ISSN 1127-8579
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Pubblicato dal 24/06/2010
All'indirizzo xxxx://xxx.xxxxxxx.xx/xxxx/00000-x-xxxxxxxx-xx-xxxxxx-xxxxxxxx-xxxx-x-xx- consumo
Autori: Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx
O contrato de seguro enquanto relação de consumo
O CONTRATO DE SEGURO ENQUANTO RELAÇÃO DE CONSUMO
Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx
Professor da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal da Universidade Federal de Uberlândia (FACIP/UFU). Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Doutorando em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG)
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx
Bacharelanda em Direito pela Faculdade Politécnica de Uberlândia
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Histórico. 3. Conceito.
4. Elementos. 5. Requisitos. 6. O contrato de seguro enquanto relação de consumo. 7. Conclusão.
RESUMO: Em face da flagrante disparidade econômica entre as partes, o contrato de seguro está sujeito a cláusulas que podem causar um desequilíbrio significativo entre segurado e segurador. Não sem motivo, o legislador inseriu no art. 3º § 2º da Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) como objeto da relação de consumo, os serviços de natureza securitária, e por isso sujeita as normas do mencionado Código. Assim, o presente estudo tem por finalidade abordar de forma genérica o dever do segurador, em informar ao segurado, previamente à contratação, as cláusulas limitativas de direito constantes do contrato de seguro.
Palavras-chave: Seguro. Cláusulas Limitativas. Consumo.
ABSTRACT: In the face of glaring economic disparity between the parties, the insurance contract is subject to restrictions, which may cause a significant imbalance between the insured and insurer. Not without reason, the legislature inserted in art. 3
§2º of Law nº 8.078/90 (Code of Consumer Protection) as the object of the ratio of consumption, services securitarian nature and therefore subject to the provisions of
said Code. Thus, this study aims to address in a general way the duty of the insurer to inform the insured, prior to hiring, the restrictive clauses of law in the contract of insurance.
Keywords: Insurance. Restrictive Clauses. Consumption.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa a abordar genericamente o contrato de seguro enquanto relação de consumo, previsto no Código Civil em seus arts. 757 e seguintes e pelo art. 3° § 2° da Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Comentar-se-á sobre o seguro enquanto contrato de adesão, dada a uniformização das cláusulas contratuais e a massificação de atividades das companhias seguradoras, além da consequente vulnerabilização do segurado-consumidor; e se analisará a questão das cláusulas limitativas, que podem ocasionar desequilíbrio econômico entre o segurado e o segurador, e da necessária composição equitativa dos interesses que consubstanciam o contrato de seguro.
2. HISTÓRICO
Não há referências históricas sobre o momento preciso em que surge o seguro enquanto contrato stricto sensu, no sentido de alguém (segurador) se obrigar, mediante o pagamento de determinada quantia, a garantir interesses legais e legítimos de outrem (segurado) referentes a pessoas ou bens, contra riscos previamente ajustados entre as partes.
Figuras similares, tomadas por primórdios do seguro, consubstanciavam-se no chamado contrato de risco, a assunção do ressarcimento por uma das partes caso houvesse o dano à outra previsto contratualmente. Entretanto, tal acordo resumia-se a uma ou poucas cláusulas de um contrato global – como por exemplo uma compra e venda –, em que um contratante buscava dar maiores garantias de solidez do negócio ao outro contratante; não havia, portanto, o fim precípuo de se responsabilizar por eventuais danos sofridos pela outra parte – não sendo assim, propriamente um contrato autônomo de seguro, na acepção técnica da expressão.
Ainda, há relatos da Antiguidade que mencionavam garantias ancestrais do seguro prestadas pelos comerciantes de camelos (cameleiros) do extremo Oriente:
estes percorriam um longo trajeto com suas caravanas, para poderem comercializar seus camelos; como neste percurso muitos animais morriam, os membros do grupo de cameleiros, através de um pacto de mutualismo1, cobriam os prejuízos do cameleiro que perdeu o animal a fim de preservar o equilíbrio econômico do grupo. Os fenícios também praticavam o mutualismo: o membro do grupo que perdia sua embarcação era recompensado com outra pelos outros membros do grupo.
Busca-se conferir, a título de marco histórico, contratos de dinheiro ou mercadoria a risco firmados no Direito Romano, onde o bem transportado em alto- mar, ao perecer ou se destruir no mar, sujeitava os comerciantes ao respectivo ressarcimento. É verdade que os autores que escreveram sobre Direito Natural no Século XVII e que tiveram por sistema a vinculação de todas as instituições ao Direito Romano, pretenderam que os romanos tivessem conhecido e praticado o seguro marítimo; mas esta opinião não tem mais defensores e hoje se reconhece, geralmente, que o contrato de seguro foi ignorado pela Antiguidade e mesmo pela Idade Média2.
Destarte, observa-se que o contrato de seguro em suas atuais nuances tem seu surgimento recente, resultante da junção e aperfeiçoamento de dispositivos de proteção e segurança constantes de vários outros contratos autônomos, e que, justamente por se encontrarem divididos – portanto incompletos e insuficientes à configuração de um contrato independente –, não confere status para ser elencado como um acordo autônomo de vontades.
Os primeiros relatos de um contrato autônomo de seguro datam do Século XIV, na Itália: em 1347, na cidade de Genova, foi firmado o primeiro contrato de seguros semelhante aos moldes atuais, sendo a primeira emissão de uma apólice realizada em Pisa no ano de 1385. Celebrava-se então o seguro marítimo, que tinha por objeto o seguro circunspecto aos riscos do mar.
Entrementes, tal responsabilidade era assumida de maneira isolada pelos comerciantes, e o ressarcimento não correspondia necessariamente ao valor do dano; o quantum devido a título de indenização variava principalmente em função da
1 Perfunctoriamente, na Biologia o mutualismo consiste numa relação entre duas espécies em que ambas se beneficiam reciprocamente. Transportado para o Direito, e em específico para o campo securitário, pode ser entendido como a relação entre pessoas que tem por objeto a proteção recíproca de interesses, valendo-se para tanto de um fundo monetário comum para atender às necessidades de um ou mais componentes do pacto.
2 XXXXXX, Xxxxxx. Traité de Droit Maritime. França: Paris, 1928, tomo IV, p. 216.
oferta e procura, ou seja, de quanto era previamente combinado entre segurador e segurado – o que diminuía em muito a indenização, vez que a indenização tinha por parâmetro a especulação nos portos, e não necessariamente o grau de possibilidade de ocorrência do risco.
No Século XVII, anota-se o surgimento dos Seguros Terrestres, e em especial os seguros de Incêndio e Vida. Precisamente em Londres, na Inglaterra, onde ocorreu um incêndio de proporções catastróficas em 1666 – onde foram consumidas pelo fogo 13.200 casas e 89 igrejas, deixando desabrigadas mais de 20.000 pessoas –, deu-se o impulso para o surgimento das primeiras companhias seguradoras, onde o Seguro Terrestre seria a tônica dos negócios, em nada se confundindo com os da área marítima.
No Século XIX, observa-se o advento de várias outras modalidades de seguro, tais como a de responsabilidade civil, de acidentes pessoais ou do trabalho, furto, roubo, locação, enfim, qualquer risco que redundasse em prejuízo que pudesse ser economicamente avaliável. Para tanto, adotava-se as mesmas regras dos seguros predecessores, apenas tendo-se o cuidado de se adequá-las ao tipo de risco contratado.
