THE STRIKING EXAMPLE OF THE LAW N. 4,096 / 2011-MS: THE ADMINISTRATIVE CONTRACT EMANCIPATING WOMEN AND PROMOTING THE NATIONAL SUSTAINABLE DEVELOPMENT
O EXEMPLO MARCANTE DA LEI Nº 4.096/2011-MS: O CONTRATO ADMINISTRATIVO EMANCIPANDO A MULHER E PROMOVENDO O DESENVOLVIMENTO NACIONAL SUSTENTÁVEL
THE STRIKING EXAMPLE OF THE LAW N. 4,096 / 2011-MS: THE ADMINISTRATIVE CONTRACT EMANCIPATING WOMEN AND PROMOTING THE NATIONAL SUSTAINABLE DEVELOPMENT
XXXXXX XXXXXXXX
Doutor e Mestre em Direito do Estado pela PUCSP. Professor Titular da Faculdade de Direito de Curitiba e do Corpo Docente Permanente do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do UNICURITIBA. Líder do Grupo de Pesquisa “Atividade Empresarial e Administração Pública” (devidamente registrado no CNPq). Advogado.
XXXX XXXXXX XXXXXXXX
Graduanda em Direito no UNICURITIBA. Integrante do Projeto de Iniciação Científica “Minimizando a discriminação de gênero no Brasil pelo acesso estimulado ao trabalho das mulheres por meio das licitações e dos contratos administrativos”, sob a orientação do Prof. Dr. Xxxxxx Xxxxxxxx e subvenção da Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular – FUNADESP.
RESUMO
As mulheres e os homens, no Brasil, são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição da República. Contudo, desde 1988 pende a promessa de proteção ao mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei. Isso reflete a realidade brasileira, de outrora e atual, que ainda discrimina as pessoas a partir de papéis culturalmente atribuídos a homens e mulheres, na família, na sociedade e no mercado de trabalho, com desarrazoada distinção. Embora em maior número, as mulheres brasileiras têm presença modesta nas empresas privadas, ganham menos e são preteridas na assunção de certas tarefas ou cargos por conta de preconceitos variados. A discriminação feminina é ostensiva, a despeito da existência de leis que prevêem sanções, inclusive de prisão, para quem incorre nesse tipo de comportamento proibido. A Lei nº 4.096/2011, do Mato Grosso do Sul, tenta reverter esse cenário, ao exigir que em obras públicas os empresários reservem pelo menos 5% das vagas para as mulheres em atribuições típicas do ramo da construção civil. A proposta do artigo é examinar, sob as óticas social, econômica e jurídica, a legitimidade da referida lei, notadamente enquanto política pública afirmativa, que, simultaneamente, retira a mulher do espaço doméstico, auxilia um segmento carente
de mão-de-obra, promove a emancipação feminina pela via do trabalho e auxilia na concretização do desenvolvimento nacional sustentável – novo fim “legal” das licitações, ao lado da garantia da isonomia e da seleção da proposta mais vantajosa.
PALAVRAS CHAVE: Igualdade de gênero; mercado de trabalho; discriminação afirmativa; licitações públicas e contratos administrativos; desenvolvimento nacional sustentável.
ABSTRACT
Women and men, in Brazil, are equal in rights and obligations under the Constitution. However, since 1988 hangs the promise of protection to the labor market for women through specific incentives under the law. This reflects the Brazilian, erstwhile and current reality, which still discriminates against people from gender roles culturally assigned to men and women in the family, in society and in the labor market with unreasonable distinction. Although in greater number, Brazilian women have leaner presence in private companies, earn less and are deprecated in taking over certain tasks or jobs because of various preconceptions. The female discrimination is overt, despite the existence of laws that provide for penalties, includes the imprisonment, for those who incur in this type of prohibited behavior. The Law No. 4,096 / 2011 (from the Mato Grosso do Sul) try to reverse this scenario by requiring from employers on public works reserve at least 5% of seats for women in the typical responsibilities of the construction business. The aim of this paper is to examine, in the social, economic and legal optics, the legitimacy of that law, especially as affirmative public policy, which simultaneously, removes the women from the domestic space, helps one of needy segments of manpower, promotes female emancipation through work and assists in achieving sustainable national development - new "legal" purpose for the bidding, alongside the guarantee of equality and the selection of the most advantageous proposal.
KEYWORDS: Gender equality; labor market; affirmative discrimination; public biddings and administrative contracts; national sustainable development.
1. INTRODUÇÃO
Os marcos jurídicos que simbolizam a evolução dos direitos das mulheres no Brasil são muito recentes. Apenas em 1932, por exemplo, com a promulgação do novo Código Eleitoral (Decreto nº 21.076) é que se garantiu o direito de voto às brasileiras. Três décadas mais tarde, em 1962, a criação do Estatuto da Xxxxxx Xxxxxx (Lei nº 4.121) assegurou, dentre outros direitos, que a mulher não precisaria mais de autorização do marido para trabalhar. Alguns anos depois, em 1977, foi sancionada a
Lei do Divórcio (Lei nº 6.515), a qual regularizou a situação jurídica dos descasados. Afinal, em 1988 incorporou-se ao ordenamento jurídico em vigor – notadamente no artigo 5°, inciso I – que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, nos termos da Constituição da República, efetivando, a partir daquele momento, a igualdade de gêneros, ao menos no plano formal e jurídico.
