ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA
ESCOLA SUPERIOR XXX XXXXXX XXXXXX
PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
PERDA PARCIAL DE OBJETO DO CONTRATO DE SEGUROS E OUTROS REFLEXOS JURÍDICOS A PARTIR DA OCORRÊNCIA DE SINISTRO COM O BEM SEGURADO
Belo Horizonte 2020
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
Perda parcial de objeto do contrato de seguros e outros reflexos jurídicos a partir da ocorrência de sinistro com o bem segurado
Monografia apresentada ao programa de Graduação em Direito da Xxx Xxxxxx Escola de Direito, como avaliação para aprovação final e obtenção do título de bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Me. Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Belo Horizonte 2020
XXX HELDER ESCOLA DE DIREITO
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
Perda parcial de objeto do contrato de seguros e outros reflexos jurídicos a partir da ocorrência de sinistro com o bem segurado
Monografia apresentada ao programa de Graduação em Direito da Xxx Xxxxxx Escola de Direito, como avaliação para aprovação final e obtenção do título de bacharel em Direito.
Aprovado em: / /
Professor Mestre Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx (Orientador)
Professor Mestre Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx (Avaliador)
Nota:
Belo Horizonte 2020
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, por me dar a vida, por me conduzir até aqui e por escolher para mim família tão abençoada. De toda ramificação surgida de meus avós paternos e maternos, ou até mesmo pelo lado de minha amada esposa Xxxxxxx, o núcleo formado por meus pais, Xxxxxxxx (in memoriam) e Xxxxx, é o primeiro a conseguir que todos os filhos se formassem em curso superior. E não somos, nem de muito longe, a família mais bem posicionada materialmente. Em termos de Brasil, isso é uma vitória maiúscula. A meus pais, toda honra.
Não fosse só isso, legou-me Deus uma maravilhosa esposa, que me impulsionou e sustentou nessa tarefa difícil de estudar já casado e com duas filhas, Xxxxx e Xxxx, que são, as três juntas, minha motivação e a quem dedico minha vida.
Jamais alcançaria esse momento também sem minha sogra, Xxxxxx, que cuidou de minhas filhas para que eu pudesse frequentar as aulas noturnas, enquanto minha esposa de xxxxxxx também não estava em casa. Não seria possível sem sua imensa ajuda.
Às minhas irmãs Xxxxxxx e Xxxxxxx e meus cunhados Xxxxx, Xxxxxx e Xxxxxxxx, que com meus sobrinhos sempre me incentivaram e trocaram experiências para meu proveito, e, por que não, também os meus tios e tias, primos e primas, que sempre acreditaram em mim.
Um especial agradecimento a meu falecido Xxx, por ter me ensinado com sabedoria a profissão que até hoje proferi e que dela fez surgir o presente estudo, que é o trabalho com seguros. Igualmente especial a minha mãe, meu alicerce, meu anjo da guarda e quem por mim ora, sempre, sem parar.
A meus amigos que compreenderam minha ausência temporária e me incentivaram bastante, seja nos papos afins, ou mesmo nos momentos de lazer descontraído.
Com importância excelsa, a meus professores e colegas, com quem tive a felicidade de muito aprender e me lapidar, ao corpo de funcionários da Escola Superior Xxx Xxxxxx Xxxxxx, que sem eles nada se realizaria e destaque aos mestres dedicados a me orientar e me avaliar, Professores Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, pelos imensos incentivos e apontamentos de caminhos que me deram. Ao lhes apresentar o ponto luminoso, deram-me as luzes de todo o horizonte.
Por tudo isso Deus, é de joelhos que lhe agradeço.
Esta monografia tem por objetivo analisar juridicamente as condutas de seguradoras e a movimentação de riscos e prêmios em uma apólice de seguro de danos, por ocasião do encaminhamento do bem segurado a reparação em oficina terceira, em virtude de ocorrência de sinistro coberto. Através de um método analítico de cunho qualitativo, com uma vertente jurídico-teórica, demonstra-se inicialmente que do contrato de depósito surgido com a oficina reparadora, a maior parte dos riscos descritos na apólice estará acobertado por este, em concorrência com a própria apólice. Após trazer elementos contratuais, legais e técnicos da operação securitária, apresenta-se a vinculação estrita entre sujeitos de direitos, risco segurado e prêmio cobrado, bem como a necessidade de devolução deste prêmio quando o risco é passado. Informa na sequência elementos de violação da boa-fé objetiva pelas seguradoras quando elas emitem ou mantém vigentes apólices de seguros de danos sem risco, ou com riscos sabidamente passados e aponta consequências, que passam pelo enriquecimento sem causa, a sujeição à devolução em dobro de prêmio recebido, ao cometimento de ilícito civil e contra o consumidor. Complementa a análise apontando causas definidoras de abuso de direito na escolha das oficinas reparadoras pelas seguradoras, ou na persuasão dos segurados a escolher conforme a conveniência delas e não deles. Feito isso, conclui-se com o apontamento de caminhos para solução das condutas que levam ao cometimento de ilícitos civis e consumeristas por parte das seguradoras.
Palavras-chave: Contrato de Seguro. Seguro de Danos. Contrato de Depósito. Responsabilidade Civil. Direitos do Consumidor. Sinistro.
3.1.2 O Proponente/segurado 13
3.2.1 Objeto material: o legítimo interesse 14
3.2.1.1 Delimitação do interesse 15
3.2.2 Objeto formal: o risco 18
3.2.2.1 Da técnica securitária 20
3.2.2.1.1 Estatística e atuária 21
3.2.2.1.3 Pulverização/recuperação 22
3.3 Princípio da boa-fé objetiva 25
4 DA OCORRÊNCIA DE SINISTRO COBERTO NO SEGURO DE DANOS 27
4.1 Consideração prévia: (in)viabilidade legal da convenção de reparação da coisa 27
4.2 Do passamento de riscos 29
4.3 Recontratação com riscos passados 30
4.4.1 Restituição simples ou em dobro? 34
4.4.2 Enriquecimento sem causa 35
4.6.1 Formas alternativas de adimplemento da obrigação de indenizar 36
4.6.1.1 Em oficina escolhida pelo segurado 37
4.6.1.2 Em oficina própria da seguradora 40
4.6.1.3 Em oficina terceira indicada pela seguradora 40
4.6.1.3.1 Comentários acerca da promessa de fato de terceiro 41
1 INTRODUÇÃO
Imagine a hipótese de um automóvel segurado por uma apólice1 de seguros2 ser acometido por um sinistro3 coberto e que, por isso, precise ser levado até uma oficina de reparação. Considere que este carro lá permanecerá por um período mais ou menos longo, a depender da extensão dos danos, da disponibilidade de peças de reposição e de diversos outros fatores que podem influenciar na demora do conserto. No âmbito do Código Civil de 2002, Lei 10.406/02 (CC02), surge neste contexto, além de um contrato de prestação de serviços, um de depósito com a oficina, assim como ocorre quando alguém deixa uma mala no guarda-volumes da rodoviária ou o próprio veículo em um estacionamento.
Como o contrato de depósito prevê que o depositário, durante a guarda do bem, assume certos riscos inerentes a ele, concorre com o próprio contrato de seguros, cujo objeto consiste exatamente na absorção de riscos. E para compreender, basta observar que durante este prazo alguns dos riscos para o qual a seguradora foi contratada e recebeu uma contrapartida pecuniária desaparecem e outros reduzem em grau importante, seja pela retirada do veículo de circulação, seja pelo surgimento de um terceiro com responsabilidade civil contratual objetiva de guarda. O seguro é, porém, contrato de boa-fé objetiva, e tem seu prêmio4 calculado em função do risco assumido e este precisa estar presente para ser factível.
Ainda que ocorra eventualmente um novo evento danoso ao carro e a seguradora se veja obrigada a indenizar, terá um ente garantidor nomeado, com responsabilidade civil objetiva e contratual, contra quem o instituto da sub-rogação lhe autorizará acionar: o depositário. O risco inerente a apólice de seguros muda, portanto, de mãos, saindo da seguradora e ficando quase que totalmente com o depositário. Restam ao contrato de seguros apenas riscos residuais e o que este trabalho pretende mostrar é que esta situação provoca a perda de seu objeto contratual.
Para alcançar este objetivo, o Capítulo 2 traçará um panorama do contrato de depósito, com os riscos e responsabilidades que lhe são próprios e aqueles que não lhe serão imputados, com as nuances legais necessárias a que esta imputação não caiba ao depositário.
1 Do glossário da SUSEP: documento emitido pela sociedade seguradora por qualquer meio que se possa comprovar, físico ou por meios remotos, nos termos da regulamentação específica, formalizando a aceitação da cobertura solicitada pelo proponente, nos planos individuais, ou pelo estipulante, nos planos coletivos.
2 Idem Ibidem: contrato mediante o qual uma pessoa denominada Segurador, se obriga, mediante o recebimento de um prêmio, a indenizar outra pessoa, denominada Segurado, do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato.
3 Idem Ibidem: ocorrência do risco coberto, durante o período de vigência do plano de seguro.
4 Idem Ibidem: importância paga pelo Segurado ou estipulante/proponente à Seguradora para que esta assuma o risco a que o Segurado está exposto.
No Capítulo 3 apresentaremos as características gerais dos contratos de seguros, mais brevemente o de pessoas, apenas para traçar diferenças, e mais detidamente o de danos, por serem do seu escopo. Demonstraremos a essencialidade do elemento de risco nesta modalidade contratual e a vinculação estrita deste com o legítimo interessado e com o prêmio cobrado. Indicaremos também quem são os sujeitos do contrato e quais as suas obrigações mútuas, também fundamentais neste tipo contratual, que não é concebido, senão na mais estrita boa-fé. Delineamos também algumas noções básicas acerca da técnica securitária, capazes de identificar, delimitar, mensurar e avaliar estes riscos, a fim de que sejam corretamente precificados. Fornecemos, ainda, conhecimento suscinto do exercício que se faz para que haja segurança financeira desta importante atividade econômica.
No Capítulo 4 trataremos do encaminhamento do bem segurado para uma oficina por decorrência de sinistro coberto pela apólice. É aqui que se encontra a discussão acerca do problema proposto, com as situações que podem levar a perda de objeto do contrato de seguro e o possível cometimento de ilícitos civis, enriquecimento sem causa e abuso de direito que podem levar as seguradoras a ter que indenizar e/ou restituir prêmio recebido, em consonância com o CC02 e o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90 (CDC), além de comentários acerca da promessa de fato de terceiro.
No Capítulo 5 concluímos traçando um norte das possíveis soluções para que se corrijam as condutas, de modo a afastar os eventuais ilícitos civis e consumeristas, o enriquecimento sem causa e os abusos de direito apontados.
Com concentração, portanto, no ramo de Direito Civil, cominado com Direitos do Consumidor e Direito Securitário, este trabalho pretende analisar qualitativamente a alocação de riscos quando o contrato de seguros é sobreposto pelo contrato de depósito na situação hipotética colocada; demonstrar como a movimentação de riscos narrada pode provocar a perda do objeto contratual da apólice de seguros; fixar limites de incidência de Obrigações e de Responsabilidade Civil em cada contrato; indicar o cometimento de possíveis ilícitos civis e consumeristas que importem em repetição em dobro de indébito, enriquecimento sem causa e abuso de direito; e, apresentar possíveis soluções que colaborem na correção de distorções e eliminação de lesão ou vantagem excessiva dos sujeitos de direito envolvidos.
2 DO CONTRATO DE DEPÓSITO
Trata-se de modalidade contratual típica no CC02, impressa nos artigos de 627 a 652, podendo ser depósito voluntário (arts. de 627 a 646), surgido como acordo de vontades, ou depósito necessário (arts. de 647 a 652), realizado por imposição legal ou por uma situação de calamidade que o obrigue (BRASIL, 2002).