Outrossim, o seguro ainda era regido pelos costumes; só se criou legislação específica no Século XIX, tendo por marco inicial o Código Comercial Francês de 1807, o qual tratava do seguro marítimo. Em seguida, o Código Holandês, em 1838, versava sobre os seguros terrestres, seguido pelos demais sistemas codificadores europeus.
Frise-se que, segundo leciona Xxxxx Xxxxx:
Os seguros começaram a se desenvolver no Brasil a partir de 1808, com a chegada da família real portuguesa e a consequente abertura dos portos às nações estrangeiras, realizada por Xxx Xxxx XX. Neste mesmo ano foi autorizado o funcionamento das primeiras companhias seguradoras brasileiras, ambas com sede na Bahia. A primeira denominava-se Boa-fé e a segunda Conceito Publico3.
Ainda no Brasil, o seguro foi legislado pela primeira vez em 1850, em que o Código Comercial tratou da modalidade marítima. Com relação aos seguros de pessoas, o Código Comercial vedava o seguro de vida de pessoas livres, admitindo apenas o seguro sobre a vida de escravos, por serem estes objetos de propriedade.
3 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de. Contrato de Seguro: Interpretação doutrinária e jurisprudencial. Campinas: LZN Editora, 2002. p. 05.
No entanto, em 1855, surgiu a Cia. Tranquilidade, a primeira companhia autorizada a operar seguros de vida de pessoas livres e de escravos, vindo a substituir, as então únicas seguradoras autorizadas a operar no Brasil após a independência: as estrangeiras Garantia, portuguesa, e a Royal Insurance, inglesa.
Em 1901 foi criado o Decreto nº 4270, conhecido como Regulamento Marítimo, e foi o primeiro regulamento abrangente, regulando as operações de seguros e criando a Superintendência Geral dos Seguros. Este decreto foi modificado pelo Decreto nº 5072, de 1902, por conter medidas muito restritivas.
Com a promulgação do Código Civil em 1916, os Seguros Terrestres em geral, inclusive o de Vida, foram regulamentados e passaram a adotar a estrutura básica que o instituto possui atualmente. Ressalte-se a exceção do Seguro Marítimo por estar regulado no Código Comercial.
Em 1934 foi criado o Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização (DNSPC), substituindo a então Inspetoria de Seguros, a sucessora da Superintendência Geral de Seguros. E em 1935 surgiu a promissora Atlântica Companhia Nacional de Seguros, atualmente conhecida como Bradesco Seguros, que viria a ser a maior companhia da América Latina.
Já no ano de 1939 foi criado o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), órgão responsável por zelar, regular e manter o equilíbrio econômico-financeiro do mercado de resseguro. E em 1966 com o Decreto nº 73, criou-se o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), com a atribuição de fixar normas e diretrizes da política nacional de seguros privados e a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro; extinguindo o Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização (DNSPC).
3. CONCEITO
De acordo com o conceito clássico, contrato é o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas que transferem entre si algum direito ou se sujeitam a alguma obrigação. Entretanto, com a mudança do paradigma normativo da propriedade para a pessoa humana, tal definição sofreu mudanças: passou-se então a se conceber o contrato como negócio jurídico bilateral, entabulado pelas partes com o fim precípuo
de produzir efeitos específicos entre elas e difusos em relação à sociedade.
Isto se dá porque no Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, inicia-se o Estado Democrático de Direito: os direitos e garantias do indivíduo enquanto ser humano são alçados ao status de fundamentais, sobrepondo-se assim aos bens enquanto núcleos estruturantes da relação jurídica e da própria sociedade, pelo que justamente à CF/88 deu-se o epíteto de “Constituição Cidadã”.
Oportuno é lembrar que a finalidade precípua da norma jurídica é regular a conduta do indivíduo, de forma a se obter uma harmonia entre os direitos subjetivos dos membros da sociedade. Através do reconhecimento de direitos e imposição de obrigações, atinge-se um ponto de equilíbrio entre a liberdade individual e o interesse social, e bem assim, a consonância com a evolução da coletividade.
Destarte, a nova principiologia contratual prioriza entre outros o interesse social, fato que é demonstrado pela positivação de tal princípio no art. 421 do Código Civil, de 2002, o qual preconiza que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Uma vez relativizada, a vontade deixa de ser a mola mestra do contrato para ser um meio para a consecução dos fins contratuais em consonância com a ordem social. Nesse sentido, Xxxxx bem elucida:
Como se pode concluir a mesma Revolução Industrial que gerou a principiologia clássica, que aprisionou o fenômeno contratual nas fronteiras da vontade, esta mesma Revolução trouxe a massificação, a concentração e, como conseqüência, as novas formas de contratar, o que gerou, junto com o surgimento do estado social, também subproduto da Revolução Industrial, uma checagem integral na principiologia do Direito dos Contratos. Estes passam a ser encarados não mais sob o prisma do liberalismo, como fenômenos da vontade, mas antes como fenômenos econômico-sociais, oriundos das mais diversas necessidades humanas. A vontade que era fonte passou a ser veio condutor4.
Por consequência, não só o interesse social ditará a regularidade do contrato, mas também elementos intrínsecos. Conforme doutrina Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx:
Embora nossos Códigos possuam normas gerais de contratos, as verdadeiras regras gerais do direito contratual são as mesmas para todos os negócios jurídicos e estão situadas na parte geral, que ordena a real
4 XXXXX, Xxxxx. Direito Civil: curso completo. 6ª ed. rev. atual. ampl. de acordo com o Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 27.
teoria geral dos negócios jurídicos. Trata-se, pois, de uma estrutura moderna, que não deve ser abandonada, em que pese a necessidade de modernização de velhos conceitos de direito privado. Portanto, para qualquer negócio jurídico, e não apenas aos contratos, aplicam-se as regras sobre capacidade do agente, forma e objeto, assim como em relação às normas sobre vícios de vontade de vícios sociais5.
Vê-se então que o contrato deixa de ser tão-somente um instrumento de satisfação da vontade das partes: deverá atender a função social, na medida em que uma parte obriga-se a cumprir seu compromisso contratual na conformidade da outra parte, assim propiciar e auxiliar, e bem assim na proporção em que se mantiver o equilíbrio contratual. Essa harmonia refletirá na sociedade, na medida em que gerará efeitos benéficos ou não nocivos a terceiros – por exemplo, quando alguém compra uma casa para fins residenciais, e respeita tal mister tendo-se em vista que o imóvel situa-se num setor residencial.
Também será assim com o contrato de seguro: na celebração do contrato, dever-se-á levar em conta a gama de efeitos e probabilidades benéficas não só às partes, mas também a terceiros aos quais alcancem as disposições contratuais.
Quanto ao contrato de seguro, o art. 757 do Código Civil traz a definição legal: “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados”. Nos dizeres de Xxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx:
(...) o contrato de seguro é a convenção em que um ente específico, o segurador, se obriga, mediante a paga de prêmio, a garantir legitimo interesse do segurado, concentrado em pessoa ou coisa, contra riscos advindos de circunstâncias adversas6.
Por interesse legítimo, pode-se entender a vontade do segurado de resguardar um bem ameaçado ou supostamente ameaçado, seja por valor econômico ou não, como é o caso do seguro de vida.