Em virtude dessas balizas, é usual o discurso de que muito se avançou em relação à conquista de direitos pelas mulheres e à diminuição da desigualdade de gênero em nosso país. Porém, atualmente, ainda é preciso questionar: em que esses avanços implicam politicamente? Em que condição eles colocam as mulheres na sociedade, na família e no mercado de trabalho? Na atualidade as mulheres podem votar, porém seguem sub-representadas politicamente, ocupando apenas 13,3% dos cargos eleitos, de acordo com estatística do Tribunal Superior Eleitoral.1 As esposas têm direito ao divórcio, porém o seu prenúncio e mesmo a separação são os principais motivos alegados para os feminicídios, correspondendo a 51% das ocorrências de assassinatos de mulheres.2 Conforme pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres estão inseridas no mercado de trabalho, porém, em sua maioria, em empregos subalternizados em relação aos empregos dos homens e com salários inferiores.3 Ou seja, apesar da igualdade formal garantida pela Lei Maior, a discriminação permanece aceitável nas estruturas sociais, como, por exemplo, a observada no mercado de trabalho. Por causa desses contra-sensos, mostra-se urgente e imprescindível que os avanços jurídicos se materializem em efetivos avanços sociais.
O presente artigo visa, assim, examinar o potencial uso da licitação e dos contratos administrativos como política pública afirmativa. Ou seja, pesquisar a utilização desse processo administrativo formal – de contratação de obras, de prestação de serviços e de fornecimento de bens – como verdadeiro instrumento de
1 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. "Eleições 2012 - Estatísticas e Resultados da Eleição". Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx-xxxxxxxx-0000>. Acesso em: 04 mar. 2014.
<xxxx://xxx0.xx.xx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxx/XxxxXxxxx.xxxx?xxxxxxxxxxx0Xxx0xXxXXX%0X&xxxxxx0000
3 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). "Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios - 2011". Disponível em: <xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx >. Acesso em: 05 mar. 2014
inclusão das mulheres no mercado de trabalho. Afinal, almeja compreender em que medida esse recurso pode minimizar a desigualdade de gênero e promover o desenvolvimento com liberdade para todos, aí inseridas as mulheres.
2. O CONTEXTO DA LEI Nº 4.096/2011, DO MATO GROSSO DO SUL
Aos 13 de outubro de 2011 foi promulgada, pela Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul, a Lei nº 4.096,4 que, de forma supostamente inédita, destinou 5% das vagas de emprego geradas para construção de obras públicas para as mulheres. Por meio dela, decidiu-se que a Administração Pública estadual somente contrataria serviços de construção civil, precedidos ou não de licitação, junto àquelas empresas que se comprometessem a preencher uma cota mínima de mulheres no seu plantel de empregados “operacionais” colocados a serviço da satisfação do interesse público. Isto é, de colaboradores direta ou indiretamente envolvidos com a atividade construtiva, a qual não se pode confundir com atividades administrativas ou de apoio (como limpeza, faxina e afins).
Destarte, a aprovação dessa lei implica, pois, em deliberadamente conferir ao contrato administrativo e à licitação um fim mais especializado – paralelo à vantajosidade da contratação e à garantia da isonomia, quando for o caso: o de diminuir a desigualdade de gênero no acesso ao trabalho assalariado naquela unidade da federação, assim auxiliando na emancipação da mulher.
Nesse sentido, a inovação legislativa busca implementar o desenvolvimento no território estadual, assumindo o condão de política pública, repita-se, como instrumento de execução de um programa político, com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades, propiciando a todos condições materiais de uma existência (APPIO, 2004, p. 217).
E mais, como uma política pública de Estado – calçada em lei, pois – e afirmativa, concorrendo para mitigar em certa medida as desigualdades de gênero
4 “Art. 1º O Poder Executivo Estadual fará constar, em todos os editais de licitação de obras públicas e em todos os contratos diretos realizados pela administração estadual, cláusula que disponha sobre a exigência de que a empresa contratada reserve no mínimo 5% (cinco por cento) das vagas de emprego na área da construção civil para pessoas do sexo feminino, desde que a reserva não seja incompatível com o exercício das funções objeto dos contratos. § 1º Não se entende como emprego na área da construção civil, para efeito desta Lei, os serviços de limpeza, faxina e afins, bem como as vagas na área administrativa. § 2º Para efeitos desta Lei entendem-se como emprego na área da construção civil os serviços na área operacional. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxx-0000-0000-xx_000000.xxxx> Acesso: 20 out. 2014.
como historicamente acumuladas. Portanto, naquele exato sentido apontado por Xxxxxxxx (2006, p. 40), segundo o qual as ações afirmativas
(...) constituem medidas especiais e temporárias, que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade substantiva por parte dos grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, as mulheres, dentre outros grupos.
Sendo assim, essa política pública afirmativa busca a compensação da desigualdade mediante “voluntária” inserção da minoria prejudicada no mercado, de modo que os empreiteiros potencialmente interessados em contratar com o poder público haveriam de se submeter a essa “obrigação”.
Ou seja, a assunção desse tipo de obrigação contratual se dá de modo espontâneo, não denotando um dever genérico e imposto por lei a todo e qualquer empregador, como aquele que trata da reserva de vagas a pessoas reabilitadas ou portadoras de deficiência (Lei nº 8.213/1991). Logo, na perspectiva de promoção da igualdade substancial de todas as pessoas e de consolidação da sociedade brasileira como livre, justa e solidária, materializando um verdadeiro ideal constitucional (XXXXXXX, 2007, p. 203-205).
De todo modo, esse uso do processo licitatório para reduzir a desigualdade de gênero no acesso ao trabalho foi inovador no campo das políticas afirmativas e provavelmente estimulou outros projetos de lei, nos mesmos termos, em diferentes regiões do Brasil. São exemplos disso o projeto nº 39/2014, aprovado pela Comissão de Direitos da Mulher na Câmara Municipal de Teresina, 5 e o projeto de lei complementar nº 9/2013, também em trâmite junto à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, mas já aprovado em primeira discussão aos 28 de outubro de 2014.6
A grande novidade é que a extensão do projeto carioca, que prevê reserva de vagas para mulheres, no mesmo percentual de 5%, não apenas junto às empresas prestadoras de serviços contratadas pela Prefeitura para realização de obras públicas, mas junto a quaisquer empresas de construção civil privadas.
