminha o segurado que receberá o tratamento médico-hospitalar, tendo-se, aí, os planos de assistência.43
Entende, portanto, este doutrinador, que há subdivisão prática e de forma complementar, esclarece:
40 Art 129. Fica instituído o Seguro-Saúde para dar cobertura aos riscos de assistência médica e hospitalar.
41 Art 135. As entidades organizadas sem objetivo de lucro, por profissionais médicos e paramédicos ou por estabelecimentos hospitalares, visando a institucionalizar suas atividades para a prática da medicina social e para a melhoria das condições técnicas e econômicas dos serviços assistenciais, isoladamente ou em regime de associação, poderão operar sistemas próprios de pré-pagamento de serviços médicos e/ou hospitalares, sujeitas ao que dispuser a Regulamentação desta Lei, às resoluções do CNSP e à fiscalização dos órgãos competentes.
42 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4ª Edição. São Paulo. RT. 2004.apud Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxx. P 404 e 405
43 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos – Rio de Janeiro: Forense, 2010. P. 904.
A assistência médica, assim, pode ser materializada através de contrato, pelo qual a operadora e o assistido estabelecem relações de prestação de serviços. Náo é objetiva a cobertura de despesas advindas da cura ou do tratamento de moléstias, lesões ou quaisquer eventos ligados à saúde. Presta-se o atendimento mediante profissionais e internamentos em hospitais, pagando a companhia diretamente as despesas. Já no seguro, normalmente o próprio indivíduo efetua o pagamento, reembolsando-se, posteriormente, perante a companhia seguradora.44
Com efeito, os contratos de assistência médica, popularmente conhecidos como convênios podem materializar-se através da indicação de uma gama de hospitais a serem usufruídos pelo conveniado, lado outro há convênios que possuem hospital próprio e por derradeiro há a figura do já conceituado seguro saúde, onde conforme estipulação contratual o segurado define o médico ou hospital que irá prestar o serviço e o fornecedor, após essa fase, efetua o reembolso das despesas efetuadas.
Nos exatos termos acima delineados, define a lei 9.656 de 1998:
Artigo 1º: submetem-se as disposições desta lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência a saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:
I. Plano privado de assistência a saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.
Destaca-se através de seu conceito legal que a assistência a saúde envolve o fornecimento de serviços hospitalares por meio de uma prestação continuada.
44 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos – Rio de Janeiro: Forense, 2010. P. 905.
Por conseguinte, consoante dicção expressa, o preço dos custos assistenciais podem ser fixados após o atendimento hospitalar, bem como se destaca a liberdade de escolha dos profissionais que prestam o serviço.
O primeiro ponto que se deve trazer à elucidação quanto a natureza jurídica do contrato que trata a presente obra, é sua bilateralidade, portanto sua característica de ser sinalagmático. Nesse passo é fonte geradora de obrigações recíprocas, ambas as partes assumem direitos e deveres. In casu, uma das partes contribui por meio de mensalidade ao passo que a parte ex adversa se incumbe de prestar a assistência médica quando da necessidade e conforme os termos estipulados no pacto. Nesse passo se revela oneroso, posto que há o pagamento da quantia pelo adquirente e o custeio da assistência pela operadora.
É tipicamente aleatório, posto que a prestação do serviço depende exclusivamente da ocorrência do evento futuro e incerto, qual seja a necessidade da assistência.
Trata-se ainda de um contrato de execução continuada, vige por determinado período de tempo sob o qual continuam surtindo seus efeitos, mormente no que concerne sua cobertura.
Possui suas cláusulas pré estabelecidas pela operadora e impostas ao contraente no momento de sua formação, portanto trata-se de contrato de adesão. À guisa de conceituação, prevê o Código de Defesa do consumidor:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Por derradeiro, são contratos regulados pelas leis aplicáveis as relações de consumo, nesse passo sujeitam-se ao Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido a cristalina redação da Lei 9.656 de 1998 (artigo 35-G), nos remete a já consolidada jurisprudência: “Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições da Lei no 8.078, de 1990”.
Importante divisão prática é feita no que concerne as modalidades dos regimes de contratação da assistência médica.
Com efeito os regimes de contratação trazidos por Xxxxxxx Xxxxxxxx00 são a contratação individual ou familiar, a contratação coletiva empresarial e a contratação coletiva por adesão.
O contrato individual ou familiar é o oferecido usualmente no cotidiano, com a possibilidade de adesão singularmente ou o grupo familiar o qual foram oferecidos os serviços.
Por sua vez “A contratação coletiva empresarial é aquela que oferece cobertura a uma população delimitada e vinculada a determinada pessoa jurídica por relação empregatícia ou estatutária”46.
Figura semelhante, a contratação coletiva por adesão trata-se de assistência a saúde oferecido a pessoas determinadas, ligadas entre si por vínculo associativo. Nos termos de Xxxxxxx Xxxxxxxx:
[...] constitui o regime de plano oferecido por pessoa jurídica para uma massa delimitada de associados, ou em que os associados (funcionários, sócios, sindicalizados) aderem pessoalmente, por livre opção.47
2.1 O contrato de assistência à saúde como relação de consumo.
Os dispositivos reconhecidos como protetores das relações de consumo datam de longa data, como destaca Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx:
Já na antiguidade havia dispositivos que visavam à regulamentação de uma economia de trocas. Um dos mais conhecido é o Código do Rei Hammurabi (1792-1750 a. C.) que, indiretamente, visava proteger o que se chama hoje por consumidor, pois regulamentava o
45 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos – Rio de Janeiro: Forense, 2010. P. 923
46 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 158.
47 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contratos – Rio de Janeiro: Forense, 2010. P. 923
direito patrimonial, o direito de família, preços, a quantidade e a qualidade dos produtos, os direitos e obrigações de profissionais. 48
Foi contudo nos Estados Unidos, através de importantes movimentos que visavam a proteção do consumidor e a qualidade dos produtos oferecidos que avança o estágio de abrigo aos direitos daqueles que consomem.
No Brasil tardiamente a base das leis de proteção ao consumidor se deu por meio da criação de órgãos vinculados ao Poder Executivo, com vistas a cobertura dos direitos dos cidadãos.
