A LIBERDADE CONTRATUAL ACERCA DA RESPONSABILIDADE SOBRE OS PASSIVOS EM OPERAÇÕES DE FUSÃO & AQUISIÇÃO
Insper Instituto de Ensino e Pesquisa
LL.M. – Direito dos Contratos
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx
A LIBERDADE CONTRATUAL ACERCA DA RESPONSABILIDADE SOBRE OS PASSIVOS EM OPERAÇÕES DE FUSÃO & AQUISIÇÃO
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx
A LIBERDADE CONTRATUAL ACERCA DA RESPONSABILIDADE SOBRE OS PASSIVOS EM OPERAÇÕES DE FUSÃO & AQUISIÇÃO
Monografia Apresentada ao Programa de LL.M. – Master of Laws do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa, como requisito parcial para obtenção do título pós-graduação “lato sensu” em Direito dos Contratos.
Orientador:
Prof. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx
Xxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx
A liberdade contratual acerca da responsabilidade sobre os passivos em operações de fusão & aquisição. – São Paulo: Insper, 2010. 136 f.
Monografia: LL.M. Direito dos Contratos. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
Orientador: Prof. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx 1.Fusões & Aquisições 2. Contratos 3.Alocação de Riscos e
Responsabilidades 4. Liberdade Contratual
FOLHA DE APROVAÇÃO
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx
A liberdade contratual acerca da responsabilidade sobre os passivos em operações de fusão & aquisição
Monografia Apresentada ao Programa de LL.M. – Master of Laws do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa, como requisito parcial para obtenção do título pós-graduação “lato sensu” em Direito dos Contratos.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx Orientador
Instituição: Insper Assinatura:
Prof.
Instituição: Assinatura:
Profª.
Instituição: Assinatura:
AGRADECIMENTOS
À Deus.
Aos meus pais, minha noiva, e minha família, pela paciência, carinho e
dedicação.
"Moderate strength is shown in violence, supreme strength is shown in levity."
- G. K. Chesterton
- The Man Who was Thursday, 1908
RESUMO
XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx. A liberdade contratual acerca da responsabilidade sobre os passivos em operações de fusão & aquisição. Monografia
– LL.M. – Master of Laws – Direito dos Contratos. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. São Paulo, 2011. 136 p.
Para serem bem sucedidas, as operações de fusões & aquisições requerem uma avaliação correta da empresa-alvo, de seus negócios e de seus passivos. Para este fim, as empresas interessadas em aquisições realizam processos de auditorias de due diligence com o objetivo de verificar e quantificar estes passivos, para que possam ser considerados na composição do valor de aquisição. Contudo, após a conclusão da operação, é possível o surgimento de questões de passivos referentes ao período anterior à aquisição e que sejam desconhecidas à empresa adquirente. Isto pode causar prejuízos à empresa adquirente e gerar um impacto no retorno esperado, uma vez que a composição do preço de aquisição não levou em conta tal passivo. O objetivo deste trabalho é estudar as disposições contratuais que podem alocar corretamente os riscos e responsabilidades relacionados aos passivos da empresa-alvo os instrumentos contratuais de garantia que possam assegurar o exercício destes direitos. O estudo é focado nas práticas contratuais utilizadas em contratos de fusões & aquisições, nas doutrinas brasileira, norte-americana e portuguesa, e na jurisprudência brasileira.
Palavras-chave: Fusões & Aquisições; Contratos; Alocação de Risco e Responsabilidades; Liberdade Contratual
ABSTRACT
XXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx. The contractual control over the liabilities on Merger and Acquisitions operations. Monograph – LL.M. – Master of Laws – Direito dos Contratos. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. São Paulo, 2011. 136 p.
In order to succeed, merger & acquisitions operations require a correct valuation of the target-company, its business and liabilities. Towards this end, companies interested in acquisitions perform due diligence process in order verify and quantify such liabilities, so they can be reflected in the acquisition price. However, after the operation, it’s possible that issues arising from pre-acquisition liabilities and that are unknown to the buyer may arise. They may cause losses to the buyer and generate a negative impact on the expected return, since such liabilities were not considered in the acquisition price. The purpose of this study is to verify which contractual provisions may provide the responsibilities and the risk allocation for the liabilities of the target-company, and the contractual provisions that may ensure the enforcement of such rights. This study emphasizes the contractual practices on merger & acquisitions, on Brazilian, North-American and Portuguese legal doctrines, and on Brazilian legal precedents.
Keywords: Merger and Acquisitions; Contracts; Responsibilities and Risks Allocation; Contractual Responsibility.
INTRODUÇÃO................................................................................................... | 12 |
1. AS OPERAÇÕES DE FUSÃO & AQUISIÇÃO............................................. | 24 |
1.1. Conceito..................................................................................................... | 24 |
1.2. Considerações Jurídicas............................................................................ | 28 |
1.3. As fases das operações de fusão & aquisição.......................................... | 36 |
1.3.1. Instrumento pré-contratual................................................................... | 39 |
1.3.2. Auditoria pré-contratual (due diligence process)................................. | 43 |
1.3.3. Contrato de aquisição.......................................................................... | 48 |
1.3.3.1. Conceito........................................................................................ | 48 |
1.3.3.2. Considerações Jurídicas............................................................... | 50 |
1.3.3.3. Xxxxxxxxx........................................................................................ | 56 |
1.4. A alocação de risco e seus efeitos na composição do preço.................... | 61 |
2. OS PASSIVOS NAS OPERAÇÕES DE FUSÃO & AQUISIÇÃO................ | 63 |
2.1. Conceito...................................................................................................... | 63 |
2.2. Declarações e garantias (representations and warranties)....................... | 65 |
2.3. Passivo contabilizado................................................................................ | 68 |
2.4. Relatórios de auditoria (due diligence Reports)......................................... | 69 |
2.5. Passivos potenciais................................................................................... | 72 |
2.6. Jurisprudência............................................................................................ | 73 |
2.6.1. Supervia - Flumitrens.......................................................................... | 75 |
2.6.2. HSBC - Bamerindus............................................................................ | 77 |
2.6.3. Unibanco - Banco Nacional................................................................. | 78 |
2.6.4. HSBC - Verbas Trabalhistas Bamerindus........................................... | |
2.6.5. Análise................................................................................................. | 90 |
3. O CONTROLE CONTRATUAL DE PASSIVOS........................................... | 82 |
3.1. A Obrigação de Indenizar.......................................................................... | 82 |
3.1.1. A Identificação dos sujeitos ativos e passivos da obrigação
de indenizar 87
3.1.2. Os critérios de identificação dos passivos indenizáveis 88
3.1.3. O dever de notificação 90
3.1.4. O dever do comprador de defender a contingência 93
3.1.5. O direito do vendedor de defender a contingência 95
3.1.6. O direito do vendedor de aprovar acordos sobre os passivos 96
3.2. Formas de Garantia 97
3.2.1. Conta de depósito em garantia (escrow account) 97
3.2.2. Retenção de pagamentos (deferred payment) 101
3.2.3. Pagamento em parcelas vinculadas a eventos (Payment in
installments according to fulfillment of milestones) 102
3.2.4. Compensação (Setoff rights) 103
3.2.5. Seguro sobre declarações e garantias (representations
and warranties insurance) 107
3.2.6. Outras formas de garantia 109
3.3. Momento da Indenização 110
3.4. Garantias aos Vendedores e Antigos Administradores 110
CONCLUSÕES 112
BIBLIOGRAFIA 118
TABELAS 127
LISTA DE ABREVIATURAS
M&A – Xxxxxxx and Acquisitions, i.e., Fusões e Aquisições em inglês. OPA – Oferta Primária de Ações
R&W – Representations and Warrants
CC/02 – Código Civil Brasileiro, Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.
LSA – Lei das Sociedades Anônimas, Lei Nº. 6.404, de 15 de Dezembro de 1976
LRF – Lei de Falências e Recuperações Judiciais, Lei Nº. 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005.
MAC – Materially Adverse Change
ANDIMA – Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro CJF – Conselho da Justiça Federal
TAC – Termos de Ajustamento de Conduta MTE – Ministério do Trabalho e Emprego D&O – Directors & Officers
CETIP – Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos CVM – Comissão de Valores Mobiliários
INTRODUÇÃO
Tanto em épocas de prosperidade econômica quanto de crise, são criadas e aproveitadas incontáveis oportunidades de investimento, desinvestimento, aquisição ou consolidação de ativos e liquidação de ganhos. Tais oportunidades podem ser aproveitadas através das operações de fusão e aquisição, dentro de uma vasta variedade de instrumentos e formatos que podem ser adotados pelas partes. Não seria arriscado postular que os contratos de M&A1, decorrentes destes negócios, encontram-se no topo da pirâmide de complexidade, multidisciplinaridade e valores totais envolvidos, dentre todas as modalidades contratuais praticadas.
Preliminarmente, podem ser tecidos alguns comentários acerca das razões da escolha do tema deste trabalho:
• Impacto das operações de fusões & aquisições na economia mundial;
• Importância da alocação de riscos e responsabilidade nas relações contratuais;
• Relevância dos dispositivos contratuais no estabelecimento das responsabilidades;
• Proeminência dos mecanismos que outorgam ao adquirente uma garantia para efetiva mitigação do risco;
• Área inovadora que ainda não dispõe de massa crítica doutrinária significativa;
• Contrato com raízes no common law e com elementos atípicos, demandando adaptações ao direito brasileiro;
• Integração do direito contratual com o direito societário, outros ramos do direito, e disciplinas como economia e contabilidade.
1 Para os propósitos deste trabalho, a expressão M&A será utilizada para designar fusões & aquisições, conforme as razões expostas no conceito destas operações conforme item 1.1 deste trabalho.
Para propósitos de corte metodológico, a operação de M&A servirá como pano de fundo, não sendo, portanto, o foco do trabalho. Os principais componentes da operação de M&A serão analisados, com ênfase no contrato de aquisição. Os aspectos da negociação e do due diligence servirão para introduzir os conceitos que serão trabalhados com profundidade na análise dos dispositivos contratuais. Com maior proeminência serão tratadas as manifestações de vontade das Partes, objetivando regular a responsabilidade sobre os passivos, assim como as formas de garantia utilizadas para assegurar o cumprimento destas disposições.
De forma similar, a exequibilidade das garantias em contratos de M&A será um instrumento para sedimentar a importância dos dispositivos contratuais, e em razão disto sua importância será subsidiária, especialmente porque não existe jurisprudência rica sobre o assunto no direito brasileiro.
O presente estudo concertar-se-á nos aspectos dos dispositivos contratuais, com foco na forma pela qual as responsabilidades e os riscos são estipulados e alocadas, pelas partes, dentro de uma operação de M&A, buscando a classificação jurídica destas obrigações e disposições, e analisando- as sob a ótica dos princípios jurídicos relevantes para a temática, dos quais podem ser destacados, dentre outros, a autonomia da vontade e a boa-fé objetiva.
Isto ocorre porque o tema desenvolvida é eminentemente objeto de prática jurídica. Existe pouca doutrina e esparsa jurisprudência. Outro problema referente à pesquisa prática esta no sigilo que usualmente recaí pelas operações de M&A, no qual os termos e detalhes das operações - dentre os quais os mecanismos sendo estudados - são mantidos em segredo, distantes do conhecimento dos concorrentes e do público em geral. Estas precauções advêm da prudência natural envolvendo operações desta natureza, visto que a divulgação de tais detalhes poderiam causar impactos aos adquirentes. Por outro lado, isto gera dificuldades intrínsecas na pesquisa do tema, o que é acentuado pela natural escassez de doutrina e jurisprudência.
Para superar esta dificuldade, tornou-se necessário examinar a doutrina existente no direito brasileiro e no direito estrangeiro, especialmente na forma de manuais e livros doutrinários, analisando as disposições contratuais e práticas referentes às operações de M&A, assim como de contratos em geral e de garantia das obrigações contratuais. No direito estrangeiro, a pesquisa doutrinária concentrou-se no direito dos Estados Unidos, visto que o common law norte-americano é principal base sob a qual este tipo operação é conduzida, bem como com na doutrina portuguesa, devido à proximidade com o direito brasileiro, e por fazer a conexão com o direito europeu continental.
Imperativo notar que não pode ser encontrada, no Brasil, uma massa crítica de doutrina para o este tema, nem tampouco as obras estudadas preocupam-se em definir o que seriam uma operação de fusão e aquisição. Em razão disto, fez-se imperativo estabelecer, para os propósitos deste trabalho, os principais e definições a serem estudados, o que será feito no início de cada capítulo.
Dados e estatísticas de natureza econômica são mais facilmente encontrados, contudo, não serão o foco do trabalho, servindo apenas para tornar evidente a relevância do controle contratual de passivos. Portanto, este estudo não terá por objeto uma análise econômica, que será abordada apenas quando necessária a instrumentalizar os aspectos jurídicos. Embora os aspectos financeiros dos contratos sejam especialmente relevantes nas fusões e aquisições, o que esta em estudo são os mecanismos contratuais, e não sua função econômica.
Embora abranjam aspectos societários e contratuais e dos demais ramos do direito, uma operação de M&A engloba questões econômicas e contábeis. A correta valoração econômica e estratégica de um negócio não é obtida através da mera apreciação contábil de seus ativos e passivos contabilizados, mas, na verdade, pela capacidade de geração de renda e pelas oportunidades que o negócio é capaz de gerar, contra os riscos da operação,
bem como os passivos da empresa-alvo. As questões econômicas e contábeis, entretanto, não serão tratadas diretamente neste trabalho, sendo tratadas de modo tangencial, de modo a contextualizar a relevância dos aspectos contratuais.
Os passivos envolvidos neste caso podem ser de qualquer natureza. Portanto, alocação da responsabilidade entre adquirentes e os vendedores dependerá das leis e normas específicas de cada campo do direito. Contudo, tal análise foge ao escopo pretendido pelo presente trabalho, que concentrar-se-á nos mecanismos contratuais de alocação de risco.
O foco do trabalho é em como as partes podem contratualmente estabelecer um mecanismo de alocação de risco pelo qual o vendedor irá reembolsar o comprador pelas perdas ocasionadas por certos passivos. Estas disposições, fruto da liberdade contratual, têm efeito somente entre o alienante e o vendedor, não surtindo efeito perante terceiros.
A proteção especial do ordenamento jurídico as obrigações de natureza fiscal, previdenciária, trabalhista, perante consumidores ou credores em geral portanto, não será um fator a ser conjugado, uma vez que o propósito dos mecanismos de alocação de responsabilidade está em mecanismos de indenização entre as Partes do contrato, e não tem o escopo de alterar os direitos de terceiros perante a sociedade adquirida.
Exatamente por esta razão, não é o objeto deste estudo o controle legal, societário, regulatório ou judicial sobre a responsabilidade dos passivos, mas, o controle contratual, exercido dentro da liberdade de contratar das partes, e produzindo efeito somente entre estas.
É necessário ressaltar que este estudo não consiste, deste modo, na temática própria da responsabilidade civil ou de cláusula penal, pois não se trata de uma indenização punitiva ou compensativa por perdas e danos a ser apurada, mas de uma indenização contratualmente prevista e exigível de reembolso de
valores que a sociedade adquirente venha a ter em função dos passivos indenizáveis. A responsabilidade civil contratual pode ser definida pela doutrina como o dever de indenizar o dano, 2 decorrente, no caso de operações de M&A, do descumprimento de contratos, ou seja, do inadimplemento das obrigações contratuais.3
No caso objeto deste estudo, a própria manifestação da vontade das partes nos instrumentos contratuais regula uma obrigação de ressarcimento pela qual certos passivos da empresa-alvo deverão ser suportados pelo vendedor. Esta indenização não dependerá da caracterização de inadimplemento contratual por parte do vendedor,4 nem tampouco da comprovação, pelo comprador, da existência dos elementos de ação ou omissão do vendedor, do dano, do nexo de causalidade ou de culpa.5
Outra distinção relevante refere-se ao direito concorrencial, que é de fundamental importância ao estudo e à prática das operações de M&A como um todo, mas que não são, contudo, objeto do estudo deste trabalho.
Realizada a distinção temática ainda, acima, faz-se necessário tratar da metodologia de pesquisa deste trabalho, que será teórica, consistindo inicialmente em pesquisa bibliográfica e pesquisa documental, no qual serão buscados livros, documentos, artigos, teses e até modelos e cópias de contratos relevantes.
2 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers. in Temas de Direito Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 271-273.
3 XXXXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Causas e cláusulas de exclusão da Responsabilidade civil. In NERY JUNIOR, Xxxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx (Org.). Doutrinas Essenciais. Responsabilidade Civil. Volume II. Direito de Obrigações e Direito Negocial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 108.
4 Em certos casos, um passivo indenizável pode caracterizar o descumprimento ou falsidade de uma cláusula de declarações e garantias. Por outro, pode ser um dos passivos declarados no contrato de aquisição, pelos quais o vendedor expressamente declarou e assumiu o risco. Ambos os casos poderão ser objeto das cláusulas que atribuem responsabilidade e a obrigação de ressarcimento por parte do vendedor conforme serão estudadas neste trabalho.
5 XXXXXXX XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Causas e cláusulas de exclusão da Responsabilidade civil. In NERY JUNIOR, Xxxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx (Org.). Doutrinas Essenciais. Responsabilidade Civil. Volume II. Direito de Obrigações e Direito Negocial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 110.
Também será realizada uma busca por jurisprudência relevante, tanto no Brasil quanto no exterior. No que tange à pesquisa brasileira, na hipótese de um corpo suficientemente material de jurisprudência específica não for encontrado, o escopo da busca será alargado para questões periféricas que tangenciem o foco da pesquisa, como disputas acerca da responsabilidade de passivos de empresas, e a execução de contratos e garantias atípicos.
O direito norte-americano será uma das fontes de direito estrangeiro, por trata-se do sistema de common law, no qual os contratos, por sua própria natureza, não tem suas obrigações tipificadas em lei, sendo, em razão disto ricos em mecanismos e dispositivos contratuais extensos e detalhados. Além disto, os EUA são, no momento, a maior economia do mundo e significativa parte da operações de fusões e aquisições, em quantidade e valores envolvidos, envolve o direito norte-americano.
A execução da monografia consolidará as informações obtidas com a pesquisas nos moldes do índice proposto, fazendo os ajustes necessários no formato e, se necessário, no escopo do trabalho. Caso, durante esta execução, lacunas de conhecimento sejam encontradas, bibliografia e/ou documentos adicionais serão pesquisados nesta fase do processo.
Realizadas as considerações metodológicas, são pertinentes comentários acerca da contextualização do problema. Pode ser afirmado problemas relacionados com os passivos figuram entre as maiores causas de desapontamento ocorridas após o fechamento do negócio. De acordo com uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, cujo resultado encontra-se reproduzida na Tabela 01, dentre as onze maiores causas de desapontamento com os negócios realizados apontados pelos executivos, sete estão relacionados com o processo de due diligence. Questões diretamente relacionadas com o controle contratual dos passivos, tais como due diligence failed to highlight key issues (o processo de auditoria de due diligence falhou em apontar questões-chave) e Target was dressed up for sale (O ativo objeto da venda foi maquiado para a
venda)6 figuram com 50% dos casos de desapontamento de executivos, empatados em 4º lugar.7
Como qualquer instrumento contratual, os contratos de M&A somente impõem obrigações e afetam a esfera de direito dos seus signatários. Logo, as operações de Fusões e Aquisições não produzem efeitos negativos quanto aos titulares dos passivos ocultos e não-contabilizados, que, independente de qualquer disposição contratual, podem cobrar os valores destes passivos, seja qual for sua natureza. O propósito principal do controle contratual de passivos é mitigar o risco enfrentado pela sociedade adquirente, criando mecanismos para reduzir exposição a perdas decorrentes de passivos ocultos.
Isto significa que as cláusulas de controle contratual de passivos assumem uma vital importância econômica e jurídica nos processos fusões e incorporações, não apenas ao estipularem a responsabilidade sobre problemas cujo fato gerador antecede à realização do negócio (ou, ainda, a uma data de corte a ser especificada contratualmente, que pode ser diferente do momento da realização do negócio em si), mas, também, ao criarem mecanismos eficazes capazes de mitigar os riscos e perdas da sociedade adquirente.
A estipulação de responsabilidade, embora um imperativo do controle contratual de passivos, não outorga à sociedade adquirente uma proteção que materialmente mitigue seus riscos. Para atingir este fim, é necessário o estabelecimento de mecanismos contratuais que assegurem que o vendedor irá arcar com os passivos ocultos de forma efetiva e rápida, de modo a evitar um impacto negativo na sociedade adquirente ou nos negócios que foram objeto da aquisição. Isto ocorre porque, se a estipulação da responsabilidade outorga a sociedade adquirente titular do direito de recorrer à tutela jurisdicional, os mecanismos contratuais de garantia dão a este direito liquidez e efetividade.