A natureza jurídica é de contrato real, pois se aperfeiçoa com a tradição da coisa; consensual, se for voluntário, pois consubstancia-se do acordo de vontades, ainda que certas exclusões de responsabilidade postas em contrato sejam ineficazes; presumidamente não oneroso, podendo, no entanto, ser oneroso conforme estipulação nesse sentido, ou se tratar de atividade profissional ou empresarial do depositário, ocasião que atrairá também a incidência do CDC; unilateral, se não oneroso, por prever obrigação somente para uma das partes, mas bilateral, se for oneroso, já que haverá obrigações recíprocas; e, não solene, pois, apesar de se exigir a forma escrita, esta é apenas ad probationem tantum, já que pode se consubstanciar na mera apresentação de recibo de entrega da coisa.
O contrato de depósito oriundo da entrega de um bem para realização de serviços de reparação é voluntário, geralmente não oneroso, mas conforme os costumes do local poderá ser cobrado. Assim é pelo fato do consumidor entender – e o prestador de serviços admitir – que a remuneração vem da própria reparação e não da guarda do bem. No entanto, é muito comum começar a correr diárias de estadia em caso de demora de retirada após a realização dos serviços.
2.1 Os riscos inerentes
Assim como ocorre no contrato de seguros5, nesta modalidade contratual também há movimentação de riscos, não importando aqui se é ou não um contrato oneroso. É diferente, porém, a origem da garantia, comparativamente ao seguro. Neste, o objeto de garantia e seu interesse permanecem com o proprietário durante a vigência do contrato, enquanto naquele ocorre a partir da tradição do bem e, portanto, a responsabilidade se funda na sua guarda ou custódia. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx nos traz uma importante leitura desta figura contratual por ocasião da entrega de um bem em uma oficina de reparos, muito ilustrativa para a proposta deste estudo:
O proprietário que entrega seu veículo a uma oficina mecânica para reparos transfere ao dono desta a guarda e a obrigação de por ele zelar, e de restituí-lo quando solicitado. Dessa relação se origina um contrato de depósito, do qual decorre a responsabilidade
5 Ver capítulo 3 Do contrato de seguros
do estabelecimento por danos sofridos pelo veículo, especialmente os decorrentes de sua movimentação pelos mecânicos e prepostos. Em virtude dessa transferência da guarda, respondem os donos de oficinas também pelos danos causados, por eles ou por seus prepostos, a terceiros, na condução dos veículos, e não seus proprietários. Respondem, também, por seu desaparecimento, se não provarem a ‘culpa exclusiva do consumidor ou terceiro’ (2017, v. 4, p. 354-355).
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxx, em obra dedicada à responsabilidade civil, também trazem significativo entendimento acerca das oficinas mecânicas, muito condizente com o tema proposto, ao dizer que:
Há, em relação a elas, clara transferência da guarda do veículo, às vezes por dias ou semanas. Respondem, objetivamente, como fornecedoras de serviços à luz do CDC (art. 14). Cabe lembrar, ainda, a propósito, que as empresas respondem sem culpa pelos atos dos seus empregados. Desse modo, os danos que os empregados causem ‘no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele’, empenham a responsabilidade objetiva do empregador. (2017, v. 3, p. 857).
A disposição do art. 629 do CC02 confirma esse entendimento em seus termos: “o depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante.” (BRASIL, 2002). Nota-se, portanto, que ampla é a responsabilidade do depositário, no caso em tela, da oficina mecânica que assumiu a custódia de um veículo para reparação, muito próxima daquela existente em um seguro de danos.
2.2 Os riscos escusáveis
Xxxxx Xxxxx, Xxxxxxxxx e Xxxxxx bem postulam ao dizer que “a única possibilidade deferida ao ofensor para se exonerar da obrigação de indenizar será a demonstração de que um fato externo é a causa do evento danoso” (2017, v. 3, p. 419). É o que está expresso no CC02, onde há, como excludente de responsabilidade civil, somente os artigos 393 e 642, que tratam do caso fortuito e da força maior, mas que no caso do contrato de depósito só servem de escusa se provados pelo depositário (BRASIL, 2002).
Além disso, a doutrina, de modo geral, elenca outros dois motivos: a culpa exclusiva da vítima6 e o fato de terceiro7. Há diversas nuances a se considerar nestas excludentes de responsabilidade, mas para o presente estudo basta a noção de que perduram com o proprietário apenas riscos residuais atinentes ao bem levado à oficina8.
6 Situação cujo nexo de causalidade impute a responsabilidade à própria vítima, com exclusão de quaisquer outros. Exemplo corriqueiro é o da pessoa que se joga na frente do caminhão buscando o suicídio, ocasião que em nada o motorista é culpado.
7 Aqui o nexo de causalidade está com uma terceira pessoa. No mesmo exemplo da pessoa que se joga na frente do caminhão em busca de suicídio, a ela também será imputada a culpa pelos danos causados ao caminhão.
8 Para aprofundamento do estudo, a título de sugestão, leia o capítulo 6.4 As excludentes da responsabilidade civil, do livro Curso de Direito: Responsabilidade Civil, de Xxxxxxxxx Xxxxxx de Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx.
3 DO CONTRATO DE SEGUROS
Afora legislação esparsa, o Decreto-Lei 73/66 e respectivo regulamento, Decreto 60.459/66, determina normativo geral da operação securitária no Brasil. Trata-se de mercado regulado que tem como órgão de deliberação coletiva o Conselho Nacional de Seguros Privados
– CNSP, responsável pela normatização e, como entidade autárquica, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, responsável pela execução das normas fixadas pelo CNSP e fiscalização. Forma, juntamente com estes órgãos, com os seguradores, com os resseguradores9 e com os corretores habilitados10, o Sistema Nacional de Seguros Privados.
Típico no CC02, tem caracteres contratuais estabelecidos entre seus artigos 757 e 802, sendo as normas gerais até o art. 777, de seguro de danos entre 778 e 788 e seguro de pessoas nos demais artigos (BRASIL, 2002). Por suas características de comercialização massificada, é instrumentalizado por contrato de adesão e tem atraída a incidência do CDC.
A natureza jurídica do seguro é contratual e congrega elementos de: consensualidade11, pois forma-se de uma proposta de adesão voluntária, que pode ter o risco rejeitado pela seguradora através de sua devolução, ou confirmada com a emissão da apólice; bilateralidade12, por conter obrigações ou ônus recíprocos13; onerosidade14, por requerer prestações para todos os contraentes, sendo o informe do verdadeiro risco e o pagamento do prêmio pelo segurado e, pela seguradora, a prestação da garantia, a manutenção de uma previdência saudável15 e, quando for o caso, o pagamento da indenização respectiva, sem afetação da saúde do fundo mútuo; comutatividade16, por ter prestações conhecidas por ambas as partes; formalidade17, já que se prova com apólice, ou com simples proposta não recusada ou bilhete, acompanhados de comprovação de pagamento do prêmio; de boa-fé18, pois pressupõe verdade na informação do risco a que se submete o interesse segurado, bem como na cobrança de prêmio estritamente equivalente pela seguradora; intuitu personae19, quando o
9 Ver mais no tópico 3.2.2.1.3 Pulverização/recuperação.
10 Ver mais no tópico 3.2.2.1.2 Distribuição.
11 Nos seguros obrigatórios ou por bilhete, que não são foco deste trabalho, esta característica é afastada, pois a adesão acompanhada do pagamento do prêmio presume a aceitação da seguradora.
12 Ver mais no tópico 3.2.1.1 Delimitação do interesse. 13 Ver mais no tópico 3.3 Princípio da boa-fé objetiva 14 Idem.
15 Ver mais no tópico 3.2.2.1.4 Gestão de Risco.
16 Idem.
17 A autora citada rejeita a tese de contrato formal e define como não-solene, mas preferimos adotar nosso entendimento neste trabalho.
18 Ver mais no tópicos 3.2.1.1 Delimitação do interesse e 3.3 Princípio da boa-fé objetiva
19 Ver mais no tópico 3.1.2 O Proponente/segurado.
interesse segurado for uma ou mais pessoas, ainda que haja um estipulante, ou intuitu rei20, quando o interesse segurado for uma coisa (adaptado de XXXXXX, 2014, p. 320-325).
3.1 Sujeitos
Não obstante existir na cadeia de fornecedores, conforme CDC, a figura do intermediário de negócios21, que pode ser o corretor de seguros ou um banco por exemplo e este figurar na proposta e apólice, ele é um vendedor de contratos, mas civilmente trata-se de contrato celebrado entre apenas dois sujeitos: a seguradora e o segurado, conforme se buscará demonstrar nos tópicos abaixo.
Não resta dúvidas que nos tempos atuais o seguro se transformou em uma atividade empresária, das mais prósperas, não só no Brasil, como em todo o mundo. A avanço das ciências probabilísticas e estatísticas22 permitiu que grandes conglomerados se formassem, com forte participação na economia de todos os países e margens seguras de lucratividade. Mas em essência, a seguradora nada mais é do que a administradora de um fundo mutual, detentora de técnicas derivadas das ciências exatas capazes de eliminar a álea de riscos homogêneos massivamente reunidos, o que lhe proporciona relativo controle dos aportes que precisará fazer para cobrir os custos dos sinistros e ainda manter sua saúde financeira. Conforme Xxxxxxx Xxxxxxxxx,
o Segurador é o administrador de um fundo coletivo, formado pela pluralidade de segurados expostos a riscos homogêneos, visando a garantir cada uma das unidades. A prestação devida pelo segurador desde cada vinculação é a garantia de que, realizando o risco previsto, haverá um aporte capaz de indenizar o dano daí decorrente, obviamente na medida dos limites de garantia desejados, quando da adesão individual ao vínculo geral securitário (2001, p. 58, apud XXXXXX, 2003, p. 90).
Tem um caráter previdenciário, pois precisa ter capacidade econômica de suportar as perdas decorrentes dos sinistros de seus segurados, sem que com isso tenha sua saúde financeira abalada e prejudique os demais mutualistas.
Tem como fim social a manutenção da estabilidade econômica e a segurança patrimonial de um determinado grupo partícipe de uma poupança mútua, diante de riscos
20 Idem.
21 Ver mais no tópico 3.2.2.1.2 Distribuição.
22 Nos primórdios da operação securitária, a totalidade do risco se transferia, sem que houvesse um fundo com previdência mútua. A possibilidade de insolvência poderia recair, portanto, no garantidor. Somente através do cálculo matemático avançado é que a operação passou a prever necessidade de fundos mútuos e a operação deixou de ser aleatória.
predeterminados. Estende-se, quiçá, a toda a sociedade, pois não se olvida dos efeitos indiretos que produz ao evitar que pessoas naturais ou jurídicas não tenham sua solvência abalada ou inviabilizada por algum evento danoso previsto, porém incerto.
A seguradora, dentro do Sistema Nacional de Seguros Privados, é a entidade que opera ao público, diretamente ou através de corretores habilitados, a subscrição de riscos cotidianos e o faz sob ostensiva fiscalização da SUSEP e rigorosas regras de compliance e gestão de padrão internacional. Por se tratar de atividade estratégica para economia, não há apenas enormes grupos privados neste ramo, mas também gigantes estatais, sendo pelo menos duas listadas entre as 10 maiores do mundo (MBA SKOOL, 2021).
Salvo em bilhetes de seguros, que são contratos celebrados sem uma fase de análise de aceitação, o segurado é inicialmente chamado de proponente, já que propõe a sua adesão ao seguro ofertado pela seguradora, que, por sua vez, terá até 15 dias para aceitar ou recusar sua proposta, conforme art. 2º da Circular SUSEP 251/04 (SUSEP, 2004). Passado este prazo sem que haja manifestação da seguradora, ou por emissão da apólice, só aí esta parte contratual passa efetivamente a ser chamada de segurado.
De um modo geral, as cláusulas contratuais dos seguros definem o segurado de forma simplificada como “a pessoa natural ou jurídica que contrata um seguro em benefício pessoal ou de terceiros”. Trata-se de conceito adaptado do formulado pelo CNSP na resolução 348/2017, que versa sobre seguro de pessoas naturais e diz em seu art. 5º, XXXV que segurado é a “pessoa física, cuja inclusão foi aceita, que contrata ou, no caso de contratação sob a forma coletiva, adere ao plano” (CNSP, 2017). Dentro do contexto das condições gerais de um contrato de seguros, é uma formulação suficiente.