Nesse passo, se observou uma massificação e uma padronização das relações travadas em toda a sociedade, que repercutiu nas relações contratuais e desaguou na crise da teoria clássica contratual, já citada anteriormente.
Com o fenômeno anteriormente citado somados à ausência de legislação aplicável específica, os contratos sofreram uma padronização e dessa maneira o desrespeito aos consumidores imperava.
Nesse contexto citado, e considerado a evolução que ocorria em outros países, era imperioso que fosse feita uma legislação com vistas a reconhecer o consumidor como hipossuficiente e regulamentando essa relação jurídica, fortalecendo-o em face aos fornecedores.
Entrementes com a promulgação da nova Constituição, reforçando os ideais de uma sociedade democrática com base no respeito aos indivíduos e direitos individuais, alçou como direitos e deveres coletivos a proteção ao consumidor. Nesses termos:
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
Premente nessa necessidade foi sancionada a Lei 8.078 de 1990 o Código de Defesa do Consumidor. Trazendo em seu bojo os ideais de hipossuficiência e defesa dos cidadãos face o desrespeito anteriormente perpetrado.
48 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 85 e 86.
A nova lei, de ordem pública e interesse social, dividida em seis títulos, trouxe em seu corpo disposições de natureza cível, penal, processuais, administrativas e coletivas. Diploma portanto multidisciplinar criado especialmente para a defesa dos interesses dos consumidores.
Nesse sentido, define o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor:
A política nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo..” (artigo 4º).
Para que se defina a aplicação da matéria regulada pela nova lei, é necessário todavia que se caracterize uma relação de consumo, portanto em um dos polos dessa relação estaria o consumidor, ao passo que o lado ex adverso seria ocupado pelo fornecedor.
Não obstante a dicção expressa e clara da nova legislação, muito se traçou para concretizar as teorias atualmente adotadas para configuração da relação de consumo.
Consoante o artigo 2º do Código de Defesa do consumidor, existem duas figuras consumidoras, o consumidor por excelência (standard) e o consumidor por equiparação (by standard).
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Nessa esteira de raciocínio o caput do dispositivo traz o consumidor standard, ao passo que o parágrafo único traz a figura do consumidor por equiparação. Imperioso mencionar que ambas as modalidades trazidas gozam da mesma proteção legal. Ao passo que as figuras das pessoas física ou jurídica estão amparadas por este diploma.
Convêm trazer a baila que o conceito de consumidor by standard envolve ainda outros dispositivos do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Inserido na seção da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, o artigo 17 equipara a consumidor aquele que sofreu qualquer acidente de consumo, independente de este ter realizado ou não a aquisição do serviço em tela.
Por conseguinte, o artigo 29 do diploma legal elencado, previsto no capítulo das práticas comerciais traz um conceito amplo de consumidor. Incluindo no rol dos consumidores aqueles que foram expostos as práticas comerciais perpetradas pelo fornecedor.
Dessa maneira, impende observar que “o CDC definiu consumidor partindo de um conceito stricto sensu para uma acepção lato sensu partiu do individual mais concreto para o geral mais abstrato”49.
Nesse sentido a jurisprudência pacificada dos tribunais reconhece a possibilidade de configurar-se a relação de consumo independente do uso final do produto ou serviço. Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CONSUMIDOR. TELEFÔNICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PORTABILIDADE. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. SOCIEDADE DE ADVOGADOS. EXCLUSÃO DE SÓCIOS DO POLO ATIVO. CONSUMIDOR EQUIPARADO. 1- A
falha na prestação do serviço de portabilidade de linha telefônica de escritório de advocacia a redundar na indisponibilidade temporária do sinal não atinge apenas o causídico integrante da sociedade de advogados em nome do qual registrada a linha telefônica. Falha na prestação do serviço que causa dano igualmente aos demais advogados do local, em que pese não possuam vínculo contratual com a fornecedora ré. Qualificação dos co- demandantes como consumidores equiparados, nos termos do
49 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 118.
art. 17 do CDC. Direito a reparação por danos morais que assiste, assim, a todos os lesados pelo evento danoso. 2- Na fixação do montante indenizatório por gravames morais, deve-se buscar atender à duplicidade de fins a que a indenização se presta, atentando para a capacidade do agente causador do dano, amoldando-se a condenação de modo que as finalidades de reparar a vítima e punir o infrator (caráter pedagógico) sejam atingidas. "Quantum" mantido em R$5.000,00 (cinco mil reais). Recurso de apelação parcialmente provido. (Apelação Cível Nº 70056607559, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxxxxxx Xxxxxxxx Sudbrack, Julgado em 10/10/2013)
(TJ-RS - AC: 70056607559 RS , Relator: Xxxxxxx Xxxxxxxx Sudbrack, Data de Julgamento: 10/10/2013, Décima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 14/10/2013). (G.N.)
É também clara a orientação do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o terceiro alheio a relação de consumo, também participa desta se incorrer no artigo 17:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. IMPORTAÇÃO. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. DANO EM EQUIPAMENTO HOSPITALAR. RAIO X. SEGURADORA. RESSARCIMENTO. AÇÃO REGRESSIVA. SUB-ROGAÇÃO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 17 DO CDC IMPERTINENTE. OMISSÃO INEXISTENTE.
2. A norma do art. 17 do CDC equipara aos consumidores (bystanders) o terceiro que, alheio à preexistente relação de consumo, sofre danos decorrentes do produto ou do serviço vinculado à mencionada relação.
3. Concretamente, (i) a pessoa jurídica de direito privado (hospital) adquiriu e importou o equipamento de Raio X, sendo, portanto, contratante, não terceiro, e (ii) o acórdão embargado, fundamentadamente, considerou inexistente relação de consumo, o que basta para afastar, em relação à indicada contratante, a aplicação da norma do art. 17.
4. Inexiste omissão que deva ser sanada relativamente a norma legal impertinente e não aplicável.
5. Embargos de declaração rejeitados.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL 2009/0209202-1 (G.N.)
Portanto para a configuração da relação de consumo é necessário quanto ao seu elemento subjetivo, ou seja, as partes, que haja de um lado o consumidor e do outro o fornecedor.