4. ELEMENTOS
De acordo com o art. 757 do Código Civil, pelo contrato de seguro o
5 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2009. p. 353.
6 XXXXX, Xxxx xx Xxxxxxxx. Curso de Direito do Seguro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 57.
segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. De tal conceito observam-se os elementos do contrato: prêmio, risco, apólice e partes.
O prêmio é a prestação pecuniária a ser paga pelo segurado ao segurador, em face do comprometimento deste em ressarci-lo de prováveis danos futuros. É a remuneração devida pelo segurado, em contraprestação à responsabilidade assumida pelo segurador em caso de ocorrência do risco previsto contratualmente.
O prêmio é relacionado diretamente ao risco, à medida em que este varia em função de sua probabilidade e gravidade: quanto maior o risco sob estas nuances, maior será o prêmio – motivo pelo qual, não se pode generalizar um mesmo valor de prêmio para todos os segurados, dada a subjetividade do risco em relação a estes.
Do pagamento de diversos segurados, forma-se o fundo do qual o segurador honrará com o pagamento dos danos ao segurado, em se observando a ocorrência do risco. Esta é a razão pela qual o prêmio é devido independentemente da vontade do segurador, conforme o previsto no art. 30 do Decreto-lei nº 73/66, sendo uma forma de se garantir a certeza de ressarcimento, impedindo que o segurador aja com liberalidade em relação a um segurado, em detrimento dos demais.
O risco é um hipotético e futuro acontecimento, em face do qual, ocorrendo dano e consequente prejuízo ao segurado, responsabiliza-se o segurador pelo competente ressarcimento pecuniário contratualmente combinado entre as partes. Deve ser um evento possível e subordinado ao acontecimento de algum fato ou motivo que poderá acontecer, e não de uma situação já ocorrida ou em curso.
Em regra, pode o risco relacionar-se a qualquer dano de cunho patrimonial, em caráter principal ou circunstancial – como por exemplo, o seguro celebrado para garantia de integridade do rosto de famosa artista ou das cordas vocais de conhecido cantor. Mas, tal comprometimento não se presume; deve constar expressamente do contrato, ou o segurador não será obrigado a tal mister.
Ocorrendo o risco dentro dos parâmetros avençados entre as partes e na vigência do contrato, em regra, gera-se aí a obrigação do segurador – conhecida no jargão securitário como cobertura – em pagar ao segurado a competente indenização combinada.
A apólice é o instrumento do contrato, em que as partes reduzem a escrito o
acordo de vontades, assim como a assunção do risco e pagamento do prêmio e demais particularidades do seguro. Insta ressaltar que, apesar de a apólice ser o documento por excelência do contrato de seguro, não é a forma especial para a validade deste. Conforme o art. 758 do Código Civil, além da apólice, o contrato de seguro prova-se por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio, tal qual um recibo ou declaração nesse sentido.
Geralmente, a apólice é precedida de um pré-contrato, conhecido por proposta, a qual conterá a disposição de intenções das partes em relação ao seguro, e os atinentes e preliminares detalhes aos direitos e obrigações das partes. É confeccionada pelo segurador e oferecida ao segurado, o qual concorda ou não com o ali disposto; uma vez aceito, o segurado remete a proposta ao segurador, pois, conquanto seja um pré-contrato – e em regra, a manifestação favorável do aceitante o aperfeiçoa –, necessita a proposta da aceitação do risco pelo segurador para poder se transformar num contrato e se concretizar numa apólice. Assim, costuma- se estipular um prazo para a respectiva manifestação do segurador, no sentido de aceitar ou não a proposta.
Mas, e se entregue a proposta pelo segurado, o segurador se silencia quanto à aceitação ou não da mesma? A resposta é dada pelo art. 18 da Circular nº 70/98 da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), um dos departamentos que compõem o Conselho Nacional de Seguros Privados, órgão que regulamenta o Seguro no Brasil, onde se lê que deverá ser especificado o prazo para a aceitação do seguro, bem como procedimentos para comunicação da aceitação ou não da proposta, observando-se o período máximo de 15 (quinze) dias.
Como preceitua Xxxxxx Xxxxxxxx, importante é dizer que:
Em relação à proposta, a seguradora tem um prazo de 15 (quinze) dias, a partir da data do recebimento, para recusá-la, sob pena de aceitação. A data da aceitação deve coincidir com a do início de vigência da cobertura do risco, podendo, entretanto, tal início ser estabelecido na proposta. Na ausência dessa determinação, poderá o início da cobertura retroagir até a data do recebimento como determina a Circular nº 47, de 18.08.80, da SUSEP7.
Some-se a isso o disposto no art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/90 (Código de
7 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx e outros. Direito e Legislação de Seguros. Rio de Janeiro: Fundação Escola Nacional de Seguros – FUNENSEG, 1995, p.118.
Defesa do Consumidor), onde se lê que é direito do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. Ainda, de acordo com o art. 39, inciso XII, é defeso ao segurador deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.
Em fecho, insta ressaltar o disposto nas Circulares nos 47/80 e 70/98 da SUSEP que apregoam se o segurador não recusa em 15 (quinze) dias a proposta, contados a partir da data do recebimento, é penalizado com a presunção de aceitação, ou seja, protocolada a proposta junto ao segurador, silenciando-se este nos 15 (quinze) dias subsequentes, é presunção juris tantum que a proposta fora aceita, e o contrato de seguro aperfeiçoado.
Outros meios ainda podem simbolizar a aceitação do segurador, tais como a confecção de apólice com o respectivo registro, ou o recebimento das parcelas pagas pelo segurado a título de prêmio. Nesse sentido, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça nos seguintes termos:
A companhia de seguro que recebe parcelas do prêmio relativas a uma proposta de seguro, na qual está consignado que a data da vigência da cobertura corresponde à da assinatura da proposta, não pode deixar de pagar a indenização pelo sinistro ocorrido depois, alegando que o contrato somente se perfectibilizaria com a emissão da apólice, pois todo o seu comportamento foi no sentido de que o negócio já era obrigatório desde então8.
Em consonância com o art. 760 do Código Civil, a apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário, ou seja, a apólice deverá conter todos os dados inerentes ao acordo de vontades, tais como os parâmetros e delimitações do risco assumido pelo segurador, valor do prêmio e da indenização – entenda-se, o valor do objeto segurado -, início e término da vigência da cobertura, e outros detalhes acordados entre as partes, se não contrários à lei.
8 STJ – 4ª Turma – REsp. 79.090/SP – Rel. Min. Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx – j. 05/03/1996 – DJU 29/04/1996.
Quanto às partes, no contrato de seguro em geral, observa-se a presença de duas figuras jurídicas. A primeira é o segurador, pessoa jurídica que assume a responsabilidade pelo ressarcimento de danos futuros sofridos pelo segurado e previamente previstos no contrato. Diz-se jurídica porque, de acordo com o art. 1º do Decreto-lei nº 2.063, de 07 de março de 19409, pessoas físicas ou firmas individuais não podem ser seguradores em seguros privados, cabendo tal ofício somente às sociedades anônimas e cooperativas – ressaltando-se que a estas somente se permite a exploração de seguros agrícolas e de saúde.