6 Traduções do autor.
7 Cf. Tabela 01, e Cf. XXXXXXXX, Xxxxxxxx; XX XXXX, Xxxx-Xxxx, et al. When to walk away from a deal In Results Brief newsletter. Estados Unidos: 2004. Disponível em: xxxx://xxx.xxxx.xxx/xxxxxxx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxx_xxxxxx.xxx?xxx00000&xxxx_xxxxxxxxxxxxxxxx_x esults.asp. Acesso em 12.01.2011.
As cláusulas e dispositivos contratuais que regulam e controlam o passivo e alocam responsabilidades nos contratos de M&A, em todas as fases do contrato. Dependendo da relação entre o valor do ativo e das partes envolvidas, a importância do controle de passivos pode ser significativa, uma vez que a responsabilidade por um passivo de impacto relevante será determinada precipuamente pelos termos e condições contratualmente estipulados. Quando o valor destes passivos não compõe o preço de aquisição, seu impacto afeta de forma direta e negativamente o valor do negócio adquirido e o retorno esperado da sociedade adquirente.
Mais do que uma preocupação unicamente jurídica, existe forte fundamento econômico para tal necessidade. A demora ou incerteza na proteção da sociedade adquirente afeta negativamente o interesse do investidor de adquirir novos negócios. Especialmente no cenário posterior à crise econômica mundial, as operações de fusões e aquisições foram um importante formato utilizado para salvar um negócio de um quadro de crise ou insolvência, beneficiando não apenas as partes, mas os funcionários, fornecedores, consumidores, e demais stakeholders.
O problema reside no fato de que exatamente estes são os negócios que passam por dificuldades e tendem a acumular passivos de todas as naturezas, muitos dos quais são parcial ou totalmente desconhecidos dos próprios vendedores. O impacto negativo social e econômico da liquidação de um negócio insolvente pode ser evitado com uma operação de fusões e aquisições, mas, para tanto, o credor terá que ter à sua disposição os mecanismos contratuais que mitiguem o risco do negócio de forma efetiva.
Podemos afirmar, deste modo, que a importância do estudo e do estabelecimento de mecanismos contratuais de controle de passivos em operações de fusões e aquisições ultrapassa o seu propósito originário e principal de fornecer uma garantia e uma mitigação de risco ao comprador e
investidor, revestindo-se de relevância para, em última análise, toda a sociedade.
Podemos identificar a intensificação do mercado de M&A no Brasil a partir do início da década de 1990. Historicamente, os períodos imediatamente anteriores foram marcados – ressalvando-se curtos períodos – por políticas econômicas e estratégicas de natureza protecionista e nacionalista, visando à auto-suficiência, o controle estatal sobre os setores estratégicos, e uma política de substituição de importações.
Segundo Xxxxxxxx, pode ser dito que:
Construiu-se, baseado neste modelo, um parque produtor estatizado nos seguimentos considerados estratégicos (prospecção e refino de petróleo, mineração metálica, indústrias de base petroquímica, telecomunicações como inserção do Estado empresário em outras atividades de interesse estratégico, como indústria aeronáutica, transporte ferroviário, e intermediação financeira de fomento).8
A economia fechada e a política protecionista, em especial dentro de um quadro inflacionário, tiveram como resposta em muitas empresas de uma cultura de pouco apreço por padrões de eficiência e qualidade, e a busca de alianças não em busca de maior competitividade, mas, ao contrário, da formação de coalizões não-competitivas com interesse em cartelização.9
No início dos anos 1990, vários fatores confluíram para uma mudança de paradigma econômico e político global, incluindo a globalização dos mercados, a intensificação dos fluxos mundiais de investimentos estrangeiros diretos, e a abertura econômica e política da União Soviética e dos países do Leste Europeu. O otimismo acerca daquele momento histórico encontrou sua síntese no ensaio "O Final da História?", de Xxxxxxx Xxxxxxxx, onde é afirmado que:
8 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Fusões e aquisições no Brasil: As razões e os Impactos. In BARROS, Betania Tanure de (Org.). Fusões, aquisições e parcerias. São Paulo: Atlas, 2003, p. 67
9 Cf. XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Fusões e aquisições no Brasil: As razões e os Impactos. In BARROS, Betania Tanure de (Org.). Fusões, aquisições e parcerias. São Paulo: Atlas, 2003, p. 70
O triunfo do Ocidente, da idéia do Ocidente, é evidente, primariamente, na exaustão absoluta da viabilidade de alternativas sistemáticas ao liberalismo ocidental. 10
No Brasil, podemos marcar a abertura econômica e política, as mudanças econômicas ocasionadas pelo controle da inflação e do Plano Real, as privatizações e mudança da estratégia primária de substituição de importações e protecionismo para uma economia competitiva gerou fortes reflexos no mercado empresarial e na cultura das empresas, que passaram a buscar maior eficiência, gestão, e capacidade competitiva.
O mercado brasileiro de M&A vem crescendo desde o início da década de 1990. Mesmo uma redução no ritmo das operações com crise de 2008, o número de transações em 2009 permaneceu superior à de todos os anos medidos antes de 2007, sinalizando a maturidade do mercado de M&A no Brasil.11
O mercado de M&A no Brasil apresenta um quadro de aquecimento, tendo a ANBIMA publicado um volume de fusões e aquisições 21,7% superior ao de 2009, e um número de operações anunciadas nos três primeiros semestres de 2010 somando 94 operações de M&A montando o valor anunciado de R$ 144,8 bilhões, o que significa uma majoração de 61,8% em comparação com os valores anunciados em 2009. O grau de sofisticação do mercado brasileiro de M&A também pode ser demonstrado pela pluralidade de agentes e consultores envolvidos nos processos.12
Em 2010, foi registrado um aumento no número de operações realizadas da ordem de 68% nos nove primeiros meses do ano, em relação ao mesmo período de 2009, com a realização de 531 operações. Dente estas, as
10 XXXXXXXX, Xxxxxxx. The End of History? In The National Interest. Estados Unidos: 1989. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/xxx.xxx. Acesso em 12 de Janeiro de 2011. Tradução do autor.
11 Cf. Tabela 02.
12 Cf. Tabela 04.
transações lideradas por empresas e grupos brasileiros representam 61%, sendo 244 operações domésticas, cinco com empresas brasileiras adquirindo negócios estrangeiros no exterior, e duas nas quais brasileiros compraram negócios estrangeiros no Brasil. Diante de tais dados, podemos dizer que a economia brasileira já encontra um grau de desenvolvimento suficiente para ser uma força preponderante nas operações de M&A realizadas no Brasil13.
Já dentre as operações de M&A realizadas por empresas estrangeiras, foram registradas 78, das quais 48 foram aquisições por estrangeiros de empresas brasileiras no Brasil, 29 foram operações nas quais uma sociedade estrangeira realizou uma aquisição, no Brasil, de uma sociedade vendedora estrangeira, e um caso no qual estrangeiro adquiriu, de brasileiros, sociedade brasileira sediada no exterior.14
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais continuam dominando o cenário das operações de M&A, concentrado 68,4% das operações realizadas no Brasil, com um pouco menos da metade delas ocorrendo no Estado mais rico da federação.15
A leitura desses dados nos permite afirmar que o Brasil vive um momento de grande atividade de fusões e aquisições, tanto em quantidade quanto nos valores envolvidos. Esta realidade torna mais contundente a importância dos mecanismos que atribuem responsabilidades dos passivos nos contratos e corretamente alocam os riscos pelas demandas ocultas.16
Com a devida contextualização do problema, pode ser apresentada a estrutura do presente trabalho. O primeiro capítulo tratará de uma visão ampla sobre as operações de M&A, dividida pelas principais fases, tendo esta leitura o
13 Cf. Tabela 04.
14 KPMG. Pesquisa de Fusões e Aquisições 2010 - 3º Trimestre. Espelho das transações realizadas no Brasil. Brasil: 2010. Disponível em xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxxxx_xxxxxxxxxx/0000/XX_0xxxxx_0000.xxx. Acesso em 11.01.2010.
15 Cf. Tabela 07.
16 Cf. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx de. BRAZIL In XXXXXXXXX, Xxxxxx. M&A – Protecting the Purchaser. Holanda: Kluwer Law International, 2005.
objetivo de estabelecer a relevância (i) do levantamento de informações sobre os passivos antes da celebração do contrato de aquisição, e (ii) dos passivos declarados no contrato. Estes elementos serão fundamentais na composição do preço, bem como no sistema de controle contratual de passivos, uma vez que os passivos não-indenizáveis serão aqueles, por excelência, constantes do contrato de aquisição e cuja responsabilidade tiver sido alocada à sociedade compradora.
O segundo capítulo aprofundará o estudo acerca do formato em que os passivos são declarados no contrato de aquisição, e sobre a alocação da responsabilidade e dos riscos entre o comprador e a sociedade vendedora, como nos casos dos passivos identificados mas não imediatamente exigíveis contra a empresa-alvo.
Este capítulo também terá o escopo de analisar jurisprudência dos Tribunais brasileiros sobre a exigibilidade de passivos referente a ativos que tenham sido adquiridos pelas sociedades compradoras em operações de M&A, sendo a modalidade de operação na qual existem maiores discussões jurídicas.
O terceiro capítulo tratará do controle contratual de passivos propriamente dito, tratando das cláusulas contratuais que estipulam a obrigação de indenização, dos procedimentos necessários para que a sociedade compradora possa exigir o ressarcimento do vendedor, bem como da interação destes dispositivos com os passivos constantes da representações e garantias e do relatório de due diligence. Referido capítulo também terá como objeto o estudo das garantias contratuais à obrigação do vendedor de indenizar o comprador pelos passivos. Por último, serão estudadas as garantias que o vendedor e os antigos administradores podem estipular no contrato de aquisição.
1. AS OPERAÇÕES DE FUSÃO & AQUISIÇÃO.
1.1. Conceito.
Para os propósitos deste Estudo, a operação de M&A deve ser entendida como o conjunto de instrumentos contratuais e operações societárias que têm por objetivo: (i) a aquisição, por uma sociedade, do controle societário,17 direto ou indireto, de outra sociedade;18 (ii) a aquisição, por uma sociedade, dos ativos materiais e imateriais e dos passivos referentes à determinada atividade empresarial desenvolvida por outra sociedade; (iii) a consolidação de um conjunto de ativos, passivos ou das atividades empresariais desenvolvidas por duas sociedades.19
A referida aquisição ou consolidação pode ocorrer: (i) da compra e venda de ações ou quotas de uma sociedade por outra; (ii) da subscrição de ações ou quotas; (iii) da compra e venda dos ativos; ou (iv) compra e venda20 de
17 A aquisição de uma participação societária relevante, ainda que minoritária, também se enquadra no conceito de M&A. Todavia, para os propósitos deste trabalho, e especialmente à luz do fato de que o objeto do estudo é a responsabilidade sobre os passivos, consideraremos uma operação onde o comprador adquire o controle acionário.
18 Vale lembrar que uma operação para a aquisição de uma participação minoritária em uma sociedade, especialmente em se tratando de uma sociedade de médio ou grande porte, também pode fazer uso dos critérios e procedimentos previstos em uma operação de M&A, incluindo a auditoria de Due Diligence e o contrato de aquisição.
19 A sociedade efetuando a aquisição, para os propósitos deste trabalho, poderá ser referida como a sociedade adquirente ou compradora, e, a sociedade realizando a alienação poderá ser mencionada como alienante ou vendedora. As menções à "empresa-alvo" podem significar genericamente uma sociedade ou o conjunto de ativos objeto da negociação entre a sociedade adquirente e a alienante. 20 Xxxxxx XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Comercial, v.3. São Paulo: Saraiva, 2002. que a venda irregular de estabelecimento é um dos atos de falência tipificados no Art. 94, III, f da LRF. Já BORBA, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Societário. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 108 comenta que a doutrina utiliza o termo trespasse para a alienação de estabelecimento comercial, embora a terminologia não tenha sido utilizada pelo legislador no CC/02. Há de se diferenciar, portanto, o trespasse da compra e venda de ativos, uma vez que no caso do trespasse existe a expressa previsão legal de que o adquirente de boa fé responde apenas pelos passivos regularmente contabilizados, conforme o art. Art. 1.146 do CC/02: "O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento." Por sua vez, LEÃES, Xxxx Xxxxxx Xxxx xx Xxxxxx. Desconsideração de personalidade e sucessão empresarial. In Revista de Direito Bancário e Mercado de Capitais nº. 38. São Paulo: RT: 2007 pondera que o princípio que determina a existência de trespasse é o aviamento, ou seja, um atributo essencial do estabelecimento empresarial, produto de elementos materiais e imateriais dá ao estabelecimento a
estabelecimento empresarial,21 nele incluídos os ativos materiais e imateriais que compõe um fundo empresarial.22
As operações de compra venda supramencionadas podem, também, ocorrer através da xxxxxxx00, conforme previsão do art. 533 do Código Civil, que reza; “aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda (...)”.24 Uma distinção relevante entre os institutos jurídicos é que dinheiro não pode ser objeto de troca25, somente podendo figurar na venda.26
Os exemplos acima não são exaustivos nem mutuamente excludentes, tendo-se em vista a liberdade de contratar e a complexidade das operações de fusão e aquisição.27
capacidade de gerar lucros. Sem o aviamento, portanto, não se configuraria o trespasse, mas apenas a compra e venda de ativos.
21 V. Art. 1.144 do Código Civil: “O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.”
22 Estabelecimento comercial é expressamente definido pelo Art. 1.142 do Código Civil da seguinte forma: “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.”
23 O Código Civil Brasileiro utiliza os termos troca ou permuta, também utiliza-se escambo na doutrina, v. VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 549.
24 Xxxxxx Xxxxxxxxx, comparando a troca com a venda, afirma: “Troca é o contrato pelo qual as partes se obrigam a dar uma coisa por outra, que não seja dinheiro. Como a venda, é o domínio das coisas que a permuta transfere. Como a venda, é um contrato consensual. Falta-lhe, porém, o preço, que é o valor traduzido na medida comum, a moeda. E desta diferença resultam as regras especiais, que o nosso artigo estabelece”, referindo-se às disposições do antigo Código Civil de 1916, cf. XXXXXXXXX, Xxxxxx. Código dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. IV, 7ª Edição. Rio de Janeiro: Xxxxxxxxx Xxxxx, 1946, p. 327.
25 Todavia, podemos ressaltar que, dentro do complexo universo das operações de M&A, existem certos formatos de operação de M&A que indiretamente implicarão em uma permuta: veja o caso de uma permuta de ações de duas sociedades, em que pelo uma delas esteja substancialmente capitalizada com recursos financeiros entre seus ativos. Embora teoricamente o que tenha ocorrido foi uma simples permuta, economicamente, ocorreu a transferência de recursos financeiros, indiretamente, de uma parte à outra.
26 Xxxxxx Xxxxxx comenta que: “tudo o que pode ser objeto de compra e venda também pode ser de permuta, exceto o dinheiro” em duas obras: VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Contratos em Espécie. vol 03. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 89 e VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 549.
27 No sentido da variedade e criatividade envolvidas nas operações de M&A, podemos citar REED, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The Art of M&A: A Merger, Acquisition, Buyout Guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill, 2007, p. 141-142, XXXXXXX, Xxxxx; XXXXX, Xxxxx. Intelligent M&A: navigating the mergers and acquisitions minefield. Estados Unidos: Wiley & Sons, 2007, p. 265. e XXXXXX, Xxxxxx X. Applied Mergers and Acquisitions. Estados Unidos: Wiley & Sons, 2004. p. 539.
Esta definição, propositadamente, diferencia o objeto deste estudo das quatro operações de reorganização societária previstas no direito brasileiro, qual seja, a transformação, a cisão, a incorporação e a fusão. 28
Tais operações têm por objetivo a modificação do tipo ou da própria estrutura societária, conforme as disposições dos Arts. 1.113 a 1.122 do Código Civil Brasileiro e das disposições específicas dos Arts. 223 a 239 da Lei das Sociedades Anônimas.29
Na operação de transformação a altera-se o tipo societário, ou seja, isto em nada afeta a personalidade jurídica, muito menos a dissolve ou a liquida, tratando-se de uma metamorfose da aparência jurídica da sociedade. Não ocorre sucessão, uma vez que se trata da mesma sociedade.30
A cisão é prevista no Art. 229 da Lei das Sociedades Anônimas e consiste na transferência parcial ou total do patrimônio de uma sociedade para uma ou mais sociedades, formadas para esse fim ou já existentes. No caso da transferência total de patrimônio, a sociedade cindida é extinta. Na cisão verifica- se o instituto da sucessão: no caso da cisão parcial, ocorre a sucessão quanto às obrigações referentes aos ativos, e, no caso da cisão total, de todas as obrigações, de forma proporcional aos direitos líquidos transferidos.31
Podemos definir a Incorporação como a forma de reorganização societária pela qual ocorre a absorção de uma ou mais sociedades, chamadas de incorporadas, por outra, denominada incorporadora, podendo as incorporadas e
28 Cf. XXXXXXXX, Xxxxxx. O Direito de Empresa à luz do novo código civil. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 305.
29 Em razão da especialidade, as disposições do Código Civil não se aplicam sobre as Sociedades Anônimas, e as disposições das Leis das Sociedades Anônimas são aplicadas por analogia em casos omissos do Código Civil. Neste sentido: Enunciado n. 70 do CJF; XXXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx Xxxx. Direito Empresarial. Bahia: JusPodivm, 2009. p. 473; XXXXXXXX, Xxxxxx. O Direito de Empresa à luz do novo código civil. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 305.
30 Cf. XXXXX, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Societário. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 479.
31 Cf. XXXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx Xxxx. Direito Empresarial. Bahia: JusPodivm, 2009. p. 476.
a incorporadora ser de tipos societários iguais ou diferentes, esta Sociedade sucede as sociedades incorporadas em todos os direitos e obrigações.32
Já a forma de reorganização societária denominada fusão consiste na união de duas ou mais sociedades, de tipos societários diferentes ou iguais, constituindo uma nova sociedade que sucederá as anteriores em todos os direitos e obrigações, extinguindo-as, sendo a nova sociedade sucessora universal das extintas.33
Uma operação de fusão & aquisição pode ou não incluir estas operações societárias de reorganização societária, consistindo a primeira, destarte, em um conceito distinto das últimas. Em razão disto, podemos falar de uma verdadeira independência ou autonomia do conceito de operação de fusão e aquisição em relação ao conceito das operações de reorganização societária, visto que não necessariamente uma operação de fusão & aquisição envolverá qualquer reorganização societária tal como nas formas tipificadas pelo Código Civil ou pela Lei das Sociedades Anônimas.
A título meramente exemplificativo, podemos pensar num arquétipo simples de operação de fusão & aquisição envolvendo uma compra e venda de ações representativas do controle acionário de determinada sociedade (empresa alvo).
O comprador, que se torna o novo acionista controlador da empresa- alvo, realizou uma operação de M&A com o vendedor, e, em conforme terminologia utilizada no mercado, realizou a aquisição da referida empresa. Tal operação, todavia, não importou em nenhuma das formas de reorganização societária tipificadas.
Por esta razão, será utilizada neste trabalho a expressão M&A, acrônimo inglês para Mergers & Acquisitions (literalmente, Fusões & Aquisições),
32 Cf. XXXXXXXX, Xxxxxx. O Direito de Empresa à luz do novo código civil. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 308.
33 Cf. XXXXXXXX, Xxxxxx. O Direito de Empresa à luz do novo código civil. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 309.
em razão de tratar-se da expressão mais aceita internacionalmente para definir uma operação de fusão e aquisição, e também cumprindo o propósito de distinguir o conceito da operação de fusão e aquisição do conceito das operações de reorganização societárias.
1.2. Considerações Jurídicas.
As diversas relações contratuais que podem ser formadas através de uma operação de M&A são balizadas pelo princípio da autonomia da vontade,34 que, no direito brasileiro, deve ser exercido em razão e limitado pelo princípio da função social do contrato, nos termos do art. 421 do Código Civil, que reza: "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato".