Nos termos do artigo 3º do CDC, fornecedor é:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Dessa maneira, a pessoa física ou jurídica poderá figurar como fornecedora de serviços. Nessa senda a pessoa jurídica pública (União, Estados, DF, municípios, autarquias) também se incluem neste rol. E por sua vez as pessoas jurídicas estrangeiras, estas inclusive podem ser responsabilizadas por produtos adquiridos no exterior, de acordo com o STJ:
DIREITO DO CONSUMIDOR. FILMADORA ADQUIRIDA NO EXTERIOR. DEFEITO DA MERCADORIA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA NACIONAL DA MESMA MARCA ("PANASONIC"). ECONOMIA GLOBALIZADA. PROPAGANDA. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. SITUAÇÕES A PONDERAR NOS CASOS CONCRETOS. NULIDADE DO ACÓRDÃO ESTADUAL REJEITADA, PORQUE SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO MÉRITO, POR MAIORIA. I - Se a economia
globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso País. II - O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje "bombardeado" diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca. III - Se empresas nacionais se beneficiam de marcas
mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos. IV - Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situações existentes. V - Rejeita-se a nulidade argüida quando sem lastro na lei ou nos autos
(STJ - REsp: 63981 SP 1995/0018349-8, Relator: Ministro XXXXX XXXXXXXXXX XXXXXX, Data de Julgamento: 11/04/2000, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 20.11.2000 p. 296 JBCC vol. 186 p. 307 LEXSTJ vol. 139 p. 59 RSTJ vol. 137 p. 389)
Não olvidemos que os entes despersonalizados também figuram como pessoa jurídica apta a exercer fornecimento de serviços. Portanto pessoas que se reúnem sem o devido registro, mas se enquadram nos termos do artigo 3º do CDC estão sujeitas as leis de consumo.
Por fim, o artigo em questão traz o conceito “desenvolver atividades” assim a ausência de habitualidade descaracteriza a relação de consumo sob a égide do artigo 3º do CDC.
Por conseguinte no que tange ao elemento final da relação de consumo, há a expressão “destinatário final”, trazida no caput do artigo 2º, in fine.
A expressão supra citada, foi objeto de discussões e mudanças de entendimento na jurisprudência, atualmente encontra posição mais solidificada no sentido de se adotar a denominada teoria finalista aprofundada do consumo.
Existem atualmente na doutrina e jurisprudência três teorias com o fulcro de explicar a figura do “destinatário final”, e nesse passo, o que se discute principalmente é o uso o qual se destina o produto ou serviço adquirido.
A primeira que se tece comentários denomina-se teoria maximalista. Sob esse vértice de argumento não cumpre discutir qual a destinação dada ao bem ou serviço que se adquire, dessa maneira qualquer pessoa física ou jurídica que obtivesse serviço ou produto seria consumidor, independente da destinação dada, se fática ou econômica. À luz deste conceito, a abrangência obtida para a caracterização do consumidor, seria muito maior.
Nesse passo, ocupando o vértice oposto, a teoria finalista possui interpretação mais restritiva compara a maximalista.
Para os finalistas, consumidor é aquele que adquire ou utiliza um produto ou um serviço para uso próprio, ou seja, o não profissional. Neste caso, o destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do produto ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.50.
Para essa teoria portanto, aquele que adquire produto ou serviço como insumo para sua empresa, não se enquadraria no conceito de consumidor, ao passo que uma família que adquire produtos em um supermercado para seu consumo pessoal estaria sob a proteção das leis de consumo.
Diante dessas duas teorias o Superior Tribunal de Justiça adotou teoria intermediária ou finalista aprofundada ou finalista temperada admitindo que diante de determinadas situações em que o consumidor apresentasse vulnerabilidade técnica, fática, econômica ou informacional pudesse o destinatário não econômico ser albergado pela proteção das leis do Código de Defesa do Consumidor.
Ora, a intenção deste diploma normativo, trata-se em justamente proteger os que se encontram em desigualdade na cadeia de consumo, igualando-os através de seus princípios e regras mais benéficas.
Nesse exato sentido, em acordão paradigma, a eminente Ministra do Superior Tribunal de Justiça Xxxxx Xxxxxxxx, reconheceu revendedora de veículos como consumidora frente uma empresa de telefonia, em virtude de defeito nas linhas telefônicas que tornaram inócuos anúncios publicitários:
CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO.FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE.
1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.
2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e,
50 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 119.
portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo.
3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.
4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor).Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra).
5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora.
6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos.
7. Recurso especial a que se nega provimento.
Processo: REsp 1195642 RJ 2010/0094391-6
Relator(a): Ministra XXXXX XXXXXXXX
Dessa maneira, se observa que a atividade desempenhada pela empresa é fundamental para que se configure a relação jurídica de consumo, posto que é caráter essencial para análise de seu conhecimento e portanto a configuração da vulnerabilidade.
Como anteriormente explanado, a massificação contratual deu azo ao desrespeito a parte mais fraca da relação, fazendo com que fosse necessária a criação de uma legislação específica que visasse proteger essa figura hipossuficiente.
A disciplina contratual que consta no CDC não foge à regra, inserida no capítulo VI do título I deste diploma normativo, os contratos de consumo são arquitetados com respeito a peculiaridades que não se encontram nos contratos regulados pela relação civil ordinária. Desse modo sua interpretação difere da comum e seus deslindes observam regras com o fulcro de uma equalização de poder entre as partes contratantes.
Nesse diapasão o contrato de consumo se define como a relação jurídica bilateral, capaz de extinguir, criar e modificar direitos e obrigações entre ambas as partes, a qual todavia conta com um fornecedor em um polo da relação jurídica e o consumidor no polo contrário.
Dessa maneira uma série de regras serão aplicadas a relação de consumo, a título exemplificativo:
O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial” (artigo 49, CDC).