Ainda, às companhias seguradoras é vedada a atividade em outro ramo de comércio ou indústria (art. 73 do Decreto-lei n° 73/66). Bem assim, somente podem explorar os ramos de seguros em que forem autorizadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (art. 78).
A restrição a quem pode ser segurador procede. Falta ao segurador individual a solidez e confiabilidade de que desfruta uma pessoa jurídica, requisitos indispensáveis à celebração do contrato de seguro, e que só são conseguidos ao longo de anos de exercício. Desta feita, a possibilidade de inexecução da obrigação (ressarcimento) é bem menor, haja vista a patente superioridade econômica de uma companhia seguradora frente a uma pessoa física – razão pela qual, seria bem mais frágil um seguro feito por segurador individual, posto ser este mais suscetível a variações (por exemplo, morte).
Não se confunda, portanto, segurador com corretor de seguros, o primeiro é o legalmente habilitado a explorar seguros privados; o segundo, em conformidade com o disposto no art. 100, caput, do Decreto nº 60.459, de 13 de março de 1967 (Regulamento do Sistema Nacional de Seguros Privados), profissional autônomo, pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e promover contratos de seguro entre as Sociedades Seguradoras e as pessoas físicas ou jurídicas de Direito Privado.
A seu turno, segurado é a pessoa física ou jurídica que busca transferir ao segurador a responsabilidade por danos futuros a interesses do primeiro, mediante
9 Art. 1º. A exploração das operações de seguros privados será exercida, no território nacional, por sociedades anônimas, mútuas e cooperativas, mediante prévia autorização do Governo Federal. Parágrafo único. As sociedades cooperativas terão por objeto somente os seguros agrícolas, cujas operações serão reguladas por legislação especial.
remuneração prévia ao segundo. Pode fazê-lo de per si – ocasião em que o seguro será por conta própria –, ou terceiro por ele celebrará o contrato – situação em que será por conta de terceiro o seguro, sendo o terceiro denominado estipulante.
Insta lembrar que, sendo o seguro celebrado por conta de terceiro, este deve estar revestido de uma das modalidades legais de representação do segurado, sob pena de invalidação deste.
5. REQUISITOS
Para a validade do contrato de seguros, fazem-se necessários requisitos subjetivos, objetivos e formais, consoante a dicção do art. 104 do Código Civil10.
O requisito subjetivo está relacionado com a capacidade do agente, e é previsto no inciso I do art. 104 do Código Civil. Lembre-se de que capacidade é a delimitação da extensão da personalidade e do exercício de suas prerrogativas, ou seja, é o contorno dado pela lei à personalidade de forma a autorizar a prática dos atos da vida civil na conformidade do discernimento do agente, no que se vislumbram a incapacidade absoluta (art. 3° do CC) e relativa (art. 4°) e a capacidade plena (art. 5°, caput e parágrafo único); nesse mister, o mencionado inciso infere que o agente deve ser capaz para a prática do negócio jurídico específico – in casu, o contrato de seguro –, e não para todo e qualquer negócio jurídico.
Tem-se para ilustração o relativamente incapaz, que em alguns casos necessita da assistência de seu representante legal e em outros não necessita para a participação num negócio jurídico, por exemplo o pródigo, o qual, a teor do art. 1.782 do CC, só é impedido de praticar sem a assistência de seu representante legal atos que excedam a mera administração ou impliquem em disposição de patrimônio, como na hipótese em que pode celebrar comodato mas não compra e venda.
Já o requisito objetivo está diretamente relacionado ao objeto do seguro, o interesse do segurado em resguardar um bem ou interesse juridicamente tutelado. Portanto, tal deve coadunar com o inciso II do art. 104 do CC, devendo ser lícito,
10 Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.
possível, determinado ou determinável.
Xxxxxx, porque deve ser autorizado ou estar de acordo com a lei, bons costumes, moral e princípios de uma sociedade. Portanto, o segurado não pode valer-se de contrato cujo objeto seja ilícito como um seguro de carga roubada, por contrariar a lei, a moral e os bons costumes que norteiam a sociedade.
Um contrato de seguro plenamente possível não pode fulcrar-se num objeto impossível, conforme o magistério de Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx:
O objeto e as prestações de um contrato devem ser possíveis. Essa possibilidade tanto deve ser física como jurídica. A impossibilidade encontra obstáculo no ordenamento. É impossível, por exemplo, contratar a importação de coisa proibida pela lei. A impossibilidade é física quando o contratante não tem as condições de realizá-la. Não podemos, por exemplo, contratar uma pessoa muda para cantar. A possibilidade, tanto física como jurídica, deve ser examinada em cada contrato11.
O objeto deve ser possível juridicamente, isto é, não basta que seja possível fisicamente, devendo ser possível em caráter jurídico – por exemplo, fisicamente é possível o seguro de substâncias entorpecentes ilícitas (drogas), não o sendo, no entanto, juridicamente.
No contrato de seguro o objeto também deve ser determinado ou determinável. Deve ser identificado prontamente quanto ao gênero, quantidade e qualidade ou passível de identificação em momento certo, previsto no contrato.
A esse respeito, xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx:
Quanto a certeza do objeto, prescreve a lei que os contratantes devem precisá-lo para que as obrigações contraídas sejam determinadas ou, quando muito, passíveis de determinação. Assim, inconcebível um contrato em que as partes convencionem que a seguradora se obrigará a prestar cobertura de qualquer coisa do segurado12.
O requisito formal consubstancia-se na forma porventura legalmente exigida ou autorizada para o negócio jurídico (CC, art. 104, inciso III). O entendimento doutrinário, preponderante e do qual compartilhamos, é no sentido de que o contrato de seguro é consensual, no sentido de que não necessita de forma específica, o que se exige em forma escrita é a prova do contrato e não a celebração deste. Com
11 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2009. p. 431.
12 XXXXX, Xxxx xx Xxxxxxxx. Curso de Direito do Seguro. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 61.
efeito, o art. 758 do CC assevera que a prova do contrato de seguro faz-se pela forma escrita, e não que a sua celebração deva ser feita por instrumento escrito13.
É princípio geral de direito dizer que se a lei não distingue, não pode o intérprete fazê-lo. Entende-se que, se o CC não exigiu expressamente a forma escrita para a celebração do contrato de seguro, mas tão-somente a sua prova, não pode o operador do direito concluir por uma imposição formal quanto ao instrumento do contrato em debate.
6. O CONTRATO DE SEGURO ENQUANTO RELAÇÃO DE CONSUMO
Qual o conceito de relação de consumo? O legislador consumerista não o fez, propositada e sabiamente. Na velocidade de surgimentos e extinções de espécies de negócios jurídicos, seria temeroso tentar limitar taxativamente a relação de consumo através de um conceito.
Como então se identificar uma relação de consumo? Prudentemente, o legislador dá a receita, sendo a relação de consumo toda aquela em que se vislumbrarem de um lado o consumidor, e de outro lado o fornecedor. Nesse mister, para constatar a relação de consumo devemos observar se estão presentes os elementos subjetivo (consumidor e fornecedor) e objetivo (produto ou serviço), pelo que se fazem necessárias algumas considerações sobre os sujeitos e o objeto da relação consumerista.