Xxxxxxxxxx, entretanto, que é mais bem explicado como a pessoa detentora de algum interesse legítimo sujeito a riscos economicamente mensuráveis, próprios ou perante terceiros, e que, por senso de previdência, se dispõe a contratar uma seguradora e a pagar um prêmio equivalente para que, na eventualidade da ocorrência de algum destes riscos, minimize ou não sofra afetação de seu patrimônio, ou que seja indenizado.
Em linguagem corrente, é a pessoa natural ou jurídica que entende a sua fragilidade diante de riscos possíveis e que admite pagar quantia cabível em seu orçamento para que a implicação econômica de sua ocorrência seja suportada por um terceiro garantidor, sem afetar sua vida financeira, ou a pessoa natural que pretende garantir o porvir de entes queridos por
ocasião de seu falecimento. Contrata, então, apólices de seguros que podem abarcar seus bens materiais, sua saúde corporal e a solvência sua e das pessoas que lhe são caras.
3.2 Objeto
O senso comum diria que, no seguro de danos, o objeto de uma apólice é a própria coisa “possuidora” de seguro. Diz-se do seguro “do carro”, do seguro “da casa”, “da motocicleta”, do bem, enfim. Já no seguro de pessoas, é o seguro de vida ou o “plano” de saúde. A noção jurídica de interesse, de legitimidade e de risco passa, porém, ao largo do consumidor comum. É o que buscamos esclarecer aqui.
3.2.1 Objeto material: o legítimo interesse
Assim diz o art. 757 do CC02: “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.” (BRASIL, 2002). Trata-se do bem da vida sujeito a risco que o segurado está legitimamente ligado, podendo ser uma pessoa, ela ou outrem, ou uma coisa, bem como uma atividade, tendo como exemplos a profissional ou a empresarial. Mesmo no seguro em conta de terceiros, o que define o interesse é a responsabilidade civil ligada a este bem da vida, ou o benefício que se pretende dar a outrem, como o seguro de vida para os funcionários de uma empresa, cujos beneficiários são seus herdeiros legais ou pessoas nomeadas como tal.
Desde os tempos do Brasil Imperial já se entendia que a legitimidade é elemento essencial dos contratos de seguro. Versando sobre seguros marítimos, diz o ainda vigente Código Comercial, Lei 556/1850, em seu art. 677, inciso 1 que “o contrato do seguro é nulo: 1 – sendo feito por pessoa que não tenha interesse no objeto segurado” (BRASIL, 1850).
A legitimidade é elemento intrínseco, pois, quanto a pessoas, não se pode prever benefício indenizatório para quem não o detenha. Assim, no seguro saúde é a própria pessoa e seus dependentes que estarão amparados pelas coberturas do seguro e, no seguro de vida ou no de acidentes pessoais, os herdeiros legais ou beneficiários nomeados pelo próprio segurado.
Do mesmo modo, não se concebe a indenização para quem não seja nem detentor, nem possuidor e nem proprietário de algum bem. Ao transportador, há interesse legítimo pela carga transportada, já que há um cliente que a confiou a ele, contra quem deverá prestar contas. O mesmo raciocínio se aplica ao depositário, pelo bem depositado (detentor); ao locatário de um imóvel, por sua integridade quando do termo final da locação (possuidor); ao dono, por seu bem (proprietário) etc.
Ampla é a legitimidade de quem tem propriedade e posse. Se alguém é proprietário de um imóvel e nele mora, tem controle sobre o que lá ocorre. É, portanto, taxado de forma mais suave pela seguradora, que, em caso de sinistro, a ele indeniza. Se é proprietário, mas aluga o imóvel, perde esse controle das atividades realizadas no local para seu inquilino e, por isso, sofre uma taxação mais agravada pela seguradora. Agora, se é o inquilino quem contrata a apólice, sinistros de pequena monta com reparos comprovados podem ser a ele mesmo indenizados, mas se forem vultosos, sequer ele será legitimado a receber indenização. A taxação aplicável, como se é de prever, é diferente dos casos anteriores.
O interesse segurável é, portanto, uma pessoa, uma coisa ou uma ação, sujeitos a risco próprio e de responsabilidade civil. Já a legitimidade, a ligação jurídica entre este interesse e a pessoa natural ou jurídica que o detém, possui, ou da qual é proprietária.
3.2.1.1 Delimitação do interesse
Em qualquer tipo de seguro, seja de pessoas ou de danos, a eventual indenização está limitada ao valor de garantia contratada, conforme estipulação do art. 83 do Decreto-Lei 73/66, que assim prescreve: “as apólices, certificados e bilhetes de seguro mencionarão a responsabilidade máxima da Sociedade Seguradora, expressa em moeda nacional, para cobertura dos riscos nêles descritos e caracterizados” (BRASIL, 1966).
No seguro de vida e acidentes pessoais, como não se mede o valor da vida, não há limites de contratação e poderá ser livremente estipulado, assim como também poderá ser contratada mais de uma apólice, na mesma ou em seguradoras distintas. É muito comum que uma determinada pessoa tenha um seguro de vida pessoal, um pela empresa onde trabalha e ainda receba indenização pelo seguro DPVAT, pelo seguro de acidentes pessoas de passageiros do carro particular, pela garantia de danos corporais de terceiros do outro causador, ou mesmo pela cia. de transporte aéreo de passageiros, dentre diversos outros. As indenizações nestes casos são cumulativas e em nada ferem a lisura e probidade que se espera dos contraentes/beneficiários.
O mesmo não ocorre, porém, no seguro de danos, onde a inexatidão das informações prestadas, se culposa, poderá redundar em perdas, ou, se dolosa, em nulidade ou até no cometimento de crime. Neste caso, a inteligência do mencionado art. 83 do Decreto-Lei 73/66 é repetida e aperfeiçoada no CC02, em seu art. 781, abaixo transcrito. Além deste, observe também o que dispõem os artigos 778 e 782 do CC02, bem como o 766 nestes mencionados. Abaixo dispusemos os comentários na ordem que citamos:
Art. 781 – A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador.
Art. 778 – Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber.
Art. 782 – O segurado que, na vigência do contrato, pretender obter novo seguro sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro segurador, deve previamente comunicar sua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art. 778.
Art. 766 – Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido. (BRASIL, 2002, grifos nossos).
É de se notar que o artigo 781 impõe dois limites para eventual indenização: o valor de garantia e o valor do interesse segurado. O indício de fraude, conforme artigos 778 e 782, começa a ser verificado com a contratação de garantia por mais do que vale, mas só se torna crime somente com o recebimento de indenização superior ao montante do dano, em uma ou mais apólices somadas.
Destaque-se, no entanto, que não é ilícita a contratação de mais de uma apólice para um mesmo interesse, pois pode ocorrer que seu valor supere os limites técnicos individuais de retenção de muitas seguradoras23 e seja necessário recorrer a mais de uma para abranger a sua totalidade. Trata-se do chamado cosseguro24 ou então de apólices em concorrência, corriqueiros em grandes riscos como, por exemplo, plataformas de petróleo, navios, aeronaves comerciais, satélites espaciais ou imensas plantas industriais. Apenas a respectiva indenização não pode superar o valor do interesse.
Nos tempos atuais a hipótese da referida fraude é minimizada, pois a SUSEP e o sindicato patronal das seguradoras têm meios de verificação de concorrência de apólices. Sendo assim, se uma seguradora for avisada pelo segurado, ou souber por meios próprios da existência de outras apólices, avisará sua(s) congênere(s) e elas repartirão entre si a respectiva indenização, de modo a não permitir o excesso indenizatório. Este modus operandi é cláusula comum em todas as apólices de seguros de danos.
Receber por um bem mais do que ele vale, além da cominação penal, é enriquecimento sem causa. Indenização securitária repõe perdas e, conforme sua natureza e fim social, não pode produzir lucro. Assim, em uma atividade comercial, a indenização de
23 Ver capítulo 3.2.2.1.3 Pulverização/recuperação.
24 União de seguradoras em uma mesma apólice, que dividem entre si prêmio e indenizações conforme proporção estipulada em contrato, sendo uma delas a líder, responsável pelo recebimento e repasse de prêmios, avaliação e pagamento de sinistros para posterior distribuição de perdas, bem como pela representação do grupo em juízo.
mercadorias deverá considerar apenas o seu preço de custo. A contrario sensu, se indenizasse pelo preço de venda ou pagasse mais que o dano estrito, se tornaria vantajoso ocorrer sinistro e receber indenização. Mesmo em seguros de lucros cessantes o que importa é a reposição de parcela normal de lucro líquido que o estabelecimento deixou de auferir em decorrência de sinistro coberto que paralise parcial ou totalmente suas atividades por um certo lapso temporal, já descontadas as despesas fixas, que podem, no entanto, ser objeto de outra modalidade de garantia.
Noutro diapasão, apesar de não ser ato fraudulento, a tarefa de definir valor de risco exige acurácia e não é recomendada a contratação de garantia por menos do que vale, pois carrega verdade apenas parcial e traz implicações que podem causar prejuízos ao segurado. Assim diz o art. 783 do CC02: “salvo disposição em contrário, o seguro de um interesse por menos do que valha acarreta a redução proporcional da indenização, no caso de sinistro parcial.” (BRASIL, 2002). Por sua disposição, neste caso, é lícito à seguradora reduzir o quantum indenizatório, salvo se a dispensa de aplicação deste artigo estiver expressa em contrato. Portanto, se o segurado contratar por 50% (cinquenta porcento) da avaliação, poderá ser considerado, para todos os efeitos, como segurador da outra metade e ter a indenização limitada no percentual respectivo. O meio securitário chama esse dispositivo de “cláusula de rateio”.
Importante salientar, porém, que a redução proporcional equivalente em eventual indenização não é uma prática abusiva. Muito pelo contrário, atende às disposições do art. 157 do CC02, que versa sobre lesão, e visa a prevenção de aplicação do art. 766 do CC02, que admite a perda do direito à garantia em caso de declaração inexata do segurado, bem como à contenção dos meios de abuso por parte dele, pois não raras as vezes se contratam apólices por uma expectativa de dano máximo que não chega a ser do patrimônio inteiro. E isso, na cultura securitária, é tratado como seleção de riscos, garantindo-se o dano provável e deixando em descoberto o improvável, dentro do mesmo interesse segurado.
Cabe destacar as disposições dos artigos 759 e 765 do CC02, conforme abaixo:
Art. 759 – A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a
declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco.
Art. 765 – O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. (BRASIL, 2002, grifos nossos).
O termo hachurado no artigo 759 se refere às informações necessárias para que se possa bem identificar, delimitar e valorar o interesse a ser garantido. Como já dito, é com base em prestação de informações que se constrói uma proposta de seguro. E estas informações têm
de ser claras e precisas, sendo a verdade da essência desta modalidade contratual e negocial, o que se depreende também do art. 765, todo ele. E a obrigação é claramente recíproca, seja na contratação, ou no decurso de vigência da apólice. Logo, ambos os contraentes são obrigados ao dever de informação.
Conclui-se, portanto, que, para contratação de apólices, exige-se a observação da mais estrita boa-fé25 entre os contraentes, seja no informe dos riscos, na extensão do patrimônio garantido e nas situações que podem influenciar o aumento de exposição do bem, assim como, por parte da seguradora, a cobrança justa de prêmio equivalente e as situações que possam beneficiar o segurado, como por exemplo a restituição de prêmio em caso de diminuição significativa ou passamento de riscos, ou mesmo em caso de endossos que os reduzam.
Nas palavras de Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, “o seguro, em sua essência, constitui transferência do risco de uma pessoa a outra.” (2017, v. 4, p. 402), ou, conforme Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx, “caracteriza-se o contrato de seguro pela transferência de riscos” (2017, v. 3,
p. 647), onde “o risco é um elemento essencial nessa modalidade contratual” (2017, v. 3, p. 641). Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx (2014, p. 316) diverge dos ilustres autores somente no aspecto da transferência dos riscos. Segundo ela, o risco em si não se transfere, sendo que a seguradora apenas presta garantia quanto aos efeitos econômicos deste. Entendemos que é o mais lógico, pois quem continua operando o bem da vida sujeito a risco é o segurado. No entanto, não invalida as assertivas destes, pois não deixam de ser transferidos os riscos econômicos.