A exigência de impor limites aos fornecedores nas relações de consumo, fez com que o legislador elegesse rol exemplificativo de cláusulas contratuais abusivas:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
Nesses termos serão consideradas abusivas, quaisquer cláusulas que violem o disposto no artigo acima, portanto passíveis de anulação ex oficio pelo juiz.
O fenômeno da massificação contratual resultou na padronização das estipulações, e assim o consumidor deixou de atuar na construção das cláusulas estipuladas, fazendo com que a convenção fosse imposta pelo fornecedor, e o adquirente cumpre somente o papel de aderir ou não as cláusulas pré- estabelecidas.
Diante disso, surgiu na doutrina o contrato de adesão, que com guarida no Código de Defesa do Consumidor, representa a quase totalidade das formas de instrumento contratual, hoje praticadas.
Assim, conceitua a Lei 8.078:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Nos termos do dispositivo exposto, enquadra-se o contrato de assistência médica atualmente perpetrado pelas operadoras de planos de assistência a saúde.
Ao contratar com essas entidades, os termos pactuados são pré- estabelecidos e não há a possibilidade de modificação dessas cláusulas, a única liberdade do contraente é aceitar todos os termos impostos ou negar-se a contrair o vínculo.
Em oposição aos contratos paritários, aqueles em que as partes estipulam livremente as cláusulas, como melhor define Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx “Contratos de adesão são os que não permitem essa liberdade, devido à preponderância da vontade de um dos contratantes, que elabora todas as cláusulas. O outro adere ao modelo de contrato previamente confeccionado, não podendo modificá-las: aceita-as ou rejeita-as, de forma pura e simples, e em bloco, afastada qualquer alternativa de discussão”.51
Importante mencionar que nos contratos de adesão tutelados pelo CDC a “inserção de cláusula em formulário não desfigura a natureza do contrato de adesão” (art. 54, parágrafo 1º, CDC).
Antes do Código de Defesa do Consumidor, não havia legislação que tratasse do contrato de adesão. Pioneira nesse ponto, a novel legislação foi responsável por trazer a arquitetura jurídica inicial para que se desenhassem os contornos interpretativos e conceituais dessa espécie contratual.
51 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx, Direito Civil Brasileiro, volume III : contratos e atos unilaterais. 6ª edição – São Paulo : Saraiva, 2009. P. 76
Com a promulgação do Código Civil de 2002 dois importantes dispositivos foram acrescidos ao ordenamento jurídico brasileiro:
Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
Dessa maneira a interpretação dos contratos de adesão não ficava mais a cargo somente do intérprete, mas passava a ser expressamente prevista na legislação civil.
O acolhimento da regra em questão, com a observância dos dispositivos supra mencionados, é praticada torrencialmente na jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA DO BEM. CLÁUSULA QUE DISPÕE SOBRE A TRANSFERÊNCIA DE ENCARGOS. CONTRATO DE ADESÃO. INTERPRETAÇÃO. - Dispõe o Código
Civil, que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato (art. 421 do CCB), bem como, impõe obrigação às partes de guardar os princípios da probidade e da boa-fé (art. 422 do CCB), além de impor o dever de interpretação mais favorável ao aderente nos contratos de adesão (art. 423 do CCB). - Igualmente, dispõe o Código de Defesa do Consumidor, que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (art. 47 do CDC). - Para se desonerar das obrigações decorrentes de impostos, taxas e despesas incidentes sobre o imóvel, a Promitente Vendedora deve demonstrar que eventual atraso na transferência do imóvel, obrigação que é sua, em alguma medida pode ser imputado ao Promitente Comprador.
(TJ-MG - AC: 10024102202751001 MG , Relator: Xxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxx, Data de Julgamento: 04/07/2013, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 12/07/2013)
AÇÃO DE DESPEJO. ALEGACAO DE BENFEITORIAS NECESSARIAS, CONSENTIDAS EXPRESSAMENTE, ENSEJANDO DIREITO A RETENCAO E A INDENIZACAO. JULGAMENTO ANTECIPADO QUE EXCLUIU AMBOS POR FALTA DE CONSENTIMENTO POR ESCRITO (ART. 26 DA LEI N. 6.649/79). DESCABIMENTO, SE, NO CONTRATO, A NORMA LEGAL E MITIGADA EM BENEFICIO DO LOCATARIO, EXIGINDO-SE SO-
MENTE CONSENTIMENTO EXPRESSO, QUER DIZER, REJEITADO O TACITO, MAS NAO POR ESCRITO, SE REVELA PROPRIA A PROVA ACERCA DA EXISTENCIA DESSE CONSENTIMENTO EM AUDIENCIA. A INTERPRETACAO DOS CONTRATOS DE XXXXXX SE REALIZA CONTRA STIPULATOREM. E TAMBEM PERTINENTE A PROVA TECNICA ACERCA DA NATUREZA DAS BENFEITORIAS. APELACAO PROVIDA. SENTENCA CASSADA. (Apelação Cível Nº 189111610,
Terceira Câmara Cível, Tribunal de Alçada do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 07/02/1990)
(TJ-RS - AC: 189111610 RS , Relator: Araken de Assis, Data de Julgamento: 07/02/1990, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia)
APELAÇÃO CÍVEL - RECURSO ADESIVO - PLANO DE SAÚDE -
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - A abrangência do recurso adesivo é limitada, e, como tal, deve ser restrita ao que se discute na apelação principal. - A interpretação dos contratos de adesão, entre eles o de plano de saúde, especialmente as cláusulas dúbias, é que se interprete contra aquele que redigiu o instrumento, ou seja, é a famosa interpretação contra proferentem, presente no artigo 423 do Código Civil.
(TJ-MG - AC: 10105110032411001 MG , Relator: Xxxxxxxxx
Xxxxxxxx, Data de Julgamento: 03/07/2013, Câmaras Cíveis / 11ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/07/2013)
Como frisado neste último acórdão e esclarecido anteriormente na presente obra, fica claro a caracterização do contrato de plano de saúde como um contrato de adesão, bem como resta claro que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável a relação em questão.
Para que se identifique uma relação de consumo, é necessário de um lado um consumidor e do outro um fornecedor, nos termos anteriormente demarcados bem como é fator imprescindível a aquisição de um produto ou serviço.