6.1. Do Consumidor
O legislador pátrio buscou ampliar ao máximo o conceito de consumidor. Inicialmente, valeu-se da figura do bonus pater famílias e adequou-a à relação consumerista, idealizando o consumidor padrão como aquele que possui uma atenção mediana, sem instrução específica para o produto ou serviço e sem recursos financeiros expressivos. Destarte, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, basicamente há dois tipos de consumidor: o stricto sensu, definido no
13 Art. 758. O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.
art. 2°, e o lato sensu, englobando não só aquele como os a ele equiparados. Didaticamente, dividimos da seguinte forma:
a) consumidor efetivo (art. 2°), o qual adquire em caráter definitivo produto ou serviço de um fornecedor;
b) terceiro prejudicado pelo defeito no produto entregue ou serviço prestado pelo fornecedor a um consumidor (art. 17), o qual não é parte numa relação de consumo típica mas é atingido pelos efeitos dela, como o dono de uma casa abalroada por veículo zero quilômetro com os freios defeituosos, dirigido por um consumidor que acabara de adquiri-lo; e
c) consumidor em potencial (art. 29), o indivíduo exposto à oferta e publicidade do produto ou serviço feitas pelo fornecedor, podendo se valer de tal status para usar o CDC contra a propaganda enganosa ou abusiva.
Para efeito do presente estudo, cuidar-se-á do consumidor stricto sensu (consumidor efetivo), posto versar o trabalho sobre um contexto contratual. Assim, de acordo com o art. 2° da Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), consumidor é "toda pessoa física e jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". Frise-se que a expressão “destinatário final” rendeu acaloradas discussões e divergentes interpretações, no que a doutrina majoritária sintetizou-as em duas correntes doutrinárias: finalistas ou subjetivas e maximalistas ou objetivas.
Para a primeira, consumidor seria o destinatário fático e econômico do produto ou serviço. Fático porque o produto ou serviço encerrariam sua circulação e produção de efeitos na esfera do adquirente ou sua família, como no caso de alguém comprar um sofá e colocá-lo em sua residência, sem possibilidade imediata de repassá-lo ou transferi-lo.
Econômico, porque o produto ou serviço não seria um meio de o consumidor auferir vantagem pecuniária ou alguma outra forma de lucro, mas tão-somente a satisfação de uma necessidade ou conveniência estritamente pessoal. Seria o caso do consumidor que adquire um automóvel para tão-somente usá-lo para lazer ou necessidades pessoais e de sua família.
Segundo os finalistas, tal enquadramento do consumidor seria necessário para poder se identificar quem realmente é o vulnerável na relação de consumo, ou seja, o cidadão mediano que adquire o produto ou serviço para fim não-profissional
(uso próprio ou da família) e, por exceção, a pessoa jurídica de pequeno porte (Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, associação, fundação e congêneres) e o pequeno profissional, desde que ambos adquirissem para fim diverso da finalidade de seu objeto social ou ofício, respectivamente. Portanto, será consumidor quem se valer de uma atividade do fornecedor e com isso ter para si em definitivo o produto ou prestação de serviço, isto é, quem obtiver um produto ou serviço para satisfação de uma necessidade pessoal e não como meio para a consecução de um fim profissional, empresarial, negocial ou congênere.
A seu turno, a corrente maximalista preceitua o maior alcance possível da interpretação do art. 2° do CDC. A expressão “destinatário final” não é necessariamente sinônimo de destinação particular no sentido de uso privado, desde que o produto ou serviço não se destinem diretamente à produção, transformação, montagem, beneficiamento ou revenda, seria consumidor o mero destinatário final fático do produto ou serviço, não necessitando sê-lo sob o ponto de vista econômico. Por exemplo, a pessoa jurídica que compra móveis para sua sede enquadrar-se-ia no contexto.
Atualmente, vigora no STJ a teoria maximalista/objetiva. Entretanto, a jurisprudência do STJ tem evoluído no sentido de somente admitir a aplicação do CDC à pessoa jurídica empresária excepcionalmente, quando evidenciada a sua vulnerabilidade no caso concreto14, ou seja, o consumidor será assim considerado de acordo com a verificação de sua vulnerabilidade, o que será apreciado caso a caso.
6.2. Do Fornecedor
No tocante ao fornecedor, este é descrito pelo art. 3°do CDC como:
(...) toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Quanto à atividade, será serviço se exercida enquanto meio de vida ou como profissão ou indústria. Entretanto, a atividade deve ser profissional, e não
14 BRASÍLIA, STJ, REsp nº 684.613/SP, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, 2005.
necessariamente quem a exerce. O exercente não precisa fazer dela o seu principal ofício ou a única fonte de obtenção de recursos, bastando que a atividade seja exercida em nível profissional de forma a ser oferecida indistintamente. Exemplo disso é o de estudantes que, para ter um auxílio no custeio de seus estudos, vendem produtos de beleza para seus colegas; tal situação, embora o estudante não faça de tal atividade o seu ofício principal e duradouro, qualifica-o como fornecedor em razão da atividade ter conotação profissional.
Por decorrência, ao ser oferecida ao mercado de consumo, a atividade deve sê-la com habitualidade. O seu fornecimento deve ter certa regularidade, sendo constante ou eventual, não se confundindo, no entanto, eventualidade com esporadicidade e ocasionalidade. Estas não pressupõem regularidade, ao contrário daquela, uma dona de casa poderá trabalhar somente na Páscoa, quando então fabrica ovos de chocolate para a venda; se tal atividade for exercida toda Páscoa, será eventual por se dar somente em determinada época do ano, mas terá certa regularidade, caracterizando-se, portanto, fornecimento nos moldes do CDC.
Por fim, a atividade deve ser exercida mediante contraprestação, isto é, o fornecedor oferta produto ou serviço ao consumidor, e em razão disso obtém vantagem pecuniária equivalente ou proporcional. Observe-se que tal vantagem pode vir direta ou indiretamente, imediata ou mediatamente – o que será melhor abordado oportunamente.
6.3. Do Objeto da Relação Consumerista
No caso de fornecimento de produtos, não há maiores delongas. O fornecedor oferta o produto a um preço acessível e ao mesmo tempo condizente com seu valor, e o consumidor paga o respectivo preço. Essa é a essência da imensa maioria de relações de consumo que envolvem fornecimento de produtos, posto que redundam, em regra, em contratos de compra e venda.
Já no caso do serviço, diz o art. 3° §2° do CDC que é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração, ressalvada a de caráter trabalhista. Assim, serviço seria o negócio jurídico que garante ao titular ou a quem envolver a prestação de um fazer economicamente relevante, de um ato ou de uma omissão útil e interessante no mercado de consumo, de uma atividade remunerada direta ou indiretamente, um fazer imaterial e principal, que pode ou não vir
acompanhado ou complementado por um dar ou pela criação ou entrega de bem material acessório a este fazer principal.
Contudo, não se deve restringir aqui o conceito de remuneração ao mero pagamento de quantia. Conforme já dito, deve-se levar em conta uma concepção ampla, onde a remuneração consubstancia-se em toda e qualquer forma de retribuição equivalente ou proporcional, direta ou indiretamente ao serviço prestado.