Nesse sentido, este projeto se assemelha àquele originado na Câmara dos Deputados em 2011, o PL nº 2.856, cuja pretensão seria alterar a Consolidação das
5 Cidade Verde. Projeto destina 5% das vagas na construção civil para mulheres. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx-xxxxxxx-0-xxx-xxxxx-xx-xxxxxxxxxx-xxxxx-xxxx-xxxxxxxx-000000>. Acesso em: 05 ago. 2014
6 XXXX, Xxxxxxx. Projeto de lei complementar nº 9/2013. Disponível em:
<xxxx://xxxx.xxxxxx.xx.xxx.xx/XXX/Xxxxxxxxxxxx/xxxxx0000.xxx/0x00x00000x0000x0000000000000x0x/ 7bd588f69a4bde9e03257b250072fb4f?OpenDocument>. Acesso em: 01 ago. 2014.
Não se esqueça, ademais, que também tramita, no Senado Federal, o PLS nº 323/2012, tendo por escopo igualmente alterar a Lei nº 8.666/93, fazendo nela inserir duas medidas afirmativas: obrigar que, nas obras e serviços contratados pela Administração Pública, 8% da mão-de-obra seja formada por mulheres e assegurar preferência, como critério de desempate, a bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que tenham em seu quadro de empregados um percentual de mais de 20% de mulheres. O projeto se encontra com a Comissão de Assuntos Econômicos desde 12 de agosto de 2014.8
Portanto, estudar a (potencial) efetividade dessa nova modalidade de política pública é medida não apenas útil, mas que, in casu, se impõe, uma vez que sua manifestação “contraposta”, quer dizer, de políticas públicas repressivas mostram-se ineficazes para reduzir as práticas discriminatórias ao gênero feminino. É que a força moral e coercitiva dos mecanismos proibitivos-punitivos não consegue ser propulsora da modificação de comportamentos (XXXXXXX; XXXXXXXX; XXXXXX, 2011), quanto o mais para concretização da tão almejada igualdade substancial de oportunidades.
Por outro lado, nem mesmo a reiterada ameaça de sanções 9 evita a manutenção do quadro de segregação, de discriminação contra as mulheres, no
7 xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxXxx/xxxxxxxxxxxxxxxxx?xxXxxxxxxxxxx000000
8 Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxx.xxx?x_xxx_xxxxx000000> Acesso: 28 out. 2014.
9 Lei nº 5.473/1968 - Art. 1º São nulas as disposições e providências que, direta ou indiretamente, criem discriminações entre brasileiros de ambos os sexos, para o provimento de cargos sujeitos a seleção, assim nas emprêsas privadas, (...). Parágrafo único. Incorrerá na pena de prisão simples de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa de NCr$100,00 (cem cruzeiros novos) a NCr$500,00 (quinhentos cruzeiros novos) quem, de qualquer forma, obstar ou tentar obstar o cumprimento da presente Xxx.
Lei nº 9.029/1995 - Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias: I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez; II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem; a) indução ou instigamento à esterilização genética; b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento
mercado de trabalho e na própria vida. Prova isso a pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), segundo a qual a Lei Xxxxx xx Xxxxx, denominação popular da Lei nº 11.340/2006, não diminuiu a taxa de mortalidade de mulheres vítimas de violência, a despeito de sua força simbólica.10
De conseguinte, torna-se de supina importância investigar a legitimidade e os potenciais efeitos dessa nova vertente de políticas públicas imbricadas com as licitações e contratos administrativos, não apenas para minimizar certas nuanças das desigualdades de gênero, mas para direta e explicitamente emancipar a mulher, favorecendo a latere a economia nacional.
Em vista disso, o presente artigo propõe uma análise da paradigmática lei do Mato Grosso do Sul a partir das perspectivas social, econômica e jurídica.
3. PERSPECTIVA SOCIAL: EMANCIPAÇÃO DA MULHER PELO TRABALHO
Os papéis sociais atribuídos aos homens e às mulheres não são iguais (GOSDAL, 2003, p. 69). A divisão de atribuições, que impediu o acesso da mulher ao espaço público, é antiga e se constata desde os primórdios da humanidade. Enquanto o homem foi à caça, criou a carroça e depois a astronave, e assegurou o seu desenvolvimento mental, a mulher, cozinhando e procriando, sempre na caverna (que passou a se chamar lar), esperava a volta do caçador. Essa sina, de clausura, se perpetua na contemporaneidade. Para as meninas ainda são oferecidos os brinquedos que as condicionem para o desempenho dos papéis de dona de casa, esposa e mãe (bonequinhas, panelinhas, maquiagem); para os meninos, os brinquedos mais complexos, como jogos de tabuleiro, estimulando o raciocínio, a criatividade, além do incentivo à prática de esportes que levam à socialização nos ambientes externos, redundando desde cedo numa vida pública (STUDART, 1974, p. 10). Melhor dizendo,
O espaço de atuação da mulher sempre foi prioritariamente o privado. Basta recordar que o movimento feminino da segunda metade do século XIX na Europa reivindicava a igualdade jurídica, econômica e política entre os gêneros, exigindo que a mulher “saísse de casa” e se liberasse da tutela do
familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS). Xxxx: detenção de um a dois anos e multa. Parágrafo único. São sujeitos ativos dos crimes a que se refere este artigo: I - a pessoa física empregadora; II - o representante legal do empregador, como definido na legislação trabalhista; (...).