Nesse passo é claro que as empresas que prestam serviços de saúde são fornecedoras nos termos do CDC. Com maestria, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx ensina:
Já no tocante aos sujeitos que figuram na relação de consumo, pode- se afirmar, com tranquilidade, que as empresas que prestam serviços de assistência a saúde, mediante remuneração, são consideradas típicas fornecedoras. Prestam um serviço condicionado a evento futuro, mediante o recebimento de contraprestação pecuniária. Atuam tais empresas, a rigor, como intermediárias, gestoras, cuja função é reter os recursos recebidos, reuni-los em um fundo comum
para, quando da ocorrência de um evento, dar-lhe a devida cobertura, seja financeira, seja assistencial, por meio de rede própria, credenciada ou referenciada. Enquadram-se, com efeito, na descrição do caput do art. 3º, inserindo-se, dessa forma, em um dos polos da relação de consumo”.52
Com efeito, no conceito disposto no artigo 2º, do C.D.C., também se equiparam a consumidores os que adquirem o serviço em questão. Nessa esteira de raciocínio a relação que se tece comentários é uma típica relação de consumo.
Sob esse vértice de entendimento, o Superior Tribunal de Justiça aponta a atividade de assistência a saúde como uma relação de consumo. Em leading case o eminente ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx reconhece:
PLANO DE SAÚDE. Centro Trasmontano. Internação. Hospital não conveniado. - O reembolso das despesas efetuadas pela internação em hospital não conveniado, pelo valor equivalente ao que seria cobrado por outro da rede, pode ser admitido em casos especiais (inexistência de estabelecimento credenciado no local, recusa do hospital conveniado de receber o paciente, urgência da internação etc.), os quais não foram reconhecidos nas instâncias ordinárias. - A operadora de serviços de assistência à saúde que presta serviços remunerados à população tem sua atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pouco importando o nome ou a natureza jurídica que adota. Recurso não conhecido.
REsp 267530 SP 2000/0071810-6
Sob o prisma desse novo entendimento, a aplicação do CDC repercutiu em proteção ao adquirente do plano de saúde, representando um enorme avanço na sociedade, o segurado passa a ser albergado por uma lei que impõe a outra parte série de deveres não impostos em uma relação regulada pela lei civil.
Nesse sentido, a jurisprudência exige maior clareza na redação das cláusulas contratuais, sempre a favor do consumidor, como ensina a ementa:
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE SEGURO-SAÚDE. TRANSPLANTE. COBERTURA DO TRATAMENTO. CLÁUSULA
52 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Planos de saúde : a ótica da proteção do consumidor. 3ª edição revista atualizada e ampliada – São Paulo : Revista dos Tribunais, 2011. P. 131.
DÚBIA E MAL REDIGIDA. INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. ART. 54, § 4º, CDC. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA/STJ, ENUNCIADO 5. PRECEDENTES. RECURSO NÃO- CONHECIDO.
I – Cuidando-se de interpretação de contrato de assistência médico- hospitalar, sobre a cobertura ou não de determinado tratamento, tem- se o reexame de cláusula contratual como procedimento defeso no âmbito desta Corte, a teor de seu verbete sumular nº cinco.
II - Acolhida a premissa de que a cláusula excludente seria dúbia e de duvidosa clareza, sua interpretação deve favorecer o segurado, nos termos do art. 54, § 4º do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, nos contratos de adesão, as cláusulas limitativas ao direito do consumidor contratante deverão ser redigidas com clareza e destaque, para que não fujam de sua percepção leiga.
REsp 311509 SP 2001/0031812-6
Assim, por possuir em polos um fornecedor (operadora de plano de saúde) e do outro um consumidor o Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos de assistência à saúde. Desse modo sua interpretação jurídica sofre um dirigismo amplo, sempre com vistas a proteção da parte mais fraca na relação, o contraente.
O contrato em tela é de extrema importância à sociedade, pois se trata de uma relação privada, onde se tutela um direito fundamental, a saúde. Nessa senda seu caráter patrimonial como visto pelas operadoras de planos de saúde, deve sofrer limitação, ao ponto que haja uma igualdade de poder entre as partes.
Nesse sentido a orientação atual da jurisprudência se mostra útil e correta. Modificação de cláusulas, interpretações favoráveis ao aderente e proibição de limitação de atendimento demonstram esse entendimento.
Dessa maneira entende-se que a posição jurisprudencial pátria vem acertando no sentido de defender o consumidor nos contratos de plano privado de saúde suplementar.
3 A TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL:
As obrigações em nosso ordenamento, são criadas para serem cumpridas, adimplidas em sua totalidade, mediante as condições de tempo, forma e lugar determinadas. Nessa linha de pensamento, a regra deverá ser o cumprimento, ao passo que o inadimplemento ou a mora deverão ser a exceção.
Dessa maneira, a legislação prevê consequências para as situações em que uma das partes deixa de cumprir o estipulado em contrato, aplicando penalidades e responsabilidade em perdas e danos.
Desse intróito, cumpre observar que consoante estabelece a legislação civil pátria, existem duas formas de não se cumprir uma obrigação, o inadimplemento absoluto ou a mora. À luz da observação feita, inadimplemento é gênero que abrange as duas espécies, inadimplemento absoluto ou mora (também chamada de inadimplemento relativo).
Nesse passo o artigo 389 do Código Civil, imputa efeitos somente ao inadimplemento absoluto, ao passo que o artigo 395, traz a responsabilidade em virtude da mora do devedor.
Nesses termos:
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado
Não obstante a similitude textual prevista pelo Código Civil, em ambas as modalidades de inadimplemento, a configuração de uma ou de outra ganha importantes contornos no ordenamento pátrio, no que tange as suas consequências.
Com efeito, o inadimplemento absoluto gera a impossibilidade de cumprimento da obrigação, portanto possui consequências mais severas as partes.