Diz-se “indiretamente”, porque há comportamentos desenvolvidos pelo fornecedor que num primeiro momento não caracterizam a exigência de contraprestação ou remuneração, mas esta se revela no decorrer da relação com o consumidor. Nesse sentido, Xxxxxxx explica a respeito:
A expressão “remuneração” permite incluir todos aqueles contratos em que for possível identificar, no sinalagma escondido (contraprestação escondida), uma remuneração indireta do serviço de consumo. (...) Note-se que mesmo serviços gratuitos ligados ao marketing são regulados pelo CDC (a exemplo do art. 39, que regula as amostras grátis, do art. 37, a publicidade), assim como os serviços ligados à manutenção das concessões (como é o caso dos transportes gratuitos) e ao próprio comércio (como é o caso dos bancos de dados, regulados pelo art. 43 e ss. do CDC). Estas atividades dos fornecedores visam lucro, são parte de seu marketing e de seu preço total, pois são remunerados indiretamente na manutenção do negócio principal e das concessões da linha, na fidelidade dos consumidores daí oriunda (exemplo: cartões de milhas etc.), nos efeitos positivos do marketing usado, enfim, no preço final do serviço ou produto colocado no mercado por aquele fornecedor15.
Isto posto, repise-se: é clara a incidência do CDC sobre o contrato de seguro, posto o art. 3º §2° incluir textualmente a atividade securitária no contexto do conceito de serviço para fins consumeristas.
Bem assim, o segurado é consumidor por ser o destinatário final da garantia prestada pelo segurador, e por ser a parte vulnerável do contrato em debate. A seu turno, o segurador é fornecedor por desenvolver a atividade securitária de forma habitual, exigindo do segurado o pagamento de uma remuneração (o prêmio) como contrapartida à assunção dos riscos pactuados.
Assim traz a doutrina de Xxxxxxxx:
No contrato de seguro, esta vulnerabilidade do contratante também está presente, ou seja, há um enorme diferencial entre as partes contratantes; entretanto, com o surgimento do CDC vem ocorrendo uma conscientização da necessidade de uma relação contratual mais social, com o
15 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil: o “diálogo das fontes”. In: MARQUES, Xxxxxxx Xxxx ET al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 1ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
comprometimento com a equidade, do que influenciado pela manifestação da autonomia da vontade16.
6.4. Das cláusulas limitativas no contrato de seguro
O contrato de adesão é um contrato que surgiu devido a massificação das relações de consumo, criadas por uma sociedade de consumo nascida a partir da Revolução Industrial, na transição do Século XVIII para o Século XIX, voltada para a aquisição de bens supérfluos, além dos de primeira necessidade, ou em número excedente ao indispensável à sobrevivência. Conforme doutrina de Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx, o contrato de adesão é o “típico contrato que se apresenta com todas as cláusulas predispostas por uma das partes. A outra parte, a aderente, somente tem alternativa de aceitar ou repelir o contrato”.17
Nesse sentido é o art. 54 do CDC, o qual assim preconiza:
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Ou seja, o consumidor pode até modificar algumas cláusulas em comum acordo com o fornecedor; se estas forem secundárias ao objeto do contrato, tais mudanças não desvirtuarão o contrato enquanto de adesão. Nesse contexto, o contrato de seguro é contrato de xxxxxx, vez que suas cláusulas gerais são determinadas prévia e unilateralmente pelo segurador; o segurado não tem possibilidade de qualquer negociação prévia e as cláusulas são impostas a ele, tendo ele apenas o direito de aderir ou não ao contrato.
Como todo contrato de adesão, o contrato de seguro também traz consigo a grande probabilidade de haver cláusulas limitativas de direito ao consumidor, entendidas estas como as que restringem um direito do segurado, sendo predispostas no contrato de forma obscura, a fim de conferirem vantagem sobre o aderente (consumidor).
Isto pode revelar certo desequilíbrio contratual, na medida em que o contrato é elaborado pelo segurador segundo sua conveniência, mas frequentemente ao
16 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de. Contrato de Seguro: Interpretação doutrinária e jurisprudencial. Campinas: LZN Editora, 2002. p. 125.
17 XXXXXX, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2009. p. 375.
alvedrio do segurado, prejudicando a este em razão da negação de direitos ou sobrecarga de obrigações.
Com efeito, Xxxxxxxx bem afirma que:
Não é o modo de formação dos contratos que é responsável pelo surgimento de desequilíbrios contratuais, mas sim, a inserção de cláusulas limitativas e abusivas, introduzidas unilateralmente pelo fornecedor, pelo fato de ocupar uma posição de destaque e poder, estabelecendo antecipadamente o conteúdo do contrato, situação que ocorre nos contratos de seguro18.
Não se quer dizer com isso que o segurador não possa estabelecer cláusulas limitativas de direito ao consumidor, sendo que o próprio segurador enquanto fornecedor tem determinados direitos limitados no contrato de seguro, tais como a limitação da cobrança de multa moratória a 2 % (dois por cento) do valor da obrigação principal (art. 52 §1° do CDC). Frise-se que é da natureza jurídica dos contratos de seguro a existência de cláusulas limitativas, exemplo disso é a cláusula que restringe a responsabilidade do segurador ao pagamento da indenização somente nos riscos expressamente previstos no contrato.
O que se observa aqui é o impacto que tal cláusula causará ao consumidor no equilíbrio contratual, pois se a limitação não tiver uma contrapartida compensatória ao consumidor, aí se revela a abusividade e, portanto, a coibição pelo CDC. Destarte, o Código Consumerista não proíbe as cláusulas limitativas no seguro, mas impõe normas para que as restrições estejam em consonância com os direitos do segurado-consumidor. Nesse sentido temos o art. 46, que vincula a obrigatoriedade do contrato ao consumidor somente se este “tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.
Não sem motivo, o corolário lógico de tal preceito é previsto pelo art. 54 §4°, o qual é firme ao vaticinar que “as cláusulas que impliquem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”.
A esse mister, salutar é o raciocínio de Xxxxxx Xxxx Xxxxxx ao dizer que:
Toda estipulação que implicar qualquer limitação de direito do consumidor, bem como a que indicar desvantagem ao aderente, deverá vir
18 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx de. Contrato de Seguro: Interpretação doutrinária e jurisprudencial. Campinas: LZN Editora, 2002. p. 126.
singularmente exposta, do ponto de vista físico, no contrato de xxxxxx. Sobre os destaques, ganha maior importância o dever de o fornecedor informar o consumidor sobre o conteúdo do contrato (art. 46, CDC). Deverá chamar a atenção do consumidor para as estipulações desvantajosas para ele, em nome da boa-fé que deve presidir as relações de consumo19.
A jurisprudência é cristalina a respeito:
APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO. CLÁUSULA RESTRITIVA DE DIREITO. CIÊNCIA. PROVA. AUSÊNCIA. Cabe à
xxxxxxxxxx comprovar que o segurado teve ciência prévia de cláusula restritiva do seu direito, sem o que há de prevalecer a cobertura plena prevista no contrato. Recurso improvido20. (g. n.)
Encontramos ainda nos dizeres jurisprudenciais:
SEGURO - CLÁUSULAS LIMITATIVAS DE DIREITOS - Não
comprovada a inequívoca ciência do segurada quanto à cláusula limitativa de direitos e inserta no ‘Manual do Segurado’, por lhe ser remetido após a assinatura do contrato, ocorrendo o fato gerador, deve a seguradora responder pelo valor integral dos prejuízos verificados21. (g. n.)