Alguns autores, como exemplo Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, chegam a tratar como nulo o contrato de seguro sem risco (v. 3, 2016), enquanto outros vão mais além. É o caso de Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, ao dizer que “inexistente a situação de perigo de dano, forçoso convir que o contrato de seguro carece de objeto, devendo ser considerado, portanto, não simplesmente nulo, mas inexistente.” (2017, p. 512, grifos nossos). Não se trata de entendimento essencialmente equivocado, haja vista que o inciso II do art. 166 do CC02 trata como nulo o negócio jurídico que “for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto.” (BRASIL, 2002, grifo nosso), mas divergimos desta posição na medida em que, se declarado inexistente, pode prejudicar o próprio segurado.
25 Ver mais no tópico 3.3 Princípio da boa-fé objetiva.
A nosso ver, o risco formal é o objeto de prevenção ínsito no legítimo interesse, ou, simplesmente, o porquê da prestação de garantia. É a razão de existência da apólice de seguros e em seu entorno é que nasce a cadeia e fonte econômica do negócio empresarial securitário. Em poucas palavras, é o elemento que, por excelência, confere fundamento, sentido, economicidade e validade jurídica ao contrato de seguros. Sem risco formal, não se concebe contra qual interesse um legitimado precisaria de uma prestação de garantia.
Deixando de lado a discussão doutrinária, passamos às questões práticas da matéria, úteis a este estudo. Os já citados artigos 757 e 759 do CC02 trazem a necessidade de informação precisa do risco a que se propõe garantia, sendo que o art. 765 consagra a obrigação, para segurado e seguradora, de guardar a mais estrita veracidade e boa-fé na conclusão e na execução do contrato (BRASIL, 2002). Afora estes artigos e o 766 também citado, percebe-se acuidade do CC02 quanto ao informe do risco envolvido em uma contratação de seguro, conforme se demonstra nos seguintes artigos:
Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.
Art. 769. O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.
[...]
Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.
Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado. (BRASIL, 2002, grifos nossos).
Como a função social do contrato de seguros é muito fundamentada no mutualismo, a boa-fé entre os contraentes, além de ser da Lei, é fator primordial. Levando isso em conta, a verdade na definição dos riscos reais que são movimentados em uma apólice é essencial, na mesma medida em que a cobrança dos prêmios respectivos também deve atender e fazer frente somente a estes riscos. Portanto, não se pode levar risco maior que o informado à seguradora que provê a garantia, pois justificará que ela cobre mais caro ou até rejeite o pagamento da indenização. Por outro lado, não é lícito à seguradora cobrar além do justo, ou, pior, receber sobre riscos sabidamente passados ou inexistentes.
Nota-se pelos artigos 768 e 769, caput, que o agravamento de risco gera dever de informação do segurado para a seguradora e o art. 773, da seguradora para o segurado. O agravamento de risco intencional ou omissão dolosa do segurado acerca deste lhe gera perda de direito a garantia, enquanto, pela seguradora, a repetição em dobro de indébito de prêmio. Pelo
que consta do art. 765 também citado, essa obrigação recíproca de veracidade e boa-fé vale tanto para o momento da conclusão do contrato, quando para sua execução, de modo que se torna inescusável a qualquer das partes, mesmo no decurso da vigência da apólice.
Além do mais, CC02 trata a questão como dolo acidental em seu art. 146, nestes termos: “o dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.” (BRASIL, 2002). Sujeita, portanto, a perdas e danos, ambos os contratantes.
Segundo nossa análise, a situação da entrega do bem para uma oficina reparadora obriga a seguradora ao cumprimento da disposição da parte final dos citados art. 770 e da inteireza do art. 773, bem como, em prestígio ao dever de informação do CDC, a ser proativa no sentido de antepor-se ao segurado na oferta dos benefícios previstos nestes artigos do CC02. De ordinário, o que se busca demonstrar com este trabalho é que diante desta diminuição significativa de risco há dever de denúncia espontânea da seguradora acerca do impacto no prêmio pago pelo segurado, o que, se não cumprido, redunda em vastas consequências jurídicas para ela, e, para ambos, a perda de objeto contratual. Nossas impressões
e debate acerca desses elementos serão realizados no Capítulo 4 mais adiante. 3.2.2.1 Da técnica securitária
O que serve à proposta deste trabalho não é propriamente a técnica das sociedades seguradoras, mas sim indicar a capacidade que elas têm de identificar e precificar riscos de forma pormenorizada. É útil em virtude da permanência de riscos residuais nos bens segurados que são levados a conserto por ocasião de sinistros cobertos26. Importa, assim, demonstrar que, sendo instadas a isso, elas poderão perfeitamente medir o grau de queda de riscos durante o período de indisponibilidade do bem para o segurado e calcular qual seria o prêmio equivalente a se restituir, ou mesmo por qual prazo o termo final de vigência deveria ser prorrogado, se a melhor solução para o saldo de prêmio for essa.
Historicamente, apesar de remontar a idade antiga, a operação securitária só ganhou corpo no século XVII com o avanço das ciências matemáticas, probabilísticas, estatísticas e atuariais. Em dissertação de mestrado, Marília de Cara (2013, p. 29-31) diz que estas ciências exatas são as que definem a técnica securitária. Concomitante a isso, a revolução industrial abriu o mercado consumidor de seguros e formou volume de negócios necessário à sua operação. Segundo nosso entender, esses avanços nas ciências matemáticas, somados ao
26 Ver capítulo 2.2 Os riscos escusáveis.
surgimento de amplo mercado aderente são o que propiciou o surgimento do contrato de seguros como atividade empresária.
Pelo que se depreende do estudo da obra de Xxxxxx, Xxxxxxx e Rodrigues (2016), em especial os capítulos 2 e 3, basicamente, as sociedades seguradoras têm sua segurança operacional alicerçada em três pilares marginais: (i) estatístico/atuarial; (ii) distribuição; (iii) pulverização/recuperação, que convergem para um pilar central: a (iv) gestão de risco. Claro que nesta atividade estão envolvidos muitos outros fatores, como competência jurídica, análise inflacionária, aplicações financeiras, gestão patrimonial, mitigação de riscos, dentre outros, mas como o presente trabalho não se dedica a investigar estes parâmetros, atemo-nos ao que é relevante para o que ele pretende demonstrar, conforme os próximos tópicos.
3.2.2.1.1 Estatística e atuária
A teoria probabilística dominante da técnica securitária é a Lei dos Grandes Números27. Este teorema postula que em amostras muito grandes, como é o caso das centenas de milhares, a normal estatística permanece mais ou menos estável e sua evolução não dá saltos. Pode a normal, portanto, ser constantemente reavaliada, o que permite o repasse das variações ao mercado consumidor em tempo real. E isso ocorre na prática, já que as seguradoras reposicionam suas taxas mensalmente. Por isso a existência e manutenção de um número expressivo de participantes do fundo mutual é fundamental para o sucesso da operação securitária.
Além disso, a longevidade da operação das sociedades seguradoras depende de uma previdência saudável. Para isso, as técnicas atuariais calculam provisões matemáticas para suportar as obrigações perante seus segurados, durante e até mesmo após o termo final de vigência de cada contrato. Isso pelo fato da prescrição quanto a reclamações de sinistros ser de um ano, conforme estabelece o art. 206, § 1º, inciso II do CC02 (BRASIL, 2002). Deste modo, em uma apólice com vigência normal de um ano, o sinistro ocorrido no último dia poderá ser avisado até um ano após o encerramento da vigência, o que estende a necessidade de reserva securitária até esse momento.
27 Conforme Xxxxxx Xxxxxxxxxxxx Batalha, em dissertação de mestrado, a “lei dos grandes números” surgiu pela primeira vez em 1713 e foi formulada por Xxxxxxxxx, em seu livro Ars Conjectandi, mas foi aprimorada por diversos autores ao longo dos anos. Ela demonstra que à medida cresce a amostra, a probabilidade de um evento certo ocorrer tende a se estabilizar estatisticamente. Para entender o teorema, tomemos o exemplo do jogo de dados: se o jogarmos 6 vezes, a probabilidade de cair exatamente 1 vez em cada número é próxima de zero, mas se o jogarmos 60.000 vezes, o resultado para cada número será muito próximo um do outro e quanto mais aumentar a amostra, mais tenderá à normal estatística, que neste caso é 1/6.
Em conta grossa, o delay para a realização do lucro da seguradora é de dois anos, a contar da vigência inicial de cada contrato. É como se a totalidade do prêmio arrecadado no primeiro dia de vigência entrasse em reserva técnica e fosse migrando para o caixa geral suavemente ao longo de vinte e quatro meses.
As ciências estatísticas e atuarias fazem, então, o cálculo de reserva financeira flutuante necessária às seguradoras para manter obrigações sem afetação de sua saúde operacional. Tem entre suas tarefas a demonstração do comportamento de suas carteiras de participantes, níveis de sinistralidade e qualidade de riscos subscritos. Apresentam também projeções e relatórios que balizam a formação de preços, estoque de capacidade, necessidade de cautela ou agressividade da comercialização, dentre outros. A bem da verdade, o departamento de atuária e estatística é o cérebro de uma sociedade seguradora.
Como há necessidade de contratação massiva, a existência de um modelo de angariação robusto é também um dos pilares de sustentação da operação securitária. Sendo assim, a existência de milhares de corretores de seguros, de agências bancárias e outros canais distribuindo capilarmente seus produtos é fundamental e integra sua técnica. Por esse motivo os corretores de seguros são parte indissolúvel do Sistema Nacional de Seguros Privados. Assim como as seguradoras, estão sujeitos às normas do mercado regulado e fiscalização da SUSEP, órgão emitente de seu registro profissional.
Os corretores de seguros são profissionais que, devidamente avaliados, recebem habilitação para operar a intermediação de negócios entre o mercado vendedor (seguradoras) e o mercado comprador (segurados) e estão aptos a prestar esclarecimentos e informações sobre
o contrato de seguro comercializado e comparar com os demais à disposição de venda. Não tem vínculo com nenhuma delas e podem operar simultaneamente com todas. Além disso, tem responsabilidade técnico-profissional acerca dos negócios que angariou, conforme se estipula no art. 775 do CC02, ao consubstanciar que “os agentes autorizados do segurador presumem- se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem.” (BRASIL, 2002). Suas responsabilidades são também enunciadas pelo capítulo XI do Decreto-Lei 73/66 e pelo capítulo X do Decreto 60.459/67 que o regulamenta.
3.2.2.1.3 Pulverização/recuperação
Toda seguradora tem uma capacidade financeira própria, calculada em função de seu ativo líquido, não podendo ser superior a 3% ou inferior a 0,3% deste, chamado de limite
de retenção por risco isolado (CNSP, 2000). Sinteticamente, trata-se do máximo indenizatório suportável por esta seguradora em evento isolado de apólice específica que ela seja capaz de honrar, sem prejudicar a mutualidade e sem inviabilizar a sua continuidade no mercado. A SUSEP tem rígidas regras para mensurar e definir esta capacidade e acompanha de perto os eventos que a ameaçam. Pode, inclusive, determinar variação deste rating para baixo, ou mesmo suspender comercialização para não ameaçar seu fundo mutual.
Ultrapassado este limite de retenção em um negócio ou segmento de negócios, pode-se formar um pool de seguradoras em uma apólice de cosseguro unitária ou pré- estabelecida, se for o caso de um segmento. Diversas delas participam com percentuais variados para viabilizar a alocação de riscos.
Independente da ultrapassagem deste limite, as seguradoras têm como prática usual a contratação de resseguradoras. São fundos mutuais – inacessíveis para o público em geral – que se formam do capital mutual das próprias seguradoras e que garantem suas operações. Grosso modo, funcionam como a seguradora da seguradora e sua utilidade não se restringe a suprir limites de retenção de seguradoras. Servem também para garantir hipóteses de eventos catastróficos ou unitários de grande monta que fogem à estatística de cada seguradora e, sem elas, sangrariam fortemente os fundos mutuais de várias delas, como é o caso de um furacão, uma enchente ou a queda de granizo que acaba por envolver a todas que operam naquela região.
