CONVENÇÕES PROCESSUAIS
Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx
CONVENÇÕES PROCESSUAIS
Teoria geral dos negócios jurídicos processuais
5.ª edição
revista, atualizada e ampliada
2025
Capítulo 5
FORMAÇÃO DOS ACORDOS PROCESSUAIS E LIMITES PARA SUA CELEBRAÇÃO
5.1. AUTONOMIA DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS EM RELA- ÇÃO ÀS DEMAIS CLÁUSULAS DO CONTRATO DE DIREITO MATERIAL
As convenções processuais possuem autonomia em relação ao instrumento (p.ex. um contrato de direito material) em que encartadas. Na arbitragem, a constatação da autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato que a prevê é antiga, já foi afirmada em vários países ao redor do mundo,1 e consta expressamente da legislação brasileira (art. 8º da Lei nº 9.307/96).2
1 No direito inglês, XXXXXXX, Xxxx. Procedure, Party Agreement, and Contract. Giustizia consensuale, vol.1, 2021, p.73-74. No direito francês, esta independência está positivada no Código (art. 1.447 do Code de Procédure Civile): “La convention d’arbitrage est indépendante du contrat auquel elle se rapporte. Elle n’est pas affectée par l’inefficacité de celui-ci. Lorsqu’elle est nulle, la clause compromissoire est réputée non écrite”. A jurisprudência entende ser aplicável tanto no direito internacional quanto no direito interno. Cour de Cassation, 1re chambre civile, 25.10.2005, Bulletin des arrêts civils de la Cour de Cassation, I, nº 378: “Mais attendu, d´abord, qu´en application du principe de validité de la convention d´arbitrage et de son autonomie en matière internationale, la nullité non plus que l´inexistance du contrat qui la contient ne l´affectent”. Na doutrina, XXXXXXXXX, Xxxxx; XXXXXXXX, Cécile; XXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Procédure civile: droit interne et droit de l´Union européenne. Op. cit., p.1487; XXXXXXXXX, Xxxxxxxx xx. La nouvelle convention d’arbitrage. Op. cit., p.81, 85. Na jurisprudencia, Cour de Cassation, 2ème chambre civile, 04.04.2002, Bulletin des arrêts civils de la Cour de Cassation, II, nº 69: “la clause compromissoire présentant, par rapport à la convention principale dans laquelle elle s´insère, une autonomie juridique qui exclut, sauf convention contraire, qu´elle puísse être affectée par l´inefficacité de cet acte”.
2 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxxxx; XXXXXXXX XX., Xxxxxx Xxxxxx de. Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015. Op. cit., p.621. Sobre a arbitragem, no Brasil, por todos, XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem e processo. Op. cit., p.173 ss.
E esta conclusão pode ser generalizada para todos os acordos processuais,3 campo em que também há algum tempo tem-se entendido pela sua autonomia em relação a outros preceitos contratuais ou convencionais. Nesse sentido, a doutrina já afirmou a autonomia das convenções processuais ao tratar dos acordos para instituição de conciliação ou mediação,4 nas cláusulas solve et repete,5 bem assim das convenções atributivas de competência.6
Essa independência em relação ao instrumento deriva da ideia de que a autonomia das partes para conformar situações jurídicas processuais não é um mero complemento da liberdade no direito material, algo acessório e secundário que pudesse ser entendido como subordinado às regras do direito privado. Ao contrário, os acordos processuais devem ser compreendidos como independentes dos negócios jurídicos de direito material porque os atos processuais em geral produzem efeitos diversos de um negócio jurídico material similar.7 Trata-se de separar o negotium do instrumento, inclusive
3 CADIET, Loïc. Liberté des conventions et clauses relatives au règlement des litiges,
Op. cit., p.31; XXXXXX, Xxxx; XXXXXXX, Xxxxxxxx. Droit judiciaire prive. Op. cit.,
p.282. Na doutrina brasileira, XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. A autonomia das partes no projeto de Código de Processo Civil: a atribuição convencional do ônus da prova. Op. cit., p.590; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx Rezende de. Das convenções processuais no processo civil. Op. cit., p.108; XXXXX, Xxxx. Gli accordi sulla giurisdizione tra parti e terzi. Milano: Cedam, vol.1, 2012, p.96-100. No direito civil, XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. Op. cit., p.195.
4 CADIET, Loïc. Los acuerdos procesales en derecho francés: situación actual de la contractualización del proceso y de la justicia en Francia, Op. cit., p.6. Na jurisprudencia francesa: Cour de Cassation, 2ème chambre civile, 06.07.2000, nº 98-17.827. Vejam-se as notas de Xxxxxxxxx a este acórdão que estão na Revue de l´arbitrage, 2001, p.749 ss.
5 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Contro il patto “solve et repete” nei contratti. Op. cit., p.244-245.
6 Cf. XXXXXX, Xxxx. Los acuerdos procesales en derecho francés: situación actual de la contractualización del proceso y de la justicia en Francia, Op. cit., p.8. Em sentido contrário, com o qual não podemos concordar, Xxxxx defendia que a cláusula de atribuição de competência segue a validade ou invalidade do contrato em que inserida. XXXXX, Xxxxxxxxx. Contributo alla dottrina dell’arbitrato. Op. cit., p.61. Mais recentemente, confira-se a análise crítica sobre a “separabilidade” entre as convenções processuais e o contrato subjacente em XXXXXX, Xxxxx X.; XXXXXX, Xxxx X. Civil Procedure by Contract: A Convoluted Confluence of Private Contract and Public Procedure in Need of Congressional Control. Op. cit., p.1130 ss.