A liberdade contratual35 era o princípio basilar da contratação no antigo Código Civil de 1916, pelo qual a vontade das partes era a força preponderante e o principal motor do negócio jurídico,36 sendo um postulado tradicional do direito contratual clássico.37 Esta visão da centralidade da vontade individual como principal baluarte e fonte de legitimidade para a força obrigatória do contrato foi criticada pela teoria contratual contemporânea, com base no entendimento de que a visão clássica baseava-se em um ideal de paridade de forças entre as partes contratantes que não mais seria condizente com a dinâmica da economia
34 Pontes de Xxxxxxx preferia utilizar a expressão “auto-regramento da vontade”, a qual definia da seguinte forma: “Todas as vezes que as regras jurídicas aludem a suportes fáticos, em que a vontade seja um dos elementos, admitem elas que esses suportes fáticos se componham ou não se componha. Dizem, também, até onde se pode querer. Portanto, supõe-se que alguém queira ou não queira. O auto-regramento da vontade, a chamada “autonomia da vontade”, não é mais do que isto.” cf. XXXXXXX, Xxxxxx de; Tratado de direito privado. Tomo III. Campinas: Bookseller, 2000, p. 81.
35 Devemos entender a liberdade contratual aqui em sentido estrito (a liberdade de contratar ou não contratar) assim como em sentido amplo (a liberdade de afastar-se dos contratos típicos e regular o conteúdo das obrigações), conforme o próprio Art. 425 do CC/02. V. XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 421.
36 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010., p. 425.
37 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 425.
moderna e de consumo.38 A própria massificação dos contratos, através da preponderância dos contratos de adesão, atestaria que a concepção clássica já não mais se aplicava à própria pratica contratual.
Mesmo antes da promulgação do novo Código Civil, o legislador pátrio já vinha se preocupando em incluir no regramento jurídico do país a tutela dos interesses sociais, como pode ser verificado na disciplina de proteção ao consumidor39, bem como nos princípios constitucionais.40 Com a promulgação do novo Código Civil de 2002, verificou-se a conexão axiológica a este princípios41, consolidando a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva como efetivos limitadores da liberdade contratual.42 A referida conexão é particularmente clara na preocupação apontada pelo Arts. 423 e 424 do Código Civil, que especificamente tratam tutelar os interesses do aderente nos contratos de adesão.43
O legislador, no Art. 421 do Código Civil, desejou ir além do mero limite, expressamente colocando a função social como razão da liberdade contratual, ampliando para o domínio do contrato a função de ordem pública. Conforme pontua Xxxxxxx Xxxxxxxx: "A função social é considerada um fim para cuja realização ou preservação se justifica a imposição de preceitos
38 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 421 e VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010., p. 426.
39 v. Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8.078, de 11 de Setembro de 1990.
40 Podemos citar em particular os valores da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, Constituição Federal), da solidariedade social (art. 3º, I) e da isonomia substancial (art. 3º, III).
42 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 421 e VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010., p. 426.
43 Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
inderrogáveis e inafastáveis pela vontade das partes"44 e "a função social é aqui definida textualmente como a razão da liberdade de contratar".45
Nesse diapasão, pode-se aduzir tal entendimento também pelo conteúdo do parágrafo único Art. 2.035 do Código Civil, que preconiza que: "nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos."
A aplicação deste princípio deve ocorrer, como ensina Xxxxxx Xxxxxx, na análise do caso concreto, pois "não há como apontar aprioristicamente se um contrato atende ou não o interesse social, mas apenas depois de estudar o caso concreto" e que, mediante esta análise, caso o contrato não atenda à sua função social, poderá o julgador "extirpar sua eficácia ou, se for o caso, adaptá-lo às necessidades sociais, tal como faria em cláusulas abusivas".46
No tocante aos contratos de M&A, podemos dizer que o cenário encontrado é diverso daquele que impulsionou à crítica contemporânea à teoria clássica contratual, eis que a prática contratual dessas operações47 se aproximam mais da situação ideal e paritária do que dos contratos de adesão cuja eficácia preocupou-se o legislador em tutelar com a função social.48 Afinal, o consensualismo pressupõe igualdade ou ao menos equivalência de forças, 49 bem como contratos amplamente negociados por partes assistidas por
44 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 421.
45 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 421.
46 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010., p. 429.
47 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The art of m&a: a merger, acquisition, buyout guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill Professional, 2007, p. 429.
48 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010., p. 429.
49 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010., p. 429.
consultores jurídicos,50 condições usualmente verificadas nas operações de M&A.51
O outro princípio previsto pelo legislador, na mesma seção preliminar das disposições gerais sobre os contratos em geral é o da boa-fé objetiva, conforme expresso pelo Art. 422 do Código Civil: "os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."
É pertinente, inicialmente, distinguir o conceito de boa-fé subjetiva do conceito de boa-fé objetiva. No primeiro caso, a conduta da parte é analisada subjetivamente, sendo possível que esta possa ter acredito que se encontrava praticando conduta correta, ou seja, corresponde a uma decisão volitiva conotando a convicção individual de cada uma das partes de agir em observância ao direito.52
Já a boa-fé objetiva, por sua vez, balizará a análise da conduta da parte levando em conta um critério de uma padrão de conduta médio condizente com o contexto específico daquela situação,53
Conforme ensina o professor Xxxxxx Xxxxx:
A boa-fé objetiva apresenta-se como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse
50 Para ilustrar o quanto os contratos de aquisição costumam ser negociados à exaustão, podemos citar um comentário de Xxxx e Xxxxxx sobre como, costumeiramente, a prerrogativa de minutar o contrato de aquisição é do comprador, e como em alguns casos o vendedor tenta assumi-la. Os referidos autores advertem que isto seria não seria recomendável, uma vez que a minuta deve proteger os interesses do comprador, em especial quanto aos passivos ocultos do contrato, e que os consultores jurídicos do próprio comprador são os indicados para fazê-lo. cf. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The art of M&A: a merger, acquisition, buyout guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill Professional, 2007, p. 429.
51 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The art of M&A: a merger, acquisition, buyout guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill Professional, 2007, p. 429.
52 XXXXX, Xxxxxx. A Boa-fé no Código Civil. Brasil: 2003. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx.xxx. Acesso em 11.01.2011.
53 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p 386.
arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal. (...) Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal. A conduta, segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de “honestidade pública”. 54
Com o objetivo de dar um foco mais preciso ao princípio da boa-fé objetiva, a doutrina tentou identificar três funções elementares:55 A primeira função é a de cânone interpretativo, de acordo com o qual o princípio ilumina a interpretação do contrato e da manifestação da vontade das partes, ou seja, tem função de regra de interpretação do contrato, atuando, conforme Xxxxxx Xxxxxxx- Xxxxx, como "mandamento imposto ao juiz de não permitir que o contrato, como regulação objetiva, dotada de um específico sentido, atinja finalidade oposta ou contrária àquela que, razoavelmente, à vista de seu escopo econômico-social, seria lícito esperar."56 Esta função atua em conformidade com o conforme o art.
113 do Código Civil, que reza que "Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração."57
A segunda função, fonte de criação de deveres obrigacionais, dando origem aos deveres suplementares ou laterais que são distintos do vínculo obrigacional manifesto e tem o escopo de prevenção de danos, melhor adimplemento, assim como o dever de lealdade, transparência e correta divulgação de informações nos contratos em geral, mesmos nas fases anteriores e posteriores à celebração do contrato.58 A obrigação de guardar os princípios da
54 XXXXX, Xxxxxx. A Boa-fé no Código Civil. Brasil: 2003. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx.xxx. Acesso em 11.01.2011.
55 Neste sentido: XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A Boa Fé no Direito Privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999 e TEPEDINO, Gustavo; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 421.
56 Segundo Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, a Boa-Fé atuaria, cf. XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A Boa Fé no Direito Privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 432.
57 Pontua o professor Xxxxxx Xxxxx: "Por aí se vê como estamos longe da concepção romana – seguida pelo Direito anterior – conforme à qual “neminem laedit qui iure suo utitur”, ou seja, que, no exercício de direito próprio não se causa dano a ninguém. Pelo atual Código Civil, ao contrário, o direito subjetivo, como vimos, deve ser empregado de conformidade com a boa-fé e os usos do lugar.", em REALE, Xxxxxx. A Boa-fé no Código Civil. Brasil: 2003. Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx.xxx. Acesso em 11.01.2011.
58 Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 422.
boa fé imposta pelo legislador, portanto, ultrapassa o mero dever de não prejudicar, e gera deveres de conduta mutuamente exigíveis entre os contratantes independente da manifestação das vontades expressa no instrumento contratual. 59
o princípio da boa-fé objetiva criar. No caso de um contrato de aquisição, tais deveres somam-se às obrigações expressamente assumidas de lealdade na cláusula de declarações e garantias, conforme será visto adiante.60
A terceira função da boa-fé objetiva é de limitar o exercício dos direitos subjetivos, ou seja, controlar os limites do exercício de um direito, nos termos prescritos pelo art. 187 do Código Civil, que prescreve: "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.", de tal modo que se combina com a teoria do abuso de direito. 61
Surge portanto a necessidade de proibir-se o comportamento contraditório, conforme o brocado latino venire contra factum proprium, que é um exemplo de má-fé objetiva, onde o sujeito de um direito assume conduta contraditória com outra anteriormente assumida com o propósito de obter benefício. 62
Podemos destacar também duas modalidades de comportamento contraditório:63 o tu quoque,64 em que uma parte utiliza-se maliciosamente de dois pesos e duas medidas na avaliação da outra parte contratante, exigindo um
59 Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 422.
60 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p 391
61 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 422.
62 XXXXXX, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010., p. 431.
63 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 422.
64 Adágio latino que significa "e você também", que refere-se à falácia lógica de criticar outrem com um argumento que aplica-se ao próprio interlocutor.
comportamento que ela própria não adotou, e o Verwikung, também chamado em Portugal e no Brasil de supressio, pela qual uma parte perde ou tem suprimida a faculdade de exercer um direito, em virtude de não tê-lo exercido durante um determinado lapso de tempo.
Outro aspecto limitador do exercício de direitos subjetivos reside na teoria do adimplemento substancial, pelo qual a boa-fé objetiva visa inibir o exercício malicioso do direito de resolução contratual por parte de um credor frente à um devedor que atingiu um resultado substancialmente próximo do almejado, de modo a que o inadimplemento não fere a reciprocidade das obrigações contratuais.65
Desse diapasão, merece menção a jurisprudência abaixo, firmada pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da aplicação do princípio da boa-fé objetiva no juízo acerca do exercício dos direitos subjetivos nas relações contratuais, em especial quanto ao instituto do supressio:
O princípio da boa-fé objetiva exerce três funções: (i) a de regra de interpretação; (ii) a de fonte de direitos e de deveres jurídicos; e (iii) a de limite ao exercício de direitos subjetivos. Pertencem a este terceiro grupo a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios ('tu quoque'; vedação ao comportamento contraditório; 'surrectio'; 'suppressio').
O instituto da 'supressio' indica a possibilidade de se considerar suprimida uma obrigação contratual, na hipótese em que o
não-exercício do direito correspondente, pelo credor, gere no devedor a justa expectativa de que esse não-exercício se prorrogará no tempo.66
Acerca da classificação de tipo dos contratos de M&A, pondera-se como fato auto-evidente que o legislador não poderia, ou pretendia, conceber
65 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 422.
66 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2007/0115703-9, da Terceira Turma. Brasília, 23 de fevereiro de 2010. Disponível em: xxxxx://xx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxx/Xxxx_Xxxxxxxxx.xxx?xXxxxxXXX&xXxxx0000000&xXxxx0000 01157039&sData=20100511&sTipo=5&formato=PDF. Acesso em 12.01.2011
toda forma possível de contratação existente ou que viesse a ser criada pela criatividade das relações humanas, e que viesse a tipificá-las, permitindo, por esta razão, que as partes venham a elaborar construções lícitas de acordo com a autonomia da vontade.67 Sobre os contratos atípicos, aos quais também chama de inominados, pondera Xxxxxx Xxxxxxxxx que a reiterada utilização e difusão de determinado tio de negócio tende a se padronizar, “estabilizando regras que se incluam nos costumes e merecem o beneplácito da jurisprudência.” 68
Neste sentido, Xxxxxx afirma que: "a liberdade contratual permite as partes se valham dos modelos contratuais constantes do ordenamento jurídico (contratos típicos) ou criem uma modalidade de contrato de acordo com suas necessidades (contratos atípicos)."69
É possível argumentar que as operações de M&A envolvam estes dois aspectos.70 Parte de uma operação de M&A consistirá em contratos tipificados, tal como a compra e venda de ações ou ativos. Outras partes, contudo, serão atípicas, ao criarem disposições específicas para a necessidade das partes. É caso do sistema de controle contratual de passivos, que faz uso de diversos dispositivos atípicos para alocar o risco e a responsabilidade dos passivos indenizáveis à empresa vendedora.
67 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. Volume
3. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 35.
68 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. Volume
3. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 35.
69 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Contratos em Espécie. vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 433, no mesmo sentido.
70 Tratar-se-iam, destarte, de contratos mistos, de acordo com a classificação proposta por XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos. In Curso de Direito Civil. 2a ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 82.
1.3. As Fases das Operações de Fusão e Aquisição.
As negociações de M&A, conforme geralmente ocorre nas grandes operações, quase sempre são objeto de prolongadas e complexas fases de negociação e estruturação. Em particular, a fase de negociação tem por característica frequente a multiplicidade de candidatos em ambos os pólos da relação.
Compradores selecionam uma lista de alvos a serem estudados, e vendedores procuram, por vezes com a ajuda de instituições financeiras ou intermediários, procuram investidores e compradores interessados em seus ativos. Percebe-se, porém, uma tendência no mercado norte-americano de sociedades que decidem utilizar seus recursos internos ao invés de intermediários.71
Nesta fase, as partes geralmente celebram um acordo de confidencialidade para regular a troca de informações sigilosas, sendo a própria existência da negociação, frequentemente, sendo uma informação protegida, e, antes do processo de due diligence propriamente dito, é usual que os vendedores, disponibilizem informações financeiras, contábeis à sociedade adquirente.
Vale lembrar acerca da questão da confidencialidade que, embora a prática do mercado adotou o costume de regular-se por instrumento particular, guardar sigilo em torno das informações na fase de negociação de um contrato é um dever das partes em razão do princípio da boa-fé objetiva.72
É o momento de análise dos planos de negócio, informações e números contábeis, e condições propostas. Com o amadurecimento das negociações, é uma prática comum, mas não obrigatória, a assinatura de um instrumento pré-contratual e, de modo quase obrigatório, a realização do
71 Cf. XXXXXXXXXXX, Xxxxxx X. Mergers, Acquisitions, and Other Restructuring Activities. 0x Xx. Xxxxxxx Xxxxxx: Academic Press, 2003, p. 501. p. 175
72 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A Boa Fé no Direito Privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.439.
processo de due diligence. Esta fase da operação tem como características marcantes o empenho das partes e de seus consultores, especialmente no empenho de avaliação dos riscos e vulnerabilidades da empresa-alvo.73
Um dos principais propósitos da estruturação do negócio é a alocação de risco, pelo qual a sociedade adquirente irá assumir todos, alguns ou nenhum dos passivos existentes da empresa-alvo, tenham sido declarados ou não.74
Uma negociação bem sucedida resultará no closing, ou fechamento, no qual são definidos os termos e condições específicos do negócio, e também onde existe a definição da redação final e a assinatura do contrato de aquisição e dos demais instrumentos, atos e procedimentos necessários à formalização do negócio celebrado. Dependendo das características de cada Operação de M&A, o fechamento pode ser imediato, ou perdurar até que as partes consigam satisfazer todas as condições precedentes.75
Além do evento em si, as fases imediatamente anterior e posterior ao closing costumam constituir o período mais crítico de uma Operação de M&A, no qual existe o maior esforço das partes envolvidas, de seus executivos e consultores, demandando um alto grau de coordenação e foco, e agilidade. 76
O negócio pode depender de autorizações governamentais e regulatórias, ou até de terceiros em determinados casos,77 ou mesmo ser objeto
73 VEIRANO ADVOGADOS. Suplemento – Fusões e Aquisições in Revista capital aberto. Ano 8, Número 87. São Paulo: Editora Capital Aberto, 2010, p. 4.
74 Cf. XXXXXXXXXXX, Xxxxxx X. Mergers, Acquisitions, and Other Restructuring Activities. 0x Xx. Xxxxxxx Xxxxxx: Academic Press, 2003, p. 501. p. 156..
75 Cf. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The Art of M&A: A Merger, Acquisition, Buyout Guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill, 2007, p. 474.
76 Cf. XXXXXXXXXXX, Xxxxxx X. Mergers, Acquisitions, and Other Restructuring Activities. 0x Xx. Xxxxxxx Xxxxxx: Academic Press, 2003, p. 501.
77 Por exemplo, podemos mencionar a hipótese de sociedades limitadas nas quais os sócios podem bloquear a entrada de um sócio por ausência do affectio societatis, nos termos do art. 1.057 do CC/02. Um contrato de compra de quotas a um terceiro estranho à sociedade estaria, destarte, sujeito à aprovação dos demais sócios. Neste exemplo, a formalização do contrato de aquisição ocorreria após a efetiva transferência aprovada pelos demais quotistas. Neste sentido, podemos citar WALD, Xxxxxxx. Sociedade de pessoas organizada sob a forma limitada. Direito dos sócios de bloquear terceiro adquirente de quotas, por ausência do affectio societatis e conflito de interesses de terceiro com a sociedade. In Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais n. 36. São Paulo: XX, 0000, p. 279-296, onde o referido autor elabora sobre um caso no qual um sócio minoritário alienou
de denúncia por uma das Partes, em condições específicas e contratualmente previstas, tanto durante as negociações quanto até mesmo após a assinatura do contrato de aquisição e antes da formalização final da operação e a prática de todos os atos necessários para sua conclusão78.
Podemos citar, neste sentido, a cláusula MAC (Material Adverse Change), que estabelece a faculdade das Partes de, durante um decurso de tempo, optar pela não conclusão da operação de M&A em razão de eventos externos que venham a lhe desfavorecer excessivamente, com ou sem o pagamento de multa rescisória.
Um exemplo refere-se ao contrato de aquisição celebrado entre as cervejarias InBev e a Anheuser-Bush em julho de 2008 no valor de US$ 52 bilhões, no qual foi cogitada a possibilidade do não- cumprimento do contrato, pela Compradora, por conta dos efeitos da crise financeira de 2008 nos 10 bancos envolvidos no financiamento da operação.79
Antes da assinatura de um contrato de aquisição, contudo, como parte da tradição do direito consuetudinário é usual que as partes celebrem um instrumento pré-contratual para reduzir a termo as tratativas já realizadas e os parâmetros da negociação e demais aspectos não-vinculantes.80
sua participação à um terceiro estranho à relação social, que também era concorrente da sociedade, e, em seu parecer, defende o direito do bloqueio pelos demais sócios à entrada do estranho na relação societária.
78 Cf. XXXXXXXXXXX, Xxxxxx X. Mergers, Acquisitions, and Other Restructuring Activities. 0x Xx. Xxxxxxx Xxxxxx: Academic Press, 2003, p. 501.
79 Cf. XXXX, Xxxxx Xxxxxx. A Cláusula MAC (Material Adverse Change) em contratos de M&A no direito comparado (EUA e Reino Unido) In Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Editora XX, 0000, n. 45, p. 150.
80 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The Art of M&A: A Merger, Acquisition, Buyout Guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill, 2007. p. 496.
1.3.1. Instrumento Pré-Contratual
A assinatura de um instrumento pré-contratual não é obrigatória, mas é uma usual para regular as obrigações pré-contratuais das partes. A este contrato atribui-se uma variedade de denominações diferentes, muitas das quais como traduções de instrumentos do direito anglo-saxão, tais como Carta de Intenção (Letter of intent) ou Memorando de Entendimentos (Memorandum of Understanding), ou Term Sheet. Em alguns casos, o próprio Contrato de Confidencialidade, contrariando a especificidade de seu título, acaba adentrando em outras searas e estipulando condições diversas à confidencialidade em si.
O instrumento pré-contratual costuma tipicamente conter alguns dos itens abaixo:81
• Xxxxxxx do negócio pretendido e dos termos da negociação até aquele ponto;82
• Parâmetros da negociação até o fechamento, inclusive prevendo certas condições, inclusive com as medidas que cada uma das partes deve adotar para dar prosseguimento às tratativas negociais.83
• Condições precedentes da realização do negócio quando as partes quiserem dar ao instrumento características mais vinculantes; 84
• Disposições regulando as obrigações pré-contratuais;
• Confidencialidade, se o tema já não foi tratado de modo apartado por um acordo de confidencialidade;
81 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The art of M&A: a merger, acquisition, buyout guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill Professional, 2007, p. 460.
82 XXXXXX, Xxxx. XXX, Xxxxxx. The corporate, securities, and M&A lawyer's job: a survival guide. Estados Unidos: APA Publishing, 2007, p. 20.
83 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The art of M&A: a merger, acquisition, buyout guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill Professional, 2007, p. 460.
