VICTOR DE CASTRO TEIXEIRA BEMFICA
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA - UNICEUB FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – FAJS.
XXXXXX XX XXXXXX XXXXXXXX BEMFICA
O CONTRATO E A SUA FUNÇÃO SOCIAL: IMPLICAÇÕES À SEGURANÇA JURÍDICA
Brasília 2014
O CONTRATO E A SUA FUNÇÃO SOCIAL: IMPLICAÇÕES À SEGURANÇA JURÍDICA
Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de Bacharelado em Direito pela Faculdade Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Orientador: Dr. Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx.
Brasília 2014
O CONTRATO E A SUA FUNÇÃO SOCIAL: IMPLICAÇÕES À SEGURANÇA JURÍDICA
Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de Bacharelado em Direito pela Faculdade Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Orientador: Dr. Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx.
Brasília, 30 de setembro de 2014.
Banca Examinadora
Orientador: Dr. Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx
Prof. Examinador
Prof. Examinador
À minha mãe, Cristina de Castro Teixeira, quem abriu mão de si mesma para me oferecer condições de estudar em busca de um futuro mais digno, fazendo com que eu chegasse até aqui.
À Xxxxxxx xx Xxxx Xxxxx, pelo imenso apoio e incentivo nos momentos mais difíceis, dentro e fora da vida acadêmica.
Ao meu orientador, Dr. Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, pela orientação que agigantou meus horizontes, própria de um grande conhecedor do tema.
“Cada homem age por si, segundo um plano próprio, mas o resultado é uma ação social, em que outro plano, externo a ele, se realiza; e com os fios crus, finos e desfeitos da vida de cada um, se tece a teia de pedra da história.”
R. P. Pogodin
O contrato teve, no decorrer da história, que passar por diversas mudanças em sua concepção até que ele se desenvolvesse nos moldes atuais, quando continua em mutação, dada as frequentes inovações no campo contratual que exige a sociedade. Parte da doutrina, fundada na ideia de crise contratual, apregoa um colapso das relações privadas, haja vista a perda de segurança jurídica nas relações intersubjetivas. Da análise do contrato pela história fica perceptível que a mudança de concepção do instituto é frequente, acompanhando as tendências sociais, políticas e filosóficas, não devendo essas mudanças se confundir com crises, como querem alguns, pois não há crise no contrato, mas uma revolução da concepção do contrato e uma renovação no ponto de vista do qual se enxerga a relação contratual, enxergando-a sob os ditames constitucionais. Essa nova concepção trouxe implicações à segurança jurídica, fruto de uma imaturidade dos autores do meio jurídico ao lhe darem com o instituto. Os limites e pretensões da função social ainda se encontram muito nublados e seu uso parece também não ter clareza. Tal circunstância somada à superficialidade e fragilidade da forma de jurisdição que tem sido adotada prejudica a atribuição de um sentido seguro ao que é chamado de função social do contrato, dando a impressão de insegurança jurídica, só a impressão, pois, em verdade, a função social do contrato não prejudica em nenhum aspecto a segurança jurídica, mas sim a falta de uma fundamentação adequada para a sua utilização.
Palavras chave: Função Social do Contrato. Princípios do Código Civil. Segurança Jurídica. Contratualidade.
The contract had, throughout history, to go through several changes in its conception until it developed in the current form, when still changing, given the frequent innovations in contractual field that requires society. Part of the doctrine, founded on the idea of contractual crisis, touts a collapse of private relations, given the loss of legal certainty in interpersonal relations. The analysis of the contract by history is noticeable that the design change of the institute is frequent, following social, political and philosophical trends, these changes should not be confused with crises, as some, because there is no crisis in the contract, but a revolution the design of the contract and a renewal in view of which it sees the contractual relationship, seeing it under the constitutional dictates. This new design implications brought legal certainty, the result of immaturity of the authors of the legal means to give you with the institute. The limits and claims of social function are still very cloudy and its use does not seem to be clear. This circumstance added to the superficiality and fragility of the form of jurisdiction that has been adopted affect the attribution of a safe way to what is called the social function of the contract, giving the impression of legal uncertainty, only the impression, because in fact, the function social contract does not prejudice in any way the legal security, but the lack of adequate reasons for its use.
Keywords: Social Function of the Contract. Principles of the Civil Code. Legal Security. Contractuality.
CAPÍTULO 1 CONCEPÇÃO HODIERNA DE CONTRATOS 12
1.1. Evolução histórica do contrato 12
1.2. As Relações Contratuais da Atualidade 24
CAPÍTULO 2 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO 34
2.1. Função Social: um sentido possível 34
2.2. Função Social do Contrato 36
2.2.1. Natureza Jurídica da Função Social do Contrato 39
2.2.2. A Eficácia da Função Social do Contrato 43
2.3. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 46
2.4. A função social do contrato e a Segurança Jurídica 51
CAPÍTULO 3 ANÁLISE DOS JULGADOS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO 56
3.1. Julgados do Superior Tribunal de Justiça a Respeito da Função Social do
INTRODUÇÃO
A história mostra que o contrato de agora é diferente de qualquer outro experimentado anteriormente, o que causa pessimismo em alguns e otimismo em outros. Os pessimistas temem pelo esvaziamento do instituto frente à nova dinâmica que dele se exige, enquanto os otimistas vislumbram um grande passo a caminho da concreção de ideais constitucionais.
Por força de transformações econômicas, sociais, e políticas a contratualidade sofreu profundas mudanças no último século, desafiando seus estudiosos com inovações que deixam em cheque princípios e normas na busca de harmonia entre a individualidade das relações contratuais e os anseios sociais.
O presente trabalho tem o objetivo de estudar uma dessas transformações, a que consiste na releitura do contrato sob o aspecto da sua função social, enfrentando como problemática eventuais prejuízos que essa releitura possa ocasionar à segurança jurídica, erguendo-se como hipótese que a segurança jurídica não sofre prejuízos advindos do instituto, mas da imaturidade em seu manuseio.
Atualmente o contrato é instrumento imprescindível à sociedade, estando presente em todos os momentos de nossas vidas e regulando as mais diversas interações; contratamos a todo momento. É aí que reside o grande relevo do tema, uma vez que o reconhecimento da função social do contrato e eventuais abalos à segurança jurídica das relações contratuais por ela causados afetam diretamente o quotidiano hodierno.
Será necessário, antes de se enfrentar o cerne da questão, abordar a história do contrato, desde Roma até os dias atuais, com vistas a situar o leitor e a fazer comparações, bem como para que se tenha a percepção da dimensão das mudanças originadas pelo instituto da função social do contrato. Somente com essa bagagem será possível compreender o contrato e a sua função social, após o que serão explorados os argumentos de eventuais prejuízos à segurança jurídica.
Ver-se-á que alguns entendem que o contrato está em colapso, outros, que está em revolução. Nosso destino será examinar quais são as premissas que levam a essas afirmativas e tentar perceber o caminho que trilha a contratualidade para, então, firmar substrato para verificar se a função social traz, ou não, prejuízo à segurança jurídica e ratificar ou descartar a hipótese inicial.
Na busca de uma conclusão, portanto, o tema será desenvolvido na seguinte ordem de ideias:
No Capítulo 1, intitulado como A Concepção Hodierna dos Contratos, será abordada a evolução histórica do contrato, perpassando pelos acontecimentos históricos que influenciaram o instituto, até que alcance a atual contratualidade, enfrentando o questionamento da existência de uma crise do contrato.
No Capítulo 2 - A Função Social do Contrato -, objetiva-se analisar o instituto sob seus vários aspectos como, por exemplo, sua natureza e sua eficácia, apreciando as nuances da positivação do instituto no Código Civil Brasileiro de 2002 e, ao final, abordando suas implicações à segurança jurídica.
O Capítulo 3 tem como objeto a investigação dos julgados do Superior Tribunal de Justiça a respeito da Função Social dos Contratos.
O método eleito para o presente trabalho é o jurídico-dogmático e a pesquisa será essencialmente embasada em estudos doutrinários e legislação vigente, bem como em julgados do Superior Tribunal de Justiça.
Capítulo 1 Concepção hodierna de contrato
Não há como se aventurar em qualquer questão referente aos contratos sem antes, porém, fazer algumas considerações a seu respeito, tais como sua história, sua realidade e o seu papel nas sociedades de hoje e de outrora, para, então, estudar as relações contratuais atuais, bem como analisar a existência (ou não), de uma crise no instituto contratual.
Nesse sentido, sem propósito de esgotar o tema, abordar-se-á a evolução história do contrato, apresentando ao intérprete os estreitos laços entre o instituto com o seu tempo e o seu lugar.
À guisa disso, passar-se-á ao estudo da contratualidade hodierna, a fim de ilustrar a realidade contratual atual, tanto sob o prisma individual dos contratantes entre si considerados quanto considerados em conjunto frente à coletividade.
Ao final do capitulo explorar-se-ão as consequências das mudanças contratuais nos dias de hoje, enfrentando a alegação de uma possível crise das relações contratuais e pormenorizando as premissas que a sugerem.
1.1. Evolução histórica do contrato
Indissociável a relação entre as sociedades – de cada tempo e lugar - e o contrato. Percebe-se, no analisar da história, que, a depender do cenário que se analisa, o instituto pode ganhar nova roupagem, tendo modulações diferentes de uma época para outra, de sociedade para sociedade, se caracterizando em conformidade com os fatores sociais, políticos, filosóficos, econômicos e, até mesmo, religiosos.
Diante disso, para que se faça fiel análise do instituto, é imprescindível sua contextualização social.
Bem expõe Xxxxx Xxxxxxxxx0 que os contratos, no momento de sua interpretação e concepção, coincidirão com os contornos políticos filosóficos, sociais, jurídicos, ambientais, culturais e econômicos da sociedade na época em que é interpretado.
O contrato, como meio de realização de ordem econômica e existencial2, portanto, amolda-se às circunstâncias sob as quais se encontra, recebendo do meio social o fim que lhe aprouver ou, por vezes, lhe for imposto.
Em Roma, o contrato já era reconhecido, embora não se conseguisse alcançar o conceito do instituto. Havia o contrato tido como acordo de vontades (conventio) e o Pacto (pactum) 3, este decorria do “acordo de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto”, que gerava mera obrigação moral, aquele decorria da formalização deste acordo, gerando, apenas a partir daí, a obrigação4.
Nesses moldes, o contrato no direito romano era tido como “acordo de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto, seguido de formalidades e produzindo efeitos jurídicos sobre os contratantes”5.
Para os romanos de antes do tempo de Xxxxxxxxxx, o contrato não regulava relações jurídicas em geral, mas se limitava a criar relações obrigacionais. Nesse período o vínculo não se dava pela vontade das partes, mas pelo cumprimento das formalidades impostas6.
No período pós-clássico, além do surgimento dos contratos inominados, que deu origem a uma categoria abstrata de contratos, advieram formas pelas quais surgiam obrigações a partir do xxxxxxxx0.
Do período clássico ao justinianeu, os contratos passaram a prezar pela informalidade, desapegando-se da forma em benefício do conteúdo8, bem como deixou posteriormente de vincular a pessoa do devedor, substituindo-o por
1 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo. Curitiba: Juruá, 2011. p. 30.
2 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx. Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 57.
3 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo., p. 33.
4 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxx. Curso de Direito Romano. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 174
5 Idem, p. 176.
6 XXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxx. Dreito Romano. 15. ed. Rio de Janeiro:Forense, 2012. p. 471-472.
7 Idem.
8 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxx. Curso de Direito Romano. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 173.
seu patrimônio9. Para os bizantinos, a vontade passa a ser relevante às relações contratuais, sendo capaz de fazer surgir obrigação entre as partes10.
Com a decadência do Império Romano do Ocidente e em decorrência das invasões bárbaras e da péssima política econômica do império, a população romana se dispersou. A falta de governo central fez com que a população romana buscasse a proteção dos senhores feudais, culminando no estabelecimento das relações de vassalagem11.
Como cada senhor feudal impunha, no respectivo território, suas próprias normas, no século VIII surgiu o chamado direito feudal, pautado nos costumes, sem qualquer registro escrito, os quais regiam, principalmente, questões fundiárias12.
Quando da Alta Idade Média, em consequência da dispersão populacional e da variação de ordenamentos, as bases jurídicas de Roma passaram a ser inexistentes e a organização da justiça fragmentada e variada13.
A realeza, contudo, ganhou fôlego e a economia fechada e local, impulsionada pelo desenvolvimento da indústria, do sistema bancário, da urbanização e do comércio entre os povos, perde lugar para a economia de mercado14.
O racionalismo ganhou campo. O direito, fracionado e consuetudinário, não atendia aos reclames dessa sociedade sedenta por organização e desenvolvimento. O estado ganha poder, e passa a ser absoluto15.
Esse Estado Absoluto é marcado pelo redescobrimento do direito romano pelos estudos das compilações justinianeias que, somado ao direito canônico, deu vez ao direito comum, ou ius commune, fruto do embaraço do direito
9 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p. 34.
10 XXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxx. Direito Romano, p. 472.
11 XXXXXX, Xxxxxxxxx. Direito Civil. Introdução. 5 ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000 p. 116.
12 Idem, p. 116.
13 XXXXX, Xxxxx. Direito Civil: Curso Completo. 14 ed. Belo Horizonte: Xxx Xxx, 2010. p. 66.
14 Idem, p. 67.
15 Idem, p. 67.
canônico e germânico, que atribuiu maior importância econômica e social ao contrato16.
É no direito germânico que se traçam as primeiras possibilidades de alteração do vínculo obrigacional, o que não era aceito no direito romano17. O contributo dos canonistas nesse período foi no sentido de que a simples manifestação da palavra seria assaz para alguém comprometer-se, “sob pena de não vingar a fé cristã”, é o solus consensus ou princípio voluntarista, entendimento que se percebe irradiado ainda hoje18, a exemplo do art. 107 do Código Civil brasileiro (CC)19.
Nesse período, três foram as escolas de estudo do Direito Romano, os Glosadores, Comentadores ou Pós-Glosadores e os humanistas ou Escola Culta, os quais tiveram grande importância para o desenvolvimento do Direito, adaptando as compilações de Xxxxxxxxxx às necessidades da época20.
Forte na Escola Humanista, nascida do renascentismo, o Estado Absolutista, fomentado pelas grandes navegações e descobrimentos, bem como no mercantilismo, alcançou seu apogeu, que durou até os primeiros movimentos iluministas, do século XVII, que reclamava a desigualdade diante das leis, a limitação à livre iniciativa e à propriedade, as intervenções arbitrárias da Coroa na esfera privada, a exclusão da participação popular em assuntos políticos e o poder excessivo da igreja e intolerância religiosa21.
A respeito da transição do Estado Absolutista para o Estado Constitucional, acrescenta Xxxxx Xxxxxxxxx:
“A queda da Xxxxxxxx simbolizava, por conseguinte, o fim imediato de uma era, o colapso da velha ordem moral e social erguida sobre a injustiça, a desigualdade e o privilégio, debaixo da égide do Absolutismo; simbolizava também o começo da redenção das classes sociais em termos de emancipação política e civil, bem como o momento em que a Burguesia,
16 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p. 35.
17 XXXXXX, Xxxxxxxxx. Direito civil. Introdução, p. 146.
18 XXXXX, Xxxxx. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil – constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. p. 104-105.
19 Art. 107. a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. In. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], disponível em
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/0000/x00000.xxx>, acesso em 06 de mar. de 2014.
20 XXXXX, Xxxxx. Direito civil: curso completo, p. 68.
21 XXXXX, Xxxxx. Direito Civil: Curso Completo, p. 69-71.
sentindo-se oprimida, desfaz os laços de submissão passiva ao monarca absoluto e se inclina ao elemento popular numa aliança selada com as armas e o pensamento da revolução; simboliza, por derradeiro, a ocasião única em que nasce o poder do povo e da Nação em sua legitima
incontrastável.” 22
Graças a seu poder econômico, a classe burguesa ganhou espaço político. Houve, a partir daí, a monopolização do poder pela política mercantil, os privilégios de autoridade das corporações foram retirados23 e, após a queda da bastilha (1789), houve o abandono do Absolutismo, pois para aos burgueses não era mais interessante a concentração do poder no monarca, dando lugar ao Estado Constitucional, nas modalidades Liberal, Social e Democrático24.
Resume Bonavides:
“A mudança havida dá começo à idade do Constitucionalismo, tão pródigo de sucessos, tão relevante nos seus fastos históricos tão determinantes nos recuos que fazem o direito da força ceder à força do Direito.
Tais elementos de reflexão e análise antecipam a pré-compreensão do Estado constitucional contemporâneo.
Verifica-se, portanto, que a premissa capital do Estado Moderno é a conversão do Estado absoluto em Estado Constitucional; o poder já não é das pessoas, mas de leis. São as leis, e não as personalidades, que governam o ordenamento social e político. A legalidade é a máxima de valor supremo e se traduz com toda energia no texto dos Códigos e das
Constituições.” 25
Primeiro desdobramento do abandono do Estado Absolutista, o Estado Liberal, surgiu após as Revoluções Americana e Francesa, na segunda metade do século XVII26, inspirado por Xxxx Xxxxx, Xxxxxxxxxxx e Xxxxxxxx00, consagrando o direito individual em face do Estado e contra o sistema de corporações que pudesse afetar a atividade burguesa28.
Marcado pela divisão dos poderes do Estado e pelo reconhecimento do Direito Constitucional como coluna-mestra do sistema jurídico, primou-se pelos direitos de primeira geração, ou liberdades negativas, em prol da
22 XXXXXXXXX, Xxxxx. Teoria do Estado. 7ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 40.
23 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os deveres contratuais gerais nas relações civis e de Consumo, p. 38.
24 Idem, p. 39.
25 XXXXXXXXX, Xxxxx. Teoria do Estado. 7ed. São Paulo: Malheiros, 2008.. p. 40-41.
26 Idem, p. 41.
27 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os deveres contratuais gerais nas relações civis e de Consumo., p. 39.
28 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: Conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil- constitucional, p.106.
dos interesses da burguesia, tendo a liberdade mero aspecto formal, assim como a segurança jurídica, que se entendia como mero cumprimento do estipulado29.
Por influência do Código Civil Francês - publicado em 21 de março de 1804 -, tido como consagração do individualismo, do liberalismo, do voluntarismo, da economia fundada na propriedade individual30, o contrato, nesse momento, era ferramenta apta a proporcionar a ascensão da classe burguesa, sendo um meio legal e legítimo, uma vez que fruto da vontade das partes, única fonte legitimadora. Nesse momento deu-se força máxima ao imperativo de Xxxx (quem diz contrato, diz justo), bem como às ideologias do laissez-faire, laissez- passer31.
A respeito deste momento histórico, nos ensina Xxxxxx Xxxx:
“Por longo tempo, entendeu-se que os pactos deveriam ser respeitados religiosamente (pacta sunt servanda), pois refletiam um ato de liberdade individual. O contrato, pela sua própria natureza, por decorrer de um acordo de vontades, deveria ser considerado justo e, consequentemente, era intangível, devendo ser executado, custasse o que custasse, de
acordo com a intenção das partes” 32
Não havia, pois, limitações quanto à liberdade de contratar ou contratual, de modo que o contrato era amplamente utilizado como meio de exploração da liberdade humana33. Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx:
“O contrato era válido, mas desequilibrado, o que levava uma das partes ao enriquecimento sem causa e a outra à ruína, cujos mecanismos de revisão eram escassos.
Os que buscavam a justiça na atividade contratual não a encontravam, haja vista que o contrato plasmado no Estado Liberal, mediante a lei, admitia desigualdades, imoralidades e desproporcionalidades na ambiência contratual. Nessa linha a mencionada concepção contratual trouxe injustiça e opressão à relação entre os contratantes, já que não se verificavam as diferenças e as repercussões contratuais derivadas das peculiaridades de cada caso concreto. Em consequência disso, os
29 Xxxx XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Institutos fundamentais do direito civil e liberdade(s): repensando a dimensão funcional do contrato, da propriedade e da família. Rio de Janeiro: GZ, 2011. p. 24-37.
30 XXXXXX XX., Xxx Xxxxxx. Os contratos nos códigos civis franceses e brasileiro, p. 06. In: Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários. vol. 9, n. 28. Brasília: CEJ, 1977.
31 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx. O contrato e exigências e concepções atuais, p. 11.
32 XXXX, Xxxxxxx. A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo Código Civil. In: XXXXX, Xxxxxx (Coord.); XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxx (Coord.); XXXXX, Xxxxxxx (Coord.). Aspectos controvertidos do novo código civil: escritos em homenagem ao Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. – São Paulo: Revisa dos Tribunais, 2003, p. 68.
33 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: Conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil- constitucional, p.109.
socialmente fracos sucumbiam aos ditames traçados pelos contratantes fortes, dado que o fator patrimonial sobrepujava as questões existenciais.