7 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Parteivereinbarungen über präjudizielle Rechtsverhältnisse: Zur Fragwürdigkeit der Parteidisposition als Urteilsgrundlage. Op. cit., p.219; XXXXXX, Xxxxxxx. Prozeßverträge. Op. cit., p.278 ss.
apartando os aspectos que tocam o direito material daqueles que envolvem o direito processual.8
Essa separação ideal tem repercussões práticas importantes. De um lado, não há necessidade de que exista um negócio jurídico material subjacente a cada negócio processual, mesmo que ambos sejam celebrados simultaneamente. A referibilidade do acordo é a um processo atual ou potencial, não a um outro negócio ou contrato de natureza material. Note-se que pode haver negócio processual em ação declaratória negativa,9 mais uma demonstração de que as convenções processuais não podem ter sua formação, modificação ou extinção totalmente atreladas a relações de direito material.
Outra relevância prática da autonomia dos acordos processuais em relação ao direito material é permitir aproveitar as convenções sobre o processo quando o contrato seja invalidado ou resolvido por alguma causa de ineficácia. A ineficácia do contrato de direito material não atinge, como regra, o acordo processual.10 Nesse sentido, a lei de arbitragem – em norma que se aplica a qualquer convenção processual, porque respeita a mesma lógica – dispõe, em seu art. 8º, que “a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória”.
Todavia, os negócios jurídicos processuais não são abstratos, como se ignorassem o direito material. É claro também que direito substancial e direito processual implicam-se mutuamente: como se verá, por vezes as peculiaridades do direito substancial impactarão os requisitos de validade dos acordos sobre o processo e também seus limites, porque não se poderia permitir que, por meio de um pacto de natureza processual, as partes obtivessem um resultado que lhes fosse vedado pelo direito material.
Não obstante, esta parcial e episódica interseção não deve ofuscar o norte da correta compreensão das relações entre negócios materiais e processuais, que é a regra da independência das convenções processuais em relação ao direito material.
8 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx. L’autonomie de la clause compromissoire: um modele pour la clause attributive de juridiction? Paris: LGDJ, 1995, passim.
9 XXXXXXX, Xxxx-Xxxxxx. Zur Systematik des zivilprozeßrechtlichen Vertrages. Op. cit., p.92-93.
10 CADIET, Loïc. Los acuerdos procesales en derecho francés: situación actual de la contractualización del proceso y de la justicia en Francia, Op. cit., p.3.
5.2. CORREGULAÇÃO FORMAL: COMBINAÇÃO DE REQUISITOS DO DIREITO MATERIAL E DO DIREITO PROCESSUAL
Contudo, quando pensamos na formação dos acordos processuais, devemos ter em mente que, assim como os atos processuais são espécies de atos jurídicos, as convenções processuais são também espécies de negócio jurídico. Portanto, aplica-se aos acordos processuais a sistemática da teoria geral dos negócios, regulada no direito civil, podendo o intérprete partir de algumas disposições do direito privado, adaptá-las e as aplicar aos acordos processuais no que tange aos requisitos, efeitos, limites à autonomia privada,11 sempre com o cuidado de tratar-se de uma espécie peculiar de negócio jurídico afeta ao ambiente publicista que é o processo.
De fato, embora aplicáveis em tese, nem todas as regras de direito material da teoria dos negócios jurídicos poderão ser sempre e sem restrições transpostas para o direito processual. Como os acordos processuais são destinados a conformar, em alguma medida, a relação jurídica processual, com as idiossincrasias do direito público, às convenções processuais também devem ser aplicadas regras específicas, como aquelas referentes às nulidades e aos pressupostos processuais.12 Apesar de serem negócios jurídicos, os acordos processuais são regulados pela lei processual no que se refere à capacidade, forma etc.13
Mas essa constatação não nos pode levar a adotar o entendimento oposto, de rejeitar por completo a utilização por analogia da regulação do direito privado, ou suplantá-la pelo direito público. Nesta concepção, os requisitos de índole processual prevaleceriam sempre em detrimento daqueles da teoria geral dos negócios jurídicos. Ora, observe-se, de um lado, que não há como suprimir ou ignorar o regramento da teoria geral dos negócios jurídicos porque os acordos processuais podem ser prévios ao surgimento do processo (e por vezes se destinam mesmo a evitá-lo), e
11 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Parteivereinbarungen über präjudizielle Rechtsverhältnisse: Zur Fragwürdigkeit der Parteidisposition als Urteilsgrundlage. Op. cit., p.212.
12 Em sentido similar, XXXXXXXXX, Xxxxxx. Parteivereinbarungen über präjudizielle Rechtsverhältnisse: Zur Fragwürdigkeit der Parteidisposition als Urteilsgrundlage. Op. cit., p.212; XXXXX, Xxxxx Xxxxx x. Pactum de non petendo: exclusão convencional do direito de ação e exclusão convencional da pretensão material, Op. cit., p.317-318; XXXXXXX, Xxxxxxxx. Grundlagen des Verfahrensrechts. Op. cit., p.158; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx Rezende de. Das convenções processuais no processo civil. Op. cit., p.107.
13 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Principii di Diritto Processuale. Op. cit., p.775.
portanto podem nunca vir a ser aplicados ou interpretados judicialmente.14 Nesse caso, é natural que sua validade e eficácia sejam analisadas também pelas disposições da teoria geral dos negócios jurídicos.