84 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The art of M&A: a merger, acquisition, buyout guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill Professional, 2007, p. 460.
• Exclusividade, estipulando que uma (ou as duas) partes estarão, por um período, impedida de procurar outras partes para o negócio pretendido. 85
A celebração de um instrumento pré-contratual é útil, em especial, para que as partes venham a definir com precisão suas responsabilidades pré- contratuais, especialmente no tocante ao quanto o contrato tem o condão de vincular – ou não – o vendedor e o comprador a efetivar a o instrumento e aquisição, caso as condições precedentes sejam atingidas (ou seja, o quanto o documento é vinculante), para prevenir dispendiosos litígios em caso de disputas judiciais.86
Deve ser observado que, para que o instrumento pré-contratual possa ser interpretado como contrato preliminar87 nos termos do Código Civil Brasileiro,88 é imperativo que o mesmo tenha o caráter de obrigar os signatários à conclusão do negócio, uma vez que o caráter obrigatório de celebração do contrato principal é o principal efeito do contrato preliminar.89
No Direito Português, a vinculação, ou a produção dos efeitos jurídicos, é elemento fundamental na classificação do contrato, podendo ser entendido pela doutrina portuguesa como um “acordo com efeitos jurídicos”, sendo que, por conseqüência, os acordos que não produzem efeitos jurídicos, dentro desta definição, não seriam considerados como contratos.90 Um componente fundamental ao contrato no direito Português, portanto, é sua exigibilidade91 – sendo que, contudo, as partes, dentro de sua liberdade de contratar, poderão
85 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The art of M&A: a merger, acquisition, buyout guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill Professional, 2007, p. 461.
86 Cf. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The Art of M&A: A Merger, Acquisition, Buyout Guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill, 2007, p. 461
87 Também chamado por Xxxxxx Xxxxxxxxx como “pacto de contrahendo” em XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. Volume 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 37.
88 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx. Direito civil – contratos. 5ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004.
89 Cf. XXXXX, Xxxxxxx. Contratos, 26a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 160.
90 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Contratos I. Portugal: Edições Almedina, 2008, p. 30.
91 Em inglês, no original, “enforcement”.
estipular a exigibilidade, ou não, de determinado acordo, dentro de suas disposições contratuais.92
Podemos entender que o estabelecimento de condições precedentes ou resolutivas não retira o caráter obrigatório do contrato preliminar, logo mesmo nestes casos seriam aplicáveis as disposições dos Arts. 462 a 466 do Código Civil Brasileiro. A obrigação sujeita à uma condição resolutiva gera efeitos com a celebração do instrumento, podendo perder sua eficácia mediante a verificação da condição resolutiva.93
A distinção é fundamental para a hipótese de eventual litígio envolvendo o instrumento pré-contratual, uma vez que o contrato preliminar conta com os requisitos do contrato definitivo, ao contrário dos outros instrumentos contratuais que não tem o escopo de obrigar as partes à conclusão do negócio.94 O caráter vinculante dá ao contrato preliminar as características próprias do contrato de aquisição, conforme será visto no item próprio deste trabalho.
Também é comum, por outro lado, que as partes intencionalmente prefiram que o instrumento pré-contratual seja não-vinculante,95 ao menos no tocante à concretização do negócio principal. Ainda assim, o instrumento pré- contratual poderia servir às partes de modo a conceder um aspecto mais formal á negociação, estabelecer preliminarmente certas condições negociais, assim como regular as responsabilidades pré-contratuais entre as Partes durante a fase de negociação, sendo esta, inclusive, a prática do mercado neste tipo de operação.96
92 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Contratos I. Portugal: Edições Almedina, 2008, p. 32.
93 XXXXX, Xxxxxxx. Instituições de Direito Civil. Volume II. 16a Edição. Editora Forense, 1998. p. 82.
94 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Contratos em Espécie. vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 433
95 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Contratos em Espécie. vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 399
96 Cf. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The Art of M&A: A Merger, Acquisition, Buyout Guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill, 2007, p. 461
Tais responsabilidades pré-contratuais cuja prevenção é almejada com o instrumento pré-contratual encontram-se no campo de responsabilidade civil,97 podendo abranger (i) a recusa de contratar, que seria desistência injustificada de celebrar um contrato após o início de eficientes tratativas, ou (ii) no rompimento de negociações preliminares, quando se verifica um rompimento abusivo e arbitrário da negociação preliminar.98
Ambos os casos relacionam-se à eventual abuso de direito – visto que para a existência de responsabilidade pré-contratual propriamente dita deve inexistir, entre as partes, contrato vinculante – sendo portanto tratados dentro das regras gerais de boa fé.99 Dependendo da conduta a ser verificada no caso concreto, tais responsabilidades podem se tornar objeto de demandas indenizatórias pela parte que se considerar lesada.100
Neste momento cabe a ressalva expressa de que, no direito brasileiro, as disposições do instrumento pré-contratual não terão o fito de suprimir os efeitos da boa-fé objetiva, inafastáveis pelas vontade das partes. As disposições do instrumento pré-contratual objetivando a prevenção da responsabilidade civil terão sua efetividade limitada por pelos princípios decorrentes da boa-fé objetiva.101
Como foi visto, se a celebração do instrumento pré-contratual, seja vinculante ou não, é uma passo essencialmente facultativo às partes negociantes, a realização da auditoria pré-contratual pode ser classificada como crítica para o processo de M&A.102
97 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 488
98 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 489
99 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 488
100 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 490
101 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 422.
102 Cf. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The Art of M&A: A Merger, Acquisition, Buyout Guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill, 2007, p. 347
1.3.2. Auditoria Pré-Contratual (due diligence Process)
A resposta inicial para a pergunta "Você tem algum interesse em comprar a companhia XYZ Widget" seria quase sempre "Bem, me conte sobre esta empresa." (e provavelmente não "Qual é o preço?"). Due diligence, em termos simples, é uma investigação de um negócio em conexão com uma transação ou possível transação.103
Em operações de M&A, a auditoria de due diligence se refere principalmente para a revisão pela sociedade adquirente da empresa-alvo para averiguar os riscos inerentes à esta aquisição. A função primária é analisar os ativos e passivos de uma transação proposta ao investigar os aspectos relevantes do passado, presente, e, dentro do possível, do futuro previsível da empresa-alvo, com o foco da análise no risco.104
Podemos encontrar a origem remota do due diligence no direito romano, através do conceito105 de que o cidadão deve gerenciar suas coisas.106 O conceito, contudo, encontra sua origem mais recente e direta no direito consuetudinário anglo-saxão, onde foi inserida na prática empresarial, adquirindo os contornos atuais, sendo prática corriqueira no mundo ocidental, podendo, também, ser classificado como expressão do princípio da autonomia da vontade, pelo qual o ônus do exame dos documentos e questões relativas à operação de M&A é atribuído, pela vontade das partes, ao comprador.107
103 COMMITTEE ON NEGOTIATED ACQUISITIONS. The M&A Process – A Practical Guide for the Business Lawyer. Estados Unidos: American Bar Association, 2005. Tradução do autor.
104 Em operações de M&A, a auditoria de due diligence se refere principalmente para a revisão pela sociedade adquirente da empresa-alvo para averiguar os riscos inerentes à esta aquisição. A função primária é analisar os ativos e passivos de uma transação proposta ao investigar os aspectos relevantes do passado, presente, e, dentro do possível, do futuro previsível da empresa-alvo, com o foco da análise no risco. p. 64.
105 Em Latim, diligentia quam suis rebus.
106 Cf. mencionado por XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx; XXXXX, Xxxxxxx X. The Art of M&A Due Diligence, Second Edition. McGraw-Hill Professional, 2010, p. 205, também mencionado por XXXXXXXX, Xxxxxxx. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers. Temas de Direito Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 265.
107 Cf. XXXXXXXX, Xxxxxxx. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers. Temas de Direito Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 265.
Em geral, quando se inicia o processo de due diligence, o potencial adquirente já recebeu uma série de informações financeiras e legais básicas sobre a empresa-alvo, e em alguns casos já teve acesso a documentos através de um data room preliminar. No processo de due diligence é realizado um profundo estudo sobre os registros contábeis da empresa-alvo, e sobre sua conformidade com os aspectos legais e regulatórios de seu negócio.108
O escopo é bastante amplo e depende de fatores diversos, como o valor total envolvido da operação e o tipo do negócio desenvolvido. Mister ressaltar que, em um processo de Aquisição bem realizado, a abrangência do processo de due diligence deva interessar à ambas as Partes. Ao comprador, para ter uma visão clara e definida do negócio, dos riscos e potenciais contingências. Ao vendedor, por sua vez, interessa que os passivos sejam declarados da forma mais abrangente possível, diminuindo o espaço de questionamentos futuros por parte da sociedade adquirente – e também da ocorrência de Contingências que possam vir a causar prejuízos.109
Além de descobrir os passivos atualmente exigíveis, o processo de auditoria de due diligence também deve investigar ativamente a empresa-alvo para verificar se a mesma não adota prática anti-éticas tais como à corrupção, trabalho-escravo, trabalho infantil, atividades ilícitas ou fraudulentas.110
O escopo de um processo de auditoria de due diligence pode englobar, de forma não-exaustiva, os seguintes aspectos:111
(a) Societários
108 XXXXXX & YOUNG. Mergers & acquisitions. 2a ed. Estados Unidos: Wiley & Sons, 1994, p. 59.
109 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx; XXXXX, Xxxxxxx X. The Art of M&A Due Diligence, Second Edition. McGraw-Hill Professional, 2010, p. 347.
110Cf. XXXXXXX, Xxxxx; XXXXX, Xxxxx. Intelligent M&A: navigating the mergers and acquisitions minefield. Estados Unidos: Wiley & Sons, 2007, p. 173 e LAJOUX, Xxxxxxxxx Xxxx; XXXXX, Xxxxxxx
M. The Art of M&A Due Diligence, Second Edition. McGraw-Hill Professional, 2010, p. 104.
111 A relação apresentada é meramente ilustrativa, em razão da extensão dos processos de due diligence.
Revisão e verificação da validade dos atos constitutivos da empresa- alvo, regularidade do registro dos atos societários perante a Junta Comercial e a regularidade dos livros societários. Especialmente relevante para as empresas de capital aberto ou que emitiram títulos, uma vez que será necessário analisar os registros nos órgãos competentes, tais como Comissão de Valores Mobiliários, na Bolsa de Valores, ou na CETIP.112
(b) Trabalhistas
Avaliação da situação contenciosa trabalhista da empresa-alvo, dos processos movidos por reclamantes, bem como das autuações e procedimentos administrativos e judiciais porventura iniciados por autoridades, e especialmente eventuais Termos de Ajustamento de Conduta que tenham sido celebrados ou estejam em negociação. Esta análise também deverá identificar os procedimentos adotados pela Companhia, suas relações com sindicatos de trabalhadores, e mapear as principais causas de reclamações trabalhistas e autuações trabalhistas. 113
(c) Tributários e Previdenciários
Têm o objetivo de quantificar a avaliar o cumprimento das obrigações tributárias e previdenciárias por parte da empresa-alvo, em especial na conferência dos valores pagos a títulos de impostos e contribuições, averiguando o cumprimento das obrigações advindas de fatos geradores registrados ou passíveis de constatação nos documentos e nos registros da empresa-alvo.114
(d) Contábeis e Imobiliários
112 Cf. XXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Sergio Varella. Due Diligence - Identificando contingências para prever riscos futuros. In XXXXX, Xxxxx (Org). Fusões e Aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002., p. 206
113 Cf. XXXXXX, Betania Tanure de. Fusões e Aquisições no Brasil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 26. 114 Cf. XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. A responsabilidade por infrações nos casos de sucessão oriundas de fusões, incorporações e cisões. In Revista Tributária e de Finanças Públicas, v.9. n.40. p.179-87. São Paulo: 2001, p. 182.
Verificação dos registros contábeis da empresa-alvo, avaliação de regularidade documental dos principais componentes do principais ativos.115 Identificação dos ônus que recaiam sobre os ativos e imóveis. Verificação dos documentos que atestem a propriedade dos ativos e bens imóveis.
(e) Ambientais
Averiguação do passivo ambiental da empresa-alvo, da regularidade e conformidade com as normas ambientais das práticas e atividades do negócio, verificação dos processos judiciais e administrativos de natureza ambiental que possam impactar nas operações da empresa-alvo, assim como possíveis TACs já firmados ou sendo negociados. O comprador também deve averiguar as instalações e procedimentos da empresa-alvo, inclusive através da realização de diligência independente.116
(f) Regulatórios
Os aspectos regulatórios são praticamente importantes nas operações de M&A. Primeiramente, em função das questões concorrenciais, acerca dos possíveis impactos do Sistema de Defesa da Concorrência, assim como, também, em relação à regularidade das autorizações concedidas pelos órgãos reguladores pertinentes e pela conformidade com as normas vigentes. 117
(f) Culturais
Um aspecto por vezes negligenciado, porém frequentemente essencial ao processo de due diligence é o estudo da cultura organizacional. O foco exclusivo nos aspectos formais e financeiros das operações de M&A é um dos fatores que pode levar ao seu fracasso.118
115 Cf. XXXXXX, Betania Tanure de. Fusões e Aquisições no Brasil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 26.
116 VEIRANO ADVOGADOS. Suplemento – Fusões e Aquisições in Revista capital aberto. Ano 8, Número 87. São Paulo: Editora Capital Aberto, 2010, p. 7.
117 VEIRANO ADVOGADOS. Suplemento – Fusões e Aquisições in Revista capital aberto. Ano 8, Número 87. São Paulo: Editora Capital Aberto, 2010, p. 7.
118 Cf. XXXXXX, Betania Tanure de. Fusões e Aquisições no Brasil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 26.
Este mapeamento pode acabar ocorrendo de forma não-sistemática e intuitiva, mas é recomendável que a auditoria faça não somente um estudo sistematizado da cultura organizacional da empresa-alvo, como também uma auditoria extensa sobre o seu capital humano, identificando, por exemplo, as pessoas-chave da administração atual.119
Este aspecto é ainda mais crucial nas operações de M&A nas quais ocorre a alteração da administração, visto que a troca de gestores pode afetar o acesso às informações da empresa-alvo e, por vezes, podem dar causa um ambiente de tensão e insegurança interno. 120
Vale ressaltar, contudo, que, em que pese a importância do processo de due diligence dentro de uma operação de M&A, nem sempre a realidade empresarial permite sua realização adequada ou integral,121 por diversas razões, que podem incluir os custos ou limitações de tempo quanto a sua execução. Neste cenário, a ausência ou insuficiência do processo de due diligence pode ser supridas, pelas partes, com a ampliação das cláusulas contratuais de garantia no contrato de aquisição. 122
A conclusão do processo de auditoria de due diligence resultará no relatório, que deverá como anexo, caso a operação venha a ser celebrada, no contrato de aquisição123, que é o tema do próximo item.
119 Cf. XXXXXX, Betania Tanure de. Fusões e Aquisições no Brasil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 26.
120 VEIRANO ADVOGADOS. Suplemento – Fusões e Aquisições in Revista capital aberto. Ano 8, Número 87. São Paulo: Editora Capital Aberto, 2010, p. 7.
121 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers. Temas de Direito Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 246.
122 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers. Temas de Direito Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 246.
123 Cf. XXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Due Diligence - Identificando contingências para prever riscos futuros. In XXXXX, Xxxxx (Org). Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002, p. 218.
1.3.3. Contrato de Aquisição
1.3.3.1. Conceito.
A negociação e elaboração do contrato de aquisição é um processo usualmente longo e complexo, em razão da grande variedade de temas a serem discutidos e acertados, e também uma vez que as partes envolvidas devem cooperar para atingir um propósito comum, e, de modo concomitante, preservar seus próprios interesses, em um processo nem sempre harmonioso.124
O contrato de aquisição125 tem como propósito: estabelecer a estrutura e os termos da operação de M&A; revelar os principais aspectos legais, financeiros e contábeis da empresa-alvo, e informações relevantes da sociedade adquirente e da sociedade vendedor; estipular as obrigações e direitos das partes na operação; alocar o risco dos passivos ocultos que possam ser descobertos após a aquisição, e estipular o quadro de obrigações a serem cumpridas pelas partes objetivando a finalidade prevista no contrato.126
Para aprofundar este estudo, é mister o estabelecimento de uma definição para o contrato de aquisição para os propósitos deste trabalho, tal como foi realizado anteriormente para o conceito de uma operação de fusão e aquisição. Com esta finalidade, podemos definir o contrato de aquisição como aquele instrumento contratual (definido conjuntamente com os demais instrumentos contratuais coligados) pelo qual as partes celebram em caráter
124 ERNEST & YOUNG. Mergers & acquisitions. 2a ed. Estados Unidos: Wiley & Sons, 1994, p. 117.
125 Frequentemente, devido à natureza diversa das obrigações previstas, este tipo de instrumento tem nomes variados e por vezes extensos, logo usar-se-á o contrato de aquisição, conforme a definição constante deste trabalho. Em inglês, o termo é acquisition agreement, cf. Cf. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The Art of M&A: A Merger, Acquisition, Buyout Guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill, 2007, p. 464 e XXXXXX, Xxxx. XXX, Xxxxxx. The corporate, securities, and M&A lawyer's job: a survival guide. Estados Unidos: APA Publishing, 2007, p. 8.
126 XXXXXX, Xxxx. XXX, Xxxxxx. The corporate, securities, and M&A lawyer's job: a survival guide. Estados Unidos: APA Publishing, 2007, p. 8.
definitivo e vinculante127 suas respectivas declarações, manifestações de vontade e obrigações consubstanciando (i.e., instrumentalizando) a operação de M&A.128
Em razão da complexidade das relações contratuais inerentes á uma operação de M&A, é frequente, embora não mandatório, que as disposições contratuais se consubstanciem na multiplicidade de instrumentos, sendo um instrumento principal de aquisição – um contrato principal – e uma série de instrumentos acessórios,129 cuja relação de dependência pode ser expressa ou não, mas que fazem parte da mesma operação econômica.130 Para os propósitos deste trabalho, as referências ao contrato de aquisição, englobarão, conjuntamente, o contrato principal e seus instrumentos acessórios.
Sobre o tema da multiplicidade de instrumentos em operações econômicas complexas, pontua Sobre o tema, pontua Nelson Nery Junior:
Como sói acontecer em operações econômicas complexas, como, por exemplo, a de associação entre grandes empresas [a situação do caso sub exame], este tipo de operação comumente exige a celebração desse contrato- matriz que define as regras e traça a moldura da operação, fazendo-se presente nessas situações o nexo econômico ou funcional entre os negócios [elemento objetivo] e a intenção de coordená-los em direção a um escopo comum (realizzazione di uno scopo prático unitário) [elemento subjetivo] = associação e integração de negócios, caracterizadores dessa modalidade de coligação contratual, de tal sorte que a plena realização desse scopo pratico unitário somente pode ser alcançada com o cumprimento fiel das etapas concatenadas previstas no contrato-matriz, que conduzem justamente a consecução desse escopo final comum. (grifos no original)131
127 O caráter deverá ser definitivo e vinculante mesmo não sendo antecedido por um instrumento pré- contratual ou de um termo de intenções, é o caráter vinculante e definitivo que é fundamental ao conceito de contrato de aquisição.
128 Vale lembrar que a terminologia de contrato de aquisição deverá englobar todas as diversas formas de operações contratuais e societárias englobadas abrangidas pela definição, para este trabalho, de operações de M&A
129 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 428.
130 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xx Xxxxxxxxx. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 20
131 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Soluções práticas de direito. Volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, págs 508 e 509.
O fato é que ocorre uma complexa rede de obrigações e manifestações de vontade que, dependendo da forma com que as partes venham a negociar sua formalização, poderá ocorrer através de uma pluralidade de instrumentos132 ou através de um único instrumento.133 Para propósitos deste trabalho, as referências ao contrato de aquisição incluirão, por definição, os demais instrumentos contratuais porventura coligados que componham o negócio jurídico pretendido com a operação de M&A.
1.3.3.2. Considerações Jurídicas.
Pode-se afirmar que o contrato de aquisição consiste em um tipo de contrato praticado de modo formal,134 até pela significativa complexidade de uma operação de M&A, acerca do qual, em princípio, as partes livremente optam por adotar a forma escrita, tanto como reflexo da liberdade contratual, quanto por uma questão de prova135, à luz do que reza o Art. 227 do Código Civil Brasileiro, de acordo com o qual “salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados.”136
132 Acerca da pluralidade de instrumentos e complexidade intrínseca do contrato de aquisição, podemos mencionar que em certas operações, especialmente em contratos de associação, o contrato, dentro da complexidade negocial, pode tomar as vestes de um contrato-quadro (contrat- cadre ou rahmenvertrag), fazendo surgir uma sequência de contratos que se encadeiam, com a finalidade de promover a associação ou integração de negócios prevista no contrato principal, fazendo surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, cf. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Direito dos Contratos Comerciais. Portugal: Edições Almedina, 2009, p. 446, e XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Soluções práticas de direito. Volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 507.
