TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA | CÍVEL
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA | CÍVEL
Acórdão
Processo 359/20.3T8TVR.E1
Data do documento 13 de julho de 2022
Relator
Xxxxxx Xx Xxxxx Peixoto Imaginário
DESCRITORES
Contrato de mediação imobiliária > Remuneração
SUMÁRIO
- num contrato de mediação imobiliária sujeito ao regime geral (sem cláusula de exclusividade), o cliente tem o direito de desistir de celebrar o contrato visado, mas não tem o direito de, para obviar o pagamento da remuneração devida, desistir de celebrar o contrato visado com a colaboração da mediadora e de celebrar o contrato visado, à revelia desta, com destinatário encontrado por esta;
- a adenda estipulada a contrato de cooperação entre empresas de mediação imobiliária para efeitos de regulação da comissão devida em caso de celebração de compra e venda de imóvel pertença de uma delas define o regime contratual livremente fixado pelos respetivos outorgantes, não havendo lugar à aplicação do RJAMI.
(Sumário da Relagtora).
TEXTO INTEGRAL
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I – As Partes e o Litígio
Recorrente / Autora: (…) – Mediação Imobiliária, Lda. Recorridos / Réus: (…) e (…)
A A apresentou-se a peticionar a condenação dos RR a pagar-lhe a quantia de € 19.372,50 acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento a título de comissão devida pela celebração de negócio imobiliário, conforme previsto em acordo firmado em Adenda a Acordo Comercial entre Agências.
Alegou, para tanto, que, dedicando-se o R marido, tal como a A, à atividade de mediação imobiliária, celebraram um acordo comercial entre agências para partilha de imóveis, de clientes e de eventual remuneração proveniente dos negócios celebrados. Tendo os RR colocado à venda bem imóvel de que eram proprietários, celebraram adenda ao referido acordo, nele incluindo o referido imóvel, prevendo-se a comissão de 5%, acrescida de IVA, à A no caso de esta registar um cliente que venha a concluir negócio de compra do imóvel. Mais alegou que, tendo angariado interessados na compra do referido imóvel (… e …) que fizeram uma proposta de compra no valor de € 310.000,00, o R não aceitou o preço, pois pretendia obter € 300.000,00 após pagar a comissão devida; o negócio não se concretizou; os RR, contudo, celebraram o negócio por si mediado, tendo a escritura de compra e venda sido outorgada pelo preço de € 315.000,00 com (…).
Os RR foram citados editalmente, não tendo apresentado contestação.
O Ministério Público contestou, impugnando a factualidade inserta na petição inicial.
II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente.
Inconformada, a A apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que condene os RR a pagar a remuneração devida. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«III – Conclusões
24. Do exposto resulta que a Autora cumpriu o estabelecido no acordo com os RR.
25. É referido no n.º 1 do artigo 19.º da lei 15/2013, “A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação...” e neste caso o negócio foi efetivamente concluído após os serviços prestados pela A. que foram determinantes para que a mesma ocorresse.
26. Deverão os RR. serem obrigados, em função do contrato celebrado com a A., a pagar a remuneração devida pelos serviços de mediação imobiliária prestados.»
Em resposta, o Ministério Público sustentou que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que inexistia cláusula de exclusividade, o negócio inicial não se concretizou, pelo que não existe direito da Recorrente à remuneração, nem houve violação do princípio da confiança.
Cumpre apreciar se existe fundamento para reconhecer à Recorrente o direito à remuneração acordada.
III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. A Autora dedica-se à atividade de mediação imobiliária;
2. O Réu marido também se dedica à atividade de mediação imobiliária e é titular a licença (...) n.º (…);
3. Em 23/07/2019, a A. e o R. marido celebraram um acordo escrito intitulado «acordo comercial entre agências», o qual visava uma partilha de imóveis e clientes e uma eventual partilha de remuneração proveniente dos negócios celebrados;
4. Em data não concretamente apurada, os RR. colocaram à venda o imóvel do qual eram proprietários, correspondente à fração autónoma designada pela letra “C”, que faz parte do prédio urbano constituído no regime de propriedade horizontal, situado na Rua (…), n.º 16, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira com o n.º (…), da freguesia de Tavira (Santa Maria e Santiago) e inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo (…), da União de Freguesias de Tavira (Santa Maria e Santiago), com a licença de utilização n.º (…), de 23/02/1998 emitida pela Câmara Municipal de Tavira;
5. Os RR. colocaram o imóvel referido em 4. à venda, recorrendo aos serviços da A., celebrando um acordo escrito intitulado «Adenda ao contrato (acordo comercial entre agências)»;
6. Na cláusula c) do acordo referido em 5. faz-se constar que «No caso de o segundo outorgante registar um cliente que venha a concluir negócio de compra do imóvel supracitado, será paga ao segundo outorgante a comissão de 5% + IVA à taxa legal em vigor (23%)»;
7. No âmbito da execução do referido acordo, a X. encontrou interessados na compra do referido imóvel objeto do negócio, mais concretamente os interessados (…) e (…);
8. Os referidos interessados apresentaram uma proposta de compra do imóvel no valor de € 310.000,00, proposta esta que foi comunicada pela A. ao R. marido, em 15/01/2020;
9. O R. marido aceitou o preço proposto, porque do mesmo ainda teria de pagar a comissão imobiliária devida à A., tentando renegociar o valor da comissão imobiliária para 3,5%, de modo a receber pelo menos a quantia de € 300.000,00, após pagamento da comissão devida;
10. A A. não aceitou a proposta do R. marido, pelo que o negócio não prosseguiu;
11. Em data não concretamente apurada, a A. tomou conhecimento que os RR. celebraram uma escritura de compra e venda, tendo por objeto o imóvel identificado em 4., a qual foi outorgada a 20/04/2020, no Cartório Notarial do Dr. (…), em (…);