Por outro lado, a ideia de subordinação das regras do direito privado àquelas de direito público representaria a vitória da concepção de que o indivíduo e a esfera privada seriam sempre hierarquicamente inferiores, e assim deveriam submeter-se à prevalência do Estado e da esfera pública, o que tampouco se justifica no ordenamento jurídico.15
Então, na verdade, deve haver uma corregulação entre normas materiais e processuais, que se combinam na normatização dos acordos processuais. Essa combinação pode ser reconduzida à relação entre direito e processo, já bem delineada na doutrina processual,16 segundo a qual se deve enxergar uma conexão valorativa (Wertungszusammenhang) entre o direito privado e o direito processual civil.17
Pois bem, admitir como premissa a corregulação das convenções processuais, operada simultaneamente por regras substanciais e processuais com igual nível e status, tem repercussões práticas fundamentais. Se, em um acordo processual e um contrato (v.g., uma compra e venda), houver cláusulas aparentemente conflitantes, que levarem a resultados incompatíveis, não há qualquer hierarquia ou prevalência, seja das disposições de direito material, seja daquelas do direito processual, porque não há entre as
14 Xxxxxx Xxxxxx, em nosso sentir sem razão, afirma que “O regime jurídico das convenções em matéria processual é responsável por estabelecer os parâmetros de tratamento e formas de funcionamento do instituto em nosso ordenamento jurídico processual. Inicialmente deve ser registrado que há diferença entre o regime jurídico das convenções firmadas extrajudicialmente e judicialmente. No âmbito extrajudicial adotam-se as normas de direito material para a sua constituição. Já no campo processual, devem ser respeitadas as regras de direito material e também as de direito processual, em uma espécie de regime jurídico misto”. XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Convenções em matéria processual, Op. cit., p.18. Como veremos, não é porque as convenções processuais podem não chegar a ser apreciadas em um processo judicial que sua regulação é infensa aos requisitos formais do processo.
15 Com razão, XXXXXX, Xxxxxxx. Prozeßverträge. Op. cit., p.14-15.
16 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx. Direito e Processo – Influência do direito material sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 4a ed., 2006; XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxx. Curso de Processo Civil. vol.2, Op. cit., p.32, 429 ss; XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Diritto e processo. Op. cit., loc. cit.
17 XXXXXX, Xxxxxxx. Prozeßverträge. Op. cit., p.60-61; XXXXX, Xxxxx Xxxxx x. Pactum de non petendo: exclusão convencional do direito de ação e exclusão convencional da pretensão material, Op. cit., p.316-317.
cláusulas qualquer relação de prioridade. Neste caso, para verificar a real extensão da manifestação de vontade e dos escopos pretendidos pelos sujeitos contratantes, deve ser procurada a conjugação das convenções ou o afastamento de uma delas (por contradição ou incongruência), mas partindo da compreensão de que se trata de dois atos jurídicos de equivalente importância.18
Então, não se deve pensar nos negócios jurídicos em geral e nos negócios processuais em especial nem numa relação de absorção e prevalência, nem como âmbitos mutamente excludentes. Antes, devemos combinar os dois campos atentando para suas aproximações e diferenças, a fim de extrair dessa combinação critérios para que o equilíbrio entre interesses públicos e a autonomia das partes preserve garantias fundamentais e a efetividade do processo.19
Vistas essas questões, sigamos na análise da formação dos acordos processuais, e dos parâmetros para sua interpretação e aplicação.
5.3. DIRETRIZES OU VETORES APLICATIVOS
Antes de estudarmos os parâmetros de controle, cabe pontuar as três diretrizes centrais, que podem ser descritas também como “vetores” para aplicação do processo convencionado no direito brasileiro.
5.3.1. In dubio pro libertate
Nos capítulos anteriores,20 já ficou fixada uma premissa importante do processo civil contemporâneo, a máxima in dubio pro libertate, uma pressuposição em favor da liberdade de conformação do procedimento pela vontade das partes.21
Para inverter esta prioridade sistêmica, tem o juiz o “ônus argumentativo” em sentido contrário, exigindo-se dele uma fundamentação mais intensa e específica, à luz de circunstâncias concretas. Só assim poderá infirmar a
18 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Parteivereinbarungen über präjudizielle Rechtsverhältnisse: Zur Fragwürdigkeit der Parteidisposition als Urteilsgrundlage. Op. cit., p.221.
19 XXXXXX, Xxxxxxx. Prozeßverträge. Op. cit., p.126 ss.
20 Veja-se o item 3.1.4.
21 XXXXXXXXX, Xxxxx. Einverständliches Parteihandeln im Zivilprozeß. Op. cit., p.1 ss, 9-15, 43 ss; XXXXXXX, Xxxxxxxx. Grundlagen des Verfahrensrechts. Op. cit., p.208; XXXXXX XX., Xxxxxx. Curso de Direito Processual Civil, vol.1, 17a ed., Op. cit., p.387; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Konventionalprozess e poteri delle parti. Op. cit., p.51, 54.
autonomia dos sujeitos do processo para convencionar, negando aplicação aos acordos ou pronunciando-lhes a invalidade.22 Essa é a primeira diretriz aplicativa que deve iluminar a tarefa de controle da validade e eficácia dos negócios jurídicos processuais.
5.3.2. Contraditório na interpretação e aplicação dos acordos processuais
Por outro lado, não se pode imaginar que o juiz, podendo conhecer de ofício da (in)validade dos acordos processuais, como permite o art.190, parágrafo único, pudesse proceder a este controle com desconsideração da participação das partes. No sistema do CPC/2015, o controle exercido pelo juiz sobre a validade das convenções processuais deve ser empreendido de maneira cooperativa, com respeito ao contraditório,23 cuja observância é obrigatória mesmo para as questões que o juiz pode conhecer de ofício (art. 10 do CPC/2015).
5.3.3. Aplicação do sistema de invalidades processuais: aproveitamento e convalidação dos negócios jurídicos processuais
Por fim, em se tratando de controle judicial das convenções processuais, e portanto já tendo sido ajuizada a ação e formada a relação processual, o negócio jurídico vê seus efeitos serem processualizados. Neste sentido, parece-nos adequado que se aplique, ao juízo de invalidação realizado pelo juiz, o sistema de formas e invalidades processuais, e não apenas as regras do direito material.