No inadimplemento absoluto, a parte adimplente tem o direito de: (i) promover a execução forçada da obrigação, por culpa (CC, art. 236) ou não do devedor (CC, art. 235, ao admitir a resolução sem culpa do devedor se a coisa perecer; CC, art. 567 estabelece a resolução do contrato de locação, sem culpa do locatário e do locador, se a coisa alugada deteriorar-se), sendo que diante da culpa, será admitido o pedido de indenização pelos danos sofridos; ou (ii) resolver a obrigação, na configuração de violação à obrigação fundamental do contrato que causa a inexecução.53
Resultado diverso, entretanto, teria se ocorresse a mora, posto que nesta espécie o cumprimento da obrigação ainda pode ser realizado, mormente se considerado a possibilidade de purga da mora, nos termos do artigo 401, incisos I e II54 do Código Civil, que portanto, gera efeitos mais brandos.
Nesses termos: “Havendo cumprimento imperfeito e sendo ainda viável a execução da prestação devida, o credor pode: (i) esperar pela execução da prestação, e pedir indenização por este atraso, caso aquela não se realize; (ii) conceder prazo suplementar para o cumprimento, e na ausência deste expirado o prazo, resolver o contrato diante da inércia do devedor; e (iii) resolver imediatamente, se a violação for fundamental, como nas obrigações de não fazer e obrigações com condição temporal imposta.55
O adimplemento substancial é construção do direito estrangeiro, sendo observado com semelhanças aos contornos atuais, pela primeira vez na Inglaterra no paradigma caso Xxxxx v. Eyre, onde Xxxx Xxxxxxxx, que realizou o julgamento do caso utilizando-se da distinção entre os conceitos de condition e warranty.
Sob a égide do direito inglês aplicável a época, condition seria uma prestação dependente do contrato, representando assim algo que garantia supedâneo, sustentáculo do contrato. Desse modo o desrespeito a uma condition repercutiria na possibilidade de dissolução do vínculo contratual pela parte lesada.
53 DA XXXXX, Xxxxxx. Adimplemento substancial. Dissertação. 2006. Pontifícia Universidade católica de São Paulo. P. 136 e 137.
54 Art. 401. Purga-se a mora:
I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;
II - por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data.
55 DA XXXXX, Xxxxxx. Adimplemento substancial. Dissertação. 2006. Pontifícia Universidade católica de São Paulo. P. 141.
Por sua vez, warranty representava obrigação correlata, algo de caráter acessório no contrato, obrigação não dependente. Nesses termos, em vértice oposto ao anterior, o descumprimento dessa espécie de obrigação, não ensejava a dissolução do vínculo contratual, mas tao somente a cobrança a título de perdas e danos.
Xxxxxxx Xxxxxx, relata que:
as conditions são cláusulas essenciais, constituindo a própria substância do contrato, cujo cumprimento é imprescindível à manutenção do sinalagma. As warranties, por sua vez, correspondem àquelas “obrigações independentes” que estão em uma segunda ordem de importância e seu cumprimento, portanto, não afeta o equilíbrio contratual (consideration). Cabia às partes determinarem no contrato o que configuraria uma condition e sua vontade seria lei para os juízes em virtude do princípio da autonomia da vontade. Violada uma condition, seria atingido o equilíbrio contratual. Então caberia à parte lesada pedir a sua resolução, com o que a parte inadimplente nada lhe poderia exigir, ainda que houvesse prestado algo. Caso a infração fosse uma warranty, a relação contratual não seria discutida e o contratante não inadimplente estaria legitimado apenas a pedir o adimplemento do que fora omitido, se possível, e o ressarcimento dos danos sofridos. Violada uma condition, seria atingido o equilíbrio contratual. À parte lesada caberia então pedir a resolução, com o que a parte inadimplente nada lhe poderia exigir, ainda que houvesse prestado algo. Caso a infração fosse uma warranty, a relação contratual não seria discutida e o contratante inadimplente estaria legitimado apenas a pedir o adimplemento do que fora omitido, se possível, e o ressarcimento dos danos sofridos.56
Note que sob a égide do conceito supra exposto, afasta-se da gravidade da lesão provocada. Assim por decorrência de uma lesão que acarretaria graves danos, não seria possível a dissolução do contrato, em desrespeito assim ao equilíbrio da relação.
Nesse passo :
Com a finalidade de afastar tais dificuldades surge o conceito de intermediate ou innominate term, quer dizer, aquele dever contratual que não pode ser considerado nem condition nem warranty, e seu
56 Xxxxxxx Xxxxxx, ( p. 62, citada por XXXXXXX, 2008, p.44)
descumprimento somente faculta à parte resolver o contrato caso seja suficientemente sério.57
Dessa maneira, surge a figura do substantial failure in performance ou simplesmente substantial performance.58
Com o advento do Código Civil de 2002, foi inserido de forma expressa o princípio da boa-fé objetiva como forma de hermenêutica dos negócios jurídicos.
Dessa maneira, o princípio da boa-fé possui o condão de permitir um controle dos atos das partes na relação jurídica estabelecida. Dessa forma determinadas condutas poderão ser vedadas as partes, com supedâneo no referido princípio.
Nesse passo, o princípio da função social do contrato, preconiza que no momento em que se firma o pacto, este adquire uma repercussão na sociedade, ou seja, sua função ultrapassa o dever de cumprimento imposto relativamente as partes.
Nos termos do artigo 47559 do Código Civil, o inadimplemento contratual por uma das partes gera o direito de a outra pleitear a resolução do contrato. Todavia, como já anteriormente citado, o inadimplemento é gênero que abrange duas espécies, e a lei não explicita qual seria a forma ensejadora do pedido de resolução contratual.
Dessa forma, a teoria do adimplemento substancial consubstancia-se na vedação do uso desequilibrado do direito de resolução, fundado essencialmente na aplicação do princípio da boa-fé objetiva, no pleno exercício de sua função defensiva de limitação de direitos subjetivos, tal como especificado supra no enquadramento das funções deste princípio e delineado pela doutrina.60
Nesse sentido, se orientam as cortes superiores pátrias:
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO (LEASING). PAGAMENTO DE TRINTA E UMA DAS TRINTA E SEIS PARCELAS DEVIDAS. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DESCABIMENTO. MEDIDAS DESPROPORCIONAIS
57 Xxxxxxx Xxxxx, ( p. 267, citada por XXXXXXX, 2008, p.45)
58 XXXXXXX, Xxxxx. Contornos do inadimplemento absoluto, da mora e do adimplemento substancial: principais características e distinções. Dissertação. 2008. Pontifícia universidade católica de São Paulo. X. 00. 00 Xx verbis: Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
60 Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, ( p. 457-459, citada por XXXXXXX, 2008, p.70)
DIANTE DO DÉBITO REMANESCENTE. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL.