12. O preço da compra e venda foi de € 315.000,00;
13. A escritura foi outorgada em nome da (…);
14. Os RR. nunca comunicaram à A. que concluíram a venda do imóvel.
B – O Direito
O contrato de mediação imobiliária encontra-se atualmente regulado pela Lei n.º 15/2013, de 08/02, diploma que entrou em vigor em 01/03/2013 (art. 45.º, n.º 1). Revogando o DL n.º 211/2004, de 20/08, conformou o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária com aquele que resulta do DL n.º 92/2010, de 26/07, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno. Nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 2, do regime jurídico da atividade da mediação imobiliária (RJAMI), a atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis. Por conseguinte, a obrigação que recai sobre o mediador imobiliário é a de procura de destinatários para a realização de negócios ali mencionados.
«Geralmente, num contrato de mediação simples, desprovido de cláusulas especiais e nomeadamente da
que lhe concede exclusividade, o mediador desenvolverá a atividade pretendida pelo seu cliente no interesse de ambos, sabendo que só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado, celebração que se mantém na disponibilidade deste.»[1]
A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra – art. 19.º, n.º 1, do RJAMI. Nestes termos, a conclusão do contrato visado, desde que válido e eficaz (perfeito), implica o direito à remuneração do mediador; a remuneração depende da celebração e eficácia do contrato visado.
O mediador adquire o direito a receber a remuneração/comissão quando o seu trabalho influi sobre a conclusão do negócio – ou seja, o mediador tem direito à comissão quando, embora a sua atividade não seja a única causa determinante da cadeia dos factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente, contribuiu/influiu (decisivamente) para ele.[2] No contrato de mediação imobiliária, o mediador tem direito à comissão quando, embora não sendo a sua atividade a única causa determinante da realização do negócio pretendido pelo comitente, ela contribuiu para a sua realização, bastando que se tenha limitado a dar a conhecer o nome de uma pessoa disposta a fazer determinado negócio.[3] O direito da mediadora à retribuição acordada pressupõe, por regra e sem prejuízo das exceções previstas na lei, que a mediadora tenha desenvolvido uma concreta atividade no sentido de angariar um interessado para a celebração do negócio, que o negócio visado pelo contrato de mediação tenha sido concretizado e que este negócio tenha sido celebrado com um terceiro angariado pela mediadora, de tal modo que se possa afirmar que a conclusão do contrato foi o resultado da atividade desenvolvida pela mediadora em virtude de esta se integrar na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido, ainda que não tenha sido a única causa.[4]
O n.º 2 do citado artigo 19.º estabelece que é igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
Esta disposição legal estabelece uma diferença de regime entre o regime geral do contrato de mediação e o regime do contrato de mediação com cláusula de exclusividade, cláusula que estabelece que durante o período de vigência do contrato, o cliente não pode socorrer-se de outros mediadores nem celebrar diretamente o contrato visado. Enquanto no primeiro a remuneração do mediador é condicionada pela celebração do contrato visado (evento que está na disponibilidade do cliente e de um terceiro), no segundo, a remuneração do mediador, não se celebrando o contrato visado por causa imputável ao cliente, depende apenas do cumprimento bem sucedido da sua obrigação.[5] Ao contrato de mediação com cláusula de exclusividade não pode ser cessado por decisão unilateral do cliente, sem justa razão para tanto, sob pena de desvirtuar a eficácia da citada cláusula.
Decorre do exposto que, num contrato de mediação sujeito ao regime geral, o cliente tem o direito de desistir de celebrar o contrato visado. Mas não tem o direito de, para obviar o pagamento da remuneração
devida, desistir de celebrar o contrato visado com a colaboração da mediadora e de celebrar o contrato visado, à revelia desta, com destinatário encontrado por esta.
No caso em apreço, a Recorrente identificou destinatários para compra do imóvel dos RR, os quais apresentaram a proposta de € 310.000,00. Preço que não desagradou aos Recorridos, desde que não fossem compelidos a pagar a remuneração de 5% acrescida de IVA. Não tendo alcançado o acordo com a Recorrente para a redução da remuneração, o negócio não prosseguiu. Vieram, 3 meses mais tarde, a celebrar o negócio com compradora que tinha sido indicada pela Recorrente, sem intervenção desta, pelo preço de € 315.000,00, acrescido em 1,59% relativamente ao preço inicialmente proposto.