Ocorre que estas resseguradoras também têm seus limites de retenção, apesar de geralmente ser maiores que os das seguradoras. Operam, então, o que se chama de retrocessão. Consiste na devolução dos excedentes de seus limites ao próprio mercado de seguradoras, ou no repasse para outras resseguradoras, o que, fazendo uma neologia, seria um corresseguro. Algumas operações são tão grandes que ocupam todos os limites de retenção das seguradoras e resseguradoras internas, e a retrocessão extrapola para o mercado externo.
Este modelo de funcionamento produz um fluxo de capitais entre os entes seguradores e interliga todo o mercado, interna e externamente ao país. Amplia, portanto, a capacidade de suavização do impacto dos riscos, mesmo se considerados aqueles catastróficos. Trata-se da operação chamada de pulverização, necessária para garantir a solvência do mercado.
Outras duas frentes de recuperação econômica são as ações de regresso contra os causadores dos sinistros indenizados e a negociação de salvados28. Pelo instituto da sub-rogação dos arts. 346, III e 786 do CC02 e pelo que dispõe a Súmula 188 do STF, “o segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou [...]” (1963). A sobra
28 São objetos aproveitáveis, no todo ou em parte, da ocorrência de um sinistro.
(salvado) daquilo que foi indenizado passa à propriedade da seguradora e, ainda que seja somente como sucata, tem algum valor comercial e é negociado para recompor parcialmente suas perdas. Pode, no entanto, ter valor integral de mercado, como o caso de veículos sem danos recuperados de furto ou roubo.
Xxxxx convergente da técnica securitária, é aqui que a seguradora aplica o seu conhecimento mais específico, pois classifica, precifica, cria políticas de aceitação e recusa de riscos, define percentuais de seu limite de retenção que está disposta a garantir em cada tipo e qualidade de risco, entre ou sai de determinados segmentos securitários, avalia o momento de contratar resseguro ou convidar uma cosseguradora, dentre outros. Se a atuária e a estatística são o cérebro, a gestão de risco é o coração e o sistema circulatório da sociedade seguradora.
Para classificar o risco, toma-se por base cada tipo ou espécie na composição de uma tarifa aplicável sobre o valor de garantia individualmente pretendido (TUDO SOBRE SEGUROS, 2019b). Assim, em um seguro de automóvel agregam-se riscos decorrentes de colisão, de furto ou roubo, de responsabilidade civil, de quebra de vidros, de uso de reboque, de alagamento, de granizo, de incêndio etc., cada um com estatística e taxa própria, mas todos estes reunidos para compor o prêmio cobrado. Do mesmo modo, em uma apólice residencial, há cálculo específico de risco de incêndio, de vendaval, de danos elétricos etc., mas reunião de todos em uma tarifa que permitirá a escolha livre do segurado sobre o quê e quanto contratar por cobertura, mas pagar um prêmio reunido.
As seguradoras acompanham de perto as variações de ocorrências de seu universo contratual e mantém suas estatísticas sempre atualizadas, em tempo real. São capazes, então, de prever necessidade mínima de participantes e de transferir à tarifa adotada a expectativa de aporte financeiro que deverão realizar. Assim procedem para que se mantenha saúde financeira de suas carteiras (TUDO SOBRE SEGUROS, 2019a). Aliás, como já foi dito29, parte da obrigação da seguradora consiste na manutenção de uma previdência saudável.
Esta capacidade de análise de riscos que a técnica securitária tem, a título de informação, mudou a visão doutrinária a respeito do contrato de seguros. Como já foi dito neste estudo30, antes considerado como aleatório, hoje a maior parte dos autores já o considera como comutativo. A álea existente nesta modalidade contratual, modernamente, não é atribuída à existência ou não do evento de risco, pois sabe-se que este virá e em que severidade. Já se tem
29 Ver parte inicial ou cabeçalho deste capítulo.
30 Idem.
certo grau de certeza quanto a incidência e montante de perdas em determinada carteira de apólices, mas não se sabe em quais delas virão as ocorrências. E é neste ponto, apenas, que está centrada a álea nesta modalidade contratual (FRANCO, 2014, p. 316-318).
Sendo assim, é possível afirmar que toda seguradora dispõe de meios para separar um risco do outro e individualizar hipóteses de ocorrência. Da mesma forma como pode prever taxas de incidência de colisão em um carro ou de incêndio em um edifício, pode também decotar destes o evento causado por caso fortuito, força-maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro31, com consequente tarifação do seu risco equivalente. E estes riscos estarão garantidos no contrato de depósito surgido por ocasião da ocorrência de sinistro coberto e encaminhamento do bem a oficina de reparação. Devem, portanto, neste período, ter suspenso seu contrato de seguros, ou ter prêmio equivalente restituído ao segurado.
3.3 Princípio da boa-fé objetiva
Filha da verdade, a boa-fé objetiva visa a condutas absolutamente corretas, dignas, justas e leais entre contraentes e buscam sempre observar a probidade e lisura das relações negociais. Um sistema contratual que se norteia por esses valores não tolera a burla, o malfeito, o parcial, o equivocado e pressupõe uma pureza de intenções, além de um aperfeiçoamento contínuo, sempre em busca de maior alcance de aplicação, e consecução de seu fim-social, com esquiva de atalhos ou arremedos.
No caso do contrato de seguros as implicações da boa-fé objetiva são exponenciais, pois são reciprocamente consideradas e qualquer desvio de qualquer dos polos contratuais afeta a mutualidade e, portanto, a liquidez e solvência do sistema. A cada fator de risco cabe um cálculo de prêmio, que nem pode ser majorado injustificadamente, nem minorado artificialmente. Se o segurado deixa de cumprir sua obrigação de informar o risco de que tem ciência, minora o cálculo de prêmio e atenta contra a boa-fé. Do mesmo modo, se há abuso de direito por parte das seguradoras ou cobrança de prêmio calculado em função de riscos que se sabe passados ou inexistentes, há violação da boa-fé objetiva.
A inobservância da boa-fé objetiva traz consigo outros desdobramentos que vão muito além do simples cometimento de ilícito civil. Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx, em obra dedicada a seguros de automóveis, elenca como norteadores desta temática, além dos artigos e leis já citados, também os artigos 187 do CC02 e 51, IV do CDC, nestes termos:
31 Riscos residuais que permanecem com o bem segurado, mesmo quando é levado a oficina, são tratados no tópico
2.2 Os riscos escusáveis.
No contrato de seguros de automóveis, a observância ao princípio da boa-fé objetiva é fundamental, pois se caracteriza como elemento essencial, direcionador das relações jurídicas obrigacionais advindas do arcabouço jurídico desse contrato, no intuito de orientar a atuação das partes (segurado e segurador) na relação securitária, conforme previsão legal do artigo 765 do Código Civil de 2002, em consonância com o sentido estabelecido nos artigos 113, 187 e 422 do Código Civil de 2002 e, 4º, III e 51, IV do Código de Defesa do Consumidor, os quais informam a base principiológica da boa- fé objetiva no Direito Privado. (SILVA, 2012, p. 57).
Entendemos que o descumprimento da boa-fé presente no art. 187 do CC02 pelas seguradoras pode imputar a elas o cometimento de ilícito civil por falta de adimplemento dos deveres anexos de conduta. Mas para eximir-se, não basta cumprir o dever de informação do CDC, elas devem certificar-se de que a informação foi recebida, bem compreendida pelo segurado e, mais que isso, devem rejeitar prosseguimento do contrato que estiver em violação não só da boa-fé, mas também de seu fim social.
Não se escusa deste ilícito pelo simples alertar, até porque não atinge somente o segurado, e sim a economia popular. Trata-se, conforme será dito mais adiante32, de enriquecimento sem causa. E isso, salvo melhor juízo, independe de qualquer outra postura que não seja a de resolver o contrato ante a rejeição do segurado.
Manter a licitude é um dever anexo de conduta comum de todos e, nesse sentido, nos ensina Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx Galvano que “haverá violação positiva do contrato mesmo que se descumpram deveres anexos, afora a prestação principal, objeto da obrigação contratada.” (2019, p. 122). No mesmo sentido, Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx assim afirma a respeito da boa-fé objetiva: “quando atua como fonte de deveres, exercendo sua função monogenética, a boa-fé gera deveres anexos aos deveres de prestação e deveres de proteção” (2018, p. 239).
Segundo Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx, “o dever de indenizar traduz a eficácia por excelência do ilícito civil. É pela recomposição in pecunia que se restauram as esferas jurídicas lesadas por atos contrários ao direito, na órbita civil” (2014, p. 111). Daí surge também a obrigação de reparar o dano, conforme disposição do caput do art. 927 do CC02: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (BRASIL, 2002). Como a art. 773 já mencionado estipula que será equivalente ao dobro do prêmio referente aos riscos que a seguradora simulou garantir, acrescidos de correção monetária e juros de mora, basta comprovar o passamento dos riscos e a ciência e inação da seguradora quanto a isso que este dispositivo legal já trará consigo elementos do cometimento de ilícito civil.
Nota-se, portanto, que, muito além da quebra contratual, a inobservância dos ditames da boa-fé objetiva traz consequências econômicas e jurídicas aos infratores.
32 Ver Capítulo 4.3.3 Enriquecimento sem causa
4 DA OCORRÊNCIA DE SINISTRO COBERTO NO SEGURO DE DANOS
Apesar de ser válido para qualquer seguro de danos de bens móveis, o presente estudo é desenvolvido no exemplo do seguro de automóveis, haja vista que tem sido recorrente no Brasil a preferência do segurador pela indenização do veículo sinistrado através da reparação, ao invés de pagamento na forma pecuniária. É inaplicável, porém, ao bem fixo que, em caso de reparos, o serviço precise ser realizado no próprio local de instalação e, por óbvio, não tenha como sair dos domínios de seu usuário normal.
Imagine que ocorra uma colisão coberta pelo seguro, em evento grave o suficiente para exigir extensos serviços e vários dias de reparação (perda parcial), mas insuficiente para perecimento completo (perda total) do automóvel. Acrescente à hipótese tratar-se de veículo estrangeiro, cujas peças de reposição não sejam de fácil obtenção e precisem, no caso concreto, ser objeto de importação direta. Este é o exemplo básico, a nortear todo o capítulo.
4.1 Consideração prévia: (in)viabilidade legal da convenção de reparação da coisa
É discutível se a reparação cumpre a obrigação de reposição do artigo 776 do CC02, pois repor só é possível com coisas fungíveis. Reparar é menos que repor e se o bem não for fungível, a ação só atingirá o nível de reposição se puder devolvê-lo à condição aferida no momento imediatamente anterior ao evento danoso. Há casos em que isso é possível, como por exemplo a simples troca de um vidro, de um par de faróis, ou mesmo de uma roda, um pneu ou um friso lateral de um carro. Entretanto, no caso de para-choques ou de retrovisores com aplicação de tinta, o fabricante não entrega sobressalente pintado e, se for o caso, restará um trabalho de pintura a ser feito por terceiros, cuja técnica e materiais aplicados, por melhores que sejam, não devolvem ao bem a condição de originalidade. Mais grave situação se vê com peças de lataria, que dependem de corte, solda, lixa, aplicação de massa, a própria pintura etc., ou, ainda, com peças que afetam a segurança e dirigibilidade do automóvel.
Do retrovisor pintado às peças de segurança o impacto depreciativo do valor do bem cresce gradativamente. Logicamente, se for só um para-choques ou um retrovisor pintado será apenas residual, pois o próprio mercado comprador de carros usados trata essas peças como de natural substituição e pintura, mas se for item de lataria ou de segurança, haverá importante desvalorização do bem. Como as seguradoras geralmente não quitam essa parcela de forma espontânea, fazendo-o senão pela via judicial, a prática reparatória sem complementação em dinheiro vem deixando passivos de inadimplemento parcial pelo caminho.