10 IPEA. Violência contra a mulher: Feminicídios no Brasil. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxx/xxxxxxx/XXXx/000000_xxx_xxxxxx_xxxxxxxxxxx_xxxxxxxxxxx.xxx>. Acesso em: 03 jun. 2014.
xxxxx (xxx, irmão, marido). Naquele momento, o direito exercia uma espécie de tutela que colocava as mulheres em posição subalterna. As mulheres eram excluídas da vida política e do exercício de uma série de profissões (sobretudo as de caráter liberal), possuíam acesso muito limitado à instrução, sofriam restrições ao direito de administrar o seu próprio patrimônio e, no âmbito do casamento, eram tidas como uma espécie de acessório do homem. Tudo isso confinava a mulher ao espaço privado (SABADELL, 2005, p. 235).
Essa situação, de discriminação de gênero a partir da atribuição diferenciada de papéis na família e na sociedade, se reflete no mercado de trabalho até hoje e pode ser percebida nas profissões usual ou prevalentemente exercidas pelas mulheres.
Mesmo dentre aquelas que conseguiram se inserir no mercado de trabalho, ganhando o próprio dinheiro e assim garantindo autonomia financeira, muitas mulheres ainda sobrevivem como empregadas domésticas. No Brasil, por exemplo, 17% das trabalhadoras remuneradas atuam nesse nicho – e isso dentro de um leque de mais de 2.558 atividades, de acordo com os registros feitos em 2013 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (a partir da CBO - Classificação Brasileira de Ocupações).11 Esse número é ainda mais surpreendente se feita a comparação entre sexos, já que, dos 7,2 milhões contratados nessa condição, 6,7 milhões são mulheres e apenas 504 mil são homens. Ou seja, as mulheres representam 97% do número total de colaboradores domésticos, de acordo com pesquisa da Organização Internacional do Trabalho, de 2013.12
Outro reflexo do cerceamento de escolhas para os gêneros é a alta concentração de mulheres em serviços sociais. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2012, na construção civil estão 15% dos homens e 0,6% das mulheres empregadas, enquanto nos serviços sociais (educação, saúde, trabalho doméstico etc.) estão 32% das mulheres ocupadas e parcos 4,8% dos homens.13 Mais de um terço das mulheres, pois, está concentrado em poucas áreas, nas quais a presença masculina é pífia. E isso tudo parece sugerir que o fator cultural-
11 CBO. Códigos, Títulos e Descricoes. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxxx.xxx> Acesso em: 20 mai. 2014.
12 OIT. Estudo sobre trabalhadores domésticos no mundo. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxx/xxxxx/xxxxx/xxxxxx/xxx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx00_0000.xxx
.> Acesso em: 20 mai. 2014.
13 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira 2012. Disponível em: < xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxx/0X0X000X0000XX0X0000X0X0000X00X0/Xxxxxxxx%00xxxxx%00Xx prego%20e%20Trabalho%20Decente.pdf.> Acesso em: 05 mar. 2014
social determina, em grande medida e quando efetivamente existente, o desígnio profissional das mulheres.
Nada obstante, ainda é o trabalho remunerado a principal chave para libertação da mulher do cárcere doméstico. Lembre-se, contudo, que a inserção da mulher no mundo do trabalho e, conseqüentemente, na esfera pública, só se deu efetivamente com o advento da revolução industrial, quando o “trabalho humano passa então a ser um apêndice da máquina” (XXXX, 1971, p. 34). Em tempos de crise, a mão de obra feminina passou a ser muito importante dentro das fábricas para operar as máquinas, já que houve dispensa da força muscular com a mecanização dos sistemas de produção. Depois, no Brasil (e no mundo), as mulheres foram especialmente engajadas ao trabalho na indústria por ocasião da 2ª guerra mundial (PINSKY; PEDRO, 2012, p. 128).
Dessa forma, a mulher saiu do âmbito doméstico e foi incorporada às fábricas, passando a trabalhar em funções dantes ocupadas somente por homens e, com isso, auferir a própria renda, passando a gozar de certa autonomia. “Autonomia é a condição de uma pessoa ou de uma coletividade cultural, que determina ela mesma a lei à qual se submete” (LALANDE, 1999, p. 115). Por um viés kantiano, a autonomia da pessoa reflete a capacidade de se autodeterminar e de agir conforme sua autodeterminação (FERRAJOLI, 2003, p. 22), o que requer potencialidade de escolhas dentro de alternativas possíveis. Quanto maior o número de alternativas, mais escolhas haverá, de modo que liberdade e autonomia acabam por se complementar.
Nesse contexto é que o trabalho emancipa a mulher, dotando-a de (certa) autonomia. Afinal de contas, não é mais o marido, porque provedor, quem determina a sorte da esposa e da prole.
É nesse sentido que o trabalho pôde ser reinventado, passando a identificar- se como produtor e produto da cidadania. Ele proporciona a participação na riqueza, na política, na sociedade, na cultura, no conhecimento, na educação, na saúde, promovendo, enfim, a inclusão, tornando aqueles que o exercem partícipes da cidadania (XXXXXXXXX, 2013, p. 129).
O problema, contudo, é que os estereótipos de gênero ainda influenciam nas relações de trabalho. Como bem aponta Xxxxxx (2007, p. 77), “as relações de gênero têm influência direta na inserção da mulher no mundo do trabalho. Mas o trabalho da mulher também provoca transformações nas relações de gênero.” Consequentemente, a velocidade na superação dos padrões sociais e de trabalho,
masculino e feminino, é fator crucial para paulatina promoção da dignidade das mulheres, e, mais do que isso, como conditio sine qua non do seu desenvolvimento pessoal. É que
O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo (SEN, 2010, p. 28-29).