Acerca de tal acórdão, o Eminente Relator assim aduziu:
(...) sabido é, que o chamado Manual do Segurado é documento separado da apólice e somente enviado ao segurado após o contrato; daí, a exigência da seguradora em dar ao segurado no ato da contratação, ciência clara e inequívoca do que contém o contrato, sobretudo quanto às cláusulas limitativas de direitos (artigo 46 do CDC); logo, para isenção de responsabilidade, indispensável a prova de que o segurado tinha ciência da referida cláusula, eis que, sendo o contrato de seguro tipicamente adesivo e tal não ocorrendo, deve a seguradora, na hipótese de ocorrência do fato gerador da obrigação, cumpri-la na íntegra, mesmo que seja em desfavor do expressamente pactuado, pois, como dito, as cláusulas limitativas de direitos não obrigam ao segurado se não comprovada a prévia ciência das limitações da indenização22. (g. n.)
Mais não bastasse, qualquer exigência contratual que o segurador quiser fazer ao segurado, para ter validade, deve ser feita por ocasião da celebração do contrato, na apresentação das condições gerais. Essa é a inteligência da Circular nº 90, de 27 de maio de 1999, da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, em
19 GRINOVER, Xxx Xxxxxxxxxx et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto, 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 554.
20 TAMG – 2ª Câmara Cível - Apelação Cível nº 283.340-9 – Rel. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx – j. 19/10/1999.
21 TAMG – 1ª Câmara Cível – Ap. Cível nº 333.650-7 - Rel. Xxxx Xxxxx Xxxxxx – j. 17/04/2001.
22 Ibidem, 2001.
seu art. 2º, o qual assevera que “as condições gerais completas deverão estar à disposição do segurado quando da apresentação da proposta de seguro”. (g. n.)
Vê-se então o dever do segurador em informar previamente ao segurado sobre qualquer cláusula que limite os direitos do segundo. Omitindo-se em tal obrigação, o segurador não pode exigir do segurado a restrição contratual, pois isso se consubstanciaria na combatida “cláusula-surpresa”, aquela que, colocada pelo fornecedor no contrato sem o conhecimento ou anuência prévios do consumidor, impõe a este obrigação exagerada, iníqua, abusiva ou contrária à boa-fé e aos costumes (art. 51, IV, do CDC). Ressalte-se que é exagerada a cláusula que “se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerado-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso”. (art. 51 §1°, III)
Tal desequilíbrio também desrespeita o art. 4º, III do Código, que prevê uma harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e a compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Portanto, ao se deparar o segurado com cláusulas que lhe tragam um desequilíbrio econômico prejudicial e sem nenhuma contrapartida, tais serão nulas de pleno direito.
Conforme doutrina de Xxxxx, aprende-se que:
A cláusula que contrariar os ideais de honestidade e lealdade será considerada nula de pleno direito, porque essa foi a sansão adotada pelo CDC, que estabeleceu normas de ordem pública e interesse social em seu art. 1º23”.
Para exemplificar, o autor se utiliza de uma situação que envolve os contratos de seguros aduzindo que “nos casos em que a seguradora estipular cláusula prevendo a inexigibilidade da indenização para o caso de o segurado não avisá-la do sinistro logo após o acidente, essa cláusula será nula de pleno direito, por violação do dever genérico de atuação com lealdade e honestidade24.
23 XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx. Cláusulas Abusivas no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 98.
24 Ibidem, 2004. p. 99.
Isto porque, a comunicação do sinistro deve ser um ato posterior ao acontecimento do mesmo, pois na maioria das vezes o vitimado no momento do acidente está transtornado, sem real condição de comunicar o sinistro à seguradora, ou até mesmo, por estar aguardando pela promessa de reparação da parte culpada. No entanto, no cotidiano da celebração de um contrato de seguros, a proposta entregue pelo segurador ao segurado é por demais simplificada, não dispondo as cláusulas limitativas ou as apresentando numa linguagem excessivamente técnica e obscura. Muitas vezes, o segurado sequer recebe a apólice de seguro em sua residência, ficando em total desconhecimento das cláusulas limitativas regidas pelo contrato, o que gera um profundo desequilíbrio na
relação consumerista.
Um exemplo costumeiro no contrato de seguro é a expressão “salário”, enquanto parâmetro de valor de indenização. Suponha-se que um cidadão comum, cujo emprego lhe rende a quantia de R$1.000,00 (mil reais) mensais a título de remuneração, queira celebrar um seguro de vida, e para tanto pactua com o segurador que a indenização será de 100 (cem) vezes o valor do salário que o futuro segurado recebe. Ocorrendo o sinistro, o segurado tem direito ao pagamento.
Um raciocínio simples permitiria concluir pelo pagamento de R$100.000,00 (cem mil reais) a título de indenização. Entretanto, o segurador paga R$60.000,00 (sessenta mil reais), alegando que o segurado recebia R$600,00 (seiscentos reais) de salário-base e R$400,00 (quatrocentos reais) de adicionais (periculosidade, noturno, etc.) e ajudas de custo.
Tal comportamento do segurador é abusivo, posto não ter avisado e esclarecido ao segurado, antes da celebração, de tal restrição. Com efeito, o cidadão mediano não sabe a diferença técnica entre “salário” e “remuneração”, entendendo serem expressões idênticas, ignorando que a segunda expressão compreende a primeira e os acréscimos legais (adicionais, gratificações, etc.).
Assim, não poderia o segurador proceder da forma que o fez, pois não cientificou o segurado da limitação do direito previamente à celebração. É nesse sentido o entendimento jurisprudencial:
APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DE DEVEDOR - TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL – CONDENAÇÃO EM QUARENTA VEZES O SALÁRIO DO SEGURADO – DISTINÇÃO ENTRE SALÁRIO E REMUNERAÇÃO QUE NÃO PODE SER OPOSTA AO CONSUMIDOR, LEIGO, QUE QUANDO CONTRATA SE ATÉM AO CONCEITO USUAL DE
XXXXXXX, QUE SE ASSEMELHA AO DE REMUNERAÇÃO – SENTENÇA
MANTIDA. A relação mantida entre segurado e seguradora é de consumo. Uma vez não esclarecida ao segurado a distinção técnica entre salário e remuneração, não pode ela lhe ser oposta quando do pagamento da indenização prevista em quarenta vezes o seu salário porque, em sentido usual, não jurídico, tais expressões são equivalentes. Interpretação do contrato que deve ser feita em favor do consumidor- aderente25. (g. n.)
Em tal acórdão, o voto do Exmo. Relator é auto-explicativo:
Seguindo esta linha de raciocínio – de que as cláusulas do contrato que vincula os litigantes deverão ser interpretadas, em caso de dúvida, a favor do autor/recorrido – deve-se passar à análise da cláusula que estabelece a controvérsia.
E, nesse passo, tenho que quando a apólice estabelece que a indenização será equivalente a quarenta vezes o salário de cada segurado, montante este estritamente seguido pelo título executivo judicial, não pode ser entendida como se referindo ao sentido técnico-jurídico de salário (que, sem dúvida, é diferente de remuneração), mas antes ao sentido usual, que se confunde com o de remuneração e ao que o consumidor aderente, sem dúvida, se ateve no momento de contratar.
Vejamos o que informa o dicionário eletrônico Xxxxxxx, sobre o conceito de salário:
‘[Do lat. salariu, 'ração de sal', 'soldo'.]