Além disso, os contratantes detinham interesses opostos, como se estivessem em confronto, sem que o contrato traduzisse uma relação de cooperação para o adimplemento do pactuado.” 34
Assim, à vista da injustiça decorrente de toda essa liberdade formal, percebeu-se que era inócua, posto ser o homem um ser social e, para ser livre, a liberdade deveria ser material e ensejar a igualdade de condições a toda a sociedade, sob pena de aprisionar os vulneráveis às suas liberdades individuais. Tais aspectos levaram a conflitos sociais, fragilizando as bases do liberalismo35.
As consequências da revolução industrial (1770) modificaram por completo o cenário político mundial, o ideário, antes perfeito, já não era capaz frente à nova dinâmica real da sociedade, “com cidadãos teoricamente livres e materialmente escravizados”36.
A massificação das relações contratuais acabou por gerar uma exploração desmedida da liberdade dos mais débeis e a “tão festejada liberdade contratual não dava mais conta de explicar o fenômeno da falta de liberdade material”37.
A cada nova máquina, centenas de milhares de trabalhadores perdiam suas fontes de sustento, o trabalho humano era mercadoria, as jornadas chegavam a ultrapassar quinze horas diárias em troca de salários miseráveis. Por outro lado, os donos dos meios de produção ostentavam luxo, ganância e fortunas, enquanto o Estado assistia de braços cruzados, respeitando essa tal liberdade e limitando-se a preservar a ordem pública. “Era como se o Estado reunisse num vasto anfiteatro lobos e xxxxxxxxx declarando-os livres e iguais perante a lei, e propondo-se a dirigir a luta como árbitro, completamente neutro”38.Muito embora as ideias do Liberalismo tenham empolgado o mundo com suas ideias, tais proposições estavam presentes apenas no mundo das ideias.
34 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os deveres contratuais gerais nas relações civis e de Consumo, p. 43- 44.
35 Idem, p. 44.
36 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 145-146.
37 XXXXX, Xxxxx. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil- constitucional, p. 209.
38 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 147.
Foi alertado pela encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, em maio de 1891, que o Estado passou a agir no setor econômico, sob pena de sucumbir às violentas reações de sua omissão, era “reformar-se ou perecer”39.
A proposito dessa transição, expõe Xxxxx:
“A crítica demonstrou sempre, e com exuberante evidência, a inconsistência dos princípios teóricos do liberalismo, mas não chegou ainda a uma conclusão definitiva quanto à solução do problema. O socialismo comunista, de um lado, o fascismo e o nazismo, de outro lado, foram as mais destacadas tentativas de reestruturação básica do Estado moderno. O comunismo russo surgiu como uma solução extremista, diametralmente oposta ao liberalismo, enquanto o fascismo e o nazismo foram movimentos de dupla reação, contra a decadência liberal e contra os excessos do monismo estatal russo. Todos esses movimentos reacionários, entretanto, importaram praticamente, numa transposição dos erros do liberalismo para o plano coletivista. Não resolvem os inconvenientes do regime capitalista, que apenas se deslocam para a
direção estatal, como se observa no mundo soviético” 40
Diante do insucesso do fascismo e do comunismo, e sob forte influência da Constituição do México e de Weimar, na Alemanha, emerge o ideário do Estado Social como tentativa de responder a esses novos anseios sociais41.
Sobre o Estado Social, Xxxxx Xxxxxxxxx assevera:
“tem um teor menor de neutralidade diante da chamada luta de classes ou do confronto do capital com o trabalho, porquanto, em verdade, se apresenta muito mais ativo e participante, muito mais energético e inclinado à tutela e proteção dos trabalhadores do que dos senhores e donos do poder econômico. Bem-compreendido e bem-executado, tanto favorece a estes quanto aqueles” 42
Tendo em vista a insatisfação de grandes estratos da população com a igualdade formal que explorava os contratantes mais débeis, o estado passou a intervir nas relações que eram privadas por antonomásia, utilizando-se de leis protecionistas, as quais serviam de proteção e equilibravam juridicamente as relações contratuais, atingindo a liberdade de contratar, de escolher o contratante e, até, de determinar o conteúdo do contrato43.
Ensina-nos Xxxxxxx Xxxxx que:
39 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, 147.
40 Idem, p. 149.
41 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p. 45.
42 XXXXXXXXX, Xxxxx. Teoria do Estado, p. 360.
43 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 09.
“Três modificações no regime jurídico do contrato revelam outras tantas tentativas para a correção do desiquilíbrio. A primeira consistiu na promulgação de grande número de leis de proteção à categoria de indivíduos mais fracos econômica ou socialmente, compensando-lhes a inferioridade com uma superioridade jurídica. A segunda patenteia-se na legislação de apoio aos grupos organizados, como os sindicatos, para enfrentar em pé de igualdade o contratante mais forte. A terceira, no Dirigismo Contratual, exercido pelo Estado Através de leis que impõem ou proíbem certo conteúdo de determinados contratos, ou sujeitam sua
conclusão ou sua eficácia a uma autorização de poder público.” 44
Nesse novo cenário, o estado chama para si o dever de promover a proteção dos nichos vulneráveis da sociedade45, bem como o direito privado foi sobreposto ao direito público46 por consequência da percepção de que mesmo às relações privadas impõem-se os interesses sociais.
Passa a existir o dirigismo contratual - intervencionismo do Estado na limitação da autonomia privada, a fim de equilibrar as relações contratuais, fazendo com que sejam mais paritárias -, que modifica a concepção de contrato, tirando dele a sua justeza formalista para dar lugar à paridade de forças entre os contratantes47.
O Estado passou a ter função integradora na busca de solução à desigualdades sociais e provedor de condições mínimas, vindo a participar da responsabilidade econômica como pressuposto de cumprimento de tarefas sociais, fomentando e “garantindo a manutenção, a estabilidade e o crescimento da economia”48.
Desse modo de ser, advieram conquistas de direitos sociais das relações de trabalho, da segurança social, da educação, da saúde e da habitação por parte das classes trabalhadoras. É o Welfare State, ou Estado do Bem-Estar social, onde o estado deveria efetivamente promover a materialização dos direitos fundamentais49.
44 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 09.
45 XXXXXX XX. Ruy Rosado de. Os contratos nos códigos civis francês e brasileiro, p. 6
46 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx. Globalização econômica e reforma constitucional. Revista dos Tribunais. Vol. 86. São Paulo: Revista dos Tribunais, fev. 1997. p. 12.
47 XXXXXXXX, Xxxxxxx xx Xxxxxxxx. O suposto conflito entre a liberdade de contratar e o dirigismo contratual no novo código civil, p. 137. In.: Universitas/Jus, Revista da Faculdade de ciências jurídicas – FAJS. n. 12 julho/2005. Brasília: Uniceub, 1998.
48 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Teoria do Estado: Introdução. 2. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Xxx Xxx, 2004. p. 211.
49 Idem, p. 212.
Esse Estado, em meados da década de 1960 entrou em crise devido a fenômenos como o regime de acumulação do pós-guerra, a internacionalização dos mercados e a transnacionalização da produção, época em que o Estado Social foi reduzido a mero Estado Assistencialista, o que gerou monopólio da produção de bens e serviços devido a privatização de bens e serviços, direitos sociais sem eficácia, insegurança nos empregos e altos índices de desemprego50.
As intervenções do Estado Social do Bem-Estar estavam em questionamento, pois prejudicavam a produtividade, a inflação e aumentavam o déficit público, problemas que os neoliberais propuseram resolver com o retorno do Estado à sua tradicional função, deixando para a iniciativa privada as demandas econômicas, reprivatizando serviços de interesses sociais, restringindo a atuação estatal em garantir direitos e liberdades, bem como a burocracia e a desoneração dos serviços públicos51.
Diante de tais fatores, acrescidos da crise do petróleo, de 1973 e de 1979, fizeram com que a liberdade material que vigorava não fosse mais suficiente, o povo queria poder e o Estado Social do Bem-Estar Social falhou, abrindo portas para um modelo Democrático de Direito52.
Esse novo modelo é onde o Direito deve representar a vontade do povo, o qual ostenta quatro dimensões: juridicidade, sustentabilidade ambiental, socialidade e democracia53.
O Estado Democrático de Direito é o empunhado pela Constituição do Brasil, de 1988, que, diferente de sua antecessora, não apenas uma carta política, mas uma carta hermenêutica do complexo jurídico, isto é, uma Constituição que se espraia por todo o sistema jurídico, inspiração cogente ao intérprete da norma positivada, de modo a comover todo o universo para a direção
50 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Teoria do Estado: Introdução, p. 213-214
51 Idem, p. 215.
52 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Duzentos Anos de Historicidade na Ressignificação da Ideia de Contrato, p. 201-202 In: MARQUES. Xxxxxxx Xxxx (coord.). Revista de direito do consumidor. vol. 90, nov.- dez. de 2013.
53 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p. 61.
das diretivas constitucionais, não só no que diz respeito às relações públicas, mas também às privadas54.
Constitucionalizou-se, pois, o Direito Civil55, irradiando a ele os princípios e valores norteadores da Lex Mater, se desacorrentando da clássica da proteção da propriedade em prol das pessoas. O contratante, como pessoa humana que é, passa a ter valor maior que o proveito gerado por relações jurídicas.
À guisa dessa compreensão, nos esclarece Xxxxxxxxx que:
“o proprietário é substituído pela pessoa humana, pensada, agora, não mais como uma abstração com potencial liberdade para contratar, mas por sua existência concreta. Aliás, no âmbito dos contratos as implicações da constitucionalização do direito civil são bastante significativas, impondo aos contratantes o dever de considerar – a todo tempo e o tempo todo – os interesses do(s) outro(s), e não apenas os seus. Despido de tais premissas, não há contrato que mereça proteção do direito: o contrato deve servir à pessoa, e não o contrário. E cada pessoa deve preocupar-se
com o outro, pois é nele que se reconhece como humano.” 56
Outro sentido também é construído para os contratos, haja vista a nova realidade de contratos massificados e o longo alcance de seus efeitos, potentes de serem percebidos por outras pessoas e relações jurídicas, não sendo mais possível separar o contrato do meio que se encontra xxxxxxx00.
A propósito da concepção do contrato no Estado democrático de direito, nos prestigia Gerchmann:
“o contrato – na contemporaneidade jurídica brasileira – deve ser lido como uma relação equilibrada, leal e solidaria, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais que repercutem não apenas na esfera de atuação de cada contratante – ou de seus sucessores-, mas que atingem, também, terceiros diretamente envolvidos (ou não) na relação jurídica negocial, sem o que ele não será merecedor de aplausos dos que vivenciam, diuturnamente, a história da vida privada representada
incessantemente no palco da cidadania.” 58
Percebe-se que o contrato se adaptou a cada sociedade, ganhando flexões variáveis a depender da estrutura e dos valores de seus
54 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Duzentos Anos de Historicidade na Ressignificação da Ideia de Contrato, p.
201-202.
55 Idem, p. 201-202.
56 Idem, p. 204.
57 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Duzentos Anos de Historicidade na Ressignificação da Ideia de Contrato, p. 205.
58 Idem, p. 207.
manuseadores. De formalista e típico, em Roma, passou a ser instrumento vinculatório com autoridade de lei entre seus partícipes, na Revolução Francesa, inspirado pelo Code. Tal perspectiva se viu afetado pelo advento dos ideais comunistas russos e da Constituição de Weimar, na Alemanha, que implementaram, vagarosamente, a primeira ideia de limitação da liberdade de contratar, ainda de forma tímida59, essas constituições foram as primeiras a buscarem um consenso entre os direitos de liberdades e direitos socioeconômicos60.
A partir do século XX61, a humanização das relações contratuais, iniciada a partir da ideia de não atacar o corpo do devedor, ganha força, passando agora a ser compreendido como instrumento de desenvolvimento e semeador da dignidade humana62, tendo sua importância sustentada por relações vetoriais em mesmo sentido, tanto entre os contratantes quanto entre eles e a sociedade pelo contrato afetada.
A concepção do contrato passou por diversas mudanças no passeio do tempo, deixando, cada uma delas, uma cicatriz que nos mostra que esse instituto, destinado a reger as interações sociais particularizadas, tem muita importância e poder para petrificar-se nos interesses dos contratantes - só como contratantes considerados -, mas deve ser prestigiado em sua significação instrumental para a interação entre pessoas, em sentido antropocêntrico.
É esse contrato recheado de história que chegou à atualidade para enfrentar circunstâncias inéditas, que exigem soluções inovadoras e uma concepção que se adeque a sua realidade social, bem como que seja tão fluido quanto ela.
59 XXXX, Xxxxxx. Direito Civil: Direito das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 242-243.
60 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Teoria do Estado: Introdução, p. 205.
61 WALD, Aroldo. Direito Civil: Direito das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos., p. 244.
62 Xxxx XXXXXX, L. E. ; PIANOVSKI XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. A dignidade da pessoa humana no direito contemporâneo: uma contribuição à crítica da raiz dogmática do neopositivismo constitucionalista. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 35, p. 101-119, 2008.
1.2. As Relações Contratuais da Atualidade
A relação contratual sofreu profundas mudanças, fruto das transformações econômicas, sociais e políticas experimentadas no último século63. A contratualidade oferece desafios decorrentes das tecnologias que deixam em cheque os princípios e as normas na tentativa de encontrar sintonia entre o modelo contratual paritário e as relações massificadas, bem como na busca do amadurecimento das incipientes relações coletivas, plúrimas e difusas64.
Para a análise das relações contratuais da atualidade, é necessário perpassar pelas novas espécies da tipologia contratual (os contratos de adesão às condições gerais e os contratos eletrônico, por exemplo) e pelo chamado dirigismo contratual, haja vista serem esses temas os que desafiam a compreensão do contrato na contemporaneidade.
As transformações pelas quais passou (e passa) o contrato foram exigências do dinamismo social para que o instituto tenha a maior estabilidade e continuidade, demandando objetividade, impessoalidade e autonomia do contrato, pois a antiga concepção contratual, individualista, fechado e pouco dinâmico imprima uma odiosa cizânia entre teoria e realidade65.
Ao se falar em contrato na atualidade não se deve enxergar, como antes, uma mera obrigação do devedor em face do credor. Agora se fala em uma cooperação entre os contratantes para que ambos alcancem o fim útil que buscam na relação estabelecida66.
No campo consumerista o contrato está marcado pelas novas necessidades de consumo, cuja satisfação é cada vez mais fugaz, uma vez que os bens não se limitam a sua utilidade - tal como as necessidades contemporâneas -, mas é símbolo de reconhecimento, poder e status – o celular deve ser o mais atual, o carro tem que ser do ano etc. -, de modo que o consumidor nunca está satisfeito
63 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988. p. 295.
64 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva Civil- Constitucional, p. 114.
65 Xxxxx, Xxxx. O contrato, p. 309-310.
66 XXXXX, Xxxxx. o Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva Civil- Constitucional, p. 205.
com o que tem, mesmo que o bem atenda o seu fim, impelindo-o a ter que estar sempre consumindo67.
Essas relações de consumo, não bastasse o já dito, são, na esmagadora maioria das vezes, instrumentalizadas por contratos de adesão às condições gerais, também chamados de contratos estandardizados. Essa técnica contratual anula qualquer margem de negociação entre seus partícipes, uma vez que o contrato já se encontra estabelecido unilateralmente, minimizando os custos da negociação e oferecendo ao aderente a mera opção de aceitar ou rejeitar o contrato. Percebe-se que os contratos de adesão às condições gerais expurgam a fase pré-contratual68.
O uso do contrato de adesão às condições gerais é cada vez mais comum, pois proporciona à oferta um caráter geral e uniforme capaz de alcançar com a máxima agilidade um grande número de possíveis aderentes, qualidade que vem a calhar para instituições que procuram um elevado número de relações contratuais como, por exemplo, fornecedoras multinacionais e grandes indústrias. Noutro giro, a técnica contratual de adesão às condições gerais enfraquece a proteção da relação contra clausulas abusivas69.
O contrato pela técnica da adesão às condições gerais torna o seu aderente ainda mais vulnerável quando se passa a abordar a sua experiência no comércio eletrônico (internet, telecomunicações e demais redes eletrônicas), tendo em vista que o meio virtual despersonaliza mais ainda o contrato e banaliza a internacionalização das contratações, bem como imaterializa o próprio contrato. Nesse novo espaço, os contratos perdem seu elemento territorial para a virtualidade, sua oferta é global e um simples click em uma imagem pode significar aceite70.
67 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxx Xxxxxxx de. O Encobrimento do Real: poder e ideologia na contemporaneidade. Revista eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 16, dezembro, janeiro, fevereiro, 2009. Disponível na internet: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxx.xxx. Acesso em: 25 de abril de 2014.
68 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 6.ed. rev., atual. e ampl. São Paulol: Revista dos Tribunais, 2011. p. 76.
69 Idem, p. 82.
70 Idem, p. 113.
Em certos casos, como na renovação obrigatória de locação comercial, a declaração de vontade torna-se desnecessária, em outros a vontade é mero elemento de um vínculo pré-moldado, como os contratos de adesão às condições gerais, existem também aqueles contratos que sequer podem ser rejeitados, dada a sua imprescindibilidade (pedágio, transporte coletivo, etc.)71.
As circunstâncias apontadas exigem, sem dúvida, a intervenção do Estado, seja essa legislativa, administrativa ou judicial, para blindar os vulneráveis de suas fragilidades72. É o chamado dirigismo contratual.
Aponta Xxxxx Xxxxxxxxx00 que o dirigismo contratual possui quatro ordens, quais sejam, (i) a garantia subjetiva processual contra os defeitos de consentimento do contrato e os deveres contratuais gerais, (ii) garantia processual de grupos vulneráveis (consumidores, trabalhadores etc.), (iii) garantia a uma ordem de coordenação na proteção do objeto contratual, na regulamentação do patrimônio como atributo pessoal, no fomento ao livre comércio de bens na interpretação dos contratos vinculantes aos deveres contratuais gerais, nas hipóteses de revisão contratual por onerosidade excessiva, por imprevisão ou por abuso de direito e (iv) garantia a uma ordem pública de direção da ordem econômica constitucionalmente estabelecida.
A busca pela mitigação das diferenças e de desenvolvimento social, bem como as Constituições sociais do último século - e suas respectivas normas programáticas -, exigiram a intervenção estatal no domínio econômico e nas relações contratuais se tornaram cogentes, sob pena de ineficácia das ditas normas. Por força do interesse socioeconômico, o princípio da supremacia da ordem publica alcançou as relações contratuais74.
A Constituição passou a ser garantidora da promoção da justiça social, forçando a observância da igualdade substancial nos contratos em busca de uma sociedade livre, justa, solidária e plural75. Percebe-se aqui, nitidamente, a
71 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva Civil- Constitucional, p. 114-115.
72 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais nas Relações Civis e de Consumo, p. 73.
73 Idem, p. 75.
74 SETTE, Xxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito dos Contratos: seus princípios fundamentais sob a óptica do Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 24-25.
75 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx. Transformações Gerais dos Contratos. Revista trimestral de Direito civil, v. 16, p.
constitucionalização do Direito Civil, que se apresenta sob a dimensão formal, por força da presença da lei civil no texto constitucional, e material, pois a Constituição passou a ser fonte axiológica do Direito civil76, bem como prospectiva, que diz respeito à ressignificação da norma constitucional frente às mudanças sociais77.
Além do dirigismo contratual, Xxxx Xxxxx00 aponta para uma tendência do abandono da teoria da vontade para a adoção da teoria da declaração, de modo que seus elementos passam a ser objetivos, ou seja, externos e socialmente reconhecíveis, ao invés da subjetividade dos elementos psicológicos individuais, uma vez que essa é a exigência das relações massificadas da contemporaneidade.
Nesse diapasão, a concepção tradicional de contrato não é suficiente para instrumentalizar a contento as relações sociais na atualidade, consoante nos explica Xxxxx Xxxxxxxxx:
“Além disso, ela [concepção tradicional de contrato] se baseia em uma concepção estática de direito subjetivo ativo do credor em exigir a prestação de um devedor de adimpli-la do devedor sem considerar a obrigação como um processo, os contratos como uma atividade, a função dos contratos, o interesse do devedor e da sociedade, situações jurídicas em que se encontram credor, devedor e terceiros quando pactuam contratos. O princípio da solidariedade constitucional ilumina a compreensão do intérprete da integralidade da situação jurídica subjetiva que envolve a atividade contratual.
Manter situações novas em roupagens antigas é a técnica utilizada pelos menos conservadores inteligentes, que nada acrescentam ao conteúdo da situação e não a resolvem de forma adequada. Eles procuram explicar os contratos contemporâneos pela teoria do negócio jurídico expondo a estrutura e os conceitos gerais dos diversos tipos de negócio, mas ocultando que o fundamento ideológico do negócio jurídico (liberalismo econômico) é diverso dos atinentes aos contratos atuais (cooperação e justiça).
O negócio é ato isolado e abstrato e o contrato uma atividade concreta, a ensejar a desnecessidade de existência da figura do negócio jurídico – generalidade que não explica a multiplicidade de sentidos dos contratos – visto estar fortemente impregnado pela concepção individualista da
103-113, out.-dez. 2003.