É provável que existam modelos matemáticos para avaliar o grau de desvalorização do bem conforme a extensão dos danos, mas, mesmo que não existam, é possível criar uma fórmula levando-se em conta o significado de cada peça no conjunto e, portanto, o que o conserto de cada uma delas afeta em sua depreciação. E a sistematização, se é que não existe, é necessária para que o passivo que vem sendo formado seja interrompido e devidamente indenizado, sem sequelas ou saldos a pagar.
A alternativa ao pagamento de parcela adicional por depreciação é sem dúvidas pior, pois implica em uma interpretação mais literal e menos extensiva da parte final do art. 776 do CC02, que estabelece a liberdade de convenção de reposição da coisa. Logo, na impossibilidade de adimplemento da reposição sem sequelas, resta apenas a indenização integral, e, de ordinário, indenizar integralmente mesmo sinistros de pequena monta pode ser decisivo para inviabilização econômica da própria operação securitária.
Apesar de discordar dos parâmetros admitidos, por entender que se deve avaliar critérios técnicos objetivos e não estimativos, há precedente recente do Superior Tribunal de Justiça, STJ, em ação ad quo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, TJMG, que versa nesse sentido. Trata-se do XXXxx 0000000, relatado pelo Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, em cujo julgado damos destaque ao seguinte trecho:
Conforme bem assinalado pelo perito, "um caminhão sinistrado, mesmo após ser reparado, fica sujeito a apresentar mais problemas do que normalmente apresentaria se não houvesse o sinistro, isso exige manutenção mais frequente e o caminhão perde utilidade na realização de viagens longas. Pode-se considerar nesse caso específico, uma redução da vida útil de cerca de 50%. Assim, a depreciação do bem (redução do valor do bem devido a modificações em seu estado ou redução da qualidade) é estimado em 30%. (Fonte: XV Congresso Brasileiro de Engenharia de Avaliações e Perícias - 2009)" (f.330). Não há como negar a desvalorização do veículo sinistrado levando em conta as avarias resultantes da colisão. Ninguém sabe disso melhor do que as seguradoras. Não é preciso dizer o óbvio sobre o que acontecerá na contratação de novo seguro ou venda do veículo. (BRASIL; STJ, 2018, grifos nossos).
É de se salientar que esse entendimento de depreciação de 30% por estimativa transitou em julgado, nestes termos. Não obstante, pelos diversos tribunais estaduais, ou mesmo no próprio STJ, a matéria está longe de ser pacificada, pois há diversos julgados neste sentido, mas com variados percentuais, além de outro tanto no sentido da rejeição de indenização por depreciação em decorrência de sinistros, o que apenas prova que a questão é sensível.
Enquanto não se adota um critério objetivo de definição de coeficiente depreciativo por extensão de danos de cumprimento obrigatório, as seguradoras acabam por se sujeitar ao arbítrio judicial e podem expor o fundo mútuo a riscos desnecessários33, o que é, no mínimo,
33 Ver capítulo 4.5 Exposição do fundo mútuo a passivo de inadimplemento parcial e a risco de restituição em dobro de prêmio.
indesejável. Além disso, se há uma parcela que não esteja sendo paga, ela acaba por se incorporar ao patrimônio da seguradora e, por consequência natural, este acréscimo patrimonial terá origem em enriquecimento sem causa, o que macula o cumprimento de sua função social.
4.2 Do passamento de riscos
Vencida a questão prévia do tópico anterior, voltemos ao exemplo preambular deste capítulo, que é a do sinistro que demande peças indisponíveis para pronta entrega. O exemplo extremo é útil à ilustração, pois carrega indício de longa espera entre os termos inicial e final do contrato de depósito surgido desde a tradição do bem à oficina restauradora. Admitamos que, por hipótese não distante da realidade, entre espera de importação de peças e efetiva reparação, o veículo fique três meses indisponível ao segurado, sem o uso que dele se faz e para o qual se classificou e precificou o risco, bem como pagou-se um prêmio equivalente. Isso significará 25% (vinte e cinco porcento) da vigência normal de um seguro, que é normalmente de doze meses, perdida com o carro parado na oficina, sendo que houve pagamento de prêmio por este período.
Ocorre que durante este prazo parte significativa do risco objeto da apólice de seguros simplesmente desaparece para o segurado. O risco de uso e de guarda muda de mãos, passando do segurado para o depositário, desde sua tradição, até que seja reavido. O depositário passa a ter legítimo interesse sobre o bem sob sua guarda, contra quem o segurado, por sua vez, passa a ter interesse de agir em caso de devolução defeituosa de seu bem. Cabe ao depositário acercar-se de garantia desta guarda por todos os meios disponíveis, inclusive um seguro de responsabilidade civil para guarda de veículos de terceiros, e para “chapa de experiência”, no caso de realizar testes em via pública com uso de placa de experiência regulamentada pelo Conselho Nacional de Trânsito, CONTRAN, na Resolução 780 (2019).
O liame contratual entre seguradora e segurado só está preservado no que toca a alguns riscos residuais34 que permanecem com o segurado. São eles: (i) o caso fortuito, (ii) a força maior, (iii) o fato exclusivo da vítima e (iv) o fato de terceiro. O risco econômico de todos os demais deixa de existir também para a seguradora, em desfavor do depositário. Há, portanto, perda de objeto da apólice.
Ainda que no intervalo de conserto ocorra um novo evento danoso ao carro e a seguradora se veja obrigada a indenizar, terá um ente garantidor nomeado, com responsabilidade civil objetiva fixada em lei, contra quem tem interesse de agir através do
34 Ver Capítulo 2.2 Os riscos escusáveis
instituto da sub-rogação de direitos que consta da apólice e do art. 346, III e caput do art. 786 do CC02, bem como da Súmula 188 do STF.
Sendo a oficina contratada mediante indicação da seguradora através da promessa de fato de terceiro35, cujo proceder não ocorre senão mediante formalização em contrato com esta, ainda outra garantia contra o risco securitário haverá, que é o próprio contrato de prestação de serviços, contra o qual se poderá efetuar compensação em seus próprios pagamentos. Isso acaba por colocar a seguradora em desequilíbrio contratual, acima tanto dos segurados, quanto de suas oficinas credenciadas.
4.3 Recontratação com riscos passados
Para conhecer do risco que vão absorver, as seguradoras fazem vistorias prévias nos veículos, porém nem sempre. Usualmente, elas ocorrem em quatro ocasiões diferentes, apesar de ter direito de fazer sempre que acharem conveniente: (i) na primeira contratação; (ii) quando é feito um endosso de substituição do automóvel na apólice e é preciso conhecer o carro que entra; (iii) quando o veículo sofreu sinistro, foi reparado e a renovação está sendo realizada em seguradora diferente desta que pagou a reparação; ou, (iv) em toda renovação, quando o veículo tem mais de dez anos de idade. Tendo menos de dez anos de idade e não sofrendo sinistro, a vistoria costuma ser dispensada, mesmo que seja trocada a seguradora na renovação. Havendo sinistro, sem troca de seguradora e sem interrupção de vigência, também costuma ser dispensada.
Existe um benefício chamado de “bônus” nos seguros de automóveis que, apesar de não ser regulamentado pela SUSEP e não ser de oferta obrigatória, é usual em todas as seguradoras do mercado, sendo, inclusive, passível de portabilidade entre elas. Trata-se de um desconto progressivo dado aos segurados que não sofrem sinistros, que vai do 0 (zero), para a primeira vez que determinada pessoa contrata seguro, até 10 (dez), alcançado com dez anos consecutivos e ininterruptos de contratação, sem ocorrência de sinistros.
O desconto obtido em cada grau de bônus é variável entre as seguradoras, mas em algumas pode chegar a 45% (quarenta e cinco porcento) sobre o prêmio cobrado, em seu nível mais elevado. Este benefício é acrescido em um grau a cada ano sem sinistro, mas reduz uma casa a cada ocorrência. Assim, se uma pessoa está no nível 5 e não sofre sinistro, renova a próxima vigência no nível 6, mas se sofre um sinistro, renova no nível 4. Se, contudo, sofre dois sinistros nesta mesma vigência, renova com nível 3 de bônus, e assim por diante, desde
35 Ver capítulo 4.6.1.3.1 Comentários acerca da promessa de fato de terceiro.
que renove sempre de forma ininterrupta. Havendo interrupção de vigência entre renovações, uma classe de bônus é perdida a cada 30 dias e desta maneira variam sua classificação entre 0 e 10 ao longo dos anos.
Feita essa introdução, vamos à hipótese de recontratação com riscos passados. Para isso, adotamos o mesmo exemplo proposto na inicial deste capítulo, ou seja, ocorrência de sinistro incapaz de provocar o perecimento completo do bem, mas com extensos danos, suficientes para que sua reparação demore três meses. Acrescente, porém, alteração no momento para o último mês de vigência da apólice. Naturalmente, a reparação perdurará para além do termo final do contrato, em sessenta ou mais dias neste exemplo.
Nesta ocasião o segurado poderá deixar para renovar o seguro somente quando o serviço for terminado. No entanto, como os serviços demorarão mais sessenta dias após o fim de vigência da apólice que está pagando o conserto, terá o prejuízo de dois graus de bônus a menos daquele que já foi reduzido pela própria ocorrência. Esta é a única forma de usar da portabilidade de bônus, pois como houve sinistro e seu carro será vistoriado na outra seguradora, não será aprovado, pelo menos enquanto ainda estiver em reparação. Mas caso não queira ter essa perda, terá que renovar na própria seguradora, sem intervalo, mesmo com o carro parado na oficina. E aqui a recontratação ocorre com o risco securitário passado.
A recontratação do seguro nestes termos, com riscos sabidamente passados é absolutamente corriqueira no mercado de seguros. Valem as disposições do art. 773 do CC02, que assim determina: “o segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.” (BRASIL, 2002). Ao assim proceder, incorrem as seguradoras em obrigação de repetir indébito em dobro36, conforme determina este artigo, já que emitiram cobrança de prêmio com riscos juridicamente imputáveis ao depositário e não ao segurado contraente do seguro. Trata-se de emissão de apólice sem objeto de risco formal.
O fato de haver emissão de apólice sem risco, pode provocar, ainda, a sua nulidade, nos termos do inciso II do art. 166 do CC02, já citados (BRASIL, 2002). Sob o aspecto consumerista, o CDC traz vedação expressa desta prática, conforme disposição dos artigos 6º, inciso IV e 39, incisos IV e V abaixo transcritos:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
36 Ver Capítulo 4.4.1 Restituição simples ou em dobro?
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (BRASIL, 1990, grifos nossos).
As consequências, portanto, não se restringem ao Código Civil, mas também ao Código de Defesa do Consumidor. E por este último, por ser norma de ordem pública, podem ser objeto de ação do Ministério Público. Além do mais, como podem ser práticas que levam a nulidade, o órgão ministerial também poderá intervir, conforme disposição do art. 168 do CC02 (BRASIL, 2002).
4.4 Restituição de prêmio
Dentro do exemplo proposto inicialmente, entendemos que são cabíveis as disposições da parte final do art. 770 do CC02: “salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.” (BRASIL, 2002, grifo nosso). Some-se a este o art. 113 do mesmo diploma, que importa em uma interpretação contratual norteada pela boa-fé. Há, portanto, obrigação da seguradora de antecipar-se ao segurado na revisão de prêmio cobrado por emissão de apólice sem o elemento essencial de risco, ainda que no curso de vigência contratual.
Em que pese o art. 770 do Código Civil de 2002 facultar ao segurado a exigência de revisão de prêmio ante a redução considerável de riscos, à boa-fé37 e ao CDC couberam o prestígio de definir que, no mínimo, a seguradora deve dizer: (i) que existe a redução de riscos;
(ii) que há reflexo no prêmio de seguro; e (iii) qual o valor a ser restituído, bem como:
(iv) apresentar as alternativas para continuidade da prestação de serviços sem que, necessariamente, importe em movimentação de prêmio. Trata-se do dever de informação dos fornecedores de serviços, artigos 4º, III e IV e 6º, III deste microssistema.