133 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xx Xxxxxxxxx. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 110.
134 Cf. XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Contratos I. Portugal: Edições Almedina, 2008. Deve-se observar, contudo, que o Art. 227 do Código Civi
135 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Parte geral. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2008
136 É cabível mencionar que os contratos de aquisição em regra não são solenes, tendo portanto forma livre, salvo se alguma característica específica fizer com que a lei exija instrumento público ou forma específica. A distinção é relevante pois parte da doutrina não faz a distinção entre contratos solenes e formais, entendendo-os como um só tipo de contrato, em oposição aos contratos de forma livre, tal como XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. Volume 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 34: “Ainda encarados através da maneira como se aperfeiçoam, podemos distinguir os contratos em solenes ou formais, e não-solenes ou
Um aspecto essencial do contrato de aquisição é sua exigibilidade,137 pois, diferente de instrumentos pré-contratuais não vinculantes como cartas de intenção ou memorandos de entendimento que podem vir a anteceder o contrato de aquisição conforme pratica do mercado,138 o contrato de aquisição é um documento que (i) concretiza, no mesmo ato, o negócio ou (ii) vincula as Partes a concretizar o negócio, mediante o cumprimento das condições precedentes e a não verificação de hipóteses excepcionais de rescisão.
Vale dizer que tais hipóteses de rescisão devem ser excepcionais, uma vez que a faculdade de uma das partes de rescindir imotivadamente pode retirar do instrumento do aspecto vinculante, revestindo-o com um aspecto de opção,139 podendo tal disposição, inclusive, ser interpretada como potestativa pura, hipótese pela qual nela poderiam recair os efeitos da invalidade.140
Um instrumento sem caráter vinculante é objetivamente distinto do contrato de aquisição, e especificamente sequer poderia ser classificado como contrato, em razão da ausência do caráter fundamental da exigibilidade e da força sancionatória direta.141 Em que pese a utilidade dos instrumentos não- vinculantes, conforme foi visto no item dedicado aos instrumentos pré- contratuais, o aspecto vinculante é essencial ao contrato de aquisição.
É imperativo estabelecermos que este instrumento, por excelência, consubstancia exercício do princípio da autonomia da vontade, definido por Xxxxxx de Miranda como “o de escolha, a líbito, das cláusulas contratuais”.142
informais”. Contudo, podemos considerar como preferível a distinção pela qual solene é o contrato com a forma específica prevista em lei, tal como em instrumento público, e formal é o contrato que requer forma escrita (ou seja, sua formalização), mas sem uma forma específica prevista em lei, tal como preconizou o legislador no art. 227 do Código Civil.
137 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 428
138 Cf. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The Art of M&A: A Merger, Acquisition, Buyout Guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill, 2007, p. 451
139 Cf. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The Art of M&A: A Merger, Acquisition, Buyout Guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill, 2007, p. 464
140 XXXXX, Xxxxxxx. Instituições de Direito Civil. Volume II. 16a Edição. Editora Forense, 1998, p. 82.
141 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 0000, x. 000.
000 XXXXXXX, Xxxxxx xx; Tratado de direito privado. Tomo III. Campinas: Bookseller, 2000, p. 91.
Também se verifica, como se pode aduzir, o princípio da liberdade de contratar, que é aquele definido pelo mesmo doutrinador como “o de se poderem, livremente, assumir deveres e obrigações, ou de se adquirirem, livremente, direitos, pretensões, ações e execuções oriundos de contrato”,143 sendo os dois princípios componentes do princípio mais geral do direito que é o da liberdade de negócio jurídico, ou, de modo mais amplo, da faculdade, de determinada parte de manifestar sua vontade com eficácia vinculante, assim como do direito de tirar proveito de declarações de vontade alheias que, por sua vez, vinculam aos terceiros que as manifestaram.144
as disposições contratuais se consubstanciem na multiplicidade de instrumentos, sendo um instrumento principal de aquisição – um contrato principal – e uma série de instrumentos acessórios
Não constitui tarefa simples classificar o negócio jurídico de uma operação de M&A ou do contrato de aquisição, em significativa parte devido à variedade de formatos que uma operação de aquisição pode vir a ser adotada, e da consequente variedade de configurações do contrato de aquisição e de seus instrumentos acessórios. Inicialmente, podemos dizer que de fato uma operação de M&A consiste em um negócio jurídico dentro do conceito de que o suporte fático do ato jurídico stricto sensu consiste em manifestação de vontade das partes.
Tomado em conjunto, um contrato de aquisição compõe um negócio jurídico complexo,145 não apenas em razão da complexidade objetiva constante da multiplicidade de sujeitos,146 como, também, em razão da complexidade volitiva constante da pluralidade das manifestações de vontade147 produzindo
143 MIRANDA, Pontes de; Tratado de direito privado. Tomo III. Campinas: Bookseller, 0000, x. 00.
000 XXXXXXX, Xxxxxx xx; Tratado de direito privado. Tomo III. Campinas: Bookseller, 2000, p. 90.
145 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Soluções práticas de direito. Volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 508.
146 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xx Xxxxxxxxx. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 0000, x. 000.
000 XXXXXXX, Xxxxxx xx; Tratado de direito privado. Tomo III. Campinas: Bookseller, 2000., p. 175.
efeito jurídico conforme a intenção manifestada148 e, em determinados casos, da complexidade objetiva verificada pela multiplicidade de objetos e prestações.149
Nesta última hipótese, é cabível uma análise a cada caso específico, acerca da finalidade econômica desta multiplicidade de objetos e prestações, de modo a se averiguar a unicidade ou multiplicidade de sua finalidade econômica, verificando-se as diversas prestações têm ou não propósito meramente facilitador da prestação principal, e se formam, em razão disto, um negócio unitário ou complexo.150
Já, dentro da definição deste trabalho, quando a operação de M&A é formatada com uma multiplicidade de instrumentos, teremos o contrato de aquisição propriamente dito, o principal, e os demais instrumentos que lhe são acessórios ou conexos. Estes últimos detêm uma grande variedade de propósitos, entre facilitar a realização de negócio jurídico pretendido pelo contrato principal e prestar garantia nas obrigações por este estipuladas.
Preocupou-se o legislador em fornecer a definição entre principal e acessório, nos termos do artigo 92 do Código Civil, nestes termos: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.” De acordo com esta definição, podemos entender que o contrato de aquisição é o contrato principal, e os demais instrumentos são os contratos acessórios.151
Embora, geralmente, o caráter acessório ocorra por decorrência da natureza dos contratos acessórios em geral152 – tal como no caso de uma garantia de fiança, por exemplo153 – os contratos podem, no caso concreto dos
148 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Contratos I. Portugal: Edições Almedina, 2008, p. 32.
149 MIRANDA, Pontes de; Tratado de direito privado. Tomo III. Campinas: Bookseller, 2000., p. 174. 150 MARINO, Xxxxxxxxx Xxxxx Xx Xxxxxxxxx. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 110.
151 Esta distinção é feita sem prejuízo da definição mais ampla pela qual as referências à “contrato de aquisição” deste trabalho levarão em conta o contrato principal e os contratos acessórios.
152 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx. Direito civil – contratos. 5ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004. p. 49.
153 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 428.
contratos de M&A, tornarem-se acessórios por força de disposição contratual, exatamente como um exercício da liberdade contratual.154
É importante, neste momento, ressaltar a importância do princípio da autonomia da vontade na formatação e no encadeamento do complexo de obrigações do contrato de aquisição. Por definição, e até mesmo por lógica, a nulidade do contrato principal afeta o contrato acessório155, mas a recíproca não é necessariamente verdadeira.156 Trata-se, contudo, do que ocorrer por força do direito.157 As partes, dentro de sua autonomia, têm liberdade para dispor, no contrato principal, que a nulidade de um dos contratos acessórios impactará no próprio contrato principal.158
Este efeito, ressalta-se, não ocorre de forma automática, tal como seria a nulidade de um contrato acessório seguir a nulidade de um contrato principal,159 mas exatamente por manifestação de vontade expressa nas partes através de disposição contratual.
Podemos entender que este fato, justamente por ser originário da vontade das partes, não retira o caráter acessório dos instrumentos em análise, nem fere o princípio jurídico que embasa tal classificação.160
Em razão das particularidades das operações de M&A, pode ser utilizado o conceito, estabelecido pela doutrina, de contratos coligados, que podem ser definidos como são aqueles que, conforme ensina Xxxxxxxxx Xxxxx Xx Xxxxxxxxx Xxxxxx: “por força de disposição contratual, da natureza acessória de
154 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 428.
155 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. Volume
3. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 35.
156 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 428.
157 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direito civil - contratos. 3ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008. p. 6.
158 SAMPAIO, Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx. Direito civil – contratos. 5ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004. p. 50.
159 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 428.
160 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx. Direito civil – contratos. 5ª Ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004. p. 50.
algum deles, ou conteúdo contratual (expresso ou implícito), encontram-se em relação de dependência unilateral ou recíproca”.161
A leitura da definição acima permite aduzir dois elementos fundamentais da coligação de contratos: a pluralidade de instrumentos e o vínculo de dependência, tanto unilateral quanto recíproco.162 A pluralidade, como vimos, depende da formatação específica dos instrumentos de aquisição, negociada por comprador e vendedor. Sem a pluralidade de instrumentos, não há que se falar em contratos conexos, uma vez que o contrato de aquisição será um instrumento único.
A vinculação dos instrumentos, por sua vez, pode ocorrer por força de lei (ex lege), pela própria natureza dos contratos (coligação natural), ou ainda por força da vontade das partes. 163 Esta última em particular melhor aplica-se ao tema deste trabalho, ao ter sua gênese na autonomia da vontade das partes, que podem manifestar sua vontade em diversos instrumentos no sentido de vinculá- los, formando, desta forma, um complexo de instrumentos que, conjuntamente, constituem a operação de M&A.
Como os contratos de M&A encontram-se naquilo que podemos entender como operações econômicas complexas,164 usualmente sua formatação, pelas partes, é realizada através de um contrato principal165 - o contrato de aquisição, que traça a estrutura da operação e define as regras, condições e termos para a conclusão do negócio. Nestas operações, podemos verificar a presença do nexo entre os instrumentos com um elemento subjetivo -
161 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xx Xxxxxxxxx. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 99.
162 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xx Xxxxxxxxx. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 99.
163 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xx Xxxxxxxxx. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 99.
164 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Soluções práticas de direito. Volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p.508.
165 Também chamado de "Contrato-Matriz" cf XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Soluções práticas de direito. Volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p.508.
a intenção de coordená-los para uma finalidade comum, e um elemento objetivo - que é o nexo econômico ou funcional propriamente dito.166
Realizadas as breves considerações acerca da classificação jurídica, é possível colocar em foto a estrutura contratual propriamente dita.
1.3.3.3. Estrutura
O contrato de aquisição usualmente é constituído por certos elementos comuns, infra-relacionados de forma exemplificativa167:
(a) Partes
Como em qualquer contrato, inicialmente devem-se dispor quais são as partes, incluindo necessariamente a sociedade adquirente e o vendedor, bem como os intervenientes, os garantidores, o as demais partícipes da operação em alguma capacidade, todos devidamente qualificados e representados nas formas de seus atos constitutivos.
(b) Considerandos
Os Considerandos têm a função de apresentar o contexto da operação. Isto tem a particular importância de apresentar detalhes da operação relevantes para a correta interpretação do contrato em caso de futuros litígios. Os Considerandos também podem fazer a ligação entre o contrato de aquisição e outros instrumentos conexos que podem fazer parte da operação de aquisição.
Em termos de gerenciamento de risco168, a função dos considerandos é a apresentar o racional do negócio e facilitar seu entendimento futuro por
166 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Soluções práticas de direito. Volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p.508.
167 Cf. XXXXXX, Xxxxxx X. Applied Mergers and Acquisitions. Estados Unidos: Wiley & Sons, 2004. p. 768.
168 Cf. XXXXXX, Xxxxxx X. Applied Mergers and Acquisitions. Estados Unidos: Wiley & Sons, 2004, p. 769
aqueles que não tiveram conhecimento primário do negócio, e que poderão ter futuramente acesso ao instrumento de modo dissociado no ambiente de negociação no qual os atuais partícipes estão envolvidos.
(c) Definição de Termos
Trata-se de uma disposição típica dos contratos do direito consuetudinário que vem encontrando uso em contratos no Brasil, especialmente no campo de M&A, inclusive por conta da influência estrangeira neste setor. É importante estipular o significado dos termos definidos de uma forma mutuamente acordada.
(d) Operação de M&A
Consiste na parte do que estipula o negócio sendo realizado, seus termos e condições. Caso a concretização do negócio não seja concomitante com sua celebração e deva ocorrer em um momento futuro, o fechamento deverá estar sujeito a condições precedentes e suspensivas. Conforme já foi estudado, a operação de M&A pode envolver a aquisição de controle societário através da compra e venda de ações ou quotas, ou ainda a aquisição de ativos através de um contrato de compra e venda, que pode incluir a assunção dos passivos referentes aos ativos adquiridos, ou ainda uma consolidação de um conjunto de ativos, passivos e atividades de duas sociedades, entre outros formatos. Caberá a esta seção do contrato descrever como estas aquisições ocorrerão.
(e) Representações e Garantias
Esta seção do contrato de aquisição contém as declarações de fato e garantias de que tais declarações são verdadeiras das Partes do Contrato, em especial da sociedade adquirente e do vendedor.
As declarações da sociedade vendedora são cruciais para o controle de passivos, em razão do fato de que este é o mecanismo pelo qual ela apresenta os passivos e contingências da empresa-alvo dos quais tem conhecimento, de modo a que, via de regra, não possam ser elegíveis para posterior indenização pelas cláusulas referentes a passivos ocultos.
Este item será estudado em detalhe no capítulo seguinte.
(f) Covenants169
Dispõe sobre os compromissos pelos quais as partes se obrigam a praticar ou a se abster de praticar certas condutas ou atos. Os covenants podem ser uma das condições precedentes da finalização do negócio, como também terem sua vigência perdurando além do contrato na fase de pós-fechamento. Até a formalização da operação, os covenants também podem consistir em condições resolutivas, facultado à uma das Partes a possibilidade de denunciar a operação, caso a outra tenha descumprido um dos compromissos positivos ou restritivos (affirmative or restrictive covenants).170
Estes compromissos interessam particularmente ao comprador, para assegurar-se que o vendedor não fará mudanças prejudiciais na empresa-alvo entre a assinatura do contrato de aquisição e a formalização final do negócio, quando neste ínterim a administração da empresa-alvo ainda for da responsabilidade da sociedade vendedora.
Mesmo o fechamento da operação, dependendo das disposições contratuais negociadas pelas partes e pelo formato da operação, é possível que os covenants positivos e negativos continuem vigentes, vinculando às partes à certas obrigações de fazer e de não fazer. Além das penalidades contratualmente
169 Embora o termo em inglês Covenant possa ser traduzido num contexto jurídico como "compromisso" ou “compromisso restritivo”, o termo vem sendo amplamente aplicado no Brasil em sua forma original.
170 Cf. XXXX, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx. Project Finance. Financiamento com Foco em
Empreendimentos (Parcerias Público-Privadas, Leveraged Buy-Outs e Outras Figuras Afins). Brasil: Editora Saraiva, 2007, p. 225.
previstas, tais obrigações são exigíveis e exequíveis, cujo inadimplemento configura violação contratual e fonte ilícita de danos.171
Nesse diapasão, o inadimplemento pode ensejar ação de execução específica, quando for possível o adimplemento, ou de indenização por perdas e danos (art. 461 do Código de Processo Civil). Como o direito não se fia a coagir
(g) Condições de fechamento
Estabelece as condições precedentes e suspensivas necessárias à finalização da operação. Em regra, o não-cumprimento das condições por uma das Partes pode facultar à outra desistir do negócio em certas condições pré- estabelecidas. Estas condições podem envolver as autorizações dos órgãos regulatórios competentes ou até mesmo de aprovação societária das partes de seus respectivos conselhos de administrações ou sócios.172
Trata-se de uma manifestação da autonomia da vontade, uma vez que tais condições podem apresentar características tanto suspensivas - quando sujeitam o aperfeiçoamento do negócio jurídico à verificação de determinadas condições, quanto resolutivas, ao preverem a faculdade de uma das partes de resolver o negócio jurídico.173
A distinção doutrinária entre os conceitos pode ser resumida dentro do conceito de que condição suspensiva é a condição inicial, cuja verificação é necessária para que o negócio jurídico produza efeitos, ficando sua eficácia suspensa, e já a condição resolutiva, por sua vez é a condição final, aquela que, uma vez verificada, faz com que cessem os efeitos.174
171 NERY JUNIOR, Xxxxxx. Soluções práticas de direito. Volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 527.
172 XXXXXX, Xxxx. XXX, Xxxxxx. The corporate, securities, and M&A lawyer's job: a survival guide. Estados Unidos: APA Publishing, 2007, p. 9.
173 XXXXX, Xxxxxxx. Instituições de Direito Civil. Volume II. 16a Edição. Editora Forense, 1998, p. 82.
Como, no contrato de aquisição, pode ocorrer uma dilação entre a celebração do instrumento e a produção dos efeitos, que ficam suspensos até que sejam atingidas as condições precedentes (sendo este o efeito suspensivo da condição precedente), podem as partes estipularem um prazo ou ainda outra condição pela qual, uma vez não verificadas as condições precedentes (e sem a eficácia propriamente dita do negócio jurídico pretendido), seja possível resolver o contrato de aquisição, sendo esse último um efeito resolutivo da condição precedente.175
(h) Indenização
Consiste na parte mais importante para o controle contratual dos passivos ocultos, uma vez que estipula as condições pelas quais o vendedor e/ou eventuais terceiros garantidores irão indenizar o comprador por eventuais contingências que não estejam corretamente declaradas no contrato de aquisição.
Os detalhes desta seção serão estudados em detalhe no item próprio deste trabalho.
(i) Disposições finais.
Nesta parte são inseridas as disposições gerais e finais de praxe, bem como eventuais disposições que não se encaixam nos itens anteriores.
1.4. A alocação de risco e seus efeitos na composição do preço
Para melhor estudar este processo, precisaremos cotejar o conceito econômico de contrato como instrumento que cria, modifica ou extingue relações jurídicas com o conceito econômico da análise dos contratos, qual seja, do contrato como instrumento de eficiência econômica e circulação de riquezas,176 e também "para resolução dos problemas gerados pelas imperfeições do mercado, tem por função (...) gerar mecanismos de ressarcimento e alocação de risco".177
Partindo desta premissa, podemos entender a alocação de risco como um dos elementos da composição de preço em uma operação de M&A. A avaliação econômica da empresa-alvo leva em conta os passivos encontrados e, na medida em que estes descobertos ou divulgados, o valor avaliado sofre uma redução,178 que é refletida no valor sendo negociado pela empresa-alvo. Deste modo, o interesse na due diligence é de ambas as partes, comprador e vendedor, uma vez que “a informação avaliada impactará diretamente na precificação da empresa-alvo”.179
Neste sentido, em razão disto, que a alocação de risco tem um custo para as partes, na medida em que tem um reflexo direto na avaliação econômica da empresa-alvo e no preço sendo negociado pela operação de aquisição. Para que o equilíbrio econômico da relação seja mantido, é necessário que o valor do
176 Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx definia em certos contratos como “Instrumento de Circulação”, embora não entendia que todos fossem operações econômicas cf. XXXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Teoria giuridica della circolazione. Itália: CEDAM, 1933, p. 15 apud MARINO, Xxxxxxxxx Xxxxx Xx Xxxxxxxxx. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 20. No sentido de contratos como instrumentos de circulação de riquezas: XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Ainda sobre a função social do direito contratual no Código Civil Brasileiro: Justiça distributiva versus eficiência econômica. In TIMM, Xxxxxxx Xxxxxxx (Org). Direito e Economia. Livraria do Advogado: Porto Alegre: 2008, p. 75, assim como MARINO, Xxxxxxxxx Xxxxx Xx Xxxxxxxxx. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 20, e ainda Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx em suas obras Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 399 e Código Civil Interpretado, Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 426, sendo que afirma, nesta última, que: “o contrato, e não mais a propriedade, passa a ser o instrumento fundamental do mundo negocial, da geração de recursos e da propulsão da economia”.