76 XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. A Função Social do Contrato no Novo Código Civil e sua Conexão com a Solidariedade Social. In: Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxx. O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
77 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Apresentação. In.: XXXXXXXX XXXXXX. Xxxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxx de; FACHIN, Xxxx Xxxxx; NALIN. Paulo. (Coords.). Apontamentos críticos para o direito civil brasileiro contemporâneo: Anais do projeto de pesquisa virada de compérnico. Curitiba: Juruá, 2009. p. 9-15.
78 XXXXX, Xxxx. O Contrato, p. 298.
vontade, não obstante o CC/2002 – arts. 104-184 – e parte da doutrina conferirem significativa importância ao instituto.” 79
As novas relações contratuais são dinâmicas, vultosas e tão diversas quanto se possa imaginar, não podendo o instituto contratual, como acima exposto, ser condensado no negócio jurídico, visto que é mais amplo. Consoante o autor retromencionado expõe, o contrato da atualidade é:
“atividade que conjuga objetivamente interesses materiais e (ou) existenciais para o atingimento de um fim pelos contratantes, cuja autonomia privada molda-se à observância dos deveres contratuais gerais, tendo em vista a produção de efeitos jurídicos do pacto perante terceiros de forma direta ou indireta”80
Dissecando o conceito de Xxxxx Xxxxxxxxx, tem-se que o contrato é atividade, visto que não é ato isolado, mas um conjunto deles que se apresentam antes mesmo da formação do contrato e perpetua-se para além de seu cumprimento; que conjuga objetivamente interesses materiais e (ou) existenciais, ou seja, conjuga de forma pragmática interesses úteis e econômicos da relação, tanto dos contratantes quanto dos alcançados pela relação; para o atingimento de um fim pelos contratantes, é o porquê e para quê do contrato; cuja autonomia molda-se à observância dos deveres contratuais gerais, funções (social, ambiental, econômica e cultural81) e princípios contratuais (boa-fé, justiça, equidade, solidariedade etc.); tendo em vista a produção de efeitos perante terceiros de forma direta ou indireta, isto é, levando em consideração os desdobramentos do contrato em relação aos não contratantes de forma direta, fruto da própria relação contratual, ou indireta, derivado das consequências contratuais.
Na atual concepção, a vontade deixa de ser a essência do contrato, sendo esse papel ocupado pelo interesse social; Não é a vontade, mas a consideração dos efeitos sociais que ganha relevância; A lei passa a ser limitadora e legitimadora da autonomia privada dos contratantes; É instrumento intersubjetivo que, assim como a propriedade, agora é regulado e limitado pela função social que lhe é própria82.
79 FROTA. Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais nas Relações Civis e de Consumo, p. 77. 80 FROTA. Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais nas Relações Civis e de Consumo, p. 78. 81 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx dos. A função social do contrato. Florianópolis: OAB/SC, 2004.
82 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 210-211.
Princípios tradicionalmente privados sobem ao posto de princípios de ordem publica, e as relações intersubjetivas são pautadas nos direitos fundamentais trazidos pela Constituição Cidadã. É por esses novos óculos que as relações contratuais devem ser vistas e interpretadas, partindo-se do caso concreto para o qual se busca solução, em todas as suas nuances83, sempre de forma integrada ao sistema jurídico, mas afastando tanto a vontade quanto a própria lei, quando contrariarem os legítimos interesses xxxxxxx00.
O reconhecimento da influência social nas relações intersubjetivas afastou o positivismo dedutivo e o ideal do liberalismo puro, analisando o fenômeno de uma forma mais tópica e pautando-se em conceitos mais abertos, sem o exagero do tecnicismo. Menos conceituais e mais funcionais, as leis oferecem mais concretude e margem para o julgador usar os princípios direcionadores dessas relações, exigindo-se dos contratantes que se movimentem dentro dos limites da boa-fé objetiva, oferecendo contraprestação à confiança nele depositada pelo outro contratante e pela sociedade85.
Alguns, no entanto, ao se depararem com essa nova concepção, temem estar diante de um processo de desconstrução do instituto, um verdadeiro esfacelamento do contrato ante a derrocada de seus fundamentos mais rijos.
1.3. Crise dos Contratos?
A palavra crise, segundo o dicionário Xxxxxxx, pode significar “ponto de transição entre um período de prosperidade e outro de depressão” ou ainda “manifestação violenta e repentina de ruptura de equilíbrio”, definições que parecem não condizerem com o que aqui tenta se expressar. Ao final da definição ofertada pelo dicionário, agora sim, nos presenteia o dicionário: “Situação de grave em que os acontecimentos da vida social, rompendo padrões tradicionais, perturbam a organização de alguns ou de todos os grupos integrados da sociedade”86.
83 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais nas Relações Civis e de Consumo, p. 91-92.
84 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx da. Hermenêutica Contratual. São Paulo: Atlas, 2011. p. 243.
85 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 213-214.
86 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba:
Como se tentará demonstrar, a melhor definição da palavra a ser aplicada ao atual cenário contratual é essa última, pois se há crise no contrato, esta crise é no sentido de uma ruptura de padrões tradicionais, caminhando para um desenlace de adaptação às exigências hodiernas, contudo essa ruptura incomoda os conservadores.
Parcela dos estudiosos da teoria dos contratos, adotando obras como a de Xxxxx Xxxxxxx, “The Death of Contract”, apregoam a hecatombe das bases teóricas do contrato87, tendo em vista o que chamam de crise das relações contratuais, uma vez que a autonomia privada, tradicional, núcleo dessas relações, se percebe limitada na formulação do conteúdo dos pactos88, bem como um desajuste entre o contrato paritário e as relações de massa89.
Parece haver contradição, no entanto, entre tais argumentos e a realidade, visto que, se o contrato está em crise ou decadência, por que se multiplicam tanto as relações contratuais quanto suas espécies90? A crise que existe, em verdade, é uma crise de adaptação à socialização do direito, que exige maior liberdade para o juiz analisar as peculiaridades de cada caso concreto e maior inspiração social das normas, o contrato ganha a função de realizar a justiça e o equilíbrio das relações contratuais91.
Essa temeridade que alguns denominam de crise é fruto do apego às bases teóricas de outrora, pois sem elas, frente à fluidez das inovações, se percebem inseguros e desconfortáveis92. Para estes, há uma “crise de desconstrução, de fragmentação, de indeterminação, à procura de uma nova racionalidade, de desregulamentação e de deslegitimação de nossas instituições”93, tal entendimento deriva da persistência em conceber o contrato,
Positivo, 2004. p.576.
87 TARTUCE, Xxxxxx. Direito Civil, v. 3: teoria geral dos contratos e contratos em espécie, 8. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 6.
88 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais nas Relações Civis e de Consumo, p. 68.
89 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva Civil- Constitucional, p. 114.
90 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato. 2. ed. São Paulo: Método, 2004. p. 52-53.
91 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos No Novo Código De Defesa Do Consumidor, p. 159-162.
92 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Um novo paradigma dos contratos?. Revista Crítica jurídica, Rio de Janeiro. FGV, n.
18. Jun. 2001. p. 1. Disponível em: <xxxx://xxxxxxxxx.xxxxxxx-xxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxx/0/00/Xxxx. Grau_paradigma.contratos.pdf>. Acesso em: 03 de mai. de 2014.
93 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 164.
exclusivamente, no plano metafísico, abstrato e dissociado da realidade, entendendo o direito subjetivo como uma faculdade94.
Parece mais que há não uma crise, mas a necessidade avanço teórico. Tal necessidade tem por objetivo firmar valores sociais e éticos, mais condizente com a perspectiva Constitucional95. A complexidade e o dinamismo não encontram suporte na literalidade dos textos legais, mas exigem delas certa flexibilidade para eventuais peculiaridades de cada caso, ao mesmo tempo em que precisa de uma base estanque para que se possa orientar o caminhar entre as diversas formas de expressão do Direito.
Não há crise do contrato, mas inovação que supera a clássica compreensão do instituto, frente ao hiperconsumismo e ao supercapitalismo96. Trata-se de uma revolução nas relações intersubjetivas ante as novas experiências tecnológicas.
É forçosa a superação da clássica teoria pautada no pacta sunt servanda, para que se dê lugar à concretude dos interesses substanciais, em vez da antiquada análise formal, o que implica a objetivação e despersonalização do contrato97.
Essa objetivação e despersonalização (repersonalização, em verdade98), explica Xxxx Xxxx00, se divide em três aspectos que têm causado a dita impressão de crise da teoria contratual, quais sejam, (i) o abalo da teoria contratual tradicional pela ampliação da responsabilidade, conjuntamente com o uso do princípio que veda o enriquecimento sem causa, (ii) a confusão conceitual entre direito subjetivo e facultas agendi e (iii) a nova força da interpretação dos enunciados normativos.
É possível enxergar a referida ampliação da responsabilidade, por exemplo, no Código de Defesa do Consumidor, quando atribui ao produtor – aquele que, muitas vezes, não tem nenhum vínculo jurídico com o consumidor –
94 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Um novo paradigma dos contratos?, p. 5.
95 I MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 199-200.
96 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os deveres Contratuais nas Relações Civis e de Consumo, p. 68.
97 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Um novo paradigma dos contratos?, p. 3.
98 Xxxx XXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p. 165.
99 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Um novo paradigma dos contratos?, p. 3-4.
responsabilidade sobre o fato de produto seu, objeto de contrato firmado entre terceiros (intermediário e consumidor)100.
Importante, também, é ressaltar a diferença entre faculdade de agir e direito subjetivo, este é a permissão legal para aquele, isto é, o texto legal atribui o direito subjetivo ao indivíduo de agir ou não agir (facultas agendi), sempre nos limites da própria permissão legal101.
Sobre o último aspecto apontado por Xxxx Xxxx, tem-se que o texto e a norma não se embaraçam, sendo que aquele não é detentor de conteúdo antes que o intérprete o substancie com seu entendimento. É a interpretação que faz ganhar vida o texto posto, transformando-o em norma, que deverá, com a ajuda do exegeta, amoldar-se ao caso peculiar ao qual se presta apaziguar102.
O enunciado normativo de nada serve para a resolução dos litígios contratuais sem a devida interpretação, esta sim, capaz de amoldar-se tempestivamente às novidades das relações contratuais e eficaz em garantir a verdadeira segurança jurídica, a qual exige em contrapartida, apenas, a boa-fé dos contratantes; a segurança jurídica não se presta mais a proteger abusos de poder (econômico, jurídico ou qualquer outra espécie), enriquecimento sem causa ou quaisquer dissimulações contratuais, mas está a serviço da equidade, da proporcionalidade e da justiça contratual, tudo em nome da dignidade humana e dos demais princípios diretivos impostos pela Constituição e pelo Código Civil de 2002103.
A insegurança que se sente, especialmente nos contratos, é desdobramento da necessária delegação da análise “caso a caso” pelo magistrado, esvaziando a obrigação legislativa de abarcar abstratamente cada hipótese e indicar as respectivas soluções, para armar o juiz do poder de interpretar o texto legal teleológicamente, de modo a preenchê-la de realidade em busca da paz social104.
100 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Um novo paradigma dos contratos?, p. 3.
101 Idem, p. 4.
102 Idem, p. 4.
103 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil – constitucional, p. 212-213.
104 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Um novo paradigma dos contratos?, p.1-7.
Há de se perceber que o legislador é incapaz da onisciência, sendo, assim, impossível prever e estudar cada caso em abstrato em busca de sua solução, motivo pelo qual se justifica o alargamento da apreciação do juiz nesse novo cenário105.
Se há crise, essa crise não é no contrato ou no direito, mas uma crise da razão, conforme explica Xxxxxxx Xxxxxxx:
“[...]Basta observar a sociedade brasileira desde o século XXI, onde convivem a ‘idade média’ das favelas, a ‘modernidade’ dos parques industriais fordistas e a ‘pós-modernidade’ das relações virtuais, desmaterializadas, cada vez mais fluidas e instáveis, a sociedade de informação, a globalização niveladora das cultura, a riqueza especulativa pós-fordista, o renascimento das identidades, tudo na mesma sociedade, convivendo e interagindo entre tolerância e radicalismo, exclusão e setores de excelência – basta receber esta nova imagem para concluir: algo mudou. Se a crise da pós-modernidade não é diretamente uma crise do direito, mas uma crise da razão, inegável porém, que hoje alcança
todas as ciências em especial a nossa ciência.” 106
A crise é, pois, do Estado do bem-estar social, fruto do insucesso dos ideais da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), irrealizados e irrealizáveis a todos, mas apenas para uma minoria107.
Nessa ordem de ideias, a revolução contratual traz como um de seus coronários a sua função social, que abre os caminhos para uma compreensão vanguardista das relações intersubjetivas, tema que se passa a prestigiar.
105 SAMPAIO, Rodolpho Barreto Junior. A cláusula geral da função social dos contratos: entre um sistema aberto e um sistema impositivo. Revista do Conselho Nacional de pesquisa e pós Graduação em Direito. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxx/xx dolpho_barreto_sampaio_junior- 1.pdf>. Acesso em: 18 de ago. de 2014.
106 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 165-167.
107 SAMPAIO, Rodolpho Barreto Junior. A cláusula geral da função social dos contratos: entre um sistema aberto e um sistema impositivo, p. 167.
Capítulo 2 A Função social do contrato
A par da das informações expostas no primeiro capítulo, explorar- se-á, neste, especificamente a sua função social, inicialmente abordando os sentidos que tal expressão pode ter, a fim de encontrar o que seja mais adequado para o estudo do instituto na ciência jurídica.
Após determinado o melhor entendimento da expressão “função social”, navegar-se-á nos pormenores da função social do contrato em busca da compreensão da sua utilidade, indicando sua natureza jurídica, sua eficácia e demais aspectos relevantes.
Nessa ordem de ideias, faz-se importante a abordagem de como o sistema jurídico pátrio trata do assunto, adentrando sua previsão no Código Civil Brasileiro de 2002, bem como expondo as críticas feitas ao texto normativo que o prevê.
Xxxxxxxxxx as nuances da função social, serão visitados argumentos que alardeiam que o contrato se encontra em crise, analisando o que levou a tal entendimento e confrontando com a realidade contratual.
Por derradeiro, enfrentar-se-á os campos do princípio da segurança jurídica na tentativa de explica-la e de verificar se a função social do contrLato tem abalado suas estruturas.
2.1. Função Social: um sentido possível
O exame do que vem a ser “função social” é imprescindível para a evolução ordenada das ideias a seguir expostas sobre sua aplicação perspectiva contratual.
Em busca dessa compreensão, inicialmente é preciso decifrar a expressão “Função Social”. A primeira palavra, que advém do latim, functio, significa genericamente cumprir algo, ou desobrigar-se de dívida ou tarefa108.
108 XXXXXX XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A Função Social no Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 130.
Função possui vários sentidos que variam a depender do campo da ciência a que se refere (sociais, biologia e matemática) e, mesmo se considerando apenas as ciências sociais, a palavra possui várias concepções109. Para Xxxxxxxx Xxxxxx, por exemplo, a função é “a prestação continuada que determinado órgão dá à conservação e ao desenvolvimento, de acordo com um ritmo de nascimento, crescimento e morte de um dado organismo” 110.
Há, pelo menos, três concepções da palavra no campo das
ciências sociais: teológica, mecanicista e positivista111.
A teológica pode ser compreendida como a forma de satisfação das necessidades humanas através de sua organização cultural das atividades sociais, traz, em verdade, a ideia de “fim” 112, que, segundo Xxxxx Xxxxx adverte, não deve ser confundida com função, apegando-se para tanto às palavras de XXXXXX, quem expõe:
“(...) entre fim e função de uma determinada estrutura, entende-se o primeiro como destinação a uma tarefa abstratamente fixada e imóvel, a outra como histórico e concreto movimento diante da situação sempre renovada e diversa” 113
A segunda concepção apontada, a mecanicista, traz função como xxxxx entre um fato e seus efeitos socialmente úteis, estes determinados e não determinantes114.
A concepção positiva, por fim, é uma relação lógica de interdependência de uma atividade parcial e uma atividade total ou entre um componente estrutural e a continuidade da estrutura, em suas partes ou como um todo, representando-se os elementos dessa relação de modos diversos e em graus variados, quer como determinados, quer como determinantes115.
109 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Institutos Fundamentais do Direito Civil e Liberdade(s): repensando a dimensão funcional do contrato, da propriedade e da família, p. 143
110 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de. Função Social do Contrato. 1ª ed. São Paulo: Saraiva.2004. p. 110.
111 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Institutos Fundamentais do Direito Civil e Liberdade(s): repensando a dimensão funcional do contrato, da propriedade e da família, p. 143
112 Idem, p. 143
113 XXXXXX, Xxxxxxx. Il terrible diritto: studi sulla proprietá privata. 2.ed. Bolonha: Il Mulino, 1990. p. 227. In.: XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil – constitucional, p. 227.
114 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Institutos Fundamentais do Direito Civil e Liberdade(s): repensando a dimensão funcional do contrato, da propriedade e da família, p. 143.
115 Idem, p. 143
Mais acertado é o conceito de Xxxxxx Xxxxxxxxx000, qual seja, uma função que consiste na “promoção, exercício e proteção de liberdade das pessoas em relação”, pois é este o sentido que a palavra exerce no tema em estudo.
Social, por sua vez, diz respeito à sociedade, igualmente difícil de definir. Xxxxxx Xxxxx compara a sociedade a uma “rede em constante movimento, como um tecer e destecer de ligações”, segundo ele “é assim que efetivamente cresce o indivíduo, partindo de uma rede de pessoas que existiam antes dele para uma rede que ele ajuda a formar” 117, ou seja, é uma unidade formada por vários átomos, que com eles não se confundem, mas que por eles é afetada.
O dicionário Aurélio118 explica que social é o que interessa à sociedade. Já para Xxxxxxx Xxxxxxx000, trata-se do que pertence a todos, do que diz respeito ao bem-estar das massas. Isoladamente os conceitos parecem incompletos, mas juntos trazem melhor definição, pode-se dizer que o social, da “função social”, é o que é útil para a sociedade, aperfeiçoando-a, integrando-a, coordenando-a, viabilizando interações de maneira a não prejudicar os interesses comuns.
Nessa perspectiva, a função, quando adjetivada por “social”, indica um “conjunto de atividades e papéis exercidos por indivíduo ou grupos sociais, no sentido de atender necessidades específicas”, cujo objetivo transcende o interesse do titular do direito e mostra-se como de interesse coletivo120.
2.2. Função Social do Contrato
A ideia da existência de uma qualidade social atrelada ao direito privado não é nova. Existem resquícios convidativos desta qualidade tanto no
116 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Institutos Fundamentais do Direito Civil e Liberdade(s): repensando a dimensão funcional do contrato, da propriedade e da família, p. 149
117 XXXXX, Xxxxxxx. A sociedade dos indivíduos. Xxxxx Xxxxx Editor, Rio de Janeiro, 1994. p. 35. In.: XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Institutos Fundamentais do Direito Civil e Liberdade(s): repensando a dimensão funcional do contrato, da propriedade e da família, p. 219.
118 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa, p. 1864.
119 XXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p.1761.
120 COMPARATO, Xxxxx Xxxxxx . Função Social da Propriedade dos Bens de Produção. Revista De Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 63, 1986. p. 71-79. In.: XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de. Função Social do Contrato. 1ª ed. São Paulo: Saraiva.2004. p. 110.
Velho e Novo Testamento da Bíblia quanto nas obras dos grandes filósofos, como Xxxxxxxxxxx, e no Direito Romano121.
Apesar disso, tal ideário veio à tona apenas com o declínio do individualismo, impulsionado pela doutrina social da Igreja, sobretudo pelos estudos de Xxx Xxxxx xx Xxxxxx000.
São Tomás já percebia que a propriedade era um bem de produção e não de simples especulação, como um bem meramente constituidor da riqueza de alguém. Ante a necessidade de alimentação para a sobrevivência do homem, não deveria o que tem propriedades deixar de promover a produtividade delas, as terras, até que a todos fosse garantido ao menos o essencial, ressalvada a legitimidade de uns possuírem mais que os outros, desde que não falte aos demais o vital, daí vêm a ideia de função social da propriedade123, também posteriormente abordada por Ihering124.
A perspectiva coletiva da propriedade privada é, implicitamente, o motivo pelo qual se estendeu essa compreensão aos contratos. É bem verdade que na propriedade a qualidade de função social se encaixa com maior facilidade, haja vista a relação entre proprietário e propriedade ser, por si só, erga omnes, ou seja, já atinge à coletividade, diferente do que acontece nos contratos, principalmente quando sob a ótica da antiquada concepção tradicional do instituto125, todavia não poderia o instituto atribuidor da propriedade não ter, também, uma função xxxxxx000. Outrossim explica Xxxxxx Xxxxx:
“Um dos motivos determinantes desse mandamento resulta da Constituição de 1988, a qual, nos incisos XXII e XXIII do Art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade que “atenderá a sua função social”. Ora, a realização da função social da propriedade somente se dará se
igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não
interessam somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade.”