Uma das repercussões mais relevantes deste vetor aplicativo é que deve incidir o princípio de validade prima facie dos atos processuais,24 com a possibilidade de convalidação ou aproveitamento das convenções processuais
22 XXXXXXXXX, Xxxxx. Einverständliches Parteihandeln im Zivilprozeß. Op. cit., p.10; XXXXXX, Xxxxxxx. Prozeßverträge. Op. cit., p.79 ss. Comentando o novo CPC brasileiro de 2015, Xxxxxxxxx reafirmou sua tese. XXXXXXXXX, Xxxxx. Einverständliches Parteihandeln im deutschen Zivilprozess. in XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx (Coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015,
p.105 ss.
23 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxx; XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxxxx; XXXXXXXX XX., Xxxxxx Xxxxxx xx. Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015. Op. cit., p.613; XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Função social das convenções processuais: uma análise no plano da validade. Universidade Federal de Pelotas: Dissertação de Mestrado, 2019, p.147 ss.
24 XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. Nulidades no processo moderno. Op.cit., p.185 ss.
se suprido o vício, se sanada a manifestação de vontade, se complementada a inobservância da forma ou se atingido o escopo pretendido pela parte com a prática do ato (instrumentalidade das formas).25 A pedra de toque deve ser a regra de que não se deve pronunciar nulidade sem prejuízo (art.282 §2º e 283, parágrafo único, ambos do CPC/2015).26
5.4. TRÊS PLANOS: EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA
Assim como os atos jurídicos em geral, os acordos processuais podem ser analisados em três planos: existência, validade e eficácia. Esses planos se sucedem logicamente: por dizer respeito à “vida jurídica” do ato, a existência é anterior à análise da validade;27 igualmente, não é razoável pensar na aptidão para produzir efeitos (eficácia) sem antes perguntar se os atos jurídicos são válidos. Não se pode olvidar, tampouco, que certas circunstâncias podem levar à ineficácia das convenções, mesmo que válidas.28
Negócios processuais inexistentes são aqueles praticados de fato, mas em relação aos quais faltam elementos essenciais para sua constituição.29 Geralmente a doutrina utiliza o signo dos “elementos essenciais” do ato (e do negócio) jurídico para analisar o plano da existência.30 Outros autores, como Xxxxxx xx Xxxxxxx, preferem abordar o tema não do ponto de vista dos elementos constitutivos, mas na óptica do suporte fático. O suporte fático teria que ser suficiente para que o ato ingressasse no mundo jurídico (e portanto fosse existente). No plano subsequente da validade, deve-se analisar se o suporte fático, além de suficiente, é deficiente, ou seja, viciado.31
25 XXXX, Xxxxxxxxx. Die Heilung fehlerhafter Rechtsgeschäfte. Op. cit., p.694.
26 XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. in XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Op.cit., p.450-452. Pela aplicação do regime processual das invalidades aos negócios jurídicos processuais, XXXXXX XX., Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx. Negócios jurídicos materiais e processuais – existência, validade e eficácia – campo-invariável e campos-dependentes: sobre limites dos negócios jurídicos processuais. Op. cit., p.415.
27 PONTES DE MIRANDA, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de Direito Privado, t. IV,
Op. cit., p.7 ss.
28 XXXXXX, Xxxxxxx. Prozeßverträge. Op. cit., p.96.
29 XXXXXXXX XX., Xxxxxxxx. Curso de direito processual civil. Op. cit., p.282.
30 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Notas sobre a teoria das nulidades no processo civil. Op. cit., p.40-41.
31 PONTES DE MIRANDA, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx. Tratado de Direito Privado. t.IV,
Op. cit., p.11-12.
Pois bem, no plano da existência, são elementos essenciais do acordo processual (ou aqueles que tornam seu suporte fático suficiente para vencer o plano da existência): a) manifestação da vontade de duas ou mais pessoas em diversos centros de interesse (pois a convenção é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral); b) consentimento dos convenentes.32
No Cap.4, estudamos, ainda que brevemente, a posição de alguns dos sujeitos do acordo processual; passemos agora à análise do consentimento.
5.4.1. O consentimento das partes: vontade negocial direcionada a efeitos específicos
No capítulos anteriores, vimos que a vontade das partes externada nas convenções processuais é que gera, diretamente e por autovinculação, a conformação negocial do procedimento. Portanto, pressuposto de existência das convenções processuais é o consentimento. Os acordos processuais são fruto de manifestação de vontade convergente e concertada.33
Mas a vontade sempre foi um tema historicamente banido da teoria dos atos processuais. Ávido por afirmar sua independência científica do direito civil, o direito processual demonizou a vontade, considerando-a irrelevante para a produção de efeitos do ato processual; o protótipo da conduta processual seria o ato jurídico em sentido estrito, e a disposição das partes limitar-se-ia à escolha de praticar ou não o ato, sem qualquer possibilidade de conformar-lhe os efeitos. Estes – os efeitos – seriam sempre previstos em lei.
Trata-se, como vimos nos capítulos 1 e 3, de um formato inadequado ao processo contemporâneo. Resgatar a vontade nos atos processuais (e com isso a vontade nos negócios jurídicos no processo), é premissa fundamental para compreendermos a formação dos acordos processuais.34
É verdade que, no direito privado dos contratos, a vontade tem sido muito contestada e criticada nas últimas décadas.35 Debate-se se o paradigma
32 A formulação é similar àquela do direito dos contratos. Cf. XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito civil Brasileiro. Op. cit., p.27; XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de Direito Civil. Op. cit., p.26; XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Civil Brasileiro. Op. cit., p.34-35.