Lembre-se, pois, que é pela aprendizagem que os padrões de gênero são edificados, ou seja, são construídos socialmente. “A sociedade outorga ao macho um papel paternalista, exigindo uma postura de submissão da fêmea. As mulheres acabam recebendo uma educação diferenciada, pois necessitam ser mais controladas, mais limitadas em suas aspirações e desejos” (DIAS, 2010).
Para se legitimar essa construção díspar de gênero, fez-se necessária a marca da naturalização, isto é, do inquestionável – dado, supostamente, pela natureza. Desse modo, repetir-se-á o discurso de que homens são naturalmente ajustados para certas tarefas e que a biologia é quem melhor define quem deve fazer o quê. Dessa feita, até mesmo a diferença biológica vai se transformar em desigualdade social e tomar uma aparência de naturalidade (SAFFIOTI, 1992, p. 183). Assim, fatores sociais e culturais reduzem ou até mesmo impedem o livre exercício de autonomia profissional, na medida em que identificam e assim reservam determinadas atividades para homens e as restantes para mulheres.
A lei em estudo, ao que parece, propõe-se, também, a tentar mudar o estereótipo de gênero do profissional na vasta área de construção civil, oportunizando outras possibilidades de ofício para a mulher, tais como servente de pedreiro(a), pedreira, eletricista, pintora, mestre de obras, engenheira etc. Além disso, são poucas as atividades no ramo da construção civil que exigem alta escolaridade ou muita experiência. Desse modo, as mulheres que sempre dedicadas ao serviço doméstico não remunerado (donas do lar) ou com salários baixos (e.g., empregadas domésticas) podem vislumbrar no segmento uma (melhor ou alternativa) oportunidade de emprego, passando a ter ou incrementando a própria renda e autonomia financeira, visando o próprio sustento com liberdade e dignidade.
Em suma, garantir (ou mesmo fomentar) o acesso da mulher, ao trabalho, por meio de políticas públicas afirmativas equivale a promover uma revolução; uma
mudança radical nos padrões comportamentais no seio da família, das instituições e do mercado, de modo a incrementar a igualdade substancial entre gêneros e dessa feita permitir o pleno desenvolvimento da personalidade.
E não há como alguém pretender se desenvolver – no plano individual, social ou profissional – quando, a olhos vistos, dominado. E não dominado apenas pela força física ou moral do homem próximo no âmbito familiar (pai ou companheiro), porém pelas amarras da incapacidade de prover a si mesma com dignidade mínima. Pode-se afirmar, em conseqüência, que não se está a buscar uma simples conquista de direitos, mas antes a superação de um regime incompatível com a igualdade e com a liberdade. Nesse novo ambiente, pois, é que se pretende ver inserida a mulher, e não apenas como sujeito (formal) de direitos, mas como cidadã consciente de seus direitos. De conseguinte, apta a eleger e gerir a própria transformação e destino e não mais simples destinatária das escolhas do genitor ou do marido para quem – não faz muito tempo – se haveria de dirigir todos os encômios no caso de sucesso feminino; jamais os reclamos decorrentes das falhas.
Assim, é preciso cindir o cenário intramuros (o próprio da família, da casa) do espaço externo (da escola e do trabalho) (PELLEGRINELLO, 2014, p. 50).
Logo, o avanço social que a lei potencializa mostra-se incontroverso, além de digno de encômios, reclamando multiplicação.
4. PERSPECTIVA ECONÔMICA DA LEI: AUMENTO DA MÃO DE OBRA
As políticas públicas no Brasil, de acordo com Xxxxx (2007, p. 218), se desenvolvem em duas frentes – social e econômica –, ambas engendradas com um sentido complementar e uma finalidade comum: “impulsionar o desenvolvimento da Nação, através da melhoria das condições gerais de vida de todos os cidadãos”.
No caso da Lei nº 4.096/2011/MS, é possível observar características das duas naturezas. Primeiro, por meio dessa política pública estatal de índole afirmativa abre-se um campo novo de trabalho, apto a ensejar transformações sociais, já que possibilita a inserção da mulher no espaço público, amplia seu leque de possibilidades de emprego, gera autonomia financeira e, assim, propicia a emancipação.
Mas há outro efeito que merece atenção; essa lei é também uma articuladora econômica e, por isso mesmo, pode e deve ser examinada criticamente. Antes de tudo, urge esclarecer que o ingresso das mulheres na construção civil se mostra pertinente economicamente, devido a um déficit de mão de obra no setor.
De acordo com pesquisa desenvolvida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), três em cada quatro empresas afirmam ter dificuldade com a falta de mão de obra qualificada, o que representa 74% das companhias do setor indústria da construção civil.14 Ou seja, a quantidade de pessoas especializadas, hoje, é muito pequena frente à demanda do mercado, o que justifica, ademais, a alta dos salários, grande atrativo tanto para homens quanto para mulheres. Na cidade de São Paulo, e.g., houve um crescimento de 20% das mulheres no setor da construção civil, tendo em vista que em 2008 havia 22.000 mulheres no setor e, em 2011, esse número passou para 30.000, ainda assim representando pífios 0,7% do total, de acordo com dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Fundação SEADE).15
Além disso, é de se supor que a entrada das mulheres seja oportuna para as empresas, já que muitas vezes elas desempenham as mesmas funções com maior eficiência. As empresas que oferecem cursos na área de construção civil informam que as mulheres que procuram os cursos de construção civil têm sido preferidas pelas construtoras para a função de aplicador de revestimento cerâmico, por exemplo. A escolha se sustenta no fato de serem mais detalhistas, economizarem material, além de fazerem o serviço com maior perfeição.16 Isso é confirmado pelo SINDUSCON (Sindicato da Indústria da Construção Civil), do próprio Mato Grosso do Sul, que atesta haver projetos de ampliação da capacitação que enfocam principalmente as mulheres, haja vista a demanda crescente para que elas realizem serviços elétricos, hidráulicos, esquadria e acabamento: “Elas têm desempenho fundamental, o resultado sempre é positivo”.17
Mas é preciso assumir, com ressalvas, esse suposto “elogio” genérico às mulheres. De fato, esse segmento empresarial foi francamente atingido pela crise de mão de obra qualificada e a atuação feminina foi incorporada em caráter subsidiário. Isto é, por ser e ainda continuar sendo um setor culturalmente masculino, é possível
14 CNI. Sondagem Especial – falta de trabalhador qualificado na indústria. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxx/xxxxx/XX000000000XX00000000X0000XX0X0X.xxx> Acesso em: 18 mai. 2014.