127
121 HIRONAKA, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx. Direito Civil: estudos. Belo Horizonte: Xxx Xxx, 2000. p. 102.
122 Idem, p. 102.
123 Idem, p. 103
124 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Institutos Fundamentais do Direito Civil e Liberdade(s): repensando a dimensão funcional do contrato, da propriedade e da família, p. 168.
125 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: Conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil- constitucional, p. 221.
126 Idem, p. 216.
127 XXXXX, Xxxxxx. Função Social do Contrato. Disponível
Não só a propriedade ou os institutos jurídicos têm funções sociais, mas também, e principalmente, os indivíduos, enquanto protagonistas existenciais. É nesse sentido o entendimento de Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, inspirado pela doutrina do filósofo francês Xxxx Xxxxxx:
“Para motivar e justificar a noção da função social, exprime [Duguit] que todo indivíduo tem na sociedade uma certa função para preencher, uma certa tarefa para executar. Não pode deixar de cumprir esta função, de executar esta tarefa, porque de sua abstenção resultaria uma desordem ou quando menos um prejuízo social. Por outra parte, todos os atos que realizasse contrários à função que lhe incube serão socialmente reprimidos. Porém, todos os atos que lhe forem realizados para o cumprimento da missão que lhe corresponde em razão do lugar que ocupa
na sociedade serão socialmente protegidos e garantidos” 128
Se, como visto, a propriedade é detentora de função social, bem como o indivíduo o é, diferente não poderia ser com o instrumento que atribui um ao outro, o contrato.
Essa função social que o contrato exerce representa “a livre promoção da circulação de bens e serviços de forma a se implementar efetivamente o bem comum, a igualdade material, a justiça social, e, principalmente, a dignidade da pessoa humana”129, ou seja, é a determinação de que haja conformidade entre os interesses dos contratantes e os sociais, sempre que estes estejam presentes130.
O exercício contratual sem observância de sua função na sociedade configura fraude ao direito, que não deve ser confundida com violação do direito, conforme expõe Xxxxx Xxxxx:
“Nesta [violação do direito] a Lei é violada objetivamente, naquela [fraude ao direito] a Lei, objetivamente considerada, é cumprida, mas é vulnerada sob o aspecto subjetivo, ou seja, não se vislumbra o texto da lei, mas o seu espírito intensão ou finalidade.” 131
Com efeito, pode-se dizer que, não só o contrato e a propriedade, mas todo o direito, tanto quanto seus institutos jurídicos, deve exercer função social. É o que a doutrina tem chamado de funcionalização dos direitos, os quais
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx.xxx> Acesso em 05 de maio de 2014.
128 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato, p. 109-110.
129 SETTE, Xxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito dos Contratos: seus princípios fundamentais sob a ótica do Código Civil de 2002. p.68.
130 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx. Direito Civil: Contratos. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 69.
131 XXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx. Direito Civil: Contratos., p. 68.
têm ganhado novas funções identificadas nos valores constitucionais democráticos. Dessarte, o direito deve ser harmônico à finalidade, que é sempre social e deve ser sempre analisada com os óculos constitucionais132.
Para Xxxxxxxxx Xxxxxx, a funcionalização do contrato significa que o direito em particular e a sociedade em geral começam a interessar-se pela sua eficácia133. Explica Xxxxx Xxxxx:
“Funcionalizar, na perspectiva da Carta de 1988, significa oxigenar as bases (estruturas) fundamentais do Direito com elementos externos à sua própria ciência. Sociologia, filosofia, economia, antropologia, biologia, psicanálise, história e especialmente a ética, acabam, nesse prisma interdisciplinar, se revelando como instrumentos de análise do Direito em face de sua função, com o objetivo de atender às respostas da sociedade, em favor de uma ordem jurídica e social mais justa. É romper com a auto- suficiência do Direito, hermético em sua estrutura e tecnicismo, outrora mais preocupado com os aspectos formais das regras, do principio e do instituto, que com sua eficácia social. Por isso, a função perseguida é a social.” 134
Funcionalizado é o contrato, portanto, e não seria pra menos, tendo em vista sua grande importância e interesse reconhecidos nas diversas áreas do conhecimento, estando presente em todos os dias da nossa existência, desde quando acordamos até irmos xxxxxx000.
Estabelecido está que o contrato tem, inegavelmente, função social, todavia, para melhor compreendê-la, necessário faz-se o seu esmiuçamento, a fim de que fique clara a sua natureza jurídica, bem como sua eficácia.
2.2.1. Natureza Jurídica da Função Social do Contrato
Paira sobre a doutrina certa divergência acerca de qual seria a natureza jurídica da função social do contrato, pois alguns, acompanhando Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, entendem ser de Cláusula geral e outros atribuem não só a natureza de Cláusula Geral, mas também de Princípio Geral.
132 SETTE, Xxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito dos Contratos: seus princípios fundamentais sob a ótica do Código Civil de 2002. p.67.
133 XXXXXX, Xxxxxxxxx. Direito Civil Introdução, p. 86.
134 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil – constitucional, p. 217.
135 XXXXX, Xxxxx. Direito Civil, p. 394.
A natureza jurídica da função social do contrato, antes da edição do Código Civil de 2002, era entendida pacificamente como princípio geral de direito, todavia, a partir da sua previsão expressa pelo art. 421 daquele Código136, passou-se à discussão sobre se, porventura, a função social do contrato teria deixado de ser princípio geral para ser cláusula geral, uma vez que, normatizada, não seria mais regra de interpretação, mas texto legal abstrato e geral.
Para que se compreenda o desacordo doutrinário, é preciso adentrar ao conceito dessas naturezas jurídicas que dividem a doutrina.
Xxxx Xxxx explica aquela primeira natureza jurídica. Segundo ele, princípios gerais são “proposições descritivas, através das quais os juristas referem, de maneira sintética, o conteúdo e as grandes tendências do direito positivo”, ou seja, um direcionamento objetivo que indica ao exegeta o destino que a norma posta pretende alcançar, bem como suas limitações, com vistas a atender os anseios da sociedade para a sua mais salutar compreensão e aplicação, após o que, sendo observado pelos julgadores, acaba por positivarem-se, fato não lesivo a sua natureza jurídica137.
Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx acrescenta que os princípios podem ser expressos ou inexpressos, sendo os expressos aqueles previstos pelo texto legal e os inexpressos os retirados das regras expressas de forma abstrata e, por vezes, reconhecidos nas manifestações judiciais em casos concretos138.
Quando se fala em princípios, fala-se de valores ou finalidades a serem perseguidos, desprovido de conteúdo descritivo estabelecido antes da sua aplicação139.
A cláusula geral, por sua vez, é espécie do gênero normas abertas, caracterizadas pela autonomia dada pelo legislador ao juiz em face da lei. As normas abertas abrangem os conceitos jurídicos indeterminados, os conceitos
136 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
137 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. A ordem econômica da Constituição de 1988, 6.ed., São Paulo: Malheiros, 2001. p.79-80.
138 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado. São Paulo: XX, 0000. p.310-320.
139 XXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx. Intervenção Judicial nos Contratos e Aplicação dos Princípios e das Cláusulas Gerais: o caso do leasing. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2009. p. 314.
normativos, os conceitos discricionários e as cláusulas gerais140, esta a que nos interessa.
Como disposição normativa intencionalmente aberta, fluida ou vaga, tendo ampla extensão de seu campo semântico, a cláusula geral busca conferir ao juiz o condão de complementar seu texto para cada caso concreto141, permitindo à norma adaptar-se aos fatos e valores sociais142, sempre em constante metamorfose.
Para Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx, as cláusulas gerais são “completadas mediante a referência a regras extrajurídicas que não constam, sequer, da própria cláusula geral ou sistema jurídico, em busca da concretização de um valor, de uma diretiva ou padrão social”143, de modo que a sua incompletude permite uma melhor adequação à realidade social.
A cláusula geral é, pois, a técnica legislativa que oferece ao intérprete-aplicador o poder de completar sentido da norma, avaliando as características individuais da demanda, adequando a norma às peculiaridades do caso concreto144, oferecendo, em contrapartida, incerteza a respeito de sua exata dimensão, o que, para alguns, prejudica a segurança jurídica145.
Mas, então, a função social do contrato deixou de ser princípio geral por ter sido positivado pelo art. 421, do Código Civil Brasileiro?
No entender de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, a partir do momento em que determinado o princípio geral é positivado, perde sua natureza de princípio, passando, pois, a ser cláusula gera, in verbis:
“(...) as principais mudanças no âmbito dos contratos, no novo diploma, foram implementadas por cláusulas gerais, em paralelo às normas marcadas pela estrita casuística. Cláusulas gerais são normas
140 XXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx. Intervenção Judicial nos Contratos e Aplicação dos Princípios e das Cláusulas Gerais: o caso do leasing, p. 275.
141 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. O direito privado como um sistema em construção: as cláusulas gerais no projeto de Código Civil brasileiro. RT, São Paulo. n. 753, jul. 1988. p. 28.
142 XXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx. Intervenção Judicial nos Contratos e Aplicação dos Princípios e das Cláusulas Gerais: o caso do leasing, p. 278.
143 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa-fé no direito privado, p.329.
144 XXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx. Intervenção Judicial nos Contratos e Aplicação dos Princípios e das Cláusulas Gerais: o caso do leasing, p.274.
145 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais Nas Relações Civis e de Consumo, p. 182.
orientadoras sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando-o, ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir. São elas formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral. Quando se insere determinado principio geral (regra de conduta que não consta do sistema normativo, mas se encontra na consciência dos povos e é seguida universalmente) no direito positivo do país (Constituição, leis etc.), deixa de ser princípio geral, ou seja, deixa de ser regra de interpretação e passa a caracterizar-se como cláusula geral”146. (grifo nosso)
Em diferente é a linha de raciocínio segue Xxxxxxx Xxxxx, pois, segundo ele, o fato de um princípio passar a ter expressão normativa não lhe altera a natureza, senão vejamos:
“Em rigor, os princípios podem vir explícitos ou implícitos no ordenamento, sem que, necessariamente por isso, induzam diversa conceituação ou natureza e sem que, pelo só fato de implicitude, a estes últimos casos se reconheça mancar efetividade de norma, quando levados, pela jurisprudência, à solução do caso, afora sua inspiração à edição de outros princípios ou regras” 147
Ocorre, pois, que a cláusula geral, e aí o ponto a ser realçado, pode conter um princípio, promovendo o reenvio a um princípio ou valor148. Foi essa a interpretação firmada com a aprovação do enunciado nº 22, da I Jornada de Direito Civil, que registra:
“A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”149
Assim, a função social do contrato tem dupla natureza jurídica, pois é princípio e também cláusula geral. Princípio quando usado como regra de interpretação de outros dispositivos150 - daqueles que dão fundamento não só à ordem econômica, no Brasil, (art. 170 da CF), como ainda à própria estruturação da República, assentada sobre o valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF); mas também, e antes, integra os próprios objetivos constitucionais (arts. 1º, III e 3º, I, da CF) de estabelecimento de relações solidárias e de valorização da pessoa humana no trato entre os indivíduos151 - e cláusula geral, porquanto seja forma legislativa
146 NETO, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 199-200
147 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de. Função Social do Contrato, p. 97
148 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A boa fé no direito privado, p. 323-324
149 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciados Aprovados – I Jornada de Direito Civil. Disponível em: xxxx://xxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx/XXxxxxxx.xxx Acesso em: 06 mai. 2014.
150 NETO, Xxxxxxx Xxxxx, Função Social do Contrato, p. 202.
151 XXXXX, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx de. Função Social do Contrato, p. 100-101.
fluida, que integra o próprio conceito de contrato e restringe a liberdade contratual a seus fins, reenviando o juiz a um princípio do ordenamento jurídico152, podendo ser aplicada no caso concreto, uma vez que positivada no art. 421, do Código Civil.
Tão importante quanto a natureza jurídica de qualquer instituto é averiguar o seu alcance, delineando sua eficácia, campo de discussões que se passa a explorar.
2.2.2. A Eficácia da Função Social do Contrato
Existe, conforme aponta Xxxxx Xxxxxxxxx, quem pense que a função social não tem qualquer eficácia por estar atrelada à investigação da causa contratual, assim como há quem entenda que apesar de ter eficácia, ela não é autônoma, porquanto se trate de uma orientação político-legislativa-constitucional, cuja eficácia reside em outros dispositivos (lesão, conversão do contrato, onerosidade excessiva ou simulação, por exemplo)153.
Tem, ainda, quem admita apenas a eficácia externa da função social do contrato, acreditando que a ideia de uma eficácia interna tornaria a função social do contrato submissa a interesses individuais e patrimoniais que, quando ilegítimos, já se encontram tutelados pelo próprio contrato154.
O entendimento que parece mais correto é o dos que que admitem que a função social do contrato tem dupla eficácia, às quais são dados diferentes nomes pelos doutrinadores: interno e externo, intrínseco e extrínseco ou, ainda, “inter partes” e “extra partes”. Aqui serão tratados como interno ou endógeno e externo ou exógeno.
A eficácia externa é decorrência lógica da função social do contrato, pois, conforme já abordado neste trabalho, é atinente à relação do contrato e a sociedade por ele afeta.
152 Idem, p. 108.
153 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p. 194.
154 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p 195.
Também chamada de eficácia exógena, ela diz respeito à guarnição dos direitos difusos e dos direitos coletivos. Mesmo que seja interessante para as partes, não será viável para a sociedade o contrato que fere qualquer dos direitos sociais.
Há eficácia externa, por exemplo, quando alguém, fora da relação contratual, pratica ato nocivo à relação, como nos casos de transgressão a direito da concorrência ou casos em que não existe relação contratual entre as partes155. Nesse sentido é o Enunciado nº 21, da Jornada de Direito Privado:
“21 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.”156
Essa função social exógena é, pois, ruptura do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, extrapolando-o a fim de proteger o meio social das consequências danosas que, porventura, a relação intersubjetiva venha a causar157.
Xxxxx Xxxxxxxxx, inspirado pela doutrina de Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx, indica como exemplos:
“a) tutela externa de crédito, inferência indevida de terceiro no contrato, colaborador e (ou) fomentador do descumprimento das obrigações pactuadas pelas partes do contrato[...];
b) contratos com interdependência funcional [...];
c) contratos que protejam efeitos para terceiros não determinados ou a bens fundamentais da comunidade, por exemplo, contratos que envolvam meio ambiente (STJ – Recurso Especial 6.474/93), direito de concorrência, etc.”158
O autor acrescenta o exemplo trazido por Xxxxxx Xxxxxxxxx, que diz respeito à responsabilidade de terceiro conhecedor da relação contratual que,
155 NETO, Xxxxxxx Xxxxx, Função Social do Contrato, p. 203
156 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciados Aprovados – Jornadas de Direito Civil I, III, IV e V. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/XXX-Xxxxx/xxxxxxxx-xxx/xxxxxxxxxx-xxxxxxxxx-xx-x-xxx-xx-x-x- jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2014.
157 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil – constitucional, p. 226.
158 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Deveres Contratuais nas Obrigações Civis e de Consumo, p. 201.
ao contratar com o devedor da primeira obrigação prejudica o contrato pré- existente159.
A função social, conforme reconhecido pelo enunciado nº 360, aprovado, também, em Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, tem eficácia interna:
“360 – Art. 421: O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as partes contratantes.” 160
Essa eficácia endógena dos contratos atinge apenas as partes contratantes, protegendo a parte vulnerável e exigindo a proteção dos direitos fundamentais, sociais e proteção dos direitos da personalidade161, utilizando-se para tanto, a mitigação da força obrigatória do contrato, da proteção de eventual parte contratual vulnerável, do impedimento de onerosidade excessiva, da garantia de respeito à dignidade humana e da nulidade de cláusulas que violem a função social162.
Confirmando a existência da eficácia interna do contrato, o de nº 23, do Conselho da Justiça Federal da I Jornada:
“23 – Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.” 163.
A função intrínseca diz respeito à igualdade material, equidade e boa-fé objetiva, decorrentes da cláusula geral de solidariedade164, e atua em complementaridade com o princípio da boa-fé, ambas fundadas no princípio da
159 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Deveres Contratuais nas Obrigações Civis e de Consumo, p. 201.
160 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciados Aprovados – Jornadas de Direito Civil I, III, IV e V. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/XXX-Xxxxx/xxxxxxxx-xxx/xxxxxxxxxx-xxxxxxxxx-xx-x-xxx-xx-x-x- jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2014.
161 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito dos Contratos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 215.
162 TARTUCE, Xxxxxx. Direito Civil, v. 3: teoria geral dos contratos e contratos em espécie, 8. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 71.
163 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciados Aprovados – Jornadas de Direito Civil I, III, IV e V. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxx/XXX-Xxxxx/xxxxxxxx-xxx/xxxxxxxxxx-xxxxxxxxx-xx-x-xxx-xx-x-x- jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2014.
164 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil – constitucional, P. 226.
solidariedade, exigindo das partes que ajam de forma leal e honesta e cooperativa, a fim de que um contratante não frustre a legitima expectativa do outro, tampouco abuse de seus direitos (art. 187, CC), desde a fase pré-contratual até a pós- contratualidade165.
São exemplos da eficácia interna da função social do contrato: mitigação obrigatoriedade do contrato, proteção ao contratante vulnerável (consumidores e aderentes), proibição da excessiva onerosidade, tendência à manutenção da autonomia privada, proteção da dignidade humana individual e a nulidade de cláusulas violadoras da função social166.
As duas eficácias e suas características são as ferramentas legais disponíveis que armam o intérprete para garantir a integridade dos direitos fundamentais e a presença dos deveres de solidariedade econômica. É nesse ambiente social, cogente ao contrato, que se busca a concreção dos valores da pessoa humana167.
Imbuído desse espírito o Código Civil de 2002 passou a prever expressamente a função social do contrato, devendo o instituto se observado, também sob esse ponto de vista, o que será feito a seguir.
2.3. Função Social do Contrato no Código Civil de 2002
Afastando o demasiado formalismo de seu antecessor, o Código Civil de 2002 adotou cunho socializante e mais receptivo às conquistas da ciência e da jurisprudência168, resultando na supremacia de valores coletivos sobre os individuais, sem expurgar os valores inerentes aos indivíduos169.
165 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito dos Contratos, p. 210-211.
166 TARTUCE, Xxxxxx. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002, 2. ed., São Paulo: Método, 2007. p. 415-416.
167 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil – constitucional, p. 226.
168 MIGUEL, Reale. Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo: Revista dos tribunais, 2003. p. 21.
169 XXXXXX, Xxxxxx Xxxx. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 50.
O Código Civil de 2002 ergueu-se sobre três pilares fundamentais que rechaçaram o espírito puro-positivista-liberal do seu antecessor, quais sejam,
(i) a eticidade, (ii) a sociabilidade e (iii) a operabilidade170.
Trata a dita eticidade da valorização da lealdade, da conduta moral, enfim, de “comportamentos éticos na condução das relações jurídicas civis” 171.
A valorização dos pressupostos éticos são encontrados por todo o Código Civil de 2002, quer em decorrência da proteção da confiança, quer como comando de equidade ou, ainda, como imposição de proporcionalidade172. O artigo 422173 é exemplo desse pilar do Código Civil sob a perspectiva contratual. Diz ele: “os contratantes são obrigados a guardar os princípios de probidade e boa-fé”.
Por seu turno, principio da socialidade guarda intima relação com o principio anteriormente mencionado, o da eticidade, visto que as regras dotadas de conteúdo social são fundamentalmente éticas174.
Xxxxxx Xxxxx000 aponta que “o princípio de socialidade atua sobre o direito de contratar em complementaridade com o de eticidade, cuja matriz é a boa- fé, a qual permeia todo o novo Código Civil.”. É a conexão de interesses individuais e sociais176.
Já a operabilidade tem por objetivo garantir a efetividado do direito pela análise casuística, proporcionando um fácil manuseio do código pelos
170 NETO, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato, p. 95.
171 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais Nas Relações civis e de Consumo, p. 138.
172 XXXXX Xxxxx Xxxxxx. O sistema das cláusulas gerais no Código Civil de 2002 e o princípio da função social do contrato. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 317, 20 maio 2004. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxx/0000>. Acesso em: 30 de ago. de 2014.
173 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], disponível em <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/0000/x00000.xxx>, acesso em 15 de abr. de 2014.
174 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Os princípios da eticidade, da socialidade e da operabilidade no Código Civil de 2002. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1247, 30 nov. 2006. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxx/0000>. Acesso em: 30 de ago. de 2014.
175 XXXXX, Xxxxxx. Função Social do Contrato. Disponível
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx.xxx> Acesso em 11 de maio de 2014.
176 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p. 139.
operadores do direito e ampla interpretação ao julgador, quem pode recorrer, inclusive, a elementos exteriores para alcançar a justiça177.
Essa operabilidade diz respeito resiliência do direito civil, uma vez que as clausula abertas proporcionam à norma evoluir com a sociedade, dependendo para isso apenas de uma interpretação condizente178.