33 XXXXXX, Xxxxxx. Le contrat judiciaire en droit privé. Op. cit., p.280; XXXXXXX, Xxxx-Xxxxxx. Zur Systematik des zivilprozeßrechtlichen Vertrages. Op. cit., p.85.
34 XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Sistema di Diritto Processuale Civile. vol.II, Op. cit., p.362 ss; XXXXXX, Xxxxxx. Le contrat judiciaire en droit privé. Op. cit., p.361 ss.
35 A vontade, que desde o direito romano estava no centro da teoria do negócio jurídico, passou a ser muito questionada. Cf. XXXXX, Xxxxxx. Istituzioni di Diritto Romano. vol.
liberal da autonomia privada seria compatível com fenômenos contempo- râneos de contratação, como o crescente dirigismo contratual (intervenções regulatórias do Estado) e os contratos padronizados (contrato de adesão, contrato administrativo etc.), nos quais a vontade não é plenamente livre para estipular todas as cláusulas.36 Fala-se, por este motivo, na “crise do contrato” e no declínio da liberdade negocial.37
Isso levou, no direito privado, à busca por identificar atividades con- vencionais mesmo onde não houvesse manifestação de vontade ou quando esta fosse viciada. Exemplo foi o advento das teses a respeito das “relações contratuais de fato” decorrentes de “comportamentos socialmente típicos” que poderiam levar à formação de relações contratuais sem negócio.38
Não obstante, embora não mais indispensável para a tutela jurídica própria da atividade convencional, a vontade ainda representa a base da convencionalidade, tanto no direito material quanto no processo. O encontro de vontades convergentes (consentimento) é pressuposto para a existência dos acordos processuais.39
II, parte I, Op. cit., p.66; XXXXX, Xxxx. O contrato. Op. cit., p.32 ss, 297 ss.
36 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Por uma nova teoria dos contratos. Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XX, abr-dez, 1975, p.319.
37 XXXXX, Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx da. Negócios jurídicos processuais: Relatório Nacional (Brasil). Op. cit., p.4.
38 XXXXXX, Xxxx. O estabelecimento de relações obrigacionais por meio de comportamento socialmente típico. Trad. Xxxxxxxxxx Xxxxxx. Revista Direito GV, vol.2, nº 1, xxx-xxx, 2006, p.55-63; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Atividade sem negócio jurídico fundante e seus desdobramentos na teoria contratual (prefácio à obra de Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. Contratos sem negócio jurídico: São Paulo: Atlas, 2011), p.VII; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx da. Contratos sem negócio jurídico. São Paulo: Atlas, 2011, p.79 ss; XXXXX, Xxxx. O contrato. Op.cit., p.304; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Da boa-fé no direito civil. Op.cit.,
p.556 ss. No Brasil, o STJ já admitiu a tese das relações contratuais de fato. STJ – AgRg no Ag nº 47.901-SP, rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, x.12.9.1994; REsp nº 120719-SP, rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx, x.22.10.1997; REsp nº 915322-MG, rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxxx, x.23/09/2008.
39 Assim, para a arbitragem, XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Arbitragem e processo. Op. cit., p.36. No Brasil, historicamente experimentamos uma tentativa de impor mecanismos de solução de controvérsias que escapassem da lógica da espontaneidade. Por exemplo, a medida provisória nº 2.221/2001 inseriu o art. 30-F à Lei nº 4.591/64, impondo obrigatoriamente a arbitragem para litígios decorrentes de contratos de incorporação imobiliária. A reação foi grande a esta obrigatoriedade, que se reputava como flagrantemente inconstitucional. Não obstante, antes mesmo que o STF chegasse a apreciar a inconstitucionalidade, a Lei nº 10.931/2004 revogou o dispositivo. Outro exemplo foi a introdução, pela Lei nº 9.958/2000, da exigência de submeter as causas
Mas haver conduta voluntária não basta, até porque os atos jurídicos processuais stricto sensu também são voluntários. Para que estejamos diante de verdadeiros acordos processuais, os efeitos desencadeados pelo negócio jurídico devem ser queridos pelos sujeitos, i.e., os convenentes, usando sua autonomia, devem ter programado a produção daqueles efeitos.40
Sem embargo, nos acordos processuais, a autonomia da vontade com- preende a liberdade de celebração, que se refere à escolha de firmar ou não o acordo; e a liberdade de estipulação ou conformação (Gestaltungsfreiheit), que é a capacidade negocial de definir a forma e moldar o conteúdo e os efeitos pretendidos por meio da convenção.41
trabalhistas a comissões de conciliação prévia antes do ajuizamento da demanda. O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a exigência (STF – ADI nº 2.139- DF, rel. para o acórdão Min. Xxxxx Xxxxxxx, x.13.05.2009).