Sob a ótica do art. 6º, VIII também do CDC, o comprador médio de seguros carrega consigo a essência da hipossuficiência, pois o faz por uma noção geral, não minuciosa. Quer com a contratação de um seguro estabelecer um patrocinador para sua perda econômica própria ou decorrente de responsabilidade civil. Leigo em matéria securitária, passa ao largo do conhecimento dos fatores de passamento de riscos em situações específicas e de afetação respectiva do prêmio cobrado. Sendo assim, reafirma-se, cabe à seguradora e ao agente de
37 Ver capítulo 3.1 Princípio da boa-fé objetiva.
vendas (corretor ou outro) alertar os segurados acerca da possibilidade de revisão de prêmio. E se não procedem desta forma, violam a boa-fé e o dever de informação.
Assim diz o Enunciado 370 da IV Jornada de Direito Civil: “nos contratos de seguro por adesão, os riscos predeterminados indicados no art. 757, parte final, devem ser interpretados de acordo com os arts. 000, 000, 000, 000 e 799 do Código Civil e 1º, inc. III, da Constituição Federal.” (CJF, 2006). Isso significa que os contratos de seguros devem se submeter aos princípios da dignidade da pessoa humana (Constituição Federal, art. 1º, III), da probidade e boa-fé (arts. 422 e 765 do CC02), bem como que a função social do contrato (art. 421 do CC02) deve nortear as relações. Ademais, o silêncio do segurado não pode definir a renúncia de direito a revisão de prêmio (art. 424 do CC02). Confirma-se, portanto, obrigação da seguradora de antecipar-se ao pedido do segurado e já ofertar a respectiva restituição de prêmio pela redução significativa ou até desaparecimento do risco para o qual emitiu apólice.
Por outro caminho também se chega a mesma conclusão. Assim diz o art. 769 do CC02: “o segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.” (BRASIL, 2002). Se a seguradora exige o cumprimento do direito consubstanciado neste artigo, o instituto venire contra factum proprium38 obriga que ela cumpra o inverso, ou seja, perca o direito ao prêmio cobrado para dar garantia a um não-risco, sendo o dobro do valor o fator punitivo oriundo da conduta. O instituto tu quoque39 também leva a este resultado, haja vista que, se tu me cobra, tu também será cobrado. Vejamos o que diz o art. 766 do CC02:
Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.
Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio. (BRASIL, 2002, grifos nossos).
É de se notar que a violação positiva do contraente à taxa do prêmio de seguro pode acarretar a perda de direitos. Se ante a violação do segurado à taxa calculada de prêmio de seguro há a hipótese de cobrança adicional pela seguradora, há que se conceder a mesma oportunidade ao segurado na situação inversa. A revisão de valor é aceita como solução pelo art. 157, § 2º do CC02, ao definir que “não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido
38 Do latim, venha contra si mesmo
39 Do latim, tu também.
suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.” (BRASIL, 2002).
A preocupação descrita nesta pesquisa parece ser comum à SUSEP, tanto que ela emitiu a Circular SUSEP 592 (2019), onde autoriza as seguradoras a operarem seguros com vigência reduzida, ou seja, para períodos inferiores a 1 (um) ano, bem como para instituir o seguro intermitente, ou seja, com cláusula “liga-desliga”, a fim de prever a hipótese de viagens ou outras situações em que o bem segurado ficará fora de risco e o segurado possa com isso interromper a sequência de vigência da respectiva apólice.
Sendo assim, se a seguradora considerar que é insuportável economicamente devolver prêmios pagos aos segurados que tiverem sinistros causadores de paralização de uso do respectivo bem para conserto em oficinas externas, ela já está autorizada pelo órgão regulador a implementar cláusula automática de interrupção de contagem de vigência da apólice durante o prazo de indisponibilidade do bem. Trata-se, portanto, de solução alternativa já formulada pelos regulamentos vigentes.
4.4.1 Restituição simples ou em dobro?
Considerando que a seguradora tem ciência do passamento de riscos na situação da entrega do bem segurado para um depositário realizar consertos oriundos de sinistros cobertos e sabe pela técnica securitária40 do montante de prêmio equivalente, cabe a ela dar cumprimento ao disposto no art. 773 do CC02, que, vale repetir, assim diz: “o segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.” (BRASIL, 2002).
Segundo compreendemos, se ocorrida uma situação de redução significativa ou passamento de riscos que importe em restituição de prêmio ao segurado e a seguradora toma a iniciativa de fazê-lo, não se sujeita ao dobro, pois, de ordinário, não ficou com prêmio de riscos passados ou severamente reduzidos e sim manifestou-se pela devolução a tempo e a hora. Deve, então, apenas atualizar valores entre o fato que interrompe do risco e o pagamento da restituição. Se, no entanto, descumpre o dever de informação citado no tópico anterior e se cala, estará sujeita ao dobro, pois este dobro carrega consigo um caráter indenizatório e exerce uma função punitiva, podendo, inclusive, transbordar para a infração civil. O mesmo se dá se só agir mediante provocação do segurado, pois estará em franca violação da boa-fé e dever de informação.
40 Ver Capítulo 3.2.2.1 Da técnica securitária.
Como não é prática corrente a revisão de prêmio contratual por passamento de riscos – respeitados os prazos prescricionais vigentes –, há contra as seguradoras a hipótese latente de enorme montante de devolução de prêmio em dobro, acrescidos de juros e correção monetária, aos milhares de segurados que sofreram sinistros ao longo dos anos e não foram fruto de restituição espontânea de prêmio por parte das seguradoras.
4.4.2 Enriquecimento sem causa
A consequência natural da emissão de prêmios sem risco correspondente pelas seguradoras e sem a efetivação do recall mencionado no tópico anterior é o enriquecimento sem causa, conforme disposições dos art. 884 e seguintes do CC02. O caput do art. 884 assim estabelece a necessidade de restituição: “aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.” (BRASIL, 2002). Já o art. 885 menciona a extensão da necessidade de reparação, muito pertinente ao caso, conforme se vê: “a restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.” (BRASIL, 2002, grifo nosso). Tendo desaparecido parte dos riscos segurados, deixou de existir justa causa à cobrança de prêmio, o que dá mote ao enriquecimento sem causa, aspecto fundante do ilícito civil.
Cumpre salientar que se houver dolo na ação que resulta em enriquecimento sem causa, estará a seguradora sujeita a perdas e danos. Admitindo que não é interesse do segurado anular o contrato que está indenizando o seu sinistro e que apenas deve-se fazer uma adequação em seus termos e condições, aplica-se a disposição do art. 146 do CC02, que estabelece o dolo acidental e assim diz: “o dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo. (BRASIL, 2002).
4.5 Exposição do fundo mútuo a passivo de inadimplemento parcial e a risco de restituição em dobro de prêmio
Afora o passivo judicial decorrente do inadimplemento parcial da obrigação de repor bem sinistrado, com naturais majorações em vista de honorários advocatícios, custas, perícias etc., se não se tem rotina normal de adimplemento, o valor respectivo não está previsto nos cálculos atuariais e não compõe a taxa de risco. Portanto, não aufere cobrança de prêmio e isso causa desequilíbrio tarifário, o que é uma ameaça à integridade financeira do fundo mútuo. Seguindo o mesmo raciocínio, a exposição do fundo mútuo a risco de restituição em dobro também ameaça a sua integridade e deve ser evitada.
Como já comentamos41, uma das obrigações de uma seguradora é a manutenção de uma previdência saudável e a sua exposição por descumprimento de dever ou por risco de restituição em dobro é uma conduta inapropriada para a técnica securitária e pode ser entendida como temerária.
A mitigação de riscos, em especial por comportamentos de si mesma, é uma das tarefas de qualquer seguradora quando se trata de preservação de seu fundo mútuo. Arcar com prestações não levadas as taxas securitárias não é desejável nem mesmo para os próprios segurados. Xxxxxx, fica exposto à insolvência do fundo mútuo. Diga-se de passagem, não é por outra razão que até a rejeição de sinistros não indenizáveis precisa ser levada à cabo, haja vista que pagar discricionariamente pelo que não se pactuou e nem se fez cálculo atuarial é atentatório ao fundo mútuo.
A administração da coisa mútua tem pormenores que jamais devem deixar de ser levados em conta e constitui tarefa que exige responsabilidade e segurança jurídica. Onde não se tem, não se deve arriscar.
4.6 Abuso de direito
Desconhecemos algum contrato de seguros de automóveis que não tenha em suas cláusulas contratuais a obrigação alternativa de indenizar, reparar ou repor o bem objeto da apólice nas mesmas condições em que este se encontrava antes da ocorrência de eventual sinistro reconhecidamente indenizável. Isso é uma liberalidade das seguradoras que, alegadamente42, o art. 776 do CC02 lhes permite ter quando diz que “o segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa” (BRASIL, 2002, grifo nosso). Deve-se apontar, porém, que o que é da Lei Civil é o pagamento de indenização em pecúnia e o que vai além é da convenção das partes. E como esta alternatividade é posta em cláusulas inegociáveis de um contrato de xxxxxx, sofre o escrutínio de outro diploma: o CDC, podendo ser até classificado por este como cláusula abusiva anulável.
4.6.1 Formas alternativas de adimplemento da obrigação de indenizar
Na consecução desta obrigação contratual dita alternativa, se a seguradora resolve indenizar o segurado em dinheiro para que este cuide, por sua própria conta e risco, da contratação da oficina de reparação de seu veículo, não há nenhum problema imediato, pois trata-se da realização per si da finalidade contratual. Podem até haver questões a se trabalhar
41 Ver mais no tópico 3.2.2.1.4 Gestão de risco.
42 Ver tópico anterior 4.1 Consideração prévia: (in)viabilidade legal da convenção de reposição da coisa.
no decorrer do processo indenizatório, como por exemplo a insuficiência de indenização, com necessidade de complemento, ou outros, mas, administráveis que são, em nada maculam a fruição do contrato.
Na tarefa de reparação da coisa segurada há diversos modos como poderá ser conduzida, todas com indícios de abuso de direito. Isso porque em todos os casos a contratação de serviços e compra de peças é feita em nome da seguradora, sendo as notas fiscais dos serviços e produtos emitidas contra ela, que as lança em sua contabilidade como despesa. Seu fim social, no entanto, está centrado em reposição de perdas, não em conserto de bens ou movimentação de mercadorias para aqui e para ali. Isto só, contudo, pode ser frágil para se definir tão grave questão, haja vista que qualquer diligência que a seguradora possa ter para aliviar suas contas é de interesse da mutualidade e, sabidamente, compras vultosas redundam em preços melhores.
Enquanto não se pode afirmar com maior certeza que a simples emissão de notas fiscais em nome da seguradora seja abuso de direito, conforme a escolha da oficina a se fazer a reparação, esta hipótese é claramente observável. Vislumbramos três opções: (i) em oficina escolhida pelo segurado, fora da lista de indicadas da seguradora; (ii) em oficinas próprias ou pertencentes ao mesmo grupo econômico; ou (iii) por indicação, em oficinas credenciadas ou referenciadas. Xxxxxx explicamos cada uma delas.
4.6.1.1 Em oficina escolhida pelo segurado
Na escolha de (i) oficina de fora da rede credenciada, referenciada ou própria da seguradora, à princípio, a implicação é apenas a de devolução de prêmio equivalente aos riscos passados, pelo prazo de reparação, sem incorreção em abuso de direito (além do pagamento da diferença de depreciação). Caso haja, entretanto, coação do segurado para uso da sua rede de atendimento, este possível abuso de direito volta à carga, segundo entendemos, de forma mais gravosa que nos casos que serão tratados nos tópicos seguintes. É o que se observa pela aplicação do CDC, artigo 6º, IV, abaixo transcrito:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. (BRASIL, 1990, grifos nossos).