É investido nesses três alicerces, que o art. 421 do Código Civil Brasileiro prevê a inovadora disposição a respeito da função social do contrato. Segundo esse artigo, que não encontra precedente no Código Civil de 1916, “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”179.
Mas o que exatamente deve se entender por “em razão e nos limites da função social do contrato”?
Ao dizer que a liberdade de contratar será exercida “em razão” da função social do contrato, o legislador alocou a funcionalização das relações contratuais como requisito para a validade da avença, trata-se de uma concepção positiva180, destinada a moldar a liberdade de contratar, bem como a liberdade contratual, com vistas a funcionalizar a autonomia privada181.
A expressão “em razão da função social” é correta, à medida que o contrato tem como elementos fundantes a sua função social, a equivalência material, a boa-fé, a justiça e a função ambiental182.
Há certo dissenso na doutrina a respeito da expressão “liberdade de contratar” expressa pelo art. 421/CC, cujos defensores entendem que
177 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Os princípios da eticidade, da socialidade e da operabilidade no Código Civil de 2002.
178 XXXXX, Xxxxxx. O projeto do Novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva,1999. p. 11.
179 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], disponível em <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/xxxx/0000/x00000.xxx>, acesso em 10de mai. de 2014.
180 NETO, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato, p. 202.
181 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p. 199.
182 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p. 196.
compreenderia a liberdade contratual, bem como a possibilidade de opção quanto à tipicidade ou atipicidade do contrato183.
A outra parte da doutrina, defensora da ideia de que a expressão correta seria “liberdade contratual”, milita que apenas o conteúdo contratual é afeto à função social do contrato e não a autonomia de contratar, independentemente do conteúdo contratual184. Já existe projeto de lei para alteração do art. 421 nesse sentido185.
Qualquer que seja a corrente, a limitação, de concepção negativa, à função social das relações intersubjetivas exige a compatibilidade do instrumento com os interesses alheios para sua consolidação186. Assim, “todo contrato que não seja celebrado em razão e nos limites da função social certamente será fadado, ao menos virtualmente187, ao campo da nulidade, dado o elevado grau de patologia a que está exposta a relação negocial desfuncionalizada” 188.
Acrescentam Xxxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx que a função social surge em potência,
“Não para coibir a liberdade de contratar, como induz a literalidade do art. 421, mas para legitimar a liberdade contratual. A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar com o outro. Todavia, o ordenamento jurídico deve submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento, tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que estruturam a ordem Constitucional”.
189
Xxxxxx Xxxxx, coordenador do Código Civil de 2002, ao comentar esse artigo do Código, explica que buscou explicitar que a liberdade de contratar está adstrita ao fim social da avença, fazendo forçosa a observância da boa-fé e da probidade, e continua, aduzindo que “Trata-se de preceito fundamental,
183 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p. 197
184 Idem, p. 197
185 Projeto de Lei 279/07.
186 XXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato., p. 203.
187 Xxxx XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil – constitucional, p. 234-242.
188 XXXXX, Xxxxx. Da Estrutura à Função do Contrato: Dez Anos de Direito Construído. Revista do Instituto de Direito Brasileiro. n. 12, 2013. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx-xxxx.xxx>. Acesso em: 22 de ago. de 2014.
189 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx de; XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito dos Contratos, p. 206.
dispensável à adequação das normas particulares à concreção ética da experiência jurídica” 190.
Na análise desses comentários, Xxxxx Xxxxx000 reconhece duas premissas e duas consequências. Quanto às premissas: (i) limite à liberdade de contratar, isto é, o artigo 421 exige do contrato a sua adequação social, (ii) a incompatibilidade da concepção clássica do contrato, que não atende à atual perspectiva civil-constitucional do instituto, cuja compreensão eleva a função social como elemento estrutural do contrato, superando a mera instrumentalidade de troca patrimonial de outrora. É uma nova concepção, a de autonomia (privada) solidária192.
Quanto às consequências, nas palavras do próprio jurista:
“(...) a primeira é clara e conclusiva: a função social do contrato não se revela se não forem observadas a igualdade, a equidade ou a boa-fé. (...) a boa fé “atua como âncora” da função social do contrato se confirma aqui mais uma vez. Este princípio mantém intima relação dialógica com aquele, e ambos prestam reverência ao norte constitucional-principiológico da solidariedade e da dignidade da pessoa humana
Finalmente, a segunda conclusão que se pode extrair da previsão expressa da função social do contrato no Código Civil de 2002 é a de que alheio à perspectiva funcional, o contrato desnaturaliza-se totalmente, principalmente no que diz respeito ao seu aspecto de justeza. Em outras palavras: contrato justo só é aquele socialmente funcionalizado.” 193
Dada a amplitude do instituto, é certo que não só a liberdade contratual - tida como escolha do tipo contratual e a liberdade de estipulação - mas também a liberdade de contratar sofre os efeitos da função social do contrato, sendo cogente a submissão do contrato, qualquer que seja, aos ditames da função social194, com o fito de conjugar os interesses privados e sociais195, lapidando-os em moldes socialmente harmoniosos.
190 XXXXX, Xxxxxx. O Projeto do Novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p, 71.
191 XXXXX, Xxxxx; XXXXXX, Xxxx. Da estrutura à função do contrato: dez anos de um direito construído. Revista do Instituto de Direito Brasileiro. n. 12, 2013. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx-xxxx.xxx>
192 XXXXXXX-XXXXX. Xxxxxx. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos. Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro: IDCLB, n. 29, 2007. p. 71.
193 XXXXX, Xxxxx; XXXXXX, Xxxx. Da estrutura à função do contrato: dez anos de um direito construído. Revista do Instituto de Direito Brasileiro. n. 12, 2013. Disponível em: <xxxx://xxx.xxx-xxxx.xxx>
194 XXXXXX, Xxxxxx. Função Social dos Contratos – Interpretação à luz do Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 234.
Tais balizamentos não devem ser entendidos como um “muros formado por preocupações solidaristas”, uma vez que não há contrariedade entre a função social do contrato e a liberdade de contratar196.
Nesse sentido, Gérson Branco expõe:
“Os limites são estruturais da própria liberdade e atuam para impedir que o contrato seja desvirtuado em sua “finalidade econômico-social”, reprimindo condutas quando uma das partes exerce supremacia injustificada sobre a outra.”197
O mesmo autor indica alguns exemplos em que o contrato, com vistas a atender sua função social, se torna cogente: os contratos de câmbio entre importador e exportador pelo prazo determinado pelo Banco Central, vinculação do fornecedor à sua publicidade e a renovação obrigatória de locação comercial198.
A função social do contrato dessa forma concebida é, em si mesma, uma revolução da óptica contratual, doravante prismada pela tão esperada efetivação da constitucionalização das relações civis, como aspirações à busca essencial da justiça social, por via da valorização da dignidade da pessoa humana, dentre outros direitos fundamentais inexoráveis às relações sociais.
É importante, nesse sentido, averiguar os reflexos do instituto na segurança jurídica, analisando a preservação do sistema jurídico frente às inovações trazidas.
2.4. A função social do contrato e a Segurança Jurídica
Antes de discorrer sobre o que propõe o subtítulo acima, faz-se importante tecer alguns comentários a respeito do que vem a ser segurança jurídica.
195 FROTA. Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais nas Relações Civis e de Consumo, p. 265.
196 XXXXXX, Xxxxxx. Função Social dos Contratos – Interpretação à luz do Código Civil., p. 235.
197 Idem, p. 235.
198 Idem, p. 235-236.
No ano de 1793 a Constituição francesa tentou oferecer um conceito de segurança jurídica em seu preâmbulo. Previa ela: “A segurança consiste na proteção conferida pela sociedade a cada um de seus membros para conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades”199.
A tentativa francesa exprime algo como o devido processo legal, trazido pelo texto constitucional brasileiro em seu art. 5º, LIV, sendo um conceito que se limita a uma segurança jurídica meramente xxxxxx000.
Como um dos fundamentos do Estado de Direito201, é certo que a segurança jurídica formal não se coaduna com o espírito constitucional que espraia-se por todo o ordenamento jurídico hodierno.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx entende que a segurança jurídica designa um conjunto de ideias que abrangem:
“1. A existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas ao princípio da legalidade;
2. A confiança nos atos do Poder Público, que deverão reger- se pela boa-fé e pela razoabilidade;
3. A estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direito em face da lei nova;
4. A previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados;
5. A igualdade na lei e perante a lei, inclusive com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas.”202
Os mesmos que defendem a existência de uma crise contratual são os que pensam a segurança jurídica como imutabilidade do sistema jurídico, tornando-o rígido e certo, ou seja, matemático, como não é a sociedade. Essa segurança jurídica formal petrifica equívocos e impede reapreciações, deixando a
199 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o novo Código Civil, in.:XXXXX, Cármen Xxxxx Xxxxxxx (Org.). Constituição e segurança jurídica - Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada: Estudos em homenagem a Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx. Belo Horizonte: Forum, 2009. p. 78.
200 Idem.
201 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. A segurança jurídica na era da velocidade e do pragmatismo, In: Temas de direito constitucional, t. I, 2ª ed., 2002; Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE, 64/77, julho a setembro de 2000; Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, 94/79, 4o trimestre de 2000. p. 154.
202 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Em algum lugar do passado: segurança jurídica, direito intertemporal e o novo Código Civil, p. 79.
justiça em segundo plano para dar vez à mórbida estagnação que alguns entendem ser segurança jurídica.
Para esses, Xxxx Xxxxx Xxxxxx esclarece que a segurança jurídica “não significa imutabilidade, mas sim um mínimo indispensável de previsibilidade, em patamares compatíveis com o dinamismo e o cosmopolitismo”203.
É certo que, quando se fala em relações jurídicas, a intervenção estatal, bem como a limitação do contrato pela sua função social traz consequências aos contratantes, especialmente no que tange à segurança jurídica.
Conforme já abordado, antes o contratante mais poderoso detinha grande poder em modelar as consequências das avenças firmadas, as quais frequentemente são dirigidas de modo a beneficia-lo sobremaneira, agora - frente à possibilidade do estado em intervir nas relações intersubjetivas para adequá-las aos interesses sociais e o direcionamento dos efeitos contratuais por meio do dirigismo contratual - a modulação dos efeitos do contrato depende de sua adequação útil e equilíbrio.
Ocorre que sempre que o contrato deixar de atender a critérios de justiça, equidade e de paridade, estará passível de modificação, o que incomoda os ortodoxos do liberalismo econômico, os quais, diante da possibilidade de o juiz alterar a avença, argumentam a violação da segurança e da certeza jurídica. Estes não consideram a verdadeira segurança jurídica, que provém da confiança no contrato, guardada por novos princípios204.
É o que explica Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx:
“A função social do contrato, com os seus balizamentos próprios procura evitar a imposição de cláusulas danosas aos contratantes indefesos. Afora algumas vantagens temporárias, o que se extrai do contrato nunca é vantajoso para o contratante débil, mas resulta extremamente lucrativo para o soberbo industrial. Daí a pecha de insegurança jurídica com a criação de mecanismos artificiais para impedir o sadio e são desenvolvimento pessoal em detrimento das metafóricas leis do ‘livre mercado’ que aprisionam o consumidor em teia inescapável, ao mesmo
203 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Segurança jurídica entre ouriços e raposas. Jornal Carta Forense. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxx-x-xxxxxxx/00000>. Acesso em: 30 de agosto de 2014.
204 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato, p. 127-128.
tempo em que os poderosos usufruem das benesses dessa espoliação.”
205
A segurança que alguns entendem violada não é a segurança jurídica, mas a econômica garantidora da prosperidade dos grandes, tão cara durante o Estado Liberal, todavia ela foi substituída por forças mais importantes da vida social. A lei, antes cega, onipotente e indiferente em relação às peculiaridades dos indivíduos, impotentes frente às grandes instituições, agora oferece refúgio aos débeis, possibilitando-lhes, também, a segurança jurídica206.
Não há insegurança no dirigismo contratual, muito pelo contrário. É o dirigismo contratual que assegura um contrato verdadeiramente seguro, conforme aponta Xxxxx Xxxxxxxxx:
“O dirigismo contratual realizado pelo Estado não gera insegurança jurídica nem o aumento do ‘custo Brasil’, como alardeiam alguns, que não pregam isso quando o dirigismo advém dos particulares. Só se poderá falar de segurança jurídica material se houver controle legal e judicial do contrato para que este se mantenha justo. O que importa é a efetivação da principiologia e dos valores constitucionais relativos à atividade contratual, porque a liberdade e a igualdade substanciais não podem existir somente no plano teórico.
A não caracterização da axiologia constitucional é que causa insegurança na sociedade!”207
Parte da doutrina teme pelo prejuízo trago à segurança jurídica, haja vista esse novo contexto, que oferecem grande margem de interpretação ao julgador para a análise casuística. Essa temeridade experimentada é fruto de uma concepção de segurança jurídica equivocada e tendenciosa, a qual, de fato, não resta ilesa diante do contrato constitucionalizado e funcionalizado, posto que incompatível por antonomásia.
De fato, a certeza jurídica é anseio de toda sociedade, todavia a busca desmedida da certeza jurídica traz imobilismo ao direito, o que incabível nesse momento de grandes mudanças sociais, por vezes a segurança deve dar espaço à justiça. Acerca disso, Xxxxxxx Xxxxx expõe:
“A função social, por suas características básicas, não romperá com a segurança jurídica, isto porque esta última não conflita com a justiça,
205 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato, p.129.
206 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato, p. 132.
207 FROTA, Xxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Os Deveres Contratuais Gerais Nas Relações civis e de Consumo, p. 76.
diante da desordem e da insegurança, aliás, sequer há justiça. Há que se privilegiar a solidariedade, os princípios e valores que a sustentam como cláusula aberta, flexível, pura e oxigenadora, que iniludivelmente devem ser integradas na relação de equivalência.” 208
A vigência do novo Código Civil de 2002, como qualquer novo corpo de leis, gera desconfiança à primeira vista, “num primeiro instante, surgirão sentenças díspares, até que, com o passar do tempo e o amadurecimento das ideias jurídicas, o direito vá se sedimentando paulatinamente”209.
Serão essas decisões o objeto a ser analisado no próximo e último capítulo deste trabalho, pois são elas as balizadoras do ponto ideal entre a segurança jurídica e a função social do contrato, consoante o expõe de Xxxx Xxxx expõe:
“Por mais que revolte a doutrina, o fato é que a segurança e a previsibilidade dos contratos passam, necessariamente, pela interpretação que as cortes dão às avenças. Não é a lei, em última instância, que dá segurança e permite o cálculo e a previsibilidade dos agentes econômicos, mas o Poder Judiciário. Os textos [= as leis] nada dizem; elas dizem o que os interpretes dizem que elas dizem. Por isso apena uma Jurisprudência firme pode legar aos agentes econômicos a segurança e a previsibilidade
de que necessitam” 210
Assim, é o posicionamento firme do judiciário, condizente com os valores constitucionais e com a realidade social, que indicará a solução mais justa, atenta às peculiaridades de cada caso, verificação que será objeto do capítulo a seguir.
208 XXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato, p. 195.
209 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Função Social do Contrato, p. 133.
210 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. Um novo paradigma dos contratos?, p. 5.
Capítulo 3 Análise dos julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre função social do contrato
É objetivo deste capítulo o estudo das decisões do Superior Tribunal de Justiça que se fundaram na função social do contrato, verificando os limites e as formas adotadas pelos julgados para abordar o tema.
Importante justificar que a análise será de decisões do Superior Tribunal de Justiça, dada a sua função nomofilácica, ou seja, de ser órgão responsável pela uniformização de entendimentos sobre a legislação federal e, portanto, do Código Civil Brasileiro, onde se encontra prevista a função social do contrato, bem como por ser disseminador das balizas que vascularizam decisões por todo o território nacional.
Tal perspectiva tem grande relevo uma que, como exposto no capítulo anterior, cabe ao julgador atribuir os contorno axiológicos dos textos normativos, pormenorizando as peculiaridades das palavras de valor211 da decisão e bem fundamentando exaustivamente seu entendimento, proporcionando, assim, a tão almejada segurança jurídica212.
Percebe-se que o judiciário brasileiro tem usado cada vez mais os julgados como razão de decidir, eis aí outro grande motivo para que as decisões sejam suficientemente fundamentadas213.
Na tentativa de apreender a evolução do entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, far-se-á uma análise cronológica das decisões que usaram a função social do contrato como razão de decidir, tendo como fonte de pesquisa a página virtual oficial do STJ.
211 XXXXXXX XXXXX, Xxxxxxx; LIMA, Thalita Moraes. Metodologia de Análise de Decisões. In.: XVIII Congresso Nacional CONPEDI, 2010, Fortaleza. Anais do XVIII Congresso Nacional do COPENDI, 2010. p. 14.
212 XXXXXXXX, Xxxxxx. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. São Paulo: Tempo Brasileiro, 1997.
v. 1 (Coleção Biblioteca Tempo Universitário, n. 101) In.: XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx de. O Direito e sua interpretação na atualidade. Disponível em <xxxx://xxx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxx.xxx?xxx00000&xx0>, Acesso em: 25 de julho de 2014.
213 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Segurança jurídica entre ouriços e raposas. Jornal Carta Forense..Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxx-x-xxxxxxx/00000>. Acesso em: 30 de agosto de 2014.
A análise se dará no sentido de expor o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a Função Social do Contrato, adentrando, para tanto, à fundamentação exposta pelos julgadores que lançam mão do instituto. Eis o recorte objetivo que se passa a confrontar.
Ao pesquisar o argumento “Função Social do Contrato” no sítio oficial do STJ214 foram obtidos 84 (oitenta e quatro) resultados, os quais se passa a analisar com base nos parâmetros importantes para o presente trabalho e que ao final serão estudados.
A análise a seguir será feita com base em alguns parâmetros que, ao final, poderão demonstrar o direcionamento da corte quanto ao instituto. Abaixo de cada julgado serão tecidos alguns comentários impessoais, apenas para esclarecer detalhes pertinentes dos votos que digam respeito à função social do contrato para, no título 3.2, efetivamente analisar os julgados.
3.1. Julgados do Superior Tribunal de Justiça a Respeito da Função Social do Contrato
01. Recurso Especial 476.649/SP de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXXXX (DJe 25/02/2004) – Não Conhecido.
02. Recurso Especial 691.738/SC de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXXXX (DJe 26/09/2005) (i) Caso enfrentado: aplicabilidade do art. 1.488, do atual Código Civil, pautada no que indica o art. 2.035, do mesmo código, uma vez que a garantia hipotecária havia sido constituída na vigência do Código Antigo, de 1916; (ii) Trata- se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim;
Resultado: parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, entendendo pela aplicação do art. 1.488, do CC/88 à hipoteca constituída antes de sua vigência.
214 xxx.xxx.xxx.xx
Comentários: Nesse julgado a relatora, em seu voto, reconhece novidade do tema e a necessidade de sua “lapidação”, o que, segundo ela, ocorrerá com sua contínua submissão a casos concretos. Menciona, ainda, a importância de “relembrar o que levou o legislador a introduzir” a função social do contrato no sistema jurídico.
03. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 669.005/RJ de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXX (DJe 10/04/2006) - Não Conhecido por falta de Prequestionamento.
04. Recurso Especial nº 831.808/SP, de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXXXX (DJe 28/08/2006) - Foi acusado na pesquisa por utilizar referência de obra com o nome “Função Social do Contrato”;
05. Recurso Especial nº 811.670/MG de Relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI (DJe 04/12/2006) - Trata da Função Social da Propriedade.
06. Recurso Especial nº 627.424/PR de Relatoria do Ministro XXXX XXX (DJe 28/05/2007) (i) Caso enfrentado: legitimidade do cessionário de mútuo habitacional para propor ação ordinária em face do agente financeiro, objetivando a revisão de cláusula contratual e de débito, referente a contrato de financiamento imobiliário com cobertura pelo FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais); (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não;
Resultado: negou-se provimento, entendendo pela legitimidade do cessionário de imóvel financiado pelo Sistema Financeiro Habitacional.
Comentários: em seu voto, o Relator utilizou o princípio da função social, juntamente com regras que beneficiam o aderente de condições gerais e a onerosidade excessiva, para sustentar a mitigação do pacta sunt servanda, bem como menciona os valores sociais balizadores do Código Civil de 2002 para, usando o art. 1.475, do Código Civil, afastar a vedação de alienação de imóvel garantida por hipoteca em favor do SFH (Sistema de Financiamento da Habitação).
07. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 853.052/SP de Relatoria da Ministra XXXXXXX XXX (DJe 06/08/2007) - Prejudicado por esbarrar nos enunciados 5 e 7, da Súmula do STJ.
08. Recurso Especial nº 783.404/GO de Relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI (DJe 13/08/2007) (i) Caso enfrentado: Possibilidade de resolução de contrato de venda e compra de safra futura a preço certo por infestação da praga “ferrugem asiática” e fortes chuvas, condições que prejudicaram a produtividade e, por consequência, tornou impraticável o preço avençado; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: provido, mantendo-se os termos contratuais.