40 XXXXX, Xxxxxx. Istituzioni di Diritto Romano. vol.I, Op. cit., p.99. Para considerar tratar-se de um ato voluntário direcionado para um fim negocial, deve-se analisar se a vontade se dirige ao escopo de modificação da situação jurídica do sujeito exclusivamente em razão de sua conduta. A literatura do direito privado, sobretudo no direito dos contratos e no direito comercial (na disciplina dos títulos de crédito), discute a respeito da “causa” como elemento do contrato, classificando-os em contratos “causais” ou “abstratos”. A doutrina se divide em correntes causalistas (e suas subdivisões) e outro viés anticausalista. A tese causalista se subdivide em duas vertentes principais, a causalista objetiva e a causalista subjetiva. Para a tese causalista objetiva, a causa do contrato seria a sua “função útil”, que seria sempre igual em todos os contratos ou tipos da mesma espécie. XXXXX, Xxxxxx. Istituzioni di Diritto Romano. vol.I, Op. cit., p.104, 122-126. Já para a segunda corrente (causalista subjetiva), a causa seria a motivação das partes ao celebrarem os contratos. De outro lado, a corrente anticausalista entende que não há qualquer conceituação segura sobre a “causa”, não sendo recomendável que se adote esta distinção. Sobre o tema, XXXXX, Xxxx. O contrato. Op. cit., p.195; XXXXX, Xxxxx. Curso de Direito Civil. Op. cit., p.16; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx da. Contratos sem negócio jurídico. Op. cit., p.50 ss. De nossa parte, pensamos que seja mais adequado falar em escopo dos atos do processo. O conceito de “causa”, e sua diferença para os “motivos”, nunca ficou muito claro no direito privado, e sua importação para o processo seria de pouca utilidade. Embora continue a utilizar os termos próprios do direito privado, como o conceito de causa, Xxxxxxxxxx também emprega a palavra escopo. Cf. XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Contratto e diritto pubblico, Op. cit., p.10-11.
41 Por todos, CUNHA, Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx da. Negócios jurídicos processuais: Relatório Nacional (Brasil). Op. cit., p.4; XXXXXXX, Xxxx. Gewillkürte Haftungsbeschränkung. Festschrift für Xxxxx Xxxx. Zürich: Xxxxx Xxxxxx, 1915, p.210, nota 1; XXXXXX, Xxxxx. Vertragsfreiheit und Grundgesetz, Op. cit., p.10; XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Tratado de Direito Civil Português. Op. cit., p.392-393; XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Op. cit., p.5-7; XXXXX, Xxxx. O contrato. Op. cit., p.128, 137 ss.
Na liberdade de celebração, comum a qualquer ato jurídico processual, há manifestação de vontade, mas esta se resume à escolha por praticar o ato ou não. Então, mesmo em se tratando de ato jurídico em sentido estrito (e portanto, se todos os efeitos estão previstos em lei), o ato não deixa de ser voluntário. Pode até ser que o agente deseje a produção dos efeitos, mas estes não se produzem por obra da vontade de quem pratica a conduta.42
Já na liberdade de conformação, o agente seleciona o tipo de efeito que será produzido, optando pela forma e conteúdo do acordo.43 Por isso, a liberdade de conformação é própria dos negócios jurídicos, mas não dos atos jurídicos em sentido estrito. E é este viés que mostra o direcionamento finalístico do consentimento negocial.
5.4.2. Vontade e declaração. Manifestação tácita de vontade. Omissões conclusivas e a vontade na inércia
A vontade em si mesma é apenas um modo de ser da psique, de difícil cognoscibilidade. Porisso, juridicamente, é relevante a manifestação de vontade ou a vontade declarada.44 Essa expressão da vontade é comumente veiculada pela linguagem. Contratos e convenções geralmente se formam por meio de signos, como as palavras (oralmente pronunciadas ou documentalmente escritas), e podem também ser explicitados em gestos: um aceno com a cabeça, afinal, pode ser um “sim” ou “não”. Em qualquer caso, trata-se de manifestação expressa.
42 Com razão, Xxxxx Xxxxx chama atenção que, “se alguém voluntariamente comete homicídio e é condenado à pena de prisão, não se pode daí entender que teria havido ato de disposição de direito de ir e vir. Seria absurdo compreender que quem pratica um ilícito voluntariamente pretenda a sanção (prisão) do mesmo modo que alguém, ao consentir com a abdicação de um direito, pretende o resultado de seu comportamento. É indispensável, portanto, que esse consentimento seja dirigido ao resultado decorrente do ato de disposição, ou seja, da modificação da posição jurídica em face do outro polo da relação”. XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Arbitragem de direitos coletivos no Brasil: admissibilidade, finalidade e estrutura. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Tese de Doutorado), 2014, p.102. Sobre o tema, confira-se o texto clássico de INVREA, Xxxxxxxxx. La giurisdizione concreta e la teoria del rapporto giuridico processuale. Rivista di Diritto Processuale, vol.X, 1932, p.45.
43 XXXXX, Xxxxx Xxxxx x. Acto e processo. Op. cit., p.238-239.
44 XXXXXX, Xxxxxx. Willenserklärung und Willensgeschäft: Ihr Begriff und ihre Behandlung nach Bürgerlichem Gesetzbuch: Ein System der juristischen Handlungen. Berlin: Xxxxx Xxxxxx, 1907, p.639-640; XXXXX, Xxxx. O contrato. Op. cit., p.93. No Brasil, XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx de. Controle judicial dos negócios processuais: possibilidades, limites e mecanismos. Op.cit., p.36.
Todavia, há hipóteses em que a manifestação da vontade é tácita.45 Xxxxx dizia que a vontade negocial é tácita quando veiculada por um comportamento sem função manifestativa direta, mas que permita desumir uma tomada de conduta negocialmente orientada.46 Partindo dessa premissa, é equivocado pensar que manifestação tácita de vontade significa conduta omissiva. Quando se fala em vontade tacitamente expressada, deve-se ter em conta que essa manifestação de vontade pode-se dar tanto por comportamentos comissivos (quando não tiverem função manifestativa direta, mas sinalizarem o assentimento), quanto omissivos, quando a inércia ou silêncio são suficientes para indicar a expressão volitiva.47 Por exemplo, havendo proposta de uma parte para a celebração de um acordo, e se a contraparte inicia a execução da avença, considera-se haver um comportamento concludente, do qual se extrai o assentimento do interessado. A manifestação da vontade é tácita, mas resultante de uma atitude comissiva (a atividade efetivamente desempenhada pelo sujeito).48
A respeito das omissões no direito processual, tradicionalmente as imaginamos num quadro de descumprimento de deveres, como no ato ilícito por omissão e nas omissões devidas (como se observa no descumprimento das obrigações de não fazer). Mas a disciplina e a relevância do estudo dos atos processuais omissivos não se esgotam nas condutas devidas (atos imperativos) e nos atos ilícitos por omissão, devendo abranger também os atos processuais facultativos. O não oferecimento da exceção de incompetência, a não interposição de um recurso, v.g., são atos em que a omissão equivale a uma declaração de vontade,49 ao que alguns autores denominam de “ato negativo”.50
45 Essa constatação levou parte da doutrina a falar em “declaração tácita”. Cf. XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Istituizioni del nuovo processo civile italiano. Op. cit., p.264.