1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no Código Civil de 2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual "[a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos".
2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato.
3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: "31 das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido". O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença.
4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título.
5. Recurso especial não conhecido.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.051.270 - RS (2008/0089345-5) RELATOR : MINISTRO XXXX XXXXXX XXXXXXX
Observe que as cláusulas gerais da função social e da boa-fé objetiva, conforme expressamente na sentença, são orientadores da teoria do adimplemento substancial.
Nesse sentido o Enunciado 361, do Conselho da Justiça Federal: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475”.
Observa-se dessa maneira, que a teoria em questão, se trata em uma limitação a vontade dos contratantes, realizada através do sopesamento dos
princípios da boa-fé e função social do contrato, em detrimento do princípio da autonomia da vontade contratual.
Nessa esteira de raciocínio, se constitui como verdadeira vedação a possibilidade de dissolução contratual, em virtude do inadimplemento ter se consumado em fato de pequeno agravo a parte lesada, ao passo que se impõe a outra parte a continuidade do contrato, restando a essa pleitear eventuais perdas e danos, lançando mão dessa sorte de outros artifícios que não o fim do contrato.
3.1 A teoria do adimplemento substancial aplicada aos contratos de assistência a saúde:
Consoante previsão expressa do parágrafo único, inciso II do artigo 13, da lei 9.656 de 1998, é vedada a suspensão ou rescisão unilateral dos contratos salvo pelo não pagamento de mensalidade em período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, mediante a notificação do consumidor até o quinquagésimo dia de inadimplência.
Dessa maneira, em que pese a expressa previsão do prazo pela lei especial, é cediço que deve imperar nas relações contratuais os princípios aplicáveis as relações jurídicas mormente os princípios da boa-fé e função social do contrato, nos termos já delineados na presente obra.
O contrato de assistência a saúde, dessa forma, é um contrato regido pelas leis de direito privado, entre particulares, mas que tem por escopo tutelar um direito fundamental ao ser humano, a vida.
Dessa maneira o prazo estipulado legalmente deve ser interpretado à luz dos princípios e cláusulas gerais de direito, mormente o adimplemento substancial.
Nesse sentido, a jurisprudência pátria reconhece a aplicação da substantial performance nessa espécie contratual, reconhecendo esse instituto mesmo sob o atraso de pagamento de períodos superiores ao disposto na legislação.
Nesses termos em acórdão proferido pelo Desembargador Francisco Loureiro, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foi afastado o direito a resolução do contrato em virtude do inadimplemento de 3 mensalidades
Ação principal de obrigação de fazer e ação cautelar de consignação em pagamento - Cancelamento automático de contrato de plano de saúde por inadimplemento de três mensalidades Prova nos autos de que a consumidora não recebeu os respectivos boletos para cobrança Resolução automática que infringe o próprio ajuste entre as partes e se mostra abusiva, por não permitir à consumidora a purgação da mora Aplicação da teoria do adimplemento substancial, pela qual não se justifica a resolução contratual por inadimplemento se houve descumprimento de escassa relevância, mantendo-se a utilidade, contudo, do recebimento das prestações pelo credor Manutenção do contrato entre as partes, após quitadas as parcelas contratuais na ação consignatória Ação principal parcialmente procedente e ação cautelar procedente Recurso não provido (Processo nº 2494720078260505 SP, Rel. Des. Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, D. J. 16/12/2010, 4ª Câmara de Direito Privado).
Observe desse modo que nos contratos de execução continuada, sua manutenção deve ser mantida por decorrência da aplicação do princípio do adimplemento substancial.
Mostra-se importante mencionar, que essa teoria também é aceita nos contratos de seguro saúde, como demonstra a decisão:
AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO. CONTRATO DE SEGURO- SAÚDE. ATRASO NO PAGAMENTO DE UMA PARCELA. NECESSIDADE DE COMPROVADA NOTIFICAÇÃO DO CONSUMIDOR ANTES DA RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO. AVISO DE RECEBIMENTO ASSINADO POR TERCEIRO ESTRANHO AO PROCESSO. TEORIA DA APARÊNCIA NÃO APLICÁVEL. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL IMPEDEM QUE O ATRASO DE APENAS UMA PARCELA, CUJO VALOR JÁ FOI DEPOSITADO JUDICIALMENTE, ACARRETE A RESCISÃO DE CONTRATO CATIVO DE LONGA DURAÇÃO.
1. É consabido que a Lei nº 9.656/98, em seu art. 13, parágrafo único, inciso II, admite em caso de mora do contratante, a rescisão unilateral do contrato de assistência à saúde, exigindo, porém, que seja promovida a devida e comprovada notificação ao consumidor, até o quinquagésimo dia da inadimplência, a fim de oportunizar o pagamentos devido e evitar a extinção prematura do negócio jurídico.