15 SEADE. A mulher no mercado de trabalho em 2011 - Região metropolitana de São Paulo Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxx/xxxxxxxx/xxxxxx_xxxxxxx_XxXxxx00.xxx> Acesso em: 17 mai. 2014.
16 As mulheres na construção civil. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxx.xxx?xxXxxXxxxxxxxxxxxXxxxxxx%X0%X0%X0%X0xxXxxxx&x ecao=secoes.php&sc=10&id=343&url=&sub=MA> Acesso em: 28 out. 2014.
17 G1. Lei em MS destina 5% das vagas na construção civil para mulheres. Disponível em:
<xxxx://x0.xxxxx.xxx/xxxx-xxxxxx-xx-xxx/xxxxxxx/0000/00/xxx-xx-xx-xxxxxxx-0-xxx-xxxxx-xx- construcao-civil-para-mulheres.html> Acesso em: 21 jun. 2014.
fazer alusão ao ocorrido na Revolução Industrial de 1789. Nessa época, o trabalho da mulher foi muito utilizado, principalmente na operação das máquinas, pela circunstância de que elas faziam os mesmos serviços que os homens, porém mediante remuneração nitidamente inferior.
Saffioti (1979, p. 36) esclarece que a desigualdade de salários entre homens e mulheres se deu essencialmente mediante a justificativa de que a renda feminina seria complementar no berço da família. De acordo com ela, a mulher proletária, ao realizar o trabalho doméstico, na maioria das vezes até mediante dupla jornada – na fábrica e no lar – faz com que diminua o valor de subsistência (de produção e reprodução da vida) de sua família. Assim, permitir-se-ia ao capitalista a diminuição de seu salário e, conseqüentemente, o aumento da mais valia (do lucro) por meio da intensificação do trabalho, a extensão da jornada e o pagamento de salários muito mais baixos que os pagos aos homens. Ou seja, para a reprodução do capitalismo, a exploração do trabalho da mulher seria necessária, uma vez que permitiria baratear os investimentos do capitalista para a subsistência do trabalhador. O trabalho da mulher, num ambiente externo ao doméstico, seria, neste sentido, entendido unicamente como um complemento ao salário do homem. No Brasil do século XXI isso não mais se sustenta como regra. Ao contrário, a cada dia aumenta o número de lares brasileiros que são chefiados e sustentados por mulheres.18
De todo modo, e nada obstante a proibição de diferença salarial em razão de sexo, como feita pelo constituinte no art. 7º, inciso XX, da Constituição da República, a história de desigualdade se perpetua e as mulheres seguem recebendo salários menores. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres têm mais escolaridade que os homens, mas seguem ganhando salários menores.19 No ano passado, por exemplo, o rendimento médio mensal das mulheres era equivalente a pouco mais de 70% do rendimento dos homens. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2011), menos de 25% dos
18 Em 2010, 37,3% das famílias tinham a mulher como responsável (39,3% na área urbana e 24,8% na área rural), aumentando o percentual para 46,4% quando a renda per capita era de até ½ salário mínimo. Ao revés, a proporção de mulheres responsáveis caía para 1/3 quando a renda per capita era de até 2 salários mínimos per capita. (IBGE. Estatística de gênero: uma análise do censo demográfico 2010. p. 65. Disponível em: <xxxx://xxxxxxxxxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxx/xxx00000.xxx> Acesso em 31 out. 2014.)
19 IBGE. Mulher no Mercado de Trabalho: Perguntas e Respostas. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxx_xxxx/xxxxxxxxxxxxxx. shtm>. Acesso em: 06 mar. 2014.
homens empregados recebiam até um salário mínimo, enquanto para as mulheres este percentual beirava um terço.20
Será importante, pois, que a própria administração pública contratante fiscalize como se dará a compulsória incorporação da mão de obra feminina (num percentual mínimo de 5%) junto ao parceiro privado, para evitar a sua exploração de forma desigual. Ou seja, mediante pagamento de salários distintos simplesmente a partir do gênero, quando sua adesão ao quadro de pessoas em condições de contratação se mostra alternativa idônea para elidir uma potencial interrupção do processo nacional de desenvolvimento pela singela falta de força de trabalho disponível.
5. PERSPECTIVA JURÍDICA: PROPICIAR UMA CONTRATAÇÃO SUSTENTÁVEL
Nesse contexto, em que o trabalho exprime a própria inserção da mulher no espaço público, a aplicação da nova lei do Mato Grosso do Sul se mostra como uma alternativa importante para emancipação da mulher, uma vez que obriga as empreiteiras, voluntariamente engajadas à Administração Pública, a contratá-las.
Logo, oportunizando a prestação de serviços fora do espaço doméstico e num setor da economia laboral predominantemente masculino, diminuindo as desigualdades de gênero e assim permitindo às mulheres almejar viver – e viver – uma vida digna, fulcrada na capacidade de suprir as próprias necessidades, e com liberdade.
Mas isso pode parecer estranho, num primeiro momento, na exata medida em que a Lei nº 8.666/93, até pouco tempo, vislumbrava para o processo licitatório finalidade legal duplamente definida: garantia da isonomia e seleção da proposta mais vantajosa.