Comentários: em voto acompanhado por seus pares, a relatora destaca a natureza econômica do contrato, os quais não podem ser ignorados pelo legislador ou pelo aplicado, alertando ela para que não se tome função social por assistência social. A função social, diz a Ministra, “não se apresenta como objetivo do contrato, mas sim como limite da liberdade dos contratantes em promover a circulação de riquezas.”.
Nessa linha de raciocínio, a julgadora entende que pragas ou condições climáticas anômalas são totalmente previsíveis neste ramo (cultivo de soja), riscos que devem ser calculados pelos contratantes. Entendeu a Relatora que o mal calculo do risco ou arrependimento não deve ser acobertado pelo instituto da Função Social do Contrato e, portanto, não há que se pleitear a resolução do acordo.
Nesse julgamento foram estabelecidos patamares mínimos e importantíssimos acerca da impossibilidade do uso da Função Social do Contrato para proteção de riscos atinentes ao contrato ou a seu objeto.
09. Recurso Especial nº 803.481/GO de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXXXX (DJe 01/08/2007) (i) Caso enfrentado: Possibilidade de resolução
de contrato de venda e compra de safra futura a preço certo por terem sobrevindo acontecimentos imprevisíveis, notadamente a eleição presidencial e a iminência de guerra no oriente médio, fatores que teriam ocasionado a elevação extraordinária do Dólar norte-americano frente ao Real, tornando a obrigação contratual excessivamente onerosa; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não;
(iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: provido, mantendo-se os termos contratuais.
Comentários: foram usadas as mesmas razões do julgado anterior
para decidir.
10. Recurso Especial nº 911.802/RS de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXXX (DJe 01/09/2008) (i) Caso enfrentado: inexigibilidade de cobrança da chamada "assinatura mensal básica" sobre serviço de telefonia fixa pela Brasil Telecom S.A.;
(ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim (vide comentários).
Resultado: provido, permitindo a cobrança de assinatura básica mensal.
Comentários: o voto (vencido) de maior densidade é o do Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx, quem, fundamentado na doutrina de Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, entendeu abusiva a prática de cobrança de “assinatura mensal básica”, abrindo divergência ao negar provimento ao recurso interposto pela empresa Brasil Telecom S.A., in verbis:
“As relações jurídicas moldadas entre particulares não podem mais ser examinadas sob a ótica individualista que outrora as impregnava formalmente e as justificava eticamente, devendo-se observar os valores e objetivos fundamentais consignados na Constituição, entre eles a construção de uma sociedade "justa e solidária" (art. 3º, I, da CF).
A idéia bifurcada de justiça e de solidariedade, portanto, espraia-se pelo ordenamento jurídico e lhe serve de fundação mais profunda. É daí que se originam os princípios da função social da propriedade (art. 5º, XXIII, da Constituição), da função social do contrato (arts. 421 e 2.035,
parágrafo único, do Código Civil) e da função social do serviço de interesse coletivo (art. 127, VIII, da LGT).
Na lição de Xxxxxx Xxxxxxxxx (Teoria do Contrato - Novos Paradigmas, 2ª ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2006, pp. 209-210):
À semelhança do que ocorre com a propriedade - cuja estrutura mesma é alterada pela função social, atuando esta como parâmetro de validação do exercício do direito do titular do domínio - também o contrato, uma vez funcionalizado, se transforma em um ‘instrumento de realização do projeto constitucional’.
Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, a mais festejada civilista brasileira da atualidade, com a precisão que lhe é característica, bem aponta essa já não tão nova concepção social do contrato:
Como já afirmei, a nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas em que também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e em que a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância. (O novo modelo de direito privado brasileiro e os contratos: entre interesses individuais, sociais e direitos fundamentais. Obra coletiva: A Nova Crise do Contrato. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 27-28).
Logo, no contrato – sobretudo nas redes de contrato e, com maior vigor, nos contratos de prestação de serviços públicos -, por trás de cada contratante individual estão os pressupostos da solidariedade e da justiça, como barreiras intransponíveis, em defesa do contratante débil diante de exageros que acaso venham a ser praticados pelos atores econômicos - públicos ou privados.
Ao Judiciário incumbe zelar por essa área resguardada, a qual se pode denominar de zona intocável da solidariedade e de justiça, que, na condição de paradigma de controle judicial dos contratos, aplica-se com maior razão aos contratos de telefonia e às suas cláusulas, como decorrência do volumoso conteúdo público dessas avenças, típica manifestação da sociedade de informação em que vivemos.
À ordem da autonomia da vontade soma-se, nessas modalidades de contratos, a ordem contratual constitucionalizada de fundo social. Daí decorre que tais contratos, nomeadamente suas cláusulas de conteúdo econômico, devem ser interpretados à luz dos princípios constitucionais e das diretrizes fixadas na LGT, respeitando-se a sua função social que, in casu, manifesta-se inegavelmente pelas exigências legais de universalização dos serviços de telecomunicações sob um regime remuneratório de tarifas módicas.”
No voto do Ministro, reconhece-se a superação da visão individualista das relações privadas e a importância de que sejam agasalhadas com o manto constitucional, sendo importante sua identificação como instrumento de busca dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
A par disso, incube ao judiciário zelar pelo bom uso do instituto, funcionalizando-o, a fim de resguardar o que chamou de “zona intocável da solidariedade e da justiça”, base de controle dessas relações
Os demais Ministros da Primeira Seção do STJ acompanharam o relator, Ministro Xxxx Xxxxxxx, reconhecendo a legitimidade da cobrança por haver
xxxxxx xxxxx e não ser abuso em fazer cobranças mensais, mesmo que o consumidor não utilize o serviço de telefonia.
11. Recurso Especial nº 988.749/RJ de Relatoria da Ministra XXXXXX XXXXXX (DJe 27/11/2008) – Idêntico ao nº 10.
12. Recurso Especial nº 993.511/MG de Relatoria da Ministra XXXXXX XXXXXX (DJe 01/12/2008) – Idêntico ao nº 10.
13. Recurso Especial nº 997.486/RS de Relatoria da Ministra XXXXXX XXXXXX (DJe 01/12/2008) - Idêntico ao nº 10.
14. Recurso Especial nº 968.357/MG de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (DJe 04/12/2008) Prejudicado. Aplicação do enunciado nº 283, da Súmula do STJ.
15. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.005.157/MG de Relatoria do Ministro XXXXXXXX XXXXXXX (DJe 17/11/2008) – Idêntico ao nº 10.
16. Recurso Especial nº 995.276/MG de Relatoria do Ministro XXXXXXXX XXXXXXX (DJe 04/12/2008) (i) Caso enfrentado: Discute-se a obrigação de as concessionárias de serviço público prestadoras de serviço de telefonia fornecerem aos usuários a fatura detalhada das ligações; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: improvido, entendendo que o detalhamento da fatura só começou a ser exigível a partir de 2006.
Comentários: a decisão foi no sentido de que o detalhamento da fatura telefônica não era obrigatório, o que passou a ser, apenas, a partir de 01 de janeiro de 2006, por força do Decreto nº 4.733/2003.
O julgado teve como único voto vencido o do Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx, nos termos expostos no julgado de nº 10, deste trabalho, o único que atribuiu significado ao significante função social do contrato.
17. Recurso Especial nº 1.006.892/MG de Relatoria da Ministra XXXXXX XXXXXX (17/11/2008) - Idêntico ao nº 16.
18. Recurso Especial nº 1.009.682/MG de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (DJe 28/11/2008) - Idêntico ao nº 16.
19. Recurso Especial nº 918.392/RN de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXXXX (DJe 01/04/2008) Acusado na Pesquisa apenas por usar referência de obra com o nome “função social do contrato”.
20. Recurso Especial nº 1.004.608/MG de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (DJe 21/11/2008) – Idêntico ao nº 16.
21. Recurso Especial nº 1.010.429/PB de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXX (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (DJe 21/11/2008) – Idêntico ao nº 16.
22. Embargos de Declaração nos Embargos de Divergência de Recurso Especial nº 791077/SP de Relatoria do Ministro XXXXXXX XXXXXXX XXXX (DJe 21/08/2011) (i) Caso enfrentado: responsabilidade dos fiadores pelos débitos locatícios posteriores ao vencimento do contrato de locação em contrato de locação celebrado sob a vigência da Lei 6.649⁄79, com clausula expressa em que concordaram em garantir a locação até a efetiva entrega das chaves do imóvel locado; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: Embargos Rejeitados, mantendo-se a responsabilidade dos fiadores..
Comentários: ao decidir sobre a existência de obscuridade ou contradição, conforme apontado pelo recorrente, o relator entendeu que, tendo em vista que o contrato previa que os fiadores estariam obrigados até a entrega do imóvel locado, estes não estariam desobrigados após o vencimento do contrato, mas apenas com a entrega das chaves do imóvel, conforme pactuado.
Esclarece o Ministro que:
“é incontroverso que o princípio do pacta sunt servanda, embora temperado pela necessidade de observância da função social do contrato, da probidade e da boa-fé, em seu prisma objetivo, ainda continua plenamente válido em nosso ordenamento jurídico. Assim, têm os contratantes plena liberdade de pactuar normas a gerarem efeitos entre si, desde que estas não venham a ofender interesses sociais previstos na Constituição.”.
23. Agravo Regimental de Recurso Especial nº 841942/RJ de Relatoria do Ministro XXXX XXX (DJe 16/06/2008) – Não aborda função social do contrato.
24. Recurso Especial nº 1.040.490/MG de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXX (DJe 04/12/2008) – Idêntico ao nº 16.
25. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 951.553/RJ de Relatoria do Ministro XXXXXXX XXXXXXX XXXX (DJe 20/10/2008) – Idêntico ao nº 22.
26. Recurso Especial nº 468.062/CE de Relatoria do Ministro XXXXXXXX XXXXXXX (DJe 01/12/2008) (i) Caso enfrentado: O recorrente, Caixa Econômica Federal, como sucessora e adquirente das garantias reais da parte credora (TERRA CCI), pretende a manutenção do gravame hipotecário mesmo após a quitação da obrigação contratual, sob o argumento de que tais valores deveriam ter sido pagos a ela, não à TERRA CCI; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Ambas; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Doutrina.
Resultado: conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, determinando o levantamento do gravame.
Comentários: Apenas menciona-se:
“além de situações já bem conhecidas da doutrina (contrato com pessoa a declarar e estipulação em favor de terceiro), essas três formas de ampliação da eficácia dos negócios têm por suporte a quebra da higidez do princípio da relatividade dos efeitos do contrato e, ainda, a proteção à boa-fé objetiva e à função social do contrato”
27. Recurso Especial nº 972.436/BA de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXXXX (Julgado em 12/06/2009) (i) Caso enfrentado: manutenção de contrato
devido aos grandes investimentos feitos pela parte recorrida; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (Vide Comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: reconhecido em parte e, nesta parte, provido, concedendo prazo de 45 dias para a extinção do contrato.
Comentários: nesse julgado a relatora menciona os princípios norteadores do CC/02 para interpretar seu art. 421 no sentido de que a função social do contrato limita a liberdade contratual “e, em especial, a liberdade de encerrar o negócio”.
Segundo ela, o princípio da função social exerce uma tensão dialética sobre a autonomia da vontade, bem como entende que:
“o exame da função social do contrato é um convite ao Poder Judiciário, para que ele construa soluções justas, rente à realidade da vida, prestigiando prestações jurisdicionais intermediárias, razoáveis, harmonizadoras e que, sendo encontradas caso a caso, não cheguem a aniquilar nenhum dos outros valores que orientam o ordenamento jurídico, como a autonomia da vontade”.
Nessa ordem de ideias e considerando que o contrato em tela já estava vigente há 5 anos, idade do processo, entendeu-se que o acórdão atacado extrapolou os limites da função social “fazendo com que a função social prevaleça sem quaisquer condicionamentos, aniquilando a liberdade de contratar.”
Segundo a Ministra relatora, a Função Social do Contrato se presta a flexibilizar e limitar a autonomia da vontade, não sendo um “pretexto para manter duas sociedades empresárias ligadas por vínculo contratual durante um longo e indefinido período.”.
28. Recurso Especial nº 1.062.589/RS de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XX XXXXXXX (DJe 06/04/2009) - Não Conhecido.
29. Recurso Especial nº 302.137/RJ de Relatoria do Ministro XXXXXXX XXXXXX XX XXXXX XXXXXX (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (DJe 05/10/2009) – Não Conhecido
30. Recurso Especial nº 1.127.247/DF de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 19/03/2010) – Não Conhecido
31. Recurso Especial nº 858.785/GO de Relatoria do Ministro XXXXXXXX XXXXX XX XXXXXX (DJe 03/08/2010) – Idêntico ao nº 5.
32. Recurso Especial nº 1.112.524/DF de Relatoria do Ministro XXXX XXX (DJe 30/09/2010) – Não trata de Função Social do Contrato.
33. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 474.921/RJ de Relatoria do Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX (DJe 19/10/2010) (i) Caso enfrentado: possibilidade de seguradora litisdenunciada ser condenada direta e solidáriamente; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Externa; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: Negou-se provimento, entendendo pela possibilidade de condenação solidária da seguradora litisdenunciada.
Comentários: o acórdão recorrido condenou a seguradora litisdenunciada de forma solidária. O Ministro Relator entendeu correto esse entendimento, fundamentado no princípio da função social do contrato de seguro, permitindo a ampliação do âmbito de eficácia da relação contratual para se garantir o pagamento efetivo da indenização ao terceiro lesado pelo evento danoso. Para ele, a execução poderá ser feita diretamente em desfavor do denunciado.
34. Recurso Especial nº 1.192.609/SP de Relatoria do Ministro MASSAMI UYEDA (DJe 21/10/2010) (i) Caso enfrentado: pagamento de seguro de vida à genitora de policial civil a caminho de casa, onde foi alimentar-se para, posteriormente, voltar ao trabalho; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: conheceu-se em parte do recurso especial e, nessa parte, negou-lhe provimento, determinando que o seguro deveria cobrir o sinistro.
Comentários: entendeu-se que quaisquer limitações à cobertura do seguro deverá estar nele expostas de forma clara e objetiva, sob pena de ter sua interpretação invertida em favor do aderente, com fundamento no art. 423, do CC, e na função social do contrato e boa fé.
No caso enfrentado, o agente estava de plantão, efetivamente em exercício e não havia exclusão de responsabilidade nesse sentido na apólice de seguro.
35. Recurso Especial nº 1.155.200/DF de Relatoria do Ministro MASSAMI UYEDA (DJe 02/03/2011) (i) Caso enfrentado: abusividade de fixação de contrato de honorários advocatícios quando o causídicos perceber valores maiores que a constituinte; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: Recurso especial conhecido e provido, revisando-se a cláusula contratual que fixou os honorários advocatícios para o fim de reduzi-los ao patamar de 30% da condenação obtida.
Comentários: no que diz respeito à função social do contrato, apenas se menciona que:
“a interpretação do instituto da lesão deve ser sempre promovida em conjunto, no Código Civil, com todas as normas legais que estabelecem cânones de conduta, como a do art. 421 (função social do contrato), 422 (boa-fé objetiva) e 187 (vedação ao abuso de direito).”
36. Recurso Especial nº 1.115.605/RJ de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXXXX (DJe 18/04/2011) (i) Caso enfrentado: possibilidade de sub-rogação de incorporadora dos direitos e obrigações de incorporadora falida (Encol) para terminar empreendimento para comissão formada por adquirentes de unidades; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da
função social do contrato? interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Doutrina.
Resultado: deu-se provimento, entendendo pela legitimidade da empreendedora sub-rogar-se nos direitos e obrigações da Encol.
Comentários: no voto da relatora, que foi por todos acompanhado, consta a citação do jurista Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, no sentido de que a desconsideração do aspecto coletivo do contrato de incorporações compromete a função social e a segurança jurídica.
37. Recurso Especial nº 1.076.942/PR de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XX XXXXXXX (DJe 06/05/2011) (i) Caso enfrentado: pagamento e apólice de seguro de vida por suicídio durante o período de carência do art. 798, do CC; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: provido, entendendo que a lei trouxe um critério temporal objetivo, estando a seguradora isenta do dever de indenizar.
Comentários: a função social do contrato está presente apenas no voto vencido do Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, que registra a necessidade de “interpretar a norma de forma extensiva, tomando-se como base os princípios que nortearam a redação do novo Código, entre os quais o princípio da boa-fé e da função social do contrato”.
38. Recurso Especial nº 887.946/MT de Relatoria do Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX (DJe 18/05/2011) (i) Caso enfrentado: possibilidade de revisão de cláusula penal; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não;
(iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: parcialmente provido, mantendo-se a multa contratual.
Comentários: esse julgado expõe que a doutrina e a jurisprudência “evidenciavam uma evolução hermenêutica no sentido de não mais apenas permitir, mas reconhecer um dever judicial de, também nos casos em que a cláusula penal se mostre fixada em valor manifestamente excessivo, reduzi-la.”
Segundo o Ministro Relator, tal entendimento afasta o desequilíbrio e o enriquecimento ilícito em favor da função social do contrato, ponderando a necessidade de concreção deste ultimo instituto.
39. Recurso Especial nº 866.343/MT de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 14/06/2011) (i) Caso enfrentado: possibilidade de análise de negócio jurídico antecedente à novação; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não;
(iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Doutrina.
Resultado: provido, entendendo pela possibilidade de se analisar o contrato antecedente à novação.
Comentários: o Ministro relator, cujo voto foi por todos acompanhado, apenas menciona que o princípio do pacta sunt servanda foi relativizado pela nova feição do Código Civil Brasileiro, impondo que haja “diálogo entre a autonomia privada, a boa-fé e a função social do contrato.”.
40. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.277.164/MG de Relatoria do Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXXXX (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ) (DJe 04/08/2011) – Prejudicado. Enunciados nºs 211⁄STJ e 282⁄STF.
41. Recurso Especial nº 1.051.270/RS de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 05/09/2011) (i) Caso enfrentado: BBV Leasing Brasil S⁄A Arrendamento Mercantil ajuizou ação de reintegração de posse em face de Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx, ensejada por inadimplemento de contrato de arrendamento mercantil; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato?
Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: conheceu-se em parte do recurso especial e, nessa parte, negou-lhe provimento, entendendo incabível a reintegração de posse frente o adimplemento substancial do contrato.
Comentários: O Relator asseverou a crescente corrente de publitização do direito privado, maximizando as deliberações particulares para além de seus interesses. Veja-se:
“o contrato passou a ter colorido publicístico, exigindo do julgador a aplicação, no caso concreto, das chamadas cláusulas abertas, dentre as quais se destacam a boa-fé-objetiva e a função social. Vale dizer, não se pode mais conceber o contrato unicamente como meio de circulação de riquezas. Além disso - e principalmente -, é forma de adequação e realização social da pessoa humana e meio de acesso a bens e serviços que lhe dão dignidade.”
Usou-se da doutrina de Xxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx para oferecer sentido à função social:
“A cláusula geral da função social do contrato é decorrência lógica do princípio constitucional dos valores da solidariedade e da construção de uma sociedade mais justa. (...) As várias vertentes constitucionais estão interligadas, de modo que não se pode conceber o contrato apenas do ponto de vista econômico, olvidando-se de sua função social. A cláusula geral da função social do contrato tem magnitude constitucional e não apenas civilista (Código Civil Comentado, p. 447, 5ª edição. Ed. Revistas dos Tribunais).”
Para aferir a legitimidade da resolução do contrato, segundo o julgado, deve haver um cotejo entre o adimplemento e o inadimplemento, de modo a realizar os princípios da função social e da boa-fé objetiva. Deve-se preservar a relevância social do contrato e o atendimento a esses princípios. Assim, mostra-se desproporcional reintegração de posse, ferindo a função social do contrato e a boa-fé-objetiva: “A regra que permite a reintegração de posse em caso de mora do devedor - e consequentemente a resolução do contrato -, no caso dos autos, deve sucumbir diante dos aludidos princípios.”.
O Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx foi voto vencido, entendendo que não houve substancial cumprimento da obrigação.
42. Recurso Especial nº 1.256.703/SP de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 19/03/2010) (i) Caso enfrentado: cobrança de serviço médico de paciente levado por policiais militares e que não foi cientificado de que se tratava de serviços particulares; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não;
(iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: parcialmente provido, entendendo pela possibilidade de cobrança, mesmo sem a apresentação de orçamento prévio, dada as peculiaridades do caso.
Comentários: o relator, acompanhado por seus pares, entendeu que, para a realização da função social, é necessário haver um cotejo entre o adimplemento e o inadimplemento, a fim de aferir-se a legitimidade da resolução do contrato.
43. Recurso Especial nº 1.255.315/SP de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXXXX (DJe 27/09/2011) (i) Caso enfrentado: responsabilidade pós-contratual de contrato verbal de distribuição; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: negou-se provimento, entendendo pela manutenção da indenização imposta pelo juízo a quo.