46 XXXXX, Xxxxxx. Istituzioni di Diritto Romano. vol.I, Op. cit., p.116.
47 Assim, XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. System des heutigen Pandektenrechts. Op.cit., p.68-69, 73.
48 XXXXX, Xxxx. O contrato. Op. cit., p.94.
49 XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Sistema del diritto processuale civile. Op. cit., vol. II, p. 162-163.
50 XXXXXXXXX, Xxx; XXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxx. Zivilprozessrecht. Op. cit., p.397. O debate é muito complexo e não poderia ser ampliado nesta sede, até porque demandaria um exame pormenorizado de situações processuais muito diversas. Por exemplo, analisando a ausência de contestação, Xxxxxxx afirma que não se pode concluir que o réu, não contestando especificamente uma determinada matéria, estaria manifestando, por acordo tácito com o autor, vontade negocial de retirar a questão da cognição judicial. Cf. XXXXXXX, Xxxxxxx. Verità negoziata? Accordi di parte e Processo. Supplemento della Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, ano LXII, nº 3, 2008,
O escasso tratamento das omissões no campo do processo deve-se, por um lado, ao pouco estudo que a literatura ortodoxa dedicou à vontade nos atos processuais, pela necessidade histórica de salientar a independência científica do processo em relação ao direito material.51 E a agonia do exame da volição no processo implicou o pequeno labor científico no campo das omissões. O retorno contemporâneo à vontade nos atos processuais, fomentado pelo CPC/2015 (art. 190, 200, 322 §2º, 489 §3º), permite revigorar o tema sob novas luzes.52 Hoje, pode-se afirmar que há atos omissivos voluntários, e que alguns deles assumem direcionamento negocial.53
Pois bem, se contemporaneamente podemos com tranquilidade estudar e trabalhar com o ato processual omissivo de conteúdo negocial, seria possível concluir da mesma maneira para os acordos processuais? A doutrina e jurisprudência brasileiras, examinando a arbitragem, já aceitaram a chamada “cláusula compromissória tácita”, que seria a adesão ou aceitação tácita, por uma das partes, de uma cláusula expressa (e escrita, como determina o art. 9º §2º da Lei nº 9.307/96).54
p.88-90, embora no fim do texto faça algumas concessões a entendimentos diversos (p.96-97 e nota 73).
51 Ao contrário de outros ramos como o direito penal e o direito civil, onde melhor se desenvolveu o estudo das omissões. Confira-se a crítica no importante texto de XXXXX, Xxxxx Xxxxx e. Acto e processo, Op. cit., p. 455 ss. Xxxxxxxxxx, no Sistema, foi o autor que mais aproximou o estudo dos atos processuais omissivos às categorias mais desenvolvidas no direito civil e no direito penal.
52 Defendemos a existência de atos processuais omissivos em CABRAL, Xxxxxxx xx Xxxxx. Nulidades no processo moderno. Op. cit., p.151 ss, 323 ss. Já depois da edição do CPC/2015, retomamos o tema em CABRAL, Xxxxxxx xx Xxxxx. Comentário ao art.275. in XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx; XXXXXX, Xxxxxxx. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2a ed., 2016, p.430 ss; XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. Teoria das nulidades processuais no direito contemporâneo. Revista de Processo, vol.255, 2016, passim.
53 Por outro lado, não se pode esquecer que há outros tipos de omissão nos quais não se pode extrair vontade negocial (p.ex., a supressio ou Verwirkung). São atos omissivos voluntários, mas cujos efeitos não são conformados pela vontade dos sujeitos.