Desde o advento da Medida Provisória nº 495/2010 o cenário legislativo explícito é outro, muito embora mesmo antes houvesse cogitação de existir, latente, uma função reguladora (FERRAZ, 2009) ou social (FERREIRA, 2010), para a licitação, bem como para o próprio contrato administrativo (OLIVEIRA, 2000, p. 149; XXXXXXXX, 2007, p. 199), por meio da qual se buscaria alcançar outros fins que não
20 IBGE. Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios - 2011. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxxxxxxx/xxxx0000/>. Acesso em: 05 mar. 2014.
os de praxe. É o que sustenta, também, XXXXXXXXXX (2013, p. 417) para a comunidade européia.
Essa medida provisória, convertida na Lei nº 12.349/2010, dentre outras mudanças, fez inserir um terceiro fim legal para as licitações, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Portanto, os certames licitatórios e as contratações públicas atuais devem atender aos reclamos não apenas dos licitantes e dos destinatários das obras, bens e serviços, mas de todos sem distinção, nos mesmos moldes referidos por Xxxxxxxx-Xxxxxx (1999, p. XXXIII-XXXIV), no seu Xxxxxxx xxxxxxxxxx. Xxx xxxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxxxxxx xx xx xxxxxxxxxx pública:
22. La discutida instrumentalización. Partiendo de la postura intervencionista de la administración nacional, tendente al aprovechamiento de masas ingentes de capital capaces de transformar horizontal y verticalmente resortes determinantes del mercado, de la sociedad y de la economía de un país, de ha planteado y aún se discute la posibilidad de instrumentalización de las compras del Estado. Así, destinando ingresos, por ejemplo, para la adquisición o promoción de empresas en zonas deprimidas, para la lucha contra la contaminación, para el fomento del pleno empleo de las mujeres en el mercado de trabajo, (...).
Sem atender a essa nova cláusula geral de desenvolvimento nacional sustentável, as licitações e os contratos administrativos incorrem em ilegalidade e sujeitam-se não apenas à invalidação, mas repercutem mediante resposnabilização pessoal de quam a isso deu causa (PEREIRA JUNIOR; DOTTI, 2012, p. 371).
Mas coube a Sachs (2007) explicar que a multidimensionalidade intrínseca do desenvolvimento pressupõe, no mínimo, crescimento econômico socialmente justo e benigno do ponto de vista ambiental como valores e interesses concomitantemente reclamados e atendidos, sem prejuízo de outros fatores (de índole cultural, espacial e política). É que, como afirmou Xxxxxxx Xxxxxxx (2003, p. 15), “se o desenvolvimento econômico não trouxer consigo modificações de caráter social e político; se o desenvolvimento social e político não fôr a um tempo o resultado e causa de transformações econômicas, será porque de fato não tivemos desenvolvimento”.
Nessa esteira, reabrem-se as oportunidades para discriminação afirmativa das minorias como futuras colaboradoras dos contratados pelo Poder Público. Isto é, uma vez provada a discriminação e examinado o direito (de todos) ao trabalho como fundamental, não soa desarrazoada nem desproporcional a estipulação nos editais de licitação e como obrigação da futura contratada fazer uso de mão-de-obra “destacada” (mulheres, negros, idosos ou pessoas com deficiência) em regime de cotas. Isso, bem se perceba, tende a promover o desenvolvimento nacional sustentável em sua feição social, sem prejuízo da dimensão econômica, porque se supõe mais oportuno e conveniente à coletividade substituir o dispêndio com uma bolsa- família por arrecadação proveniente do imposto sobre a renda. Demais disso, essa iniciativa confere ao colaborador “compulsoriamente” contratado pelo
parceiro público, que assim se engaja voluntariamente, oportunidade de autosubsistência, condição sine qua non da dignidade humana (XXXXXXXX; XXXXXXXXXXXXX, 2014, p. 247).
E Xxx (2010, p. 263) não parece discordar disso, ao apontar a emancipação da mulher é um fator crucial na economia política do desenvolvimento:
Pode-se dizer que nada atualmente é tão importante na economia política do desenvolvimento quanto um reconhecimento adequado da participação e da liderança política, econômica e social das mulheres. Esse é, de fato, um aspecto crucial do “desenvolvimento como liberdade”.
Portanto, a perspectiva jurídica da Lei nº 4.096/2011, do Mato Grosso do Sul, faz eco com a Lei Geral de Licitações e preenche, naquele território estadual, um vazio legislativo nacional que emerge da Constituição da República desde 1988: aquele que garantia às mulheres, também como direito social fundamental, a proteção do mercado de trabalho, mediante incentivos específicos, nos termos da lei (art. 7º, inciso XX), dada a antevista desigualdade de acesso quando em comparação com os homens.
Embora não tratando exatamente disso, Xxxxxx (2007, p. 86) sustenta, com lastro no mesmo direito constitucionalmente assegurado, que
seria possível pensar-se na condenação de empresas à adoção de medidas de ação afirmativa, a critério do juiz e segundo circunstâncias do caso concreto (como a contratação de um determinado percentual de mulheres em um lapso temporal assinalado), naqueles casos em que restar demonstrada judicialmente a discriminação de gênero.
Ou seja, os efeitos da não-regulamentação do direito social fundamental protetivo das mulheres permitem tanto iniciativas legislativas pontuais em matéria de licitações e contratações públicas (enquanto políticas públicas afirmativas), como proteção-satisfação do Estado-Juiz, no mesmo sentido, se provocado.
O que importa, enfim, é perceber que a ameaça de sanções jurídicas (administrativas e penais) não alterou comportamentos sociais ou empresariais, menos ainda evitou discriminações no acesso ao trabalho ou de remuneração. Impõe- se, portanto, uma nova e paralela investida, no sentido de promoção de uma verdadeira mudança cultural, a partir da superação dos estereótipos, de alteração dos padrões e mesmo do empoderamento das mulheres.