Comentários: no voto da relatora, por todos acompanhado, expôs- se que a recorrente (BAYER) baldou a função social do contrato ao praticar conduta desleal e abusiva, por ela ter tentando assumir a carteira de clientes da recorrida.
44. Agravo Regimental de Agravo em Recurso Especial nº 32.884/SC de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX (DJe 01/02/2012) – Prejudicado. Enunciado nº 5/STJ.
45. Recurso Especial nº 877.965/SP de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 01/02/2012) (i) Caso enfrentado: negativa de pagamento de pecúlio (capital a ser pago de uma só vez ao beneficiário, quando ocorrer a morte do subscritor, na forma estipulada no plano subscrito) à viúva do beneficiário de previdência privada em razão de inadimplência; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: deu-se provimento ao recurso, determinando o pagamento do pecúlio, mesmo tendo havido inadimplência.
Comentários: quanto à função social, limitou-se à transcrição do
julgado nº 42.
46. Recurso Especial nº 1.245.618/RS de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXXXX (DJe 30/11/2011) (i) Caso enfrentado: Cinge-se a controvérsia a verificar se a seguradora pode ser demandada diretamente por terceiro, para responder pelos danos por esse suportados, sem que o segurado também figure no polo passivo da ação; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não;
(iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Externa; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: conheceu-se em parte do recurso especial e, nessa parte, negou-lhe provimento, reconhecendo a possibilidade de o terceiro prejudicado requerer a indenização diretamente da seguradora.
Comentários: em voto por todos acompanhado, a relatora apenas fez referencias ao julgado nº 33, salientando o papel do seguro em garantir o pagamento efetivo da indenização a terceiros.
47. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 1.383.974/SC de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 01/02/2012) – Não enfrenta o tema “função social do contrato”.
48. Recurso Especial nº 927.457/SP de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 01/02/2012) (i) Caso enfrentado: cobrança de instituição de ensino superior a aluno por matérias das quais foi dispensado de assistir aulas e realizar provas; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna;
(v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: deu-se parcial provimento ao recurso, reconhecendo ao abatimento proporcional das mensalidades pagas, devendo o valor ser apurado em liquidação de sentença, por arbitramento.
Comentários: o Ministro Relator, no voto que por todos foi acompanhado, usou da doutrina de Xxxxxxxxxx Xxxxx para afirmar que “o que os contratantes desejam (ou devem desejar), é que o contrato chegue a seu fim, sem percalços, desincumbindo-se, cada parte, de suas respectivas prestações. Assim, extinto o contrato, terá cumprido a sua função social, fazendo circular as riquezas e satisfazendo as legítimas expectativas das partes.”.
49. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1.033.092/RS de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXXX (DJe 20/03/2012) (i) Caso enfrentado: limite de idade mínimo para obtenção da suplementação integral da aposentadoria concedida pela previdência oficial; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: negou-se provimento ao agravo, entendendo não haver idade mínima.
Comentários: apenas no voto-vista do Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, acompanhando o relator, a função social do contrato foi citada, todavia sem maiores considerações, apenas salientando sua aplicação no âmbito do sistema previdenciário complementar privado, por se tratar de relação de consumo.
50. Recurso Especial nº 1.124.362/SP de Relatoria do Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX (DJe 21/05/2012) (i) Caso enfrentado: necessidade de restituir ao executado a diferença entre o valor devido e o valor do bem gravado com garantia hipotecaria, a teor do art. 7º, da Lei nº5.741/71; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: negou-se provimento, entendendo que é devida a restituição da diferença entre o valor devido e o valor do bem hipotecário adjudicado pelo exequente.
Comentários: no voto do relator, por todos acompanhado, pouco se falou sobre a função social do contrato, o Ministro apenas propôs que a observação da função social do contrato em questão.
51. Recurso Especial nº 1.158.815/RJ de Relatoria do Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX (DJe 17/02/2010) (i) Caso enfrentado: empresa contratada por shopping para sua expansão busca a quantificação de prêmio de produtividade levando em consideração fatores de cálculo em época diversa; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: conhecido em parte e, nessa parte, provido, entendendo que deveriam ser usados os fatores de calculo do momento do vencimento do contrato.
Comentários: não houve densificações sobre a função social do contrato em nenhum dos votos, os quais apenas utilizam o instituto para reforçar a impossibilidade de um enriquecimento ilícito ou da onerosidade excessiva.
52. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.272.995/RS de Relatoria do Ministro XXXXXXXX XXXXX XXXX XXXXX (DJe 15/02/2012) – (i) Caso enfrentado: excessividade de multa contratual em contrato de crédito educativo; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao
significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Doutrina.
Resultado: negou-se provimento, entendendo o STJ por não ser razoável a multa de 10% nesses tipos de contratos.
Comentários: o relator, seguido por todos, usou da doutrina de Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxx para expor que a função social do contrato condiciona a liberdade de contratar a seus fins econômicos e sociais, sendo vedada a convenção que seja contrária aos bons costumes, prevalecendo o interesse social.
Conclui o relator que, como pilar da teoria contratual, a função social do contrato é “um princípio determinante e fundamental que, tendo origem na valoração da dignidade humana (art. 1o. da CF), deve determinar a ordem econômica e jurídica, permitindo uma visão mais humanista dos contratos que deixou de ser apenas um meio para obtenção de lucro.”.
53. Recurso Especial nº 1.220.251/MA de Relatoria do Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXX (DJe 13/03/2012) (i) Caso enfrentado: rescisão contratual de contrato promessa de compra e venda de um imóvel por exceção do contrato não cumprido, devido ao inadimplemento com dívidas tributárias; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: conheceu-se em parte do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento, reformando o acórdão recorrido no sentido de manter o contrato, tendo em vista que o descumprimento foi mínimo.
Comentários: o relator, acompanhado de seus pares, apenas mencionou que o acórdão recorrido violou o princípio da função social dos contratos ao afastar a exceção do contrato não cumprindo.
54. Recurso Especial nº 1.159.087/MG de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 15/05/2012) (i) Caso enfrentado: possibilidade de instituições
bancárias fornecerem endereços de seus clientes a credores de cheques devolvidos por falta de fundos; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não;
(iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Externa; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: parcialmente provido, entendendo o STJ pelo afastamento da multa cominatória, mas estabelecendo prazo para a apresentação do documento, sob pena de busca e apreensão de documento que conste informações do correntista devedor do cheque.
Comentários: o Ministro Relator, acompanhado por todos, expôs que em benefício “do direito fundamental de ação, da função social do contrato, do sistema de crédito e da economia, da adequada utilização do cheque, que contribui para o aperfeiçoamento do sistema financeiro, da proteção do credor de boa-fé e da solução rápida dos conflitos”, não é certo que o devedor seja protegido pelo Banco.
55. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 37.131/SC de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX (DJe 31/05/2012) – Não enfrenta o tema “Função Social dos Contratos”
56. Recurso Especial nº 1287402/PR de Relatoria do Ministro XXXXX XXXXX (DJe 18/06/2013) (i) Xxxx enfrentado: busca e apreensão de automóvel alienado fiduciariamente por inadimplência. A questão cinge-se quanto à necessidade de pagamento, para reaver o bem, de todas as parcelas vincendas ou apenas as que se vencerem durante o processo; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: provido, entendendo que cumpre ao devedor o pagamento integral do valor devido (parcelas vencidas, vincendas, custas e honorários).
Comentários: o relator, em voto-vencido solitário, milita a favor da preservação do contrato ante o pagamento das parcelas vencidas, resguardando, a seu ver, “a função social do contrato e a boa-fé objetiva que devem respaldar tais negócios jurídicos”.
Segundo o Ministro a função social do contrato “constitui cláusula geral, que reforça o princípio da conservação do contrato, assegurando trocas justas e úteis às partes.”.
Nessa ordem de ideias, o relator argui que o consumidor não teve oportunidade de ter pagado as custas ou os honorários, vistos que nem sequer foram calculados. Assim, certo do adimplemento substancial da obrigação visando impedir a resolução do contrato, a avença deveria ser mantida, com força nos princípios da boa-fé e da função social do contrato.
O Ministro Xxxxx Xxxxx conclui seu raciocínio sobre a função social do contrato citando o enunciado nº 361, das Jornadas de Direito Civil do Centro de Estudos judiciários do Conselho de Justiça Federal: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.”.
57. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1.394.166/SC de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX (DJe 04/06/2012) (i) Caso enfrentado: revisão contratual para extirpar a cumulação de comissão de permanência com outros encargos moratórios e a repetição do indébito no que sobrepujar o valor obrigacional; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Julgado.
Resultado: negou-se provimento para confirmar a condenação em repetição de indébito independentemente de comprovação de erro.
Comentários: apenas salientou-se:
“a jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que, aplicável o Código de Defesa do Consumidor aos casos que envolvem relação de
consumo, é permitida a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, diante do fato de que o princípio do pacta sunt servanda vem sofrendo mitigações, mormente ante os princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual.”
58. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 155.975/SP de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXXX (DJe 05/06/2012) – Não enfrenta o tema “função social do contrato”
59. Recurso Especial nº 1.212.159/SP de Relatoria do Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX (DJe 25/06/2012) (i) Caso enfrentado: possibilidade de redução da cláusula penal em face do cumprimento parcial do contrato; (ii) Trata- se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: parcialmente provido, decidindo pela possibilidade de redução de clausula penal por cumprimento parcial da obrigação contratual.
Comentários: no voto do relator, por todos seguido, expôs-se que a redução da cláusula penal é recomendada, a fim de que se busque preservar a função social do contrato “afastando o desequilíbrio contratual e o uso da mesma como instrumento de enriquecimento sem causa”. Completa o Ministro mencionando o julgado nº 38.
60. Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento nº 1.364.104/SP de Relatoria do XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX (DJe 13/08/2012) – Prejudicado. Enunciado nº 7/STJ.
61. Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento nº 1.245.334/RS de Relatoria do Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX (DJe 13/08/2012) - Prejudicado. Enunciado nº 7/STJ
62. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1.210.892/RJ de Relatoria do Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXX (DJe 17/08/2012) – Prejudicado. Enunciado 284/STF.
63. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1.362.420/PR de Relatoria do Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXX (DJe 17/08/2012) - Não enfrentou o tema função social do contrato.
64. Agravo Regimental nos Embargos de Declaração do Agravo de Instrumento nº 1.400.796/RS de Relatoria do Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX (DJe 21/08/2012) – apenas faz menção ao julgado analisado no nº 43.
65. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1.309.657/RJ de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 26/09/2012) – Prejudicado. Enunciados nºs 282/STF e 7/STJ.
66. Agravo Regimental nos Embargos de Declaração do Recurso Especial nº 1.320.969/SP de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXXX (DJe 08/10/2012) – Não enfrenta o tema “função social dos contratos”
67. Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.272.995/RS de Relatoria do Ministro XXXXX XXXXXXXX XXXXXXX (DJe 18/10/2012) (i) Caso enfrentado: Discute-se, em sede de Embargos de Divergência, a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor a contrato de crédito educativo, firmado por estudante; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Julgado.
Resultado: não conhecido, pois não se encontrou dissidência quanto ao posicionamento do STJ em entender inaplicável o CDC aos contratos de crédito educativo.
Comentários: em voto vencido, o Ministro Xxxxxxxx Xxxxxxxxx menciona a função social do contrato como um dos pilares contratuais e advindo da valoração da dignidade humana, de modo que “deve determinar a ordem econômica e jurídica, permitindo uma visão mais humanista dos contratos que deixou de ser apenas um meio para obtenção de lucro”.
68. Recurso Especial nº 1.161.522/AL de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXX XXXXXXXX (DJe 21/11/2013) (i) Caso enfrentado: discute-se se a Caixa Econômica Federal está obrigada a celebrar contrato de arrendamento imobiliário especial a teor do art. 38, da Lei 10.150/00; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: negou-se provimento, entendendo que a CEF não está obrigada a celebrar contratos de arrendamento imobiliário especial, mesmo que tenham sido cumpridos todos os requisitos legais para tanto.
Comentários: a função social do contrato foi assunto levado à tona pelo voto-vista do Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx, quem, em voto-vencido solitário, entendeu que o dispositivo em comento deveria ser interpretado à luz da função social do contrato.
Após transcrever boa parte das razões expostas por Xxxxxx Xxxxx a respeito do art. 421/CC (já expostas nesse trabalho), expõe:
“A noção de bem comum, que é a pedra de toque para compreensão da idéia de função social tanto da propriedade, como a do contrato, foi sintetizado pelo Professor Xxxxxx Xxxxx como o bem social ideal, que consiste em servir o coletivo respeitando a personalidade de cada um.
Ou seja, deve-se compatibilizar o interesse individual com o interesse social.”
Nessa ordem de ideias, assevera a imprecisão da função social do contrato, apontando que esta pode ser uma cláusula geral restritiva ou regulativa, explicando que a primeira se limitam ao exercício de um direito, enquanto as regulativas “permitem a modificação ou ampliação de uma relação obrigacional”, dando exemplos de julgados de cada uma delas.
Inspirado na doutrina de Gérson Branco, o Ministro entende que a parte pode ser compelida a contratar, mesmo contra sua vontade, por força da ação da função social do contrato sobre a liberdade de contratar, dando como exemplos o seguro obrigatório de veículos automotores terrestres, e outros.
Certo de suas razões, o Ministro concluiu firmando o entendimento vencido de que ”deve-se reconhecer que não se trata de uma simples faculdade, mas de uma obrigação da instituição financeira recorrida a celebração do negócio jurídico em questão uma vez preenchidos os requisitos legais”.
A Ministra Relatora ratificou seu voto, entendendo que o caso dos autos não merece o estudo da função social do contrato, pois não se discute o equilíbrio do acerto, mas sua obrigatoriedade.
Após, a Ministra Xxxxx Xxxxxxxx aduziu seu voto no mesmo sentido da Relatora, apegando-se à literalidade da lei, do mesmo modo que o fez o Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx, último a votar, quem salientou a natureza privada da Caixa Econômica Federal ao agir no mercado.
69. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 155.244/SP de Relatoria do Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX (DJe 15/02/2013) (i) Caso enfrentado: A agravante, Mapfre Xxxx Xxxx Xxxxxxxxxx S/A., pugna pelo reconhecimento da violação ao artigo 535 do CPC; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Julgado.
Resultado: para entender que não houve violação ao referido artigo 535, vez que quando o acórdão recorrido aprecia de forma clara questões essenciais à lide, não sendo necessário que o magistrado rebata, um a um, o argumentos levantados pelas partes
Comentários: quanto à função social do contrato, o relator apenas rememorou o seu entendimento, exposto na análise nº 33.
70. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.276.336/RS de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXXX (DJe 20/03/2013) – Não enfrentou o tema “função social do contrato”.
71. Recurso Especial nº 1.099.212/RJ de Relatoria do Ministro MASSAMI UYEDA (DJe 04/04/2013) (i) Caso enfrentado: devolução do valor residual garantido - VRG, pago antecipadamente e que seria utilizado caso o arrendatário
opta-se pela compra do bem arrendado em caso de reintegração de posse por inadimplência; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? interna;
(v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: conheceu-se, em parte, do recurso, e, nesta parte, negar-lhe provimento, para fixar a tese de que “Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de arrendamento mercantil financeiro, quando o produto da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais".
Comentários: nesse julgado apenas o Ministro Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxx, quem sugeriu a tese adotada, enfrentou o tema da função social do contrato, utilizando-a como proteção ao desestímulo à atividade das arrendadoras.
Segundo o Ministro, a função social do arrendamento mercantil deve ser preservada para que se estimule a adimplência, reduzindo os custos financeiros e os juros, incrementando a atividade econômica “a bem da construção de uma sociedade em que vigore a livre iniciativa, mas com justiça social.”.
72. Agravo Regimental No Recurso Especial nº 1.230.665/SP de Relatoria do Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX (DJe 03/04/2013) (i) Caso enfrentado: a agravante, Companhia de Seguros do Estado de São Paulo – COSESP, pleiteia o não reconhecimento dos danos materiais sofridos pelas partes agravadas. No caso, houve rescisão unilateral do contrato de seguro de vida, por parte da agravante, quando este atingiu idade elevada; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: negou-se provimento para em desfavor da seguradora.
Comentários: Não se enfrentou a questão da função social do contrato, apenas foram citados os julgados nº 43 e 62.
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73. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 193.379/RS de Relatoria do Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXX XXXXX (DJe 09/05/2013) (i) Caso enfrentado: A agravante, Sul América Seguros de Vida e Previdência S.A, pleiteia o reconhecimento da não incidência de danos morais. No caso em questão, após anos de renovação, a agravante rescindiu de forma unilateral o contrato que firmou com o agravado, um idoso; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: Recurso improvido, entendendo pela impossibilidade da rescisão do contrato.
Comentários: entendeu-se que a rescisão sem motivação, quando feita mediante conduta desleal e abusiva, viola tanto os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, quanto os da responsabilidade contratual. Desta feita, é passível o reconhecimento do direito à indenização por danos morais.
Xxxxxx foi citado um acórdão que menciona a função social do contrato. Não teceram maiores comentários sobre o assunto.
74. Recurso Especial nº 1.277.762/SP de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXXX (DJe 13/08/2013) (i) Caso enfrentado: Discute-se a possibilidade de o Banco Santander Brasil S.A, ora recorrido, encerrar, de forma unilateral e sem motivação, as contas de seus clientes que, apesar de serem antigas, ainda possuíam uma movimentação razoável; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não;
(iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: provido, restabelecendo a sentença de primeiro grau que determinou a manutenção das contas bancárias e a indenização por danos morais.
Comentários: acerca da função social do contrato, asseverou o Ministro Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxxx o que prevê o art. 421, do Código Civil, mencionando, nesse ponto, que “o titular de um direito que, eventualmente, se excede no seu exercício e acaba agindo no exercício irregular de um direito, pratica um ato ilícito, configurando o chamado abuso de direito”.
A Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, por sua vez, lança o instituto para afastar a extinção imotivada de conta corrente, salientando o movimento de inclusão bancária.
Não se menciona o instituto nos demais votos.
75. Recurso Especial nº 1.381.214/SP de Relatoria do Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX (DJe 27/08/2013) (i) Caso enfrentado: O recorrente pleiteia o reconhecimento de sua invalidez parcial permanente, em virtude da retirada cirúrgica do Baço; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não;
(iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: provido, firmando o entendimento de que é possível o reconhecimento de invalidez, mesmo que tal hipótese não estivesse inclusa na tabela (elaborada pelo CNSP) utilizada em 2009.
Comentários: o voto do relator, por todos acompanhado, usou a função social do contrato para justificar seu entendimento de que o DPVAT deveria cobrir a invalidez perseguida, independentemente de ter constado da tabela de sinistros após a ocorrência do fato, in verbis:
“Assim, ainda que a perícia realizada nos autos tenha negado a invalidez permanente do recorrente, a situação de invalidez deve ser reconhecida a partir da nova tabela, constante expressamente de lei, manifestação a interpretação do próprio legislador.
A conclusão, ademais, se justifica em razão do princípio da função social do contrato, especialmente importante no seguro DPVAT”
76. Recurso Especial nº 1.387.990/PR de Relatoria do Ministro XXXXX XXXXXXXX XXXXXXX (DJe 25/09/2013) (i) Caso enfrentado: O Banco Bradesco S.A, ora recorrente, pleiteia a não aplicação da pena de perdimento de veículo
objeto de alienação fiduciária. No caso, a Corte Superior entendeu que é possível sim a aplicação da referida pena, vez que o contrato de alienação fiduciária não é oponível ao fisco, conforme disposto no artigo 123 do CTN; (ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: Recurso improvido, entendendo possível aplicar a pena de perdimento de veículo em favor da FAZENDA NACIONAL, todavia mantendo-se o direito do credor em reaver o seu crédito junto ao devedor fiduciário, consoante o art. 123, do CTN.
Comentários: todos os votos acompanharam o relator, quem seguiu o raciocínio de que, caso o veículo fosse devolvido à instituição bancária, quem seria o proprietário do bem e deveria pagar o fisco, o devedor fiduciário se livraria da dívida e, ainda, teria que ser restituído em eventual saldo, o que seria um absurdo e infringiria função social e o princípio da eticidade nas relações civis.
77. Recurso Especial nº 1.379.870/PR de Relatoria do Ministro XXXXX XXXXXXXX XXXXXXX (DJe 16/12/2013) – Idêntico ao nº 76.
78. Recurso Especial nº 1.123.342/SP de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 06/11/2013) (i) Caso enfrentado: discute-se a superação da súmula 229 do STJ que foi editada ainda quando vigente o CC 16 ; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) Teoria da imprevisão? Não; (vi) Restrição da autonomia privada? Não; (vii) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: deu-se provimento ao recurso para reafirmar o entendimento da súmula 229, do STJ.
Comentários: no voto do relator, que foi acolhido em unanimidade, expõe-se que a função social do contrato é cláusula geral e dirigida ao julgador, mitigando a rigidez da norma posta, legal ou contratualmente.