177 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Ainda sobre a função social do direito contratual no Código Civil Brasileiro: Justiça distributiva versus eficiência econômica. In TIMM, Xxxxxxx Xxxxxxx (Org). Direito e Economia. Livraria do Advogado: Porto Alegre: 2008, p. 96
178 XXXXXX, Xxxxx X.; XXXXX Xxxxx X. Valuation for M&A: Building Value in Private Companies. Estados Unidos: Wiley and Sons, 2010. p. 46
179 VEIRANO ADVOGADOS. Suplemento – Fusões e Aquisições in Revista capital aberto. Ano 8, Número 87. São Paulo: Editora Capital Aberto, 2010, p. 4.
negócio reflita a alocação de riscos e responsabilidades negociadas pelas partes.180
Durante a negociação dos termos do contrato de aquisição, a sociedade adquirente e a vendedora negociarão a alocação de responsabilidade dos passivos da empresa-alvo já conhecidos e também pelos passivos ocultos, o que consistirá num elemento da avaliação da empresa-alvo e na composição do preço. Nesta dinâmica, quão maior for o risco e os passivos assumidos pelo Comprador o preço ofertado tenderá a ser reduzido.181
Desta forma, concluímos o capítulo inicial, estudando brevemente como as operações de M&A são negociadas e formatadas. O próximo capítulo terá como objeto principal de estudo a forma como os passivos da empresa-alvo são tratados no contrato de aquisição, assim como uma análise sobre alguns julgados acerca da sucessão, pela sociedade adquirente, de passivos relacionados aos ativos adquiridos.
180 XXXXXX, Xxxxxx X. Applied Mergers and Acquisitions. Estados Unidos: Wiley & Sons, 2004.
181 Cf. XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The Art of M&A: A Merger, Acquisition, Buyout Guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill, 2007, p. 466-467.
2. OS PASSIVOS NAS OPERAÇÕES DE FUSÃO E AQUISIÇÃO
2.1. Conceito
Conforme exposto nos itens anteriores, os passivos da empresa-alvo são um componente fundamental das operações de Fusões e Aquisições, e uma das principais preocupações a sociedade adquirente, devido ao potencial de não apenas frustrar o retorno pretendido com a operação, mas como de causar prejuízos ao negócio e à própria sociedade adquirente. Também são parte integrante da avaliação da empresa-alvo e na composição do valor do preço pela operação de M&A.182
Podemos definir como passivos ocultos, para propósitos da alocação de riscos e responsabilidades em operações de M&A, aqueles que não constam do contrato de aquisição, ou seja, não foram declarados voluntariamente pelo vendedor ou localizados no processo de due diligence. Tais passivos serão estudos em item próprio.
Isto significa que usualmente os passivos constantes do contrato de aquisição eram conhecidos pela sociedade adquirente, e fizeram parte da composição do preço de aquisição, se este os assumiu. Em razão disto, não serão passíveis de reembolso pelo vendedor.
Tais passivos declarados são, portanto, de fundamental importância para a identificação e exigibilidade dos passivos ocultos, pois se tratam de figuras mutuamente excludentes.Também serão passivos indenizáveis aqueles passivos declarados que o vendedor expressamente assumir a responsabilidade no contrato de aquisição.
182 DEPAMPHILIS, Xxxxxx X. Mergers, Acquisitions, and Other Restructuring Activities. 0x Xx. Xxxxxxx Xxxxxx: Academic Press, 2003, p. 332.
Destarte, faz-se necessário estabelecer que o conceito de passivo, que é essencial à alocação de risco e responsabilidade sendo estudada. Para estes propósitos, passivo será entendido como as obrigações relacionadas aos ativos ou às sociedades objeto da operação de M&A cujo fato gerador é anterior à aquisição e que possam ser exigidas da sociedade adquirente diretamente (no caso da compra de ativos) ou indiretamente (no caso de aquisição do controle acionário, no qual tais passivos são exigíveis contra a sociedade adquirida).
Para os propósitos deste estudo, passivos de uma operação de M&A serão classificados em duas categorias básicas: A primeira se refere aos passivos não-indenizáveis, que são aqueles revelados ao adquirente pelo vendedor ou descobertos no processo de due diligence, razão pela qual foram assumidos pelo comprador, podendo ter sido considerados na composição do preço. São, em essência, os passivos cuja responsabilidade foi alocada à sociedade adquirente.
A segunda categoria consiste nos passivos não-indenizáveis, que é composta primeiramente daqueles passivos que não são de conhecimento da sociedade adquirente (por ocultação do vendedor ou mesmo por desconhecimento do próprio), sendo tais passivos denominados ocultos ou não- declarados. Outro tipo de passivo não-indenizável é aquele que é de conhecimento do comprador, mas cuja responsabilidade não foi assumida pelo comprador no contrato de aquisição. Nos casos acima, a responsabilidade é alocada ao vendedor, e geralmente tais passivos não são refletidos na composição do preço.
Veremos agora em maior detalhe as Declarações e Garantias da empresa vendedora, instrumento através do qual esta sociedade tem a oportunidade de divulgar os passivos e demandas conhecidos.
2.2. Declarações e Garantias (Representations and Warranties)
As declarações e garantias consistem numa parte fundamental dos contratos de M&A, na qual o vendedor (e, em certos casos, a empresa-alvo) fazem certas declarações ao comprador a respeito de sua estrutura, seus negócios e suas contingências. Consistem numa série de declarações de matérias de fato e de direito acerca da empresa-alvo e da sociedade vendedora cuja inveracidade ou imprecisão podem implicar no rompimento das obrigações e ter sérias repercussões contratuais.
Estas declarações e garantias devem ser interpretadas à luz do princípio da boa-fé objetiva.183 Analisando um caso pelo qual a vendedora não relatou nas declarações e garantias certos fatos que vieram a gerar prejuízos à sociedade adquirente, e considerando que a vendedora fez uso da expressão "até onde saibam os vendedores" em algumas destas declarações, o doutrinador Xxxxxxx Xxxxxxxx, em parecer, sustenta que este tipo de expressão deve ser interpretada como presunção relativa da boa fé subjetiva em favor da sociedade vendedora, presunção esta que pode ser vencida caso a sociedade adquirente demonstre que os fatos eram de conhecimento dos vendedores. 184
Em razão disto, entende o referido doutrinador, em seu parecer publicado, que:
Diante das omissões se inverdades das informações prestadas pela vendedora, que configuram violações a várias cláusulas contratuais, resta indubitável o dever de indenizar previsto no Contrato, em decorrência dos princípios da obrigatoriedade e da intangibilidade dos contratos.185
183 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers. Temas de Direito Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 271-273.
184 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers. Temas de Direito Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 271-273.
185 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da
cláusula to the best knowledge of the sellers. Temas de Direito Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 271-273.
Desse diapasão, podemos entender que as o princípio da boa-fé objetiva acentua a responsabilidade da sociedade vendedora de disponibilizar e divulgar informações relacionadas aos seus passivos, uma vez que, para além das obrigações contratuais e pré-contratuais já assumidas nos termos do contrato, esta obrigação está sujeita a uma norma cogente do Código Civil, inafastável pela vontade das partes.
Este princípio, além de limitar o exercício dos direitos do vendedor, é fonte de obrigações que incluem deveres específicos de transparência e de buscar o melhor adimplemento das obrigações assumidas no contrato de M&A, o que veda a utilização de qualquer subterfúgio para a obtenção de uma vantagem indevido ou para evadir-se de indenizar os compradores quando as declarações e garantias mostraram-se inverídicas ou incorretas.
Vale dizer que estas informações a serem divulgadas pela sociedade vendedora não dizem respeito exclusivamente a passivos, tendo que geralmente também prestar declarações e garantias referentes à regularidade das atividades e processos da empresa-alvo, seus ativos materiais e imateriais e suas operações empresariais. Tratam-se, portanto, de outras informações similares àquelas que são objeto do relatório de auditoria.
Estas declarações são prestadas de modo a atestar à sociedade adquirente que os fatos ali representados são verdadeiros. Tipicamente, estas declarações são acompanhadas de anexos (schedules ou exhibits) contendo detalhes e exceções às declarações e garantias.186 De modo geral, estas garantias devem ser complementares, ou ao menos não-contraditórias com os relatórios de due diligence realizados pelo comprador.187
Para ilustrar a dinâmica de funcionamento de tais declarações, podemos construir a seguinte hipótese: acerca das licenças de funcionamento, a
186 XXXXXX, Xxxx. XXX, Xxxxxx. The corporate, securities, and M&A lawyer's job: a survival guide. Estados Unidos: APA Publishing, 2007, p. 8.
187 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx; XXXXX, Xxxxxxx X. The art of M&A due diligence. Second edition. McGraw-Hill Professional, 2010, p. 310.
sociedade vendedora pode declarar (i) que a empresa-alvo possui todas as licenças exigidas pelas normas vigentes, (ii) que tais licenças encontram-se plenamente em vigor, com exceção de certas condicionantes e exigências constantes de um anexo; e (iii) que tal fato não implicará num prejuízo material para a empresa-alvo. O referido anexo, portanto, relacionará as condicionantes das licenças da empresa-alvo.
Neste exemplo, o comprador passa a ter conhecimento das condicionantes, e a simples existência das mesmas não representará uma declaração inverídica nem tampouco será elegível para indenização. Contudo, se uma autoridade fiscalizadora autuar a empresa-alvo por conta desta condicionante, isto significaria que houve uma quebra da garantia (iii) de que a exigência não implicaria em um prejuízo para a empresa compradora ou para a empresa-alvo. Logo, isto abriria espaço para que o comprador cobrasse este prejuízo do vendedor.
Embora o vendedor tenha cumprido com a boa-fé e com as obrigações de lealdade e informação por parte do vendedor ao divulgar todas as informações, optou por garantir ao comprador que um problema apresentado não iria causar um prejuízo. Deste modo, o vendedor assumiu o risco, e, dentro da aplicação a aplicação do princípio da boa-fé objetiva e da alocação de risco como função do contrato, deve indenizar a sociedade adquirente por este prejuízo.188
Vemos assim, como este princípio acentua a relevância das declarações e garantias prestadas pelo vendedor, especialmente no cenário brasileiro onde nem sempre a sociedade adquirente dispõe do tempo ou dos recursos disponíveis para a adequada realização de um processo extenso de auditoria, servindo por vezes as declarações e garantias o principal instrumento contratual pelo qual a sociedade adquirente dispõe para mapear os passivos da vendedora.189
188 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p 388.
189 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers. Temas de Direito Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 266
Conforme lembra Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx, dentre os deveres decorrentes da boa-fé objetiva, encontram-se os deveres de informação, aviso e esclarecimento, referindo-se ao "sujeito que entre em negociações, de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial."190
Sob este prisma, podemos entender que o princípio da boa-fé deve nortear todas as relações jurídicas obrigacionais, atuando assim desde a fase pré-contratual, contratual e pós-contratual, e, em razão disto, as declarações e garantias prestadas pela vendedora, caso rompidas, devem gerar uma obrigação de indenizar em prol da sociedade adquirente.
2.3. Passivo Contabilizado
Após a conclusão do processo de M&A, a sociedade adquirente passará a ter o controle sobre a administração da empresa-alvo, e, por decorrência, acesso aos seus registros contábeis, dos quais constarão os passivos contabilizados da empresa-alvo, os quais, em tese, deveriam ter sido objeto de revelação aos auditores no processo de due diligence, e das informações reveladas nas declarações e garantias. A conformidade entre os registros contábeis da empresa-alvo com passivos declarados pode ser uma declaração do vendedor, que, se quebrada, por si só poderia ter o escopo de gerar indenização.
Eventuais discrepâncias nos registros contábeis da empresa-alvo e os valores declarados podem significar não apenas uma majoração do passivo ou ocultação do vendedor, como também irregularidades contábeis que podem impor dificuldades na consecução dos objetivos do comprador e de seu retorno na operação, demandando investimentos posteriores em auditorias e consultorias para a conciliação e regularização de tais registros.
190 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A Boa Fé no Direito Privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.439.
Novamente aplicável o princípio da boa-fé objetiva, que impõe às partes o dever de guardar os princípios de probidade e transparência na conclusão e execução do contrato de aquisição, razão pela qual mesmo deve o vendedor zelar por seus registros contábeis. Caso a empresa-alvo seja uma sociedade anônima, deverá também seguir os critérios contábeis tratados especificamente pela Lei das Sociedades Anônimas.191
2.4. Relatórios de Auditoria (due diligence reports)
Os processos de auditoria contábil e jurídica resultam em relatórios de auditoria, que apontam os passivos localizados pela due diligence, que podem ou não coincidir com aqueles passivos declarados pela sociedade vendedora. Os relatórios usualmente passam a constar do Contrato de M&A, como anexos, e os passivos neles indicados usualmente não serão elegíveis para reembolso pelo vendedor, ressalvados os passivos ainda não consolidados, como processos judiciais ainda em curso.
Além da avaliação dos auditores, é essencial para os propósitos do controle contratual de passivos que os relatórios identifiquem claramente os passivos averiguados, de modo a evitar futuras discussões. Um relatório que aponte genericamente o passivo de uma companhia poderá tornar difícil ou praticamente impossível o seu uso para a identificação de uma contingência reembolsável.192
Não é suficiente, portanto, que o relatório apresente informações consolidadas, indicando o número total de processos e o valor total da contingência, uma vez que, caso futuramente o comprador detecte uma ação judicial, em regra não terá como demonstrar cabalmente que ela não estava
191 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p 391
192 XXXXXX, Xxxxx. Due diligence: The critical stage in mergers and acquisitions. Estados Unidos: Gower Publishing, 2003, p 50.
dentre o passivo avaliado na auditoria. Para tanto, é necessário que o relatório relacione e identifique individualmente os processos, para que eliminar dúvidas futuras acerca da classificação de um passivo como indenizável ou não.
Embora tal informação possa ser relacionada em outro anexo do contrato de aquisição, geralmente tal anexo é gerado pela sociedade vendedora para constar de suas Declarações e Garantias, devendo, destarte, o relatório de due diligence apresentar sua própria lista dos processos que foram localizados. Especialmente porque, em termos gerais, um processo de due diligence mais elaborado não deve ater-se exclusivamente às informações fornecidas pelo vendedor, mas buscar de modo independente informações sobre a empresa-alvo e seus negócios.
Devido, entre outras razões, do impacto do relatório na avaliação de risco, composição do preço e resolução de possíveis futuros conflitos, os critérios devem prezar pelo rigor de objetividade, e as ressalvas devem ser feitas de modo transparente e explícito193.
O papel dos relatórios de due diligence, dentro do escopo do controle contratual dos passivos, também deve servir de mecanismo de avaliação e quantificação dos riscos assumidos pelas partes, dentro do processo de M&A. O relatório que meramente fornece uma avaliação de conformidade dos negócios da empresa-alvo não dá suporte documental suficiente para a alocação de risco e, principalmente, de seus reflexos na composição do preço.
Tal embasamento somente dar-se-á com a avaliação dos auditores da gravidade dos riscos impostos pelas não-conformidades e pelos seus impactos nos negócios da empresa-alvo. Trata-se de uma avaliação mais complexa, para a qual são necessários estudos mais profundos e uma massa crítica de informações adquiridas além daquelas fornecidas pelo vendedor, bem como do
193 Cf. XXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Sergio Varella. Due Diligence - Identificando contingências para prever riscos futuros. In XXXXX, Xxxxx (Org). Fusões e Aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002., p. 206.
comprometimento dos auditores com o posicionamento, para o vendedor, dos riscos e de suas conseqüências.194
A mera não-conformidade de uma licença ou dos procedimentos de uma empresa com as normas vigentes pode ter o impacto direto e objetivo de multas e penalidades, o que pode ser quantificável objetivamente. Contudo, o verdadeiro impacto desta não-conformidade pode ocorrer em perdas, danos e lucros-cessantes da empresa alvo. Uma relação não-exaustiva de tais riscos inclui:
• Interrupção das atividades de unidades produtoras, através de interdições determinadas por autoridades competentes em decorrência do descumprimento de normas ambientais;
• Autuações e aplicações de multas por autoridades fiscalizadoras;
• Descumprimento de TACs celebrados pela empresa-alvo, podendo gerar pesadas multas e até mesmo ações civis públicas movidas pelo Ministério Público;
• Inclusão da empresa-alvo na “lista suja” do MTE,195 com consequências para a sociedade adquirente e seu grupo Econômico, inclusive com dificuldade ou impossibilidade de acesso a recursos públicos e suspensão de pagamento por clientes corporativos, especialmente de entes públicos ou empresas estrangeiras e nacionais preocupadas com a imagem de responsabilidade socioambiental.
• Rompimento de contratos com terceiros e dificuldade em acesso à financiamento, especialmente público, causados pela interrupção de atividades da unidades produtoras, ou mesmo pela inclusão na “lista
194 XXXXXX, Xxxxxx X. Deals from hell. Estados Unidos: Wiley & Sons, 2005.
195 Estabelecida nos termos da Portaria n°. 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego.
suja” do MTE. Podemos citar por exemplo que o BNDES teria suspendido, preventivamente, as operações com o grupo Cosan em razão da inscrição na "lista suja" do MTE em 2009, devido a uma infração registrada em 2007 em uma usina adquirida pela Cosan em 2002.196
2.5. Passivos potenciais
Deve ser feita a distinção entre certos riscos e passivos não exigíveis e os passivos e contingências exigíveis da empresa-alvo. Os relatórios de auditoria e as declarações e garantias podem apontar certos riscos ou passivos potenciais que ainda não são exigíveis. Tais passivos devem ser sujeitos a uma análise de risco pelo comprador e de uma negociação com a sociedade vendedora para que possam vir a compor o preço do negócio, no todo ou em parte.
Dependendo do resultado da negociação, o risco de tais passivos potenciais poderá ser assumido pelo comprador – hipótese na qual o preço de aquisição será reduzido, e em contrapartida o risco será inelegível para reembolso pelo vendedor.
A título exemplificativo, os processos judiciais nos quais a empresa- alvo e ré podem ser classificados, pela auditoria de due diligence e/ou pelas próprias declarações e garantias do vendedor, com o risco de perda remoto, possível ou provável.
Neste caso, pode o contrato estipular que apenas os processos com risco de perda remoto e possível serão elegíveis para futura indenização por parte do vendedor. Deste modo, o risco das demandas classificadas com risco de perda remoto seria assumido pelo comprador, e passariam a fazer parte do preço de aquisição.
196 XXXXXXX, Xxxxxxx. Na 'lista suja', Xxxxx perde crédito do BNDES In O Estado de São Paulo. São Paulo: 2010. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxx/00000000/xxx_xxx000000,0.xxx
Também pode ser o caso de alguns passivos não-contabilizados, como litígios ameaçados ou pendentes, obrigações de garantia a favor de terceiros, e outras demandas de natureza ambiental, trabalhista, regulatória ou fiscal que ainda não tenho se tornado processos judiciais ou administrativos197.
Caso similar pode ocorrer no que tange a certas pendências que podem potencialmente ocasionar demandas contra a empresa-alvo, tal como irregularidades com licenças ambientais ou irregularidades com as normas regulatórias e ambientais vigentes.
Tais faltas de conformidade não geram, de modo imediato, um passivo exigível contra a empresa-alvo, mas o risco gerado por eles pode e deve ser objeto de negociação entre as Partes, sempre dentro da dinâmica de que a parte que assumir o risco obterá, em contrapartida, uma melhor posição em relação ao preço.
É cabível também fazer a distinção entre risco e incerteza, pois o risco é quantificável, mas a incerteza, não.198 Logo, os passivos potenciais conhecidos poderão ser classificados como riscos, mas os passivos não contabilizados e que não forem informados serão considerados uma incerteza, perante a empresa compradora, assim como os demais passivos ocultos.
2.6. Jurisprudência
O controle contratual de passivos em operações M&A e as negociações para alocação de riscos devem levar em conta que, de um modo geral, o comprador poderá se tornar objetivamente responsável perante terceiros, incluindo em particular as obrigações de natureza fiscal, previdenciária,
197 A expressão em inglês para passivos não-contabilizados ou é "off the sheet liabilities", sendo utilizada por XXXXXX, Xxxxx X.; XXXXX Xxxxx X. Valuation for M&A: building value in private companies. Estados Unidos: Wiley and Sons, 2010, p. 196 para descrever este tipo de passivo.
198 Cf. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx . Risk, uncertainty and profit. Estados Unidos: Beard Books, 2002, p. 19-20.
trabalhista, perante consumidores ou credores em geral, especialmente nos casos de aquisição, direta ou indireta, do controle societário.
A sociedade adquirente deve procurar alocar estes riscos ao vendedor é através da cláusulas de indenização, para estipular a responsabilidade do vendedor de modo claro, não para evitar a responsabilidade pelas contingências da empresa-alvo, mas para fazer valer, de modo célere, de seu direito de regresso (ou de indenização, conforme previsão contratual) contra o vendedor.