Ora, esta conduta revela que os Recorridos não desistiram de celebrar o negócio. Celebraram-no com a destinatária alcançada pela atividade de procura da Recorrente, com ligeiro acréscimo do preço, pretendendo assim, notoriamente, obviar o pagamento da remuneração.
Certo é que o RJAMI não dá cobertura a este tipo de condutas. O negócio visado foi concluído, e para a conclusão dele revelou-se determinante a atividade levada a cabo pela Recorrente.
De todo o modo, afigura-se não ser este o regime aplicável ao litígio em apreço.
A relação estabelecida entre as partes não emergiu de um mero contrato de mediação imobiliária celebrado nos moldes definidos no artigo 16.º do RJAMI entre uma empresa de mediação imobiliária (cfr. art. 2.º, n.º 3, do RJAMI) e um cliente (cfr. art. 2.º, n.º 6, do RJAMI). Antes configura uma relação estabelecida entre empresas de mediação imobiliária (cfr. artigo 2.º, n.º 3, do RJAMI) com vista à partilha de imóveis, clientes e eventual partilha de remuneração proveniente dos negócios celebrados. É que, em 23/07/2019, a Recorrente e o Recorrido marido, ambos na qualidade de empresas de mediação imobiliária, firmaram o Acordo Comercial entre Agências com vista ao registo de clientes, com a validade de 6 meses, numa base de dados estipulando que, em caso de venda, a comissão será de 50% para cada outorgante, cabendo à agência que registou o cliente acompanhar o cliente até ao ato da escritura conjuntamente com a empresa que detém a angariação, sendo essa comissão reduzida a 25% ou 12,5% conforme o empenho da agência no acompanhamento do processo, como melhor consta do doc. de fls. 7. Consubstancia, assim, um contrato firmado ao abrigo do princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405.º do CC no âmbito do prosseguimento da atividade de mediação imobiliária por cada um dos outorgantes, com vista à co-angariação de clientes e partilha de proveitos.
Ora, em Adenda a esse contrato e tal referido no n.º 4 dos factos provados, os outorgantes (a Recorrente e o Recorrido marido, ali identificado como titular da marca …, com licença de mediador n.º ... – … – cfr. fls.
8) consignaram ser o Recorrido casado com a Recorrida e ambos donos e legítimos possuidores de prédio urbano ali melhor identificado. Mais consignaram o seguinte:
«c) no caso de o segundo outorgante registar um cliente que venha a concluir negócio de compra do imóvel supracitado, será paga ao segundo outorgante a comissão de 5% + IVA à taxa legal em vigor (23%).
d) uma vez que o primeiro outorgante possui uma base de dados de clientes registados, todos os clientes que pretendam visitar o imóvel deverão ser previamente registados pelo segundo outorgante e confirmados pelo primeiro.
e) esta adenda e as suas condições extinguem-se no momento em que o imóvel supracitado seja vendido, mantendo-se o acordo genérico em vigor» – cfr. fls. 8.
Decorre do exposto que as partes pretenderam submeter a venda de imóvel de que eram titulares os Recorridos ao acordo genérico de colaboração que tinham celebrado para a prossecução da atividade de mediação imobiliária, estipulando o concreto regime supra descrito. Em face desse regime contratual fixado na adenda ao contrato, é devida a comissão de 5% acrescida de IVA à taxa legal no caso de se concluir negócio de compra do imóvel com cliente angariado pela Recorrente, ali segunda outorgante.
Uma vez que o negócio de compra e venda foi celebrado com interessada encontrada pela Recorrente (cfr. n.ºs 7 e 13 dos factos provados), por via do disposto nos artigos 405.º e 406.º, n.º 1, do Código Civil, assiste à Recorrente o direito que veio exercer na presente ação, implicando na procedência do presente recurso.
Dado que o negócio foi celebrado pelo preço de € 315.000,00, a comissão acordada ascende a € 15.750,00, a que acresce IVA à taxa legal de 23%, perfazendo a quantia de € 19.372,50. Mais são devidos os peticionados juros de mora, à taxa legal contados desde a data da citação, a 12/10/2021 – artigos 804.º, 805.º, n.º 1 e 806.º, do CC.
As custas recaem sobre os Recorridos – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.
Concluindo: (…)
IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, condenando-se os RR. a pagar à A. a quantia de € 19.372,50 (dezanove mil, trezentos e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a citação (a 12/10/2021) até integral pagamento.
Custas pelos Recorridos.
*
Évora, 13 de julho de 2022
Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx Imaginário Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx
Xxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx
[1] Xxxxxx Xxxxxxx, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, 2015, pág. 36.
[2] Ac. TRG de 14/09/2017 (Xxxxxxx Xxxxxxxxxx xx Xxxxxxx).
[3] Ac. TRL de 07/04/2003 (Xxxxx Xxxxxxxx).
[4] Ac. TRC de 17/12/2014 (Xxxxxxxx Xxxxxxxxx). Embora quer este acórdão quer o citado na nota que antecede sejam anteriores ao regime legal vigente, a respetiva jurisprudência tem, perante este, plena
atualidade.
[5] Cfr. Xxxxxx Xxxxxxx, ob. cit., págs. 131 e 132.