79. Recurso Especial nº 1.269.691/PB de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXX XXXXXXXX (DJe 05/03/2014) (i) Caso enfrentado: responsabilidade do Shopping Center de indenizar uma cliente vítima de tentativa de roubo em seu estacionamento; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna;
(v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: negou-se provimento, entendendo ser devida indenização por danos morais em consequência de tentativa de roubo em estacionamento.
Comentários: a função social apenas foi mencionada no voto do Ministro Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx (voto-vencedor), quem ponderou que ela deveria ser observada para a compreensão da responsabilidade civil em estacionamentos comerciais, sendo dever do explorador do local promover sua proteção.
Inspirado na doutrina de Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, o Ministro salienta que o direito privado deve proteger-nos dos desafios da sociedade massificada, globalizada e informatizada, de modo que o consumidor merece reconhecidamente ser albergado, devido ao seu papel no mercado e na sociedade.
80. Recurso Especial nº 1.295.838/SP de Relatoria da Ministra XXXXX XXXXXXXX (DJe 25/02/2014) (i) Caso enfrentado: responsabilidade do shopping pela comercialização de mercadorias da “Track&Field” sem autorização, nos espaços por ela alugados; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: negou-se provimento, entendendo pela responsabilidade da recorrida “Shopping 25 de Março” pelos produtos que as lojas locatárias comercializam.
Comentários: No tocante à função social do contrato, a Ministra Xxxxx Xxxxxxxx, em voto vencido, afirma que "a relação locatícia não confere ao locador poder de polícia sobre os locatários", mas que, no entanto, o exercício, pelo
locador, de direitos e obrigações advindos das relações locatícias deve condizer com a função social do contrato. Nesse sentido, o locador deve coibir condutas que "evidenciem a tentativa de obtenção de benefícios financeiros que ultrapasse a finalidade normal do instrumento".
Segundo a Relatora, a função social do contrato “implica vedação a que este sirva de meio para a consecução de atividades abusivas, que causem dano à parte contrária ou a terceiros [...] em outras palavras, o contrato não fica restrito aos interesses das partes que o celebram, porque ele, por sua própria natureza, exerce uma função social inerente ao poder negocial”.
Nessa ordem de ideias a Xxxxxxxx entende “cabe ao Juiz se sobrepor aos direitos e interesses fixados no instrumento, sopesando se não está em jogo algum valor social que deva ser preservado, hipótese em que o fiel da balança deve pender para o lado da coletividade”, bem como “verificar se o exercício, pelo locador, dos direitos e obrigações oriundos das relações locatícias, condiz com a função social do contrato, coibindo condutas que evidenciem a tentativa de obtenção de benefícios financeiros que ultrapassem a finalidade normal do instrumento.”.
Noutra linha, os demais Ministros entenderam que cabe ao locador, Shopping 25 de março, a responsabilidade sobre a comercialização dos bens feita pelos locatários.
81. Recurso Especial nº 1.127.403/SP de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 15/08/2014) (i) Caso enfrentado: responsabilidade solidária do banco em razão do descumprimento do contrato pelo fornecedor, por ser financiador do negócio, atuando em parceria com o vendedor; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, parcialmente provido, para afastar a responsabilidade solidária da casa bancária pela repetição integral dos valores despendidos pelos consumidores, abarcando aquele pago a título de entrada no negócio de compra das cozinhas planejadas, remanescendo a
responsabilidade do banco na devolução atualizada dos valores recebidos por meio dos boletos bancários, em razão da cessão do crédito restante (crédito cedido pela lojista não abrangendo o valor recebido por esta última a título de entrada no negócio), pois as vicissitudes de um contrato repercutiram no outro, condicionando- lhe a validade e a eficácia.
Comentários: a função social do contrato veio à tona apenas no voto-vencido do relator, no seguinte trecho:
“conforme o contexto fático-probatório dos autos, é de se reconhecer a responsabilidade solidária do banco perante os recorridos, por toda obrigação jurídica decorrente do contrato coligado de venda de bens móveis (cozinha planejada), independentemente da responsabilidade pela prática direta do ato que lesou o interesse desses, mitigando-se o princípio da relatividade contratual e preservando-se o da transparência, da boa-fé, da equidade e da função social dos contratos.”
82. Recurso Especial nº 1.186.789/RJ de Relatoria do Ministro XXXX XXXXXX XXXXXXX (DJe 13/05/2014) (i) Xxxx enfrentado: os recorrentes pleitearam a não aplicação da regra prevista no artigo 413 do CDC alegando que não se pode falar em redução equitativa da Cláusula Penal prevista em contrato firmado pelas partes;
(ii) Trata-se de relação de consumo? Não; (iii) há a atribuição casuística de sentido ao significante Função Social do Contrato? Sim (vide comentários); (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Não.
Resultado: Improvido, pela possibilidade de aplicação da referida regra, afirmando que os princípios da função social do contrato e da boa - fé objetiva permitem ao julgador fazer a redução do valor estipulado na Cláusula Penal, desde que observada a moldura fática do caso concreto.
Comentários: para o relator, acompanhado por todos, a função social do contrato é instrumento que proporciona ao julgador “a adequada redução do valor estipulado a título de cláusula penal, observada a moldura fática do caso concreto.”.
83. Agravo no Recurso Especial nº 473.080/RJ de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXXXXX (DJe 22/04/2014) – Prejudicado. Enunciados 5 e 7, da Súmula do STJ.
84. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.444.292/SP de Relatoria do Ministro XXXXXX XXXXXX (DJe 04/09/2014) (i) Caso enfrentado: rescisão unilateral de contrato de seguro de vida em grupo, mantido por mais de 30 anos; (ii) Trata-se de relação de consumo? Sim; (iii) há a atribuição casuística de se ntido ao significante Função Social do Contrato? Não; (iv) Eficácia interna ou externa da função social do contrato? Interna; (v) usou-se alguma doutrina ou julgado sobre função social para fundamentar o entendimento exposto nos votos? Sim.
Resultado: negou-se provimento, entendendo que a rescisão violados princípios da boa-fé e da função social do contrato.
Comentários: no que diz respeito à função social do contrato, apenas citou-se o julgado nº 43, estendendo aquele entendimento aos contratos de seguro de vida em grupo.
Expostos estão todos os resultados da pesquisa, cujo resultado mais longínquo foi o julgado publicado no DJe em fevereiro de 2004 e o mais recente em setembro de 2014, os quais a seguir serão analisados.
3.2. Análise dos Julgados
Desses 84 julgados, 25 (vinte e cinco)215 deixaram de ser apreciados ou por esbarrarem em enunciados de súmulas, ou por não atenderem aos requisitos de admissibilidade ou, ainda, por não enfrentarem o tema da função social dos contratos.
Dos 59 (cinquenta e nove) analisados, percebe-se que pouquíssimos são os que fundamentam o uso da função social do contrato, atribuindo significado ao instituto, apenas 13 (treze)216, dos quais apenas em 7
215 Os de nºs 01, 03, 04, 05, 07, 14, 19, 23, 28, 29, 30, 32, 40, 44, 47, 55, 58, 60, 61, 62, 63, 65, 66, 70 e 83.
216 Os de nºs 08, 10, 22, 27, 41, 48, 52, 56, 68, 71, 79, 80, 82.
(sete)217 houve votos minimamente fundamentados. Desses 7 (sete), 4 (quatro) foram fundamentações de votos vencidos218.
A maior parte trata de relação de consumo219 e cerca de metade dos analisados usaram doutrina ou julgados anteriores sobre função social do contrato220. Boa parte dos que tiveram “sim” como resposta ao parâmetro (v) o fizeram sem adequar, principalmente os julgados, ao caso sob enfrentamento – notadamente foi o que ocorreu nos julgados nºs 45, 46, 69, 72 e 84.
A análise é decepcionante, tendo em vista que advinda de julgados de um Tribunal do qual se espera que afirme, não apenas formalmente, sua competência como órgão consolidante da unidade do sistema jurídico, expondo com nitidez as razões de decidir de seus julgados, de forma adequada, oferecendo previsibilidade e coerência aos jurisdicionados. Por certo que deve existir um compromisso com a segurança jurídica221.
Xxxx Xxxxx Xxxxxx nos ensina que a ética da confiança no direito positivado se equilibra com a estabilidade dos entendimentos dos tribunais, “os quais, por si só, se imutáveis indefinidamente ou mutáveis imotivada ou constantemente também geram insegurança”222.
Para que se alcance segurança jurídica, não apenas tida como legítima expectativa das partes, mas como incidência material da legalidade constitucional, é necessário que haja rigor nas fundamentações racionais das decisões.
Sem contar com os julgados que meramente indica o instituto, sem expor qualquer motivação - como é o caso dos julgados nºs 01, 06, 26, 33, 34, 35,
217 Os de nºs 00, 00, 00, 00, 00, 00 e 80.
218 Os de nºs 10, 56, 68 e 80.
219 Foram 35 julgados. A saber: os de nºs 06, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 26, 34, 37, 38, 41, 42, 48,
49, 50, 52, 56, 57, 67, 68, 69, 71, 72, 74, 77, 78, 79, 80, 81 e 84.
220 Foram 30 julgados. A saber: os de nºs 02, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 26, 36, 37, 38, 39, 45, 46,
48, 52, 56, 57, 64, 67, 68, 69, 71, 72, 79 e 84.
221 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Segurança jurídica entre ouriços e raposas. Jornal Carta Forense..Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxx-x-xxxxxxx/00000>. Acesso em: 30 de agosto de 2014.
222 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Segurança jurídica entre ouriços e raposas. Jornal Carta Forense..Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxxxx-xxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxx-x-xxxxxxx/00000>. Acesso em: 30 de agosto de 2014.
36, 37, 38, 39, 43, 49, 51, 53, 54, 57, 59, 73, 74, 75, 76, 78 e 81 -, é possível
verificar várias ausências na fundamentação dos votos.
No julgado de nº 08, por exemplo, fala-se que a função social é limite imposto aos contratantes na promoção de circulação de riquezas, sem dimensionar a referida limitação, seus critérios ou aspectos relevantes, deixando um vazio que inviabiliza o alcance das razões de decidir, a mesma carência que se percebe nos julgados nºs 22, 48, 79 e 82, ao pretenderem atribuir significação ao instituto.
Além disso, certos julgados são contraditórios. É o que se observa do confronto, v.g., dos casos de n. 16 e 75. No primeiro, entendeu-se que só era possível exigir faturas telefônicas detalhadas que fossem posteriores à previsão legal, 2006, já no julgado n. 75, a função social serviu de fundamento para atribuir efeito ex tunc à lei, fazendo com que o DPVAT cobrisse invalidez que só teve previsão legal após o fato ocorrido, sem dialogar com a decisão anterior.
Parece que a função social do contrato é usada como recurso dos julgadores para explicar conclusões já alcançadas, o que dispensa maiores preocupações com a análise detida de ferramentas que previamente já se estabeleceu adequadas para a resolução do caso. Muitas vezes é possível verificar a aplicação da metodologia de fundamentação do famoso personagem de Xxxxxx Xxxxxxxx, Chicó: “Não sei, só sei que foi assim!”.
Há pouco ou nenhum diálogo entre os votos, que parecem isolar-se na sua verdade infundada, usando dos institutos sem avaliá-los, com a finalidade mórbida de esboçar um “caminho” para conclusão que já chegaram, apenas para localizar o leitor, sem expor a correção do posicionamento adotado ou rechaçar o não adotado.
No julgado nº 26, v.g., onde se restringiu os efeitos da hipoteca, por certo foi uma oportunidade perdida de se densificar a fundamentação da aplicação da função social do contrato, firmando um precedente hígido e exemplar, como fez Xxxxxx Xxxxxxx ao tratar do tema.
Segundo ele [Xxxxxx Xxxxxxx], a restrição dos efeitos da hipoteca “possui relação com o princípio da função social dos contratos, já que visa a preservar os efeitos do contrato de compra e venda do imóvel em favor do consumidor, parte economicamente mais fraca”, bem como tem por objetivo “proteger o direito à moradia, assegurado constitucionalmente no art. 6º da Carta Política de 1988”, observando o princípio da conservação negocial, inerente à concepção social do contrato223. Assim estaria minimamente justificado o emprego da função social do contrato para a resolução do caso.
Não é necessário que todos os julgados tenham como fundamentação um verdadeiro “Tratado de Direito Privado”, mas há que se reconhecer uma oportunidade de avanço em cada um deles, sobretudo quando se está a tratar de institutos ainda incipientes, como é o caso da função social do contrato, na tentativa adensá-lo, buscando o equilíbrio ideal e estável que se espera do Direito.
Com avanços módicos e frequentes é que se constrói o que pode se chamar de jurisprudência, grande ator da segurança jurídica, firmando conceitos e concepções que colocam em debate questões nucleares imprescindíveis à compreensão das ferramentas jurídicas, sempre passíveis de revisão e aprimoramentos.
O árduo trabalho que isso possa exigir nos primeiros julgamentos será transformado em bases concretas que facilitará a todos no exercício de suas funções. Somente a submissão dos conceitos e concepções a sucessivas revisões é capaz de lapidar o saber jurídico e promover segurança jurídica, firmando posições mais sólidas e tornando-os mais consubstanciados e rijos a cada vez, oportunizando, inclusive, eventual mudança de entendimento.
É possível que a falta de um estudo criterioso caso a caso venha sendo prejudicado pelo grande número de processos ou pela imaturidade ou, ainda, receio dos tribunais ao tratar de temas tão recentes, o que desencadeia uma indesejada imprecisão e desarmonia nos julgados. O que não é possível é que se
223 TARTUCE, Flávio. A Função social dos contratos, a boa fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Revista EDP – Escola Paulista de Direito. Ano 1. n. 1, mai./ago 2005. p. 146.
culpe a função social pela falta de segurança jurídica ou que se apregoe a existência de uma crise no instituto contratual, pois, em uma verificação mais contida, fica claro que a função social é um passo a frente e que não há crise, mas uma revolução do modo de se pensar o contrato.
Em tempos longínquos, o contrato instrumentalizava relações isoladas, singelas e pouco numerosas, das quais não se percebia influência no cenário extracontratual, o que se firmava entre as partes, apenas a elas era pertinente.
Ocorre que, de lá pra cá, as relações intersubjetivas deixaram de ser vínculos blindados, ineficientes às externalidades de sua existência. A complexidade das sociedades permeia as relações; as novas tecnologias usam do contrato como catalizador de desenvolvimento e atinge a globalidade, os vínculos se multiplicam silenciosamente, criando e transformando tudo e qualquer coisa.
Atualmente as relações contratuais alheias, por vezes, nos afetam mais que as nossas, é imprescindível que se tenha algum meio de reação ou forma de participarmos do que projeta reflexos em nossas vidas, de nos protegermos individualmente como participes de uma sociedade de direitos e deveres.
Assim o sendo, fica evidenciado o alcance das relações particularizadas à sociedade que o contém, podendo ser por ela percebido positiva ou negativamente. Os indivíduos, ao contratarem uns com outros, tendem a perceberem suas relações como isoladas, pertinente apenas aos autores contratuais. Equívoco enorme, pois esquecem que eles são a própria sociedade.
Costuma-se entender a sociedade como um terceiro, uma entidade, deixando de enxergar que a sociedade está impressa em cada indivíduo e, assim sendo, cada postura influi no todo, como engrenagens de um relógio, tendo cada um, individualidade, Buma função social e, consequentemente, as suas relações.
O contrato, como instrumento condutor dessas relações privadas, tem, da mesma forma, uma função social a exercer, sob pena de se descaracterizar como elo relacional e prejudicar a harmonia social.
O positivismo e o formalismo não são mais suficientes como explicação de alguns fenômenos do texto legal estabilizado, criando lacunas, antinomias jurídicas, contradições de princípios e dispositivos, injustiças
institucionalizadas. Antes guardiões da segurança jurídica, o positivismo e o formalismo passaram a ser responsáveis pela insegurança, fomentando alegações de crise224.
Conservadores e pessimistas, assustados com a fluidez que dos contratos, enxergaram a desconstrução do instituto. Essa percepção equivocada está adstrita ao plano metafísico, desconsiderando a realidade. O contrato não está em crise, esta em um processo revolucionário atento à concretude dos interesses substanciais e ao que lhe cerca e lhe dá razão, a interação social.
Atualmente, o contrato tem uma concepção mais antropocêntrica e menos patrimonialista, atendendo, assim, a direcionamentos constitucionais da Lex Mater de 1988. A ideia não é afastar do contrato o conteúdo econômico, que lhe é próprio, mas de conciliar esse com os interesses do todo (sociais), o qual, uma vez constrangido pelo interesse privado, deverá ter o poder de extirpá-lo do mundo jurídico, com vistas ao bem comum.
A função social não serve aos que procuram assistência social, tampouco é óbice que limita a autonomia privada dos contratantes. Seu papel é prezar pela qualidade dos interesses individuais frente aos sociais, de modo a conciliá-los da forma mais salutar possível.
A grande questão se encontra em saber como fazer uso do instituto sem que isso se torne um subterfúgio para o emprego de valores pessoais no mundo jurídico, ao arbítrio dos manipuladores dos instrumentos de controle (julgadores), dada a imprecisão do seu conceito.
Parece temerário que um instituto tão capaz de interferir nas relações intersubjetivas seja utilizado sem que lhe seja atribuída uma densa significação, capaz de fundamentar seu uso e justificar sua aplicação a cada caso concreto.
Sem uma rigorosa técnica de aplicação - não só a função social do contrato como os demais institutos – o sistema jurídico perde sua harmonia, ganhando distorções perniciosas, inesperadas e inconiventes ao anseio social,
224 XXXXX, Xxxxx. Do Contrato: conceito pós-moderno, p. 212.
retirando-lhe à segurança jurídica e substituindo-a por discricionariedades vazias e frágeis.
Não é suficiente que se fundamente decisões mencionando o art. 421, do Código Civil, determinando a invasão na relação privada. É imprescindível que a fundamentação seja sistemática, dentro e fora do Código Civil, levando em consideração os fatores sociais envolvidos para se ter a conclusão de que há alguma distorção da função social do contrato225.
O uso de cláusulas gerais e princípios será sempre abusivo na falta de fundamentação ou na fundamentação advinda da subsunção clássica, sem anterior análise das peculiaridades do caso, para as quais o julgador deve atentar- se na falta de regras casuísticas226.
É certo que não há antítese entre a função social do contrato e a segurança jurídica, muito pelo contrário, elas devem andar de mãos dadas, de modo que se completem em busca da tutela das legitimas finalidades contratuais.
Para isso, no entanto, exige-se da função social do contrato sustentação doutrinária e limitação normativa, a fim de que a tutela jurisdicional seja o menos discricionária possível227, devendo estar sempre adequadamente fundamentada, sobretudo quando enfrenta institutos vagos e ávidos de significados. Faz-se necessário substituir a mera afirmação por um raciocínio, dessa forma imprimindo um equilíbrio no sistema jurídico e moral, o que é absolutamente essencial228.
Se a função social do contrato traz prejuízos à segurança jurídica? Traz sim, mas somente àquela segurança jurídica formal, onde entendimentos se descompassam da fluidez social, onde equívocos petrificam-se, onde a estagnação do sistema jurídico é pressuposto de confiança e equilíbrio e onde qualquer mudança de entendimento é pecaminosa.
225 XXXXX, Xxxxx. Cláusula Geral e Segurança Jurídica no Código Civil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, n. 41, p.85-98, 2004.
226 Idem.
227 MARRAFON, Xxxxx Xxxxxxx. Metáforas e metonímias inconscientes (des)constroem sentidos nas decisões. Consultor Jurídico.Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxxxxxxxx-xxxxx- metaforas-metonimias-desconstroem-sentidos-decisao- judicial?utm_source=xxxx.xx&utm_medium=facebook>. Acesso em: 30 de agosto de 2014.
228 XXXXXXXX, Xxxxx. Lógica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 210-211.
À verdadeira segurança jurídica, a substancial, aquela que resguarda os preceitos constitucionais e garante ao jurisdicionado uma decisão coerente e adequadamente fundamentada, com balizas rijas e consubstanciadas, oferecendo, inclusive, melhores condições para uma irresignação racional, a função social do contrato vem pra somar, resplandecendo-a. Nas palavras de Xxxxx Xxxxxx “Nestas coisas, o acerto não é apenas uma questão de resultado, mas, sobretudo, de fundamentação. Quando não se sabe por que se acerta, erra-se, se é que me faço entender. O Direito é difícil assim.”229.
Os entendimentos jurídicos não devem permanecer engessados, tampouco ser fugazes. Há, sim, a necessidade de um raciocínio jurídico de pormenorização das ferramentas que se está a lançar mão, no intuito de confirmar seu cabimento ao caso concreto e de permitir o seu adequado uso em casos posteriores, como sinalizador de concepção que alertará o casuístico acerca de suas pretensões jurídicas, oferecendo-lhe, assim, segurança jurídica, até mesmo para que persiga a mudança de entendimento, sendo esse o caso.
229 XXXXXX, Xxxxx Xxxx. “Salvo pela Moral, Morto pela Lei”: Como devem decidir os juízes?. Disponível em
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