De modo a pontuar a relevância destes mecanismos, estudaremos abaixo jurisprudência comentada sobre o tema, tendo por foco as operações de compra de ativos ou de sucessão nas atividades. Os subitens são nomeados segundo as partes da operação, e não das partes dos respectivos processos judiciais nos quais foram proferidas as decisões.
2.6.1. Supervia - Flumitrens
Podemos inicialmente apontar a decisão judicial abaixo, no qual a Supervia, uma concessionária de transportes ferroviários que opera no Estado do Rio de Janeiro, foi condenada ao pagamento de um pedido de indenização movido contra a Flumitrens, Companhia Fluminense de Trens Urbanos.
O notável neste caso é que sequer ocorreu a aquisição ou fusão de uma sociedade ou de patrimônio, mas somente do negócio explorado, ou seja, ocorreu a sucessão pela Supervia, de certas operações da Flumitrens, sendo que esta última continuou existindo, e com patrimônio próprio.
O mero uso, pela Supervia, de patrimônio da Xxxxxxxxxx, mesmo sem sua aquisição, foi suficiente para a condenação. As cláusulas contratuais de exclusão de responsabilidade da Supervia foram consideradas ilegais.
Mostram-se abusivas e ilegais as cláusulas do contrato da concessão em tela, que excluem a responsabilidade da
Concessionária pelas obrigações de natureza civil, decorrentes de atos ou fatos corridos antes da posse da Supervia, independente de ser exigido após tal data.
Caso a embargante/apelante entenda que, por força do contrato de concessão, a hipótese dos autos seja de responsabilidade do Estado ou da Central – Cia Estadual de Engenharia de Transporte e Logística poderá intentar ação de regresso contra estas, em cujos autos será apreciado tal pleito.
Assim, mostra-se inequívoca a legitimidade passiva da embargante/apelante para responder pela obrigação a que foi condenada a Flumitrens, no título judicial em execução.199
Analisando a decisão acima, podemos interpretar que o referido Tribunal entendeu que: (i) o critério de interpretação para a sucessão da compradora, neste caso, foi interpretado de forma ampla; (ii) a sucessão, pela Supervia, das atividades e operações da Flumitrens foi suficiente para caracterizar a responsabilidade, mesmo sem a aquisição societárias ou patrimoniais; e (iii) cláusulas contratuais excludentes de responsabilidade ou limitadoras da sucessão de direitos e obrigações não surtiram efeito perante o terceiro realizando a demanda.
2.6.2. HSBC - Bamerindus
Os Contratos de Aquisição, especialmente nos casos de venda de ativos nos quais não se pretende operar uma sucessão universal, buscam delimitar as responsabilidades assumidas pela sociedade adquirente, buscando, assim, manter a responsabilidade sobre as contingências não expressamente assumidas alocadas ao vendedor. Contudo, os Tribunais brasileiros têm
199 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação Cível Nº 2009.001.52.016, da Décima Primeira Câmara Cível. Rio de Janeiro, 30 de Setembro de 2009. Disponível em: xxxx://xxx00.xxxx.xxx.xx/XxxxxxxxXxxXxxXxx/xxxxx/XxxxxxxxXxxxxx.xxx?xxXxxxxxxxxx000000X000000 EB13DED5C150D660D9EF6806EC402295A52. Acesso em 13.01.2011
entendido que a aquisição de ativos implica em sucessão, mesmo que não universal, o que impõe ao comprador a responsabilidade sobre tais contingências, apesar de não expressamente previstas nas disposições contratuais.
No caso em tela, o Banco HSBC alegou ilegitimidade passiva em demanda movida em face do Banco Bamerindus, tendo por objeto fato gerador anterior à aquisição, pelo HSBC, de parte do ativo do Bamerindus, que encontra- se em liquidação extrajudicial, com interventor nomeado pelo Banco Central.
Na operação de M&A, o Banco HSBC celebrou um instrumento com o Bamerindus pelo qual ele assumia parte, mas não a totalidade, do passivo. A questão é se a aquisição de parte do ativo seria suficiente para suportar a legitimidade passiva do Banco HSBC.
Ao adquirir o ativo do banco em liquidação, óbvio que adquiriu também o passivo. (...)
Juntou aos autos o 'instrumento particular de contrato de compra e venda de ativos, assunção de direitos e obrigações e outras avenças (fls. 26/61) e o 'instrumento particular de re-ratificação de contrato de compra e venda de ativos, assunção de direitos e obrigações e outras avença' (fls 63/70), inclusive anexos de inclusões e exclusões (fls 71 e seguintes).
Feita essa necessária digressão, forçoso o reconhecimento que não há, mesmo, sucessão universal do Banco Bamerindus pelo embargante, aliás, tal como avalizam os pareceres apresentados com a vestibular que, entretanto, não importa em exclusão automática da responsabilidade deste sobre o débito exequendo. (...)
Com efeito, os extensos documentos celebrados denotam, no dizer da embargante, que a obrigação em discussão "não foi expressamente incluída" no "Contrato de Assunção". Mas também
não foi excluída, podendo ser entendida como decorrência de decisão judicial, que não pode simplesmente ignorada. (grifo do autor)200
Mesmo tendo o Banco HSBC incluído disposições contratuais específicas na operação limitando suas responsabilidade pelo passivo que estava assumindo, a decisão judicial considerou que era cabível mantê-lo no pólo passivo da lide, podemos entender que o instrumento contratual era insuficiente, sub a égide do argumento que a aquisição do ativo implica na assunção do passivo, e que os instrumentos contratuais não seriam suficientes para eximir o Banco HSBC de responsabilidade.
A decisão apresenta, por outro lado, o reconhecimento que aquisição do ativo não implica em sucessão universal, mas apenas de determinados passivos, e também que a responsabilidade pode ser limitada dependendo da formatação do contrato de aquisição, dando espaço, portanto, para a interpretação que em situações distintas a ilegitimidade passiva poderia ser arguida com sucesso pelo Banco HSBC.
2.6.3. Unibanco - Banco Nacional
Trata-se de uma demanda de cobrança de honorários movida por advogado contra o Banco Nacional, tendo por base contrato de prestação de serviços advocatícios. O advogado, que teve sua pretensão frustrada pela liquidação extrajudicial do Banco Nacional, pleiteou o redirecionamento da execução contra o Unibanco, o que foi deferido em primeira instância.
O Unibanco apresentou exceção de pré-executividade alegando ilegitimidade passiva, julgada improcedente em decisão em que foi agravada. O
200 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível Nº 2009.001.52.016, da Décima Sétima Câmara de Direito Privado. São Paulo, 21 de Março de 2007. Disponível em: xxxxx://xxxx.xxxx.xxx.xx/xxxx/xxxXxxxxxx.xx?xxXxxxxxxx000000
Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, argumentando em acórdão que o Unibanco seria responsável pelos pagamentos do Banco Nacional, em razão da aquisição de diversos bens e direitos, assim como pela transferência transferências os ativos e passivos do Banco Nacional. Inconformado, o Unibanco apresentou Recurso Especial, no qual logrou êxito.
Nesse diapasão, é certo que o vínculo jurídico estabelecido entre as instituições financeiras, consubstanciado no contrato de Compra e Venda de Ativos e Assunção de Obrigações, não implica, necessariamente, a assunção de toda a universalidade de direitos e obrigações do Banco Nacional pelo Unibanco, cabendo,portanto, às Instâncias ordinárias assentar se o débito em discussão, que, como visto, não se trata de responsabilidade decorrente da continuidade das atividades bancárias, foi, ou não, objeto de transferência. (grifo do autor)201
Com esta decisão, o Supremo Tribunal Federal demonstrou que a mera aquisição de alguns ativos e passivos não implica automaticamente na sucessão universal, existindo um juízo de valor a ser feito pelo judiciário.
2.6.4. HSBC - Grupo Econômico Bamerindus
Trata-se recente decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho referente à reclamação trabalhista movida contra a empresa Umuarama Comunicações, que fazia parte do grupo econômico da empresa adquirida, Banco Bamerindus, mas que não fez parte da operação de aquisição dos ativos do mesmo pelo comprador, Banco HSBC.
201 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.096.916 - PA (2008/0209125-7). Terceira Turma. Brasília, 18 de junho de 2009. Disponível em: xxxxx://xx0.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxxxx/xxx.xxx?xxxxxxxxx000000000000&xx_xxxxxxxxxxx00/00/0000. Acesso em 15.01.2011
Como o Banco Bamerindus detinha uma participação societária na Umuarama Comunicações, foi requerida a sucessão do Banco HSBC para responsabilizá-lo solidariamente pelas verbas trabalhistas pleiteadas.
Conforme a própria decisão judicial sob análise aponta, a aquisição do Banco HSBC do fundo de comércio do Banco Bamerindus é notório e incontroverso, o que gera a sucessão para os propósitos trabalhistas.
Assim, aquele que compra a empresa, mesmo que apenas sua parte orgânico-funcional, e continua exercendo o mesmo ramo de negócio do sucedido, assume todas as obrigações decorrentes dos contratos de trabalho em vigor e/ou extintos, firmados pelo anterior empregador.202
Contudo, a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho proferiu decisão pelo afastamento da responsabilidade solidária do Banco HSBC sobre verbas trabalhistas em questão, sob o entendimento de que a sucessão trabalhista caracterizada entre o Banco HSBC e o Banco Bamerindus não se estende para empresas do grupo econômico do Banco Bamerindus que não foram adquiridas pelo comprador e que não fizeram parte do processo de aquisição.
Logo, uma vez caracterizada a sucessão trabalhista e não revelado nenhum intuito fraudulento na transação, passa o sucessor a responder pelos créditos trabalhistas advindos dos contratos de trabalho mantidos unicamente com a sucedida, excluídos aqueles das empresas integrantes do antigo grupo econômico desta.
Esta decisão demonstra o posicionamento jurisprudencial de que a regra que determina sucessão trabalhista entre o comprador e a empresa-alvo não abrange as demais empresas de seu grupo econômico desta.
Em outras palavras, uma vez caracterizada a sucessão trabalhista e não se verificando fraude na operação, o comprador passa a responder somente
pelos créditos trabalhistas decorrentes das relações trabalhistas da empresa- alvo, não sendo prolongada esta sucessão aos membros do grupo econômico da empresa sucedida.
2.6.5. Análise
Ao menos na esfera cível, podemos afirmar que não há que se falar em presunção juris et de jure203 de sucessão universal, pelo comprador, dos direitos e obrigações dos ativos adquiridos.
A tendência de interpretação das cortes pátrias em prol da sucessão, contudo, pode ser interpretada como uma presunção juris tantum,204 na qual o comprador terá oportunidade de demonstrar a eventual não-sucessão, dependendo dos termos e do tipo de Aquisição, sobre o qual deverá ser feito um juízo de valor pela tutela jurisdicional.
Realizando-se um contraste entre as duas decisões analisadas referentes ao Banco HSBC frente às contingências advindas da aquisição do Banco Bamerindus, notamos que a sucessão advinda da aquisição dos ativos da empresa-alvo implica numa presunção da sucessão de seus passivos, mas esta presunção não abrange extensivamente empresas que, na época da operação de M&A, faziam parte do grupo econômico da empresa-alvo, salvo em caso de fraude na aquisição.
É pertinente, em razão disto, que a sociedade adquirente faça constar no contrato de aquisição disposições específicas que delimitem exatamente quais os direitos e obrigações estão sendo assumidos, e, também, quais não estão.
Com isto, resta a possibilidade de que tais disposições, dependendo da formatação da operação de M&A, possam vir a ter o escopo de evitar que
203 Presunção absoluta, i.e., aquela que não admite prova em contrário.
204 Presunção relativa, i.e., aquela que admite prova em contrário.
demandas relacionadas à passivos não assumidos pelo comprador possam vir a não serem exigidas dele.
Contudo, a incerteza diante da efetividade de tais medidas perante terceiros, é recomendável que o comprador se acautele estabelecendo no contrato de aquisição as condições pelas quais o vendedor deverá indenizá-lo por perdas dos passivos que não tenham feito parte da composição do preço de aquisição, e, preferencialmente, estabelecendo formas de garantia para o cumprimento desta obrigação.205
Tais meios garantias serão o objeto de estudo do próximo capítulo, onde analisaremos o controle contratual de passivos em maior detalhe, assim como os demais itens deste trabalho.
205 Cf. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx de. BRAZIL In XXXXXXXXX, Xxxxxx. M&A – Protecting the Purchaser. Holanda: Kluwer Law International, 2005, p. 148.
3. O CONTROLE CONTRATUAL DE PASSIVOS
3.1. A Obrigação de Indenizar
But to paraphrase an old saw, 'stuff happens'.206
Para se proteger dos passivos da empresa-alvo que não foram assumidos na negociação, o comprador usualmente exige que o contrato de aquisição conte com disposições específicas de indenização, sendo que tal direito somente será efetivo enquanto o vendedor possa ser considerado solvente.207
É cabível delimitar se a obrigação de indenizar resultante da manifestação de vontade das partes em um contrato de aquisição consiste numa obrigação meramente contratual ou numa obrigação pós-contratual. Podemos dizer que, em contraste ao conceito de que o contrato retrata uma relação jurídica baseada em interesses contrapostos, uma operação de M&A reflete um vínculo contratual fundamentado em um conceito mais aproximado à colaboração objetivando a satisfação de ambas as partes, especialmente levando-se em consideração a aplicação do princípio jurídico da boa-fé objetiva nas relações contratuais.208
A responsabilidade pós-contratual consistiria na pós-eficácia das obrigações, derivada preliminarmente do conceito culpa post factum finitum, pela qual poderia ser verificada a existência de fatos lesivos posteriores à extinção do contrato que, de acordo com a boa-fé, geram responsabilidade e a obrigação de
206 LAJOUX, Xxxxxxxxx Xxxx. The art of M&A integration: a Guide to Merging Resources, Processes, and Responsibilities. Estados Unidos: McGraw-Hill Professional, 2006. Texto mantido no original, podendo ser livremente traduzido como “parafraseando um antigo ditado: cosias acontecem”.
207 Cf. XXXXXXXXXXX, Xxxxxx X. Mergers, Acquisitions, and Other Restructuring Activities. 0x Xx. Xxxxxxx Xxxxxx: Academic Press, 2003, p. 516.
208 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Responsabilidade Civil Pós-Contratual. In NERY JUNIOR, Xxxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx (Org.). Doutrinas Essenciais. Responsabilidade Civil. Volume II. Direito de Obrigações e Direito Negocial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 259.
indenizar.209 Um dos elementos constitutivos para a caracterização da eficácia pós-contratual é, portanto, a extinção do contrato pelo adimplemento. 210
O controle contratual de passivos decorre da manifestação da vontade das partes para criar uma obrigação do vendedor indenizar o comprador, e, logo, tais obrigações não são, por sua natureza, extintas com o fechamento da operação de M&A e com o adimplemento das obrigações principais, uma vez que tais obrigações, por sua própria natureza jurídica, são condicionais e somente serão exigíveis mediante a verificação de certas condições futuras e posteriores ao fechamento.
Neste caso, não há de se falar de extinção do contrato, uma vez que tais obrigações de indenização do vendedor são eficazes após o realização da operação e perduram pelo prazo contratualmente previsto. Deste modo, a obrigação de indenizar objeto da manifestação de vontade das partes no contrato de aquisição é uma obrigação contratual, e não implica em responsabilidade pós- contratual.211
Tal controle atinge o objetivo de instrumentalizar a alocação de riscos e de garantir ao comprador que o vendedor será responsável pelos passivos que não foram assumidos pelo comprador e considerados na composição do preço, bem como nas perdas e danos eventualmente sofridos pela sociedade adquirente e pela empresa-alvo em razão de tais demandas, das quebras das declarações e garantias prestadas, ou pelo descumprimento dos covenants assumidos pelo vendedor por ocasião da Operação de M&A.
A obrigação de indenizar não está restrita somente à cláusula de indenização. Esta cláusula estabelece os critérios e mecanismos pelos quais o
209 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Responsabilidade Civil Pós-Contratual. In NERY JUNIOR, Xxxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx (Org.). Doutrinas Essenciais. Responsabilidade Civil. Volume II. Direito de Obrigações e Direito Negocial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 274.
210 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Responsabilidade Civil Pós-Contratual. In NERY JUNIOR, Xxxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx (Org.). Doutrinas Essenciais. Responsabilidade Civil. Volume II. Direito de Obrigações e Direito Negocial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 275.
211 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Responsabilidade Civil Pós-Contratual. In NERY JUNIOR, Xxxxxx; XXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx (Org.). Doutrinas Essenciais. Responsabilidade Civil. Volume II. Direito de Obrigações e Direito Negocial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 275.
direito à indenização será exercido, mas os elementos necessários para tanto se encontram em outras disposições do contrato de aquisição.212
Em razão disto, podemos entender que a Controle Contratual de Passivos é um sistema de instrumentos que permitem ao comprador (i) identificar quais passivos e demandas são elegíveis para indenização; (ii) identificar quem são as partes responsáveis por tal indenização; e (iii) exigir tal indenização dos responsáveis.
Os contratos de M&A celebrados no Brasil devem também levar em consideração os aspectos da legislação e cultura jurídica pátrios quanto à obrigação de indenizar, para que sejam corretamente redigidos e estruturados de acordo com o direito nacional, uma vez que os termos ou mecanismos utilizados em transações internacionais não necessariamente mostrar-se-ão efetivos quando submetidos à Justiça Brasileira.213
Cabe inicialmente, portanto, estudar qual a natureza da obrigação de indenizar. Inicialmente, notamos que esta obrigação assumida pelo vendedor em um contrato de M&A é condicionada e se torna exigível somente mediante a existência de uma demanda referente à um passível elegível de indenização, em termos e condições contratualmente estabelecidos. Nota-se, portanto, que a exigibilidade da obrigação depende da verificação de um evento futuro e incerto, como condição suspensiva.
Por tais características podemos entender que esta obrigação pode ser classificada como uma obrigação condicional214, com a seguinte definição nos termos do Art. 121 o Código Civil: “Considera-se condição a cláusula que,
212 Cf. XXXX, Xxxxxxx; XXXXX, Sergio Varella. Due Diligence - Identificando contingências para prever riscos futuros. In XXXXX, Xxxxx (Org). Fusões e Aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002., p. 206
213 Cf. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx de. BRAZIL In XXXXXXXXX, Xxxxxx. M&A – Protecting the Purchaser. Holanda: Kluwer Law International, 2005, p. 148.
214 Pontes de Xxxxxxx faz a distinção entre os atos jurídicos condicionáveis e atos jurídicos incondicionáveis, afirmando que, em regra, os negócios jurídicos são condicionáveis, salvo as exceções referentes à natureza do negócio pretendido ou de lei, não sendo esses, decerto, os casos da obrigação de indenizar, que é, destarte, condicionável, cf. XXXXXXX, Xxxxxx de; Tratado de direito privado. Tomo V. Campinas: Bookseller, 2000, p. 154.
derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.”
Com efeito, neste caso a condição subordina a eficácia da obrigação de indenizar à evento futuro e incerto, que, no caso específico, é a verificação da existência de um passivo indenizável que atenda aos critérios estipulados pelo contrato de aquisição. Diante disto, não possuí o comprador qualquer direito de exigir a obrigação de indenizar do vendedor sem a verificação da condição prevista pela vontade das partes. Conforme ensina Xxxxxxx Xxxxx:
O efeito do vinculum iuris está suspenso, não adquirindo o sujeito ativo o direito a que visa. Por isto mesmo, pendente a condição suspensiva, a obligatio não exprime, nem pode exprimir um débito – nihil interim debtur – , traduzindo apenas uma expectativa de direito, sem ação correspondente.215
Deste modo, podemos entender que a obrigação em questão estará subordinação à condição suspensiva explicitada no texto legal, bem como às condições resolutivas da própria obrigação. Sobre o tema, elucida Venosa:
A questão que se levanta é sobre a situação jurídica da obrigação que está sob condição suspensiva antes do implemento. O credor possui um direito eventual. Não existe a obrigação, não podendo o credor exigir seu cumprimento,enquanto não ocorre o implemento. Frustrada a condição, por outro lado, a obrigação deixa de existir. Aqui reside a maior distinção com as obrigações a termo, nas quais o direito existe logo.216
Por se tratar de um direito eventual, a sociedade adquirente, até o implemento da condição suspensiva, terá um direito incompleto, em formação.217 Esta definição amolda-se ao conceito da obrigação de indenizar nos contratos de
215 XXXXX, Xxxxxxx. Instituições de Direito Civil. Volume II. 16a Edição. Editora Forense, 1998, p. 82.
216 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Contratos em Espécie. vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 128.