Sintetizando, a experiência recente do Mato Grosso do Sul não se mostra apenas legítima juridicamente, inclusive a partir do fator de discriminação eleito (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 21), mas como alternativa hercúlea para emancipação da mulher pelo trabalho “reservado junto aos parceiros da
Administração Pública”. Ou seja, apta a transformar uma contratação pública xxxxxx neutra em relação a essa disparidade de oportunidades de acesso ao trabalho em socialmente inclusiva, mitigadora das desigualdades e da discriminação contra a mulher, sem prejuízo de adicional associação de outros valores, de índole econômica e ambiental.
E isso, pelo menos, até que o legislador ordinário cumpra com a obrigação constitucionalmente apontada no art. 7º, inciso XX, desde 1988, de promover afirmativamente o acesso das mulheres ao mercado de trabalho em geral.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seja no Brasil de outrora, seja no Brasil da contemporaneidade, a paulatina igualação jurídico-formal entre gêneros não serviu para evitar o preconceito e nem a discriminação contra as mulheres, em especial no acesso ao mercado de trabalho. Não foi sem razão que o constituinte originário (de 1988) explicitamente apontou essa infeliz realidade e deixou consignado ser dever do legislador ordinário proteger o mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei. Foi-se um quarto de século, desde então, e ainda hoje apenas tramitam propostas legislativas esparsas, tímidas em conteúdo e abrangência setorial na economia, com vistas a inserir a mulher no mercado de trabalho em regime de cotas; e não necessariamente para fins de sua emancipação, mas, em especial, para auxiliar na construção civil – um segmento laboral estereotipicamente masculino em que faltam homens em número e qualificação suficientes para, sozinhos, darem conta de manter a o crescimento econômico na seara. E sobram mulheres em condições de trabalhar, ainda que, muitas vezes, menos qualificadas, haja vista a falta de chances para estudo e experiência profissional anterior, pela perpetuação do papel socialmente atribuído de gestora do lar e responsável pela criação dos filhos.
Essa realidade repercute nas condições de saída e mesmo na saída da mulher do espaço doméstico e os empregadores, conscientemente ou não, perpetuam a cultura da discriminação, distinguindo trabalhadores a partir dos papéis culturalmente assinalados faz séculos. Para mulheres, profissões femininas; para os homens, afazeres masculinos, além dos cargos de chefia e direção. Pior, muitos ainda distinguem a remuneração mesmo quando os trabalhos são igualmente
desenvolvidos por mulheres e homens, a despeito das reiteradas ameaças de sanção penal como previstas na legislação vigente.
Por tudo isso, a lei sul-matogrossense – que garante 5% de vagas femininas nas obras públicas empreendidas por parceiros privados – deve não apenas ser acolhida como socialmente relevante, economicamente necessária e juridicamente conforme ao Direito, mas como um exemplo a ser seguido. É preciso que haja exemplos, e exemplos firmes, concretos, testados, da possibilidade de as mulheres se mostrarem igual ou, quem sabe, até mesmo mais capazes que os homens na prestação de certos serviços, a priori e desarrazoadamente assumidos como masculinos. Em tempos de tecnologia irrefreada, a força física quase nunca é requerida, de modo que a mera invocação de causas naturais, biológicas para cisão dos espaços de trabalho por gênero quase nunca se sustenta. Logo, se e quando houver tratamento distinguido, e prejudicial às mulheres, o direito há de ser reintegrado por meio da sanção, sem prejuízo da necessidade de concomitante promoção da igualdade substancial de oportunidades por outra via.
Ou seja, pela via das políticas públicas afirmativas, dentre as quais a exemplar Lei nº 4.096/2011 do Mato Grosso do Sul, que combina a voluntária parceria do empresariado com a Administração Pública, mediante compromisso contratual de reservar espaço para mão-de-obra feminina em sua força de trabalho. Aliás, dando concreção à Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/93), com a redação dada pela Lei nº 12.349/2010, que inseriu novo fim legal para os processos licitatórios: promover o desenvolvimento nacional sustentável em todas as suas nuanças (econômica, social e ambiental, no mínimo), ao lado da garantia da isonomia e da elação da proposta mais vantajosa.
É que, repita-se, não adianta a Constituição da República assumir como objetivos da República, dentre outros, construir uma sociedade solidária, reduzir as desigualdades e promover o bem de todos (sem distinção, inclusive de sexo) e leis ameaçarem sancionar discriminações de gênero e faltar-lhes efetividade. Também de nada serve punir comportamentos discriminatórios, inclusive de empregadores na contratação de pessoal, quando a resposta sancionadora não tiver força (jurídica ou econômica) suficiente para evitar a repetição do padrão de ilegalidade. Portanto, o que se necessita, na atualidade, é uma verdadeira revolução cultural, em que se reconheça e assuma mulheres e homens como pessoas, de igual estatura e
condições (físicas, intelectuais e morais), ingualmente aptas a assumir tarefas e decisões no seio da família, da empresa, da sociedade e do próprio estado, de modo a permitir que cada um passe a se responsabilizar pelo próprio futuro.
Logo, todos têm de ter iguais possibilidades, direitos e obrigações, nem que, para tanto e ao menos por enquanto, seja necessário discriminar afirmativamente as mulheres – a começar pela estimulação de acesso ao trabalho – e pelo tempo necessário até que a diferenciação se mostre inconstitucional, por falta de justa causa (fático-jurídica) superveniente. E isso por uma razão essencial: sem trabalho não há autosubsistência e quem não sustenta a si mesmo não tem liberdade, de nada e para nada, menos ainda para decidir o próprio destino e com um mínimo de dignidade.
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