Pesa contra a livre escolha do segurado por oficina de fora da rede de atendimento da seguradora uma forma de atração que chama atenção pela agressividade persuasiva. Como mantem com sua rede uma tabela de custos prefixados, caso os segurados optem por fazer os reparos de seus veículos fora desta, limitam os custos de reparação a estas tabelas. Ao dizer acerca de sua preferência, é prática não rara de algumas delas emitir alerta de que irão buscar
uma negociação de custo com esta oficina não credenciada e que, se não houver acordo, a diferença não será indenizada, devendo ser arcada pelo próprio segurado. Ao proceder desta forma, vinculam o segurado e impedem sua liberdade natural de escolha. Abaixo um exemplo de cláusula nesse sentido:
Após a constatação das avarias, sendo seu orçamento inferior a 75% do valor médio do veículo segurado, de acordo com a tabela de referência em vigor na data do sinistro, aplicado o Fator de Ajuste, ou do Valor Determinado (de acordo com a contratação do seguro), a Seguradora mandará reparar os danos ou reembolsará ao Segurado as despesas efetivamente necessárias ao reparo do veículo, de forma a permitir o seu retorno ao status em que se encontrava antes da ocorrência do sinistro, no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis após a apresentação da Nota Fiscal correspondente. A Seguradora arcará com o valor do orçamento da reparação, sendo abatido o valor da franquia expressa na apólice, que será de responsabilidade do Segurado. É facultado ao segurado a livre escolha de oficina, desde que pratique valores compatíveis com aqueles efetivamente necessários ao retorno do veículo ao status em que se encontrava antes do sinistro. Contudo, caso o segurado escolha uma oficina que apresente um orçamento a que pratique valores além daqueles efetivamente necessários ao reparo do veículo, ele terá duas opções: a) continuar na oficina escolhida e arcar com a diferença do orçamento; ou, b) escolher livremente outra oficina que pratique valores condizentes. (SULAMÉRICA, 2020, p. 115, grifo nosso).
No caso da seguradora usada no exemplo, os “valores condizentes” do final do texto são a juízo dela própria, o que pode ser entendido, mais uma vez, como cláusula abusiva pelo CDC. Some-se a isso, em qualquer dos casos, que as seguradoras fazem campanhas de incentivo junto a seus segurados para escolha das oficinas credenciadas, referenciadas ou próprias, se as possuírem. Ofertam redução de valor ou parcelamento sem juros de franquia, além de serviços extras, como checklist de itens de segurança, veículo lavado ao final dos reparos, acréscimo de prazo de garantia dos serviços de reparação, cristalização de vidros, leva-e-traz, dentre outros. Abaixo um exemplo de diferenciação de franquia conforme a escolha da oficina:
Para o produto Auto Compacto, o segurado tem duas opções de franquia no momento do sinistro. Se optar por uma oficina da rede produto Compacto, o segurado participará com o menor valor de franquia. Se optar por uma oficina de sua escolha, fora da rede produto Compacto, participará com o maior valor de franquia. (SULAMÉRICA, 2020, p. 18, grifo nosso).
Mas estes são apenas exemplos de uma entre tantas seguradoras. Cláusulas com conteúdo nesse sentido ou no da citação direta anterior são comuns entre elas. Não que elas não tenham legitimidade de construir produtos segmentados, com menores benefícios, mas o fator de diferenciação deste produto tem que atender ao CDC, pois no fim acabam por atrair para si o controle do risco inerente aos bens sinistrados e os têm sob sua guarda direta ou indireta, tudo isso com indução da escolha do segurado. Se for aplicado algum método coativo contra o segurado para suprimir sua liberdade de escolha de oficinas ou que resulte em expressiva
vantagem para si em detrimento dele, pode provocar choque com a norma. Os pontos de atenção são o já citado inciso II do art. 51 e estes outros:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. (BRASIL, 1990).
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx colabora o entendimento ao dizer que “na vulnerabilidade técnica, o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que está adquirindo e, portanto, é mais facilmente enganado quanto às características do bem ou quanto à sua utilidade, o mesmo ocorrendo em matéria de serviços” (2012, p. 154).
Tudo isso, mais uma vez, acaba por subsumir a conduta à disposição do art. 187 do CC02, que, vale colacionar novamente, diz: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 2002).
Como consequência, o CDC estabelece algo importante quando se fala em abuso de direito. Se confirmado, é a desconsideração da personalidade jurídica do fornecedor, podendo a reparação alcançar os bens de seus sócios e empresas do mesmo grupo econômico, conforme estipula respectivo art. 28, caput e §§ 2º e 5º, conforme abaixo:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (BRASIL, 1990).
É claro que provavelmente nunca se chegará a essa solução, pois as seguradoras possuem capacidade econômica e responsabilidade, especialmente no tocante ao valor de suas marcas e não tem interesse, se reconhecerem, em continuar com práticas que não sejam as mais adequadas. Mas nos cabe apontar os equívocos de conduta e as possibilidades de correção de práticas.
4.6.1.2 Em oficina própria da seguradora
Consertando o bem em (ii) oficina de sua estrutura própria, ela mesma assume a sua custódia e, portanto, é ela quem o afasta da incidência de risco, tornando-se depositária da coisa para a qual recebeu prêmio securitário. Este recebimento de prêmio por riscos passados assume proporção mais grave e o possível ilícito civil, mais o enriquecimento sem causa, são de evidência mais robusta. Nota-se que há uma clara substituição do instituto garantidor, sendo um oneroso e outro presumidamente não oneroso. Xxxxxx, a custódia do bem induz responsabilidade civil de guarda enquanto perdurar a sua detenção e a fonte da garantia prestada deixa de ser o contrato de seguros, passando a ser o contrato de depósito e não precisaria da apólice.
4.6.1.3 Em oficina terceira indicada pela seguradora
Quando a opção é por (iii) oficina indicada pela seguradora, de dentro de um rol de credenciadas ou referenciadas, só ocorre em virtude de haver contrato de prestação de serviços entre seguradora e oficina de manutenção. Decorre de uma promessa de fato de terceiro, que será objeto de discussão mais adiante neste trabalho43. As oficinas credenciadas ou referenciadas são, portanto, a longa manus da seguradora e assumem uma qualidade de representação desta.
Mas não é só isso. Se a escolha de oficina reparadora resulta de cláusula que vincule o segurado, tal cláusula restará nula, por incidência do art. 51, incisos I, III, IV, VII e § 1º, incisos II e III, conforme abaixo:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
III – transfiram responsabilidades a terceiros;
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. (BRASIL, 1990, grifos nossos).
43 Ver capítulo 4.6.1.3.1 Comentários acerca da promessa de fato de terceiro.
Sendo assim, além do que se observa no caso de oficinas da estrutura própria, a indicação de oficina implica em contração de outros problemas: passam a ter um depositário de nomeação fixa, contra quem imputarão os custos de eventual novo sinistro, por força contratual e de responsabilidade civil objetiva legal de guarda. Passam, portanto, a ter dupla garantia de regresso: a do contrato que tem com elas e a do instituto da sub-rogação. O contrato de prestação de serviços que a seguradora tem com a oficina passa a se assemelhar, portanto, como um seguro garantia ou uma fiança, onde o garantidor cumpre a obrigação, mas ressarce do responsável, ou o fiador paga se o responsável não o fizer. A provável abusividade contida no recebimento de prêmio do segurado neste período é ainda mais severa e atinge não só o segurado, mas também a oficina de restauração que contratou.
4.6.1.3.1 Comentários acerca da promessa de fato de terceiro
Conforme dissemos no tópico anterior, um dos usos mais comuns das seguradoras na consecução da obrigação de indenizar é a opção pela reparação do bem sinistrado, sendo a forma mais corriqueira a da indicação de uma oficina terceira para a realização deste trabalho. Ocorre que quando apresenta um rol de credenciadas e referenciadas, a seguradora assume a responsabilidade pelo serviço realizado e faz uma “promessa de fato de terceiro”, conforme descrito nos arts. 439, caput, e 440 do CC02, abaixo transcritos:
Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar.
Art. 440. Nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem, se este, depois de se ter obrigado, faltar à prestação. (BRASIL, 2002).
Ao optar por não indenizar em dinheiro, mas repor o bem conforme estava antes da ocorrência do sinistro, é necessário que, no mínimo, a seguradora tenha conhecimento de que é possível fazer a restauração e que os serviços estão disponíveis no mercado para o público em geral. Já a indicação de oficina para tal, pressupõe uma seleção prévia de estabelecimento, ou seja, que ele passou por uma avaliação com diversos quesitos e recebeu uma aprovação. É como se a ela dissesse que aquela oficina possui a qualificação técnica necessária, está devidamente equipada, utiliza os melhores materiais consumíveis, realiza os trabalhos em prazos razoáveis e sua confiabilidade é reconhecida. Xxx, então, uma promessa de meio. Mas é também uma promessa de resultado, na medida em que o referenciamento da oficina implica em dizer que os serviços, além do que foi dito, serão de qualidade e alcançarão a satisfação do segurado.
Em interpretação extensiva e equitativa que o CDC permite adotar, ao fazer uma “promessa de fato de terceiro” com a indicação de oficinas de restauração, a seguradora acaba por assumir que se os serviços não forem realizados na melhor técnica, com equipamentos
adequados, com os melhores materiais, com prazo razoável e com qualidade final, ela intercederá junto a oficina para que volte e realize novamente os trabalhos, até que alcance a qualidade prometida. Outrossim, que se esta se recusar, poderá até estar sujeita a regresso da seguradora, mas não estará afastada a sua obrigação de entregar o serviço com a eficiência e qualidade esperados, mesmo que precise recorrer a outro prestador de serviços para cumprir a obrigação a contento.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se viu, o modelo de negócios securitários baseado em indenização por reparação do bem sinistrado, mas pretendendo uma suposta restauração ao status quo ante, é uma promessa às vezes não cumprida, pois pode deixar sequelas de qualidade, originalidade e valorização no respectivo bem. Se não mensurada a depreciação e feita compensação através de uma indenização complementar, eiva o negócio jurídico de inadimplementos parciais e abuso de direito.
Além disso, a forma de consecução deste conserto o macula de outros problemas. Começam com a cobrança de prêmio sem objeto de risco formal, perpassam pelo consequente enriquecimento sem causa, abrem risco de se ter que ressarcir prêmio cobrado, até mesmo pelo dobro e redundam em abuso de direito e ilícito civil na consecução dos reparos em redes próprias ou referenciadas, especialmente se coagirem os segurados a usá-las. Atenta, portanto, contra a boa-fé objetiva e abre passivos que colocam em risco a saúde financeira do fundo mutual que tanto as seguradoras devem zelar.
Apesar disso, não são problemas insolúveis. Importa que as seguradoras promovam um rearranjo em seus modelos de negócios, com o fim de absterem-se do que lhes causa insegurança jurídica e risco ao fundo mutual. Há alguns caminhos factíveis para isso:
(i) no caso do recebimento de prêmio com riscos passados, basta efetuar (i.a) restituição respectiva para seus segurados, ou, conforme a Resolução SUSEP 592/2019, (i.b) implementar dispositivo chamado ou de cláusula liga-xxxxxxx00 ou de cláusula de intermitência, a fim de que se interromper contagem de prazo de vigência no período de passamento dos riscos;
(ii) no caso da reparação do veículo, calcular e indenizar complementarmente a depreciação por perda de originalidade, de qualidade e de valorização;
(iii) no caso de uso de redes próprias ou credenciadas para restauração do bem, adotar a técnica (i) e ainda deixar de indicar oficina, ou pelo menos não coagir o segurado de nenhuma forma a utilizá-la.
A contrario sensu, considerando que a defesa do consumidor é matéria de ordem pública, expressa no inciso XXXII do art. 5º da Constituição Federal, nos termos: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (BRASIL, 1988), sujeitam-se também a ação ostensiva do Ministério Público, a fim de dar cumprimento à Constituição Federal, ao CDC e, principalmente, a seu papel institucional, com formulação, quem sabe, de um Termo
44 Ver Capítulo 4.4 Restituição de prêmio
de Ajustamento de Condutas. A correção de rumos para a consecução de práticas livres de ilícitos civis e passivos econômicos é o desejo de todos.
Importante destacar que este trabalho se faz para que se abra uma discussão. Não pretende fechar nenhuma questão e, muito pelo contrário, deseja apenas que se apontem incorreções e que se dê prosseguimento ao debate a partir das hipóteses correções de condutas de forma menos traumática possível. Em última análise, o aperfeiçoamento da operação serve à própria atividade econômica securitária.
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