217 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Contratos em Espécie. vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 128.
M&A, uma vez que estas obrigações não existem enquanto não se verificarem as condições suspensivas para as mesmas, qual seja, a existência de uma demanda referente à um passivo indenizável. Apenas poderá o comprador exigir indenização por um passivo mediante satisfação das condições contratualmente previstas.
Daí a fundamental importância do adequado mapeamento, no instrumento, dos passivos não-indenizáveis. Com base nele, pode-se chegar a conclusões céleres sobre a classificação de determinado passivo como indenizável ou não, sendo que, no último caso, esta classificação terá o escopo de satisfazer a condição suspensiva da obrigação de indenizar, que, salvo disposição diversa no contrato de aquisição, é imediatamente exigível, por força do art. 332 do Código Civil, que reza: “As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição, cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor.”
A exigibilidade dependerá, também, da ciência da sociedade vendedora, o que é uma obrigação da sociedade adquirente218 que geralmente é estipulada no próprio contrato de aquisição como incumbência da sociedade adquirente e como o evento que tornará a obrigação de indenizar exigível contra a vendedora.
A obrigação de indenizar pode ainda ser classificada como acessória em relação à obrigação principal da operação de M&A, que é a venda da empresa-alvo, uma vez que a existência da primeira depende da segunda,219 sendo tal característica não decorrente de lei, mas da própria estrutura contratual, fruto da vontade manifestada pelas partes no contrato de aquisição.220
218 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Contratos em Espécie. vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 129.
219 XXXXX, Xxxxxxx. Instituições de Direito Civil. Volume II. 16a Edição. Editora Forense, 1998. p. 84.
220 XXXXX, Xxxxxxx. Instituições de Direito Civil. Volume II. 16a Edição. Editora Forense, 1998. p. 84.
Por esta razão, pode ser aduzido, segundo a doutrina, que a ineficácia da obrigação de indenizar, na qualidade de acessória, deixaria incólume o negócio jurídico principal da venda da empresa-alvo.221
Embora, em tese, conforme já foi visto anteriormente neste trabalho, a liberdade das partes pode dispor de modo diverso, sem afetar a classificação acessória da obrigação de indenizar, há de se ponderar acerca das dificuldades intrínsecas – de ordem jurídica e prática – de criar-se um mecanismo contratual pelo qual a ineficácia da obrigação de indenizar poderia atingir o negócio principal do contrato de aquisição, especialmente se já transitado uma dilação temporal razoável entre um e outro evento.
Feitas as ponderações acerca da classificação jurídica da obrigação de indenizar, é pertinente avançar sobre os dispositivos específicos pelos quais as partes estabelecem os critérios pelos quais esta obrigação poderá ser exigida pelo comprador, de modo a satisfazer de forma segura a necessidade de ambas as partes.
3.1.1. A Identificação dos sujeitos ativos e passivos da obrigação de indenizar
Mister incluir na cláusula de indenização a identificação precisa de quais partes do contrato de aquisição serão responsáveis por indenizar, e quais terão direito a tal indenização, de modo e evitar discussões futuras. A primeira vista, em operações mais simples, tal identificação é auto-evidente, e portanto a disposição expressa poderia ser interpretada como formalismo.
Contudo, é usual que nas Operações de M&A constem uma grande diversidade de partes, intervenientes e garantidores, em capacidades jurídicas
221 XXXXX, Xxxxxxx. Instituições de Direito Civil. Volume II. 16a Edição. Editora Forense, 1998. p. 86, e XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. Volume 3. São Paulo: Editora Saraiva, 1997, p. 35.
distintas, e nestes casos a identificação precisa e expressas daqueles sujeitos ativos e passivos da relação obrigacional de indenização torna-se fundamental, especialmente no que tange à requerida celeridade da eventual execução da obrigação.
3.1.2. Os Critérios de identificação dos passivos indenizáveis
O Critério de identificação dos passivos indenizáveis deve ser estabelecido na cláusula de indenização. Os elementos necessários, contudo, serão em encontrados em partes diversas dos instrumentos que compõe a operação de M&A.222
Em linhas gerais, são passivos indenizáveis:
(a) Os passivos ocultos, que eram desconhecidos pelo comprador, não tendo sido objeto de revelação pela sociedade vendedora nas declarações e garantias, ou de descoberta pelo comprador no processo de due diligence e não constam nos respectivos relatórios; e
(b) Os passivos não-assumidos pelo comprador, que são aqueles passivos dos quais o comprador tinha conhecimento, seja por revelação do vendedor, seja por descoberta em auditoria, e acerca dos quais restou negociado entre as Partes que não seriam assumidos pelo comprador, permanecendo o vendedor responsável pelos mesmos de forma expressa no Contrato.
A contrario sensu, pode-se dizer também estabelecer que, por exclusão, os passivos indenizáveis são aqueles não relacionados ou de alguma forma classificáveis como passivos não-indenizáveis nos termos do contrato de aquisição.
222 XXXX, Xxxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. The Art of M&A: A Merger, Acquisition, Buyout Guide. Estados Unidos: MgGraw-Hill Professional, 2007, p. 371
O resultado de ambos os critérios em tese não deveria divergir, considerando-se que os passivos indenizáveis são aqueles estipulados pelos instrumentos de aquisição, incluindo as declarações e garantias do vendedor e os relatórios de auditoria. Salvo tais passivos cuja responsabilidade foi assumida pela sociedade adquirente e que por consequencia tornaram-se não-indenizáveis, os demais, conhecidos ou não, serão elegíveis para indenização pela sociedade vendedora.
Em certos casos, o Vendedor pode desejar incluir critérios e condições para o exercício do direito de indenização, tal como o critério de materialidade, pelo qual a sociedade vendedora pode estabelecer um valor de corte, abaixo do qual o comprador não poderá exigir indenização ou reembolso. Tal medida tem o escopo de proteger o vendedor de ver a cláusula de garantia acionada com questões de baixo valor.223
Este critério também pode ser estabelecido, genericamente, como de passivos que venham a afetar materialmente as atividades da sociedade adquirente e da empresa-alvo.
O termo materialmente é originário dos contratos do direito consuetudinário norte-americano, e vem encontrando progressiva utilização e aceitação no direito Brasileiro. Ela tem por objetivo expressar “alterações substantivas nos direitos e obrigações dispostos originalmente pelas partes em pacto de natureza privada”224
223 No common law, este valor mínimo ou piso é denominado basket, cf. XXXXXX, Xxxx. XXX, Xxxxxx. The corporate, securities, and M&A lawyer's job: a survival guide. Estados Unidos: APA Publishing, 2007, p.9.
224 XXXX, Xxxxx Xxxxxx. A Cláusula MAC (Material Adverse Change) em contratos de M&A no direito comparado (EUA e Reino Unido) In Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo: Editora XX, 0000, n. 45, p. 154.
3.1.3. O Dever de Notificação
O dever de notificação é uma obrigação contratual estipulada como um mecanismo de segurança para as Partes. O comprador passa a dispor de um documento evidenciando que o vendedor tem ciência do passivo, e o vendedor, por sua vez, tem a segurança de ter o conhecimento dos passivos ocultos que, até determinado momento, foram localizados.
Podemos falar em um dever do comprador de notificar porque a notificação é um pré-requisito do exercício do direito de garantia pelo comprador contra o vendedor, e também como um principio geral da boa-fé objetiva, conforme visto anteriormente neste trabalho, uma vez que a não interpelação por um prolongado período de tempo poderia, tem tese, dar margem à que o vendedor venha a alegar, com base no instituto do supressio,225 a perda do direito do comprador de exigir a indenização.
A notificação também pode envolver terceiros e ter repercussões em determinados tipo de garantia, sendo o instrumento pelo qual o comprador cientifica o vendedor de um novo passivo ou do fato de que um passivo se tornou exigível. No caso de conta de depósito em garantia, a instituição financeira, notificada nos termos e critérios estabelecidos pelo contrato de aquisição, manterá reservada parte do saldo até sua liberação.
Também faz parte da prática das operações de M&A que o contrato de aquisição estipule que outros envolvidos – tais como os sócios das vendedora ou advogados das partes – recebam cópias das notificações, assim como indique quais documentos devam instruir a notificação, para que o vendedor possa, ao mesmo tempo, ter os documentos atestando a existência da demanda e possa analisar a viabilidade de defesa.
225 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 422.
Em se tratando do direito pátrio, podemos citar o que reza o Art. 397 do Código Civil Brasileiro:
Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.
Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.
É cabível, neste ponto, fazer a distinção entre mora ex re e mora ex persona. A primeira é conceituada no caput do referido artigo, e é embasada no fato de que o devedor sabe, de antemão, a data exata do vencimento da obrigação, e em razão disto o mero inadimplemento já coloca o devedor em mora.226 Já no caso da mora ex persona, tipificada no parágrafo único do mesmo artigo, refere-se ao caso em que a mora é constituída mediante interpelação. 227
Há de se fazer uma distinção, no caso do dever de notificação da obrigação de indenizar, pois esta não tem propriamente o objetivo de constituir o vendedor mora, uma vez que a obrigação de indenizar passa a ser exigível após o recebimento de interpelação pelo comprador, e somente nos termos previamente discutidos e acordados pelas partes no contrato de aquisição.
Isto decorre do fato de que, como vimos, a obrigação de indenizar advém da manifestação da vontade das partes, dentro da autonomia contratual, gerando uma obrigação condicionada a evento futuro. A mera identificação do passivo indenizável, ou seja, da condição suspensiva que dará eficácia à obrigação de indenizar, não constituí o devedor em mora, pois é necessário que o comprador venha a caracterizar tal fato perante o vendedor, mediante uma interpelação conforme o rito previsto pelas partes no contrato de aquisição, que
226 Neste sentido: VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 401 e XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume I. Segunda Edição. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 397.
227 Neste sentido: VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. Oitava Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p. 401 e XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume I. Segunda Edição. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 398.
deve também usualmente prever o prazo e as condições pelas quais o vendedor deverá adimplir sua obrigação de indenizar.228
Assim sendo, mediante o inadimplemento, pelo vendedor, da obrigação de indenizar positiva e líquida em conformidade com as obrigações assumidas, e no termo previsto pelo contrato de aquisição, após a verificação do evento que dê eficácia a esta obrigação e da competente notificação do comprador, aplicar- se-ia, a regra do adágio dies interpellat pro homine229 e, conforme o caput do referido dispositivo legal, estaria constituída a mora230 de forma automática, de modo que o termo, por si só, seria suficiente para a produção dos efeitos da mora. 231
A função da notificação de convocar o vendedor a adimplir a obrigação de indenizar no termo acordado entre as partes no contrato de aquisição,232 não deve ser prejudicada pela discussão do quantum do débito, uma vez que a discussão sobre o valor, caso este venha a ser considerado excessivo pelo vendedor, deve ser feita por meio próprio, como, por exemplo, por ação de consignação em pagamento.233
A prática contratual em operações de M&A é á de regular-se os efeitos da notificação através do contrato de forma abrangente, porque em muitos casos
228 Afirma Nelson Nery Junior que “a mora tem como pressupostos (i) a obrigação positiva (certa) e líquida; (ii) o vencimento da obrigação; (iii) a interpelação ou a existência de termo; (iv) a inexecução culposa; e (v) a possibilidade de ainda haver recebimento da prestação, cf. XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Soluções práticas de direito. Volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
229 Expressa latina que pode ser traduzida como “o termo interpela em lugar do credor”.
230 Esta hipótese presume que o contrato de aquisição preveja um termo para o adimplemento da obrigação de indenizar, como é a prática do mercado, e, findo o prazo, o vendedor estaria constituída a mora de pleno direito. Na hipótese contrária, ou seja, caso o contrato de aquisição seja silente quanto ao termo, o comprador devera indicar um prazo razoável para que o vendedor venha a adimplir sua obrigação na notificação. Observa-se que, em ambos os casos, é necessária a notificação do comprador ao vendedor, e a constituição em mora ocorre após o termo da obrigação, seja este estabelecido pelo contrato de aquisição, conforme a primeira hipótese, ou pela notificação do comprador, conforme a segunda.
231 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Soluções práticas de direito. Volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 520.
232 Ou, alternativamente, pelo prazo estabelecido pela notificação, levando-se em conta a segunda hipótese da nota anterior, ou seja, no caso do contrato de aquisição nada dispor acerca do termo para a obrigação de indenizar.
233 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx de. Código civil interpretado conforme a Constituição de República. Volume I. Segunda Edição. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 397.
não é possível o estabelecimento imediato de um termo de pagamento. Em certos casos, as contingências indenizáveis não são imediatamente exigíveis e podem ser objeto de defesa, através de processos administrativos ou judiciais que por vezes podem se prolongar por anos.
É por esta razão que em certas operações as partes optem por estabelecer duas formas de notificação: (a) uma notificação preliminar, quando uma nova contingência indenizável é identificada, para que o vendedor possa tomar conhecimento e analisar a possibilidade de defesa;234 e (b) uma notificação para pagamento,235 quando a contingência tornar-se exigível, conforme será visto mais detalhamento no item “momento da indenização” deste trabalho.
3.1.4. O Dever do comprador de Defender a Contingência
As Contingências de responsabilidade do Devedor, quando líquidas, certas e exequíveis geralmente são objeto de pagamento e ressarcimento nos termos do contrato de aquisição. Quando são Contingências potenciais, ilíquidas ou que de outro modo dependem de decisões judiciais ou administrativas, geralmente devem ser defendidas. O Vendedor tem como meio de segurança fazer com que o contrato de aquisição estipule o dever do comprador de defender tal Contingência de forma competente.
O objetivo é que o vendedor se proteja de arcar com os sacrifícios materiais referentes a Contingências potenciais que poderiam ser evitadas se defendidas adequadamente, estipulando tal defesa como pré-requisito para sua responsabilidade.
234 No caso de novas contingências. Conforme vimos anteriormente, as partes podem ajustar no contrato de aquisição que certas contingências conhecidas e declaradas, especialmente processos judiciais já ajuizados, fiquem sendo de responsabilidade do vendedor. Logo, neste caso, não haveria motivo para uma notificação preliminar, mas tão-somente a notificação para pagamento, quando do transito em julgado de sentença condenatória.
235 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Novos princípios contratuais e teoria da confiança: a exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers. Temas de Direito Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 271-273.
A obrigação do comprador, portanto, é uma decorrência do próprio princípio da boa-fé objetiva, que, como vimos, compele as partes contratantes a agirem de modo a evitar o dano da outra parte e adimplir o contrato com um elevado padrão de conduta, o que neste caso se reflete no comprador defender de modo efetivo a contingência de modo a não gerar uma perda desnecessária a ser indenizada pelo vendedor.
O contrato de aquisição também deve alocar a responsabilidade pelos custos de defesa entre o comprador e o vendedor estipulando critérios para tanto. Usualmente, caberá ao comprador arcar com todos os custos, que deverão ser reembolsados pelo vendedor em certos casos.
Dependendo do formato de aquisição, é possível que o vendedor tenha conhecimentos específicos sobre as Contingências essenciais para a defesa do qual o comprador não disponha com facilidade. De um modo geral é do interesse do vendedor auxiliar com a defesa, uma vez que seria responsável pela Contingência. Em razão disto, é usual que os Contratos de Aquisição estipulem que a sociedade vendedora terá a obrigação de colaborar com a defesa.
A não-colaboração pelo vendedor na defesa, especialmente quando contar informações essenciais, terá peso em sua obrigação de reembolsar a Contingência, não podendo o vendedor alegar posteriormente que a Contingência era evitável quando deixou de fornecer ao comprador oportunamente as informações necessárias para a defesa.
A obrigação do vendedor de colaborar com a defesa também é uma obrigação advinda do princípio da boa-fé objetiva acerca da lealdade, transparência e fornecimento das informações necessárias, mesmo após o período contratual.236
236 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Vol 02. Décima Edição. São Paulo: Atlas, 2010, p 391.
3.1.5. O Direito do vendedor de Defender a Contingência
Como decorrência natural da obrigação da sociedade adquirente de Defender a Contingência, em certos casos o contrato de aquisição pode conceder ao vendedor o direito de assumir diretamente a defesa de uma Contingência.
Deve-se falar de uma faculdade a ser exercida ao critério do vendedor, e não de um dever, pois a obrigatoriedade deve restar com o comprador, que é aquele que, de fato e de direito, está à frente do negócio. Contudo, em certos casos o vendedor pode entender que possuí conhecimentos específicos sobre determinadas contingências que o permitiriam ter maiores chances de sucesso em um processo judicial, razão pela qual pode vir a exercer a prerrogativa de dirigir a defesa da empresa-alvo.
Estas cláusulas costumam apresentar certo grau de complexidade, uma vez que esta faculdade significará que a pessoa jurídica da empresa-alvo, sob o controle do comprador, será defendida pela sociedade vendedora, inclusive, em certos casos, outorgando uma procuração para os advogados contratados pelo vendedor, que terão que, neste caso, que defender a empresa- alvo.
Não se trata propriamente de substituição processual, embora possa ser estipulado contratualmente que o vendedor deva apresentar-se no processo requerendo seja colocado na posição processual da empresa-alvo, requerendo a exclusão da lide do comprador e até mesmo da empresa-alvo, colocando-se como responsável.
O exercício desta faculdade dá ao vendedor toda a capacidade de exercer a melhor defesa possível, mas implica na assunção integral de todas as perdas que a Contingência venha a causar à empresa-alvo ou ao comprador, até como desdobramento do princípio da boa-fé objetiva.
3.1.6. O Direito do vendedor de aprovar acordos sobre os passivos
Nas hipóteses onde o passivo é de responsabilidade do vendedor mas sua defesa é patrocinada pelo comprador, pode surgir um conflito de interesses do comprador no momento de realização de um acordo ou transação que tenha por objetivo por fim à cobrança.
Em razão disto, é recomendável a inclusão de uma disposição contratual que condicione a obrigação de reembolso do vendedor à sua prévia aprovação do acordo. De outro modo, o vendedor poderia estar sujeito ao pagamento de uma contingência que ele considera indevida, ou por um valor acima do que consideraria razoável.
Embora esta disposição não seja expressa em todos os Contratos de Aquisição, trata-se de um princípio geral a obrigação de reembolsar, e, por precaução, seria recomendável, mesmo neste caso, que o comprador venha a obter a concordância da sociedade vendedora antes de qualquer acordo, para evitar discussões acerca da exequibilidade do reembolso.
Também aqui deve-se utilizar o princípio da boa-fé objetiva para elucidar as obrigações das partes e a forma de adimplemento, no sentido de que a concordância do vendedor, que é o responsável pela indenizar, visa coibir que o comprador, por erro ou por dolo, venha a gerar prejuízos ao vendedor ao celebrar acordo acerca de uma contingência defensável, ou acerca da qual um acordo mais vantajoso poderia ser obtido.
Como se vê, uma disposição contratual comum em operações de M&A do direito consuetudinário pode ser interpretada como uma obrigação lateral decorrente do princípio da boa-fé acerca do cuidado que uma parte contratante deve ter ao evitar danos ou prejuízos à outra, demonstrando uma consonância entre a vontade expressa das partes no instrumento contratual e as obrigações inafastáveis advindas do supracitado princípio
3.2. Formas de Garantia.
3.2.1. Conta de Depósito em Garantia (Escrow Account)
Trata-se de uma conta na qual a sociedade adquirente deposita parte do valor da compra, sendo tais valores mantidos em garantia às obrigações do vendedor, estipulando-se sua liberação de acordo com um cronograma.237 Geralmente trata-se de uma condição utilizada quando os ativos apresentam maior risco ou houve pouco tempo para auditoria, e, em certos casos, a liberação é vinculada a uma auditoria pós-fechamento238.
As condições para liberação da conta de depósito em garantia são estipuladas no contrato e o valor é depositado e gerido por uma instituição financeira. Desta forma, o vendedor tem a garantia de que a sociedade adquirente efetuou o desembolso, mesmo antes que a sociedade vendedora tenha acesso aos recursos. Este tipo de garantia encontra boa aceitação nos Estados Unidos e em países da Europa.239
Acerca deste tema, os autores Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx e Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxx resumem:
Onde houver dúvidas acerca da capacidade do vendedor de cumprir suas obrigações (...), pode ser aconselhável colocar parte do preço de compra numa conta de escrow para servir como garantia para o
237 XXXXXX, Xxxx. XXX, Xxxxxx. The corporate, securities, and M&A lawyer's job: a survival guide. Estados Unidos: APA Publishing, 2007, p.9.
238 Cf. XXXXXX, Xxxxxx X. Applied Mergers and Acquisitions. Estados Unidos: Wiley & Sons, 2004. p. 768.