54 STF – SEC nº 6753, rel. Min. Xxxxxxxx Xxxxxx, x. 13.6.2002. Embora a decisão, por referência ao disposto na lei da arbitragem, tenha rejeitado a possibilidade de uma convenção arbitral implícita ou remissiva, o STF admite a possibilidade de aceitação tácita de uma cláusula expressa, que não era objeto daquele caso concreto. No entanto, no Superior Tribunal de Justiça, o tema ainda não alcançou pacificidade. Após a transferência da competência para reconhecimento de sentença estrangeira ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constituicional nº 45/2004, o STJ já apreciou o tema e admitiu a cláusula compromissória tácita em caso em que o árbitro atuou no procedimento arbitral instaurado sem qualquer oposição ou impugnação da parte
E essa possibilidade pode ser generalizada para todas as convenções processuais, que podem ser celebradas por manifestações de vontade negocial expressas ou tácitas, comissivas ou omissivas.55
Em termos negociais, o art. 111 do Código Civil dispõe que o silêncio importa anuência, quando os usos autorizarem chegar a esta conclusão ou quando as circunstâncias concretas levarem a esta conclusão. Há ressalva de que o silêncio não será eficaz quando a lei exigir manifestação expressa.56
Dissertando sobre os atos processuais omissivos, afirmamos que devem ser consideradas como expressão volitiva as omissões significativamente simbólicas (que denominamos omissões conclusivas), aquelas que, mesmo na
quanto à instauração da arbitragem. STJ – SEC nº 856, rel. Min. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx,
j. 18.5.2005. Pouco tempo depois, o Superior Tribunal de Justiça negou homologação a sentença arbitral estrangeira decidindo que a cláusula compromissória deve ser expressa: STJ – SEC nº 866, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxx, x.17.5.2006: “Desta forma, o fato de os contratos firmados entre as partes terem sido celebrados verbalmente não impediria, por si só, a estipulação de cláusula compromissória, desde que esta estivesse pactuada de forma expressa e escrita em outro documento referente ao contrato originário ou em correspondência. (…) Xxxxx, esta Corte, quando do julgamento SEC 967/EX, Rel. Min. Xxxx Xxxxxxx, DJU DE 20.3.2006, consignou a necessidade de manifestação expressa da parte requerida quanto à eleição do juízo arbitral”. Em outra decisão, a falta de assinatura foi considerada um elemento que provava não haver vontade negocial da parte de submeter-se à arbitragem. STJ – SEC nº 885, rel. Min. Xxxxxxxxx Xxxxxx, x.18.04.2012. Na doutrina, XXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Homologação de sentença arbitral estrangeira. Contrato não assinado. Desnecessidade de concordância expressa com a cláusula compromissória. Revista de Arbitragem e Mediação, nº 6, jul- set, 2005, p.238-245; XXXXXXXXX, Xxxxxxx. Cláusula compromissória. Contrato não assinado. Participação no procedimento arbitral. SEC 856 – STJ. Revista Brasileira de Arbitragem, nº 7, jul-set, 2005, p.103-122.
55 XXXXXXX,Xxxxxxxx.Der Verzichtauf Einwendungenbeim deklaratorischenSchuldanerkentnis: ein Prozessvertrag?, Op. cit., p.233: “Prozeßhandlung ist ganz allgemein jedes Tun oder Unterlassen einer Partei, das mittelbar oder unmittelbar prozeßrechtliche Wirkungen zur Folge hat”. Na Itália, LLOPIS-LOMBART, Marco de Benito. I contratti processuali. Op. cit., p.8. Na França, assim se entende para muitas convenções processuais específicas, como as cláusulas de conciliação e mediação. XXXXXX, Xxxx. Procès équitable et modes alternatifs de règlement des conflits, Op. cit., p.99; XXXXXXX, Xxxxxx. Esquisse d´un régime juridique des clauses de conciliation. Revue des contrats, 2003, p.19-20. No Brasil, XXXXXXX, Diogo Assumpção Rezende de. Das convenções processuais no processo civil. Op. cit., p.122-124. Negando a possibilidade de renúncias tácitas às posições processuais, XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Limites da liberdade processual. São Paulo: Foco, 2019, p.74.
56 XXXXXX XX., Xxxxxx. Curso de Direito Processual Civil, vol.1, 17a ed., Op. cit., p.392, 586 ss.
ausência de prática de qualquer ato sensível no mundo material, permitem concluir tratar-se de um comportamento consciente e programado.57 É que o silêncio ou a inércia pura e simples do sujeito não podem por si só levar a uma omissão conclusiva se não permitirem extrair uma conclusão a respeito do comportamento convencional; ou se não estiverem acompanhados de outras condutas que indiquem a vontade do sujeito de vincular-se negocialmente. De fato, a ação humana voluntária deve ser compreendida como uma “atitude de sentido”, uma atividade programada.58 Deve-se, então, interpretar a conduta omissiva;59 para ser considerada “conclusiva”, a omissão deve refletir uma transmissão eloquente de vontade, fruto de interação comunicativa que sinalize um padrão de conduta.60-61
5.4.3. Declarações de vontade sucessivas. Anuência posterior e possibi- lidade de retratação
Consentimento vem do latim cum sentire, o entendimento comum. Portanto, compreende a manifestação consensual de todas as partes no acordo. Normalmente, a dinâmica da praxe negocial faz com que se colham as manifestações de vontade de maneira simultânea. Mas nada impede que estas se exteriorizem em momentos diversos, o que se dará por declarações de vontade sucessivas, mas igualmente negociais. De fato, a vontade de cada acordante
57 Já desenvolvemos o tema em outra sede, à qual remetemos o leitor, com mais extensas referências bibliográficas. XXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxx. Nulidades no processo moderno. Op. cit., p.151-158. Por todos, XXXXX, Xxxxxxx. Grundlagen des Prozessrechts. Op. cit., p. 295 e 357.
58 XXXXXXX, Xxxxx X. Nulidades procesales con especial referencia a los distintos vicios que pueden generarlas. Revista de Processo, ano 21, nº 82, abr-jun, 1996, p.161-162; XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. La nulidad en el proceso. La Plata: Platense, 1967, p.23 ss; XXXXXXXXX, Xxx; XXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxx. Zivilprozessrecht. Op. cit., p.411; XXXXXXXX, Xxxxx X. Los vicios del consentimiento en la realización del acto procesal. in XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx et alii. Estudios de nulidades procesales. Buenos Aires: Hammurabi, 1980, p.53.
59 Em muitos outros pontos, a lei já atribui ao silêncio ou à inércia um sentido negocial. Exemplo é o regramento da assunção de dívida no Código Civil. “Art. 299. (...) Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa”.
60 XXXXXXXXX, Xxx; XXXXXX, Xxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxx. Zivilprozessrecht. Op. cit., p.397; XXXXX, Xxxxxx. Istituzioni di Diritto Romano. vol.I, Op. cit., p.100-101.
61 Por exemplo, o STJ já decidiu que uma renúncia à interposição de recurso pela via principal não pode ser interpretada como estendendo-se implicitamente ao recurso adesivo. Cf. STJ - REsp 1899732/PR, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, x. 14/03/2023.