3. Sendo a natural e legítima expectativa do consumidor a continuidade do contrato de seguro-saúde, deve prevalecer o princípio da boa-fé, com especial destaque à teoria do adimplemento substancial, que limita o exercício de direitos pelo credor em nome da equidade. A rescisão do contrato a esta altura, depois de longo período em que se manteve o vínculo entre a seguradora e a
segurada, quando esta já se encontra em idade avançada e, por conseguinte, com a saúde mais fragilizada, certamente beneficiaria desproporcionalmente a seguradora, que parece não demonstrar interesse na manutenção do contrato em razão dos gastos com tratamentos médico-hospitalares que se tornam mais comuns com o avanço da idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
Encontra-se também, como tese institucional da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a aplicação do que foi esposado até o presente momento. Com efeito:
SÚMULA: “É aplicável a „teoria do adimplemento substancial‟ para a manutenção dos contratos de plano de saúde, ainda que transcorrido o prazo de 60 dias do inadimplemento e mesmo que tenha ocorrido a regular notificação do cliente, desde que não haja reincidência ou má-fé.” 61
É importante demonstrar também que o substantial performance não se presta ao enriquecimento da parte que está em atraso no pagamento das parcelas contratuais, posto que a parte que não recebeu os pagamentos, deverá ingressar com o pleito competente para reaver as parcelas em atraso, como demonstra o entendimento a seguir esposado:
PLANO DE SAÚDE. Ação de obrigação de fazer. Rescisão contratual fundada em inadimplemento de parcela referente ao plano. Sentença de procedência. Inconformismo da operadora. Não acolhimento. Rescisão contratual fundada na falta de pagamento de uma única parcela. Notícia, de aceitação, pela credora, dos pagamentos subsequentes das mensalidades. Havendo adimplemento substancial, há possibilidade da credora de promover a execução dos valores não pagos, mas não de aplicar medida extrema e resolver o contrato. Precedentes deste Tribunal. Aplicação do princípio da preservação dos contratos. Negado provimento ao recurso". (v14947). (TJ-SP - APL: 01523487720128260100 XX
0000000-00.0000.0.00.0000, Relator: Xxxxxxx Xxxxxxx, Data de Julgamento: 25/02/2014, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/02/2014).
61 Disponível em : xxx.xxxxxxxxxx.xx.xxx.xx/xxxxx/Xxxxxxxxxxx/00/.../XXXX%000.xxxx
Dessa maneira, fica demonstrada a correta aplicação da teoria do substantial performance ou adimplemento substancial, oriunda do direito estrangeiro e incorporada ao direito pátrio através dos princípios da boa-fé contratual e função social do contrato.
À luz do contrato que se teceu comentários durante a presente obra, é comum vislumbrar situações em que o conveniado cumpre com todas as prestações do contrato durante longo tempo de duração. E por eventuais dificuldades financeira, muitas vezes em virtude de enfermidades, se vê alijado de sua cobertura.
Ora, o contrato em questão, visa de um lado o recebimento de quantia mensal, ao passo que em contraprestação presta serviços médico-hospitalares. Assim, se o consumidor cumpriu com praticamente a totalidade de suas obrigações, não seria razoável, em consonância aos princípios de direito, que houvesse a resolução contratual em virtude de um inadimplemento de pequena monta.
Essa orientação jurisprudencial se coaduna desse modo com o direito moderno, onde se observa a aplicação das cláusulas gerais, os valores coletivos impõem-se aos individuais, no sentido de reconhecer o caráter social da saúde aplicado a uma relação privada, ou seja, em virtude de um contrato de trato privado realizado entre capazes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Através do que foi exposto durante toda a presente obra, verificou-se que a teoria do adimplemento substancial possui aplicação as celeumas oriundas dos contratos de assistência a saúde.
O presente trabalho foi estruturado em três capítulos. O primeiro, abordou o direito a saúde como visto no ordenamento jurídico pátrio, assim compreendido o período histórico, com início na sua posição como direito social consagrado na Constituição da República Federativa Brasileira, a constituição cidadã, até a criação da lei 9.656 de 1998, criada com vistas a tutelar a saúde suplementar no Brasil.
Em conseguinte, foi analisado o conceito de contrato. Foi feito breve esboço histórico, em seguida a avaliação foi feita perante a lei brasileira, os princípios gerais aplicáveis ao tema e a evolução do conceito clássico ao atual, mediante a aplicabilidade das cláusulas gerais e princípios.
Por derradeiro, ainda neste capítulo, foi abordado o conceito do contrato de assistência a saúde perante a legislação de consumo. Com efeito, foi trazido a possibilidade da aplicação dessa lei nas relações privadas de saúde, como já pacificado na jurisprudência.
A última parcela da obra pendeu-se a análise da teoria do adimplemento substancial. Todavia, para a explicação do instituto da substantial performance necessário primeiramente passar pela análise da mora e do inadimplemento absoluto dos negócios jurídicos. Em seguida foi abordado o conceito diametralmente vis a vis os princípios da boa-fé e da função social do contrato, sua origem advinda do direito estrangeiro e a aceitação feita pelos tribunais brasileiros.
Em última análise, foram feitas considerações acerca da aplicação do instituto em comento nos contratos de assistência a saúde. Nesse sentido, a jurisprudência se orienta claramente de forma a permitir a aplicação da referida teoria, com base nos já comentados princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva.
Diante da breve síntese trazida acima, e nos termos arquitetados na presente obra, a aplicação da teoria do substantial performance já encontra aceitação ampla nos tribunais.
Observa-se desse modo, que o nóvel instituto se coaduna com os princípios de direito e as cláusulas gerais dispostas no Código Civil de 2002, bem como os engendrados na Constituição da República Federativa Brasileira, e os permeados por todo o ordenamento jurídico pátrio.
Nessa esteira de raciocínio, sua aplicação faz-se necessária para a equalização da relação jurídica contratual e efetivação dos princípios já demonstrados.
A teoria do adimplemento substancial, é aplicada com base nos princípios da boa-fé e da função social dos contratos. Com efeito, ambas são supedâneo do estado social democrático, e representam a sociabilidade das relações.
Não seria portanto, de bom alvitre, permitir a dissolução do vínculo contratual, diante de um inadimplemento de pequena monta, motivo pelo qual a teoria afasta essa possibilidade, em virtude de um inadimplemento relativo.
Considerando-se o contrato de assistência a saúde, foi citado que este é uma convenção entre particulares, com vistas a tutelar um direito social, consagrado na constituição, a saúde, importante fator no estado. Nesse ponto, não seria razoável a suspensão do contrato, em virtude da mora.
A luz de todo o sobredito, almejo que este trabalho se valha de conhecimento e desenvolvimento da aplicação da teoria nas situações fáticas jurídicas esposadas. De forma a permitir uma proteção do hipossuficiente na intrincada relação travada no contrato de assistência a saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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