S. m.
1. Remuneração paga pelo empregador ao empregado, de forma regular, em retribuição a trabalho prestado. 2. Salário mínimo 3. Recompensa de serviços. 4. Salário mínimo.
u Salário mínimo.
1. Remuneração mínima do trabalhador, fixada por lei. [Cf. salário- mínimo. Tb. se diz apenas salário.]
u Salário mínimo profissional.
1. Remuneração mínima, estabelecida em lei, para trabalhadores de certas categorias profissionais; piso salarial.
u Décimo terceiro salário.
1. Gratificação anual devida a todos os empregados, equivalente a um salário mensal, que deve ser paga até dezembro; gratificação de Natal; gratificação natalina.’
Vê-se, pois, que o conceito usual de salário, para o leigo, se assemelha ao de remuneração, e por isso a seguradora apelante não pode levantar tal distinção como óbice ao pagamento da indenização relativa a múltiplo do total da remuneração do apelado porquanto este, quando aderiu ao contrato de seguro, certamente o fez visando ter a segurança de que em caso de necessidade seria o total de sua remuneração que seria utilizado como base de cálculo e não o salário em sentido jurídico, que não engloba os proventos advindos do mesmo contrato de trabalho26”. (g. n.)
25 TAMG – 4ª Câmara Civil – Ap. Civil n°453.689-6 – Rel. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx – x. 17/11/2004.
26 TAMG – 4ª Câmara Civil – Ap. Civil n°453.689-6 – Rel. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx – x. 17/11/2004.
Outro exemplo é visto no seguro de bens: quando o segurador restringe o risco, tem também o direito de restringir os bens seguráveis. Entretanto, para tal mister deve o segurador certificar-se da existência de tais bens, não sendo dever do segurado provar a propriedade deles quando de um possível perecimento ou desaparecimento indenizáveis.
No entanto, é corriqueira a situação em que o segurador exige prova da propriedade dos bens sinistrados do segurado, numa tentativa de corrigir a falha em não ter vistoriado previamente o patrimônio do consumidor. Isto também já foi decidido pelos tribunais:
COBRANÇA - SEGURO - PRESCRIÇÃO - VISTORIA – RISCO.
Uma vez ocorrido o sinistro, tendo a segurada insistido, pela via administrativa, em ser indenizada, gerando a reapreciação do caso pela seguradora, o prazo prescricional somente começará a correr após a última e formal recusa. Se a empresa seguradora, quando da aceitação da proposta de seguro, não vistoriou o estabelecimento da proponente, para se certificar da presença dos elementos que autorizassem a consumação da avença, e até recebeu o prêmio, uma vez ocorrido o dano há de promover a sua cobertura. Irrelevantes são os subterfúgios utilizados pela seguradora para justificar o não pagamento do pedido indenizatório, se a empresa segurada foi vítima de roubo durante a madrugada, sendo seu funcionário, sob a mira de arma de fogo, compelido a abrir o cofre, não tendo a segurada, no caso, concorrido para aumentar o risco27”. (g. n.)
Em tal acórdão, o Ilustre Juiz Relator se manifestou:
Ao contrário da tese defendida pela apelante, tenho que sua recusa em indenizar se revela injusta e descabida, pois, era ônus exclusivo seu, quando da aceitação da proposta de seguro, antes mesmo de receber o prêmio, promover uma adequada vistoria no estabelecimento da proponente e verificar a presença dos elementos a permitir a consumação do pacto de seguro.
Há de ser observado que a mesma cautela demonstrada pela seguradora, após a ocorrência do sinistro, quando preposto seu faz um "relatório preliminar de regulação", deveria ter sido também seguida na fase pré-contratual, e se assim a seguradora não agiu, inoperante é sua alegação de que a segurada não se comportou conforme o contrato28. (g. n.)
No mesmo sentido:
AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO - SEGURO - PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO - REJEIÇÃO - VALOR DA IMPORTÂNCIA SEGURADA
- VISTORIA PRÉVIA - NÃO-COMPROVAÇÃO.
27 TAMG – 7ª Câmara Cível – Ap. Cível nº 389.003-7 – Rel. Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx – j. 05/06/2003.
28 Ibidem, 2003.
- Tendo sido interposto recurso ao Superior Tribunal de Justiça sobre fato que acarretaria ou não a existência de outra demanda, o prazo prescricional desta segunda demanda, somente começa a fluir quando referido recurso transitar em julgado.
- Aplica-se o disposto nos artigos 47 e 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor em contratos de seguro que estabeleçam cláusulas de difícil cumprimento.
- Seguradora que não cuidou de fazer vistoria prévia nos bens segurados deve arcar com o pagamento da indenização pleiteada, pois aceitou os bens relacionados pela parte no aviso de sinistro.
- Preliminar rejeitada e recurso não provido29. (g. n.)
Obtempere-se que a invalidade de uma cláusula nem sempre gera a invalidade do contrato. Desta forma, o pacto continua gerando efeitos diante dos demais direitos e deveres presentes nas cláusulas válidas. A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. (art. 51 §2°, do CDC).
Portanto, de acordo com o princípio da conservação do contrato deve-se aproveitar tudo que é possível para garantir que nenhuma das partes saiam prejudicadas. Neste mesmo sentido a doutrina de Xxxxxxxxx Xxxxxxx citada por Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, ressalta que:
O princípio da conservação consiste, pois, em se procurar salvar tudo que é possível num negócio jurídico concreto, tanto no plano da existência, quanto da validade, quanto da eficácia. Seu fundamento prende-se à própria razão de ser do negócio jurídico; sendo este uma espécie de fato jurídico, de tipo peculiar, isto é, uma declaração de vontade (manifestação de vontade a que o ordenamento jurídico imputa os efeitos manifestados como queridos), é evidente que, para o sistema jurídico, a autonomia da vontade produzindo auto-regramento de vontade, isto é, a declaração produzindo efeitos, representa algo de juridicamente útil30.
Conforme o art. 6º, inciso V, é direito do consumidor requerer a modificação das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais, ou ainda, requerer sua revisão em razão de fatos supervenientes que as torne excessivamente onerosas. Esta alternativa oferecida ao consumidor é apenas uma forma de garantir a equidade do contrato e extinguir qualquer desequilíbrio advindo de cláusulas abusivas de direito.
29 TAMG – 2ª Câmara Cível – Ap. Cível nº 349.240-8 – Rel. Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx – j. 18/12/2001.
30 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. xxxx XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx. Cláusulas Abusivas no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 118.
7. CONCLUSÃO
Do ilustrado ao longo deste trabalho, o reconhecimento do contrato de seguro como relação consumerista, visa a garantir equidade nas estipulações contratuais de natureza xxxxxxxxxxx.Xx contratar um seguro, o aderente está sujeito a cláusulas que impedem uma composição equitativa do contrato, seja por reportar limitação a um direito ou por gerar uma excessiva desvantagem, caracterizada como abuso.
Por ser um contrato realizado de modo massificado e assim para um número indeterminado de pessoas, o segurado enquanto aderente não tem possibilidade de discutir as cláusulas preexistentes, e por isso submete-se a arbítrios abusivos do segurador, o qual busca atenuar suas obrigações e responsabilidades incluindo cláusulas abusivas e limitativas no teor do contrato.
Inobstante, o contrato de seguro é claramente uma relação de consumo e, como tal, impõe ao segurador o dever de avisar e explicar ao segurado sobre as cláusulas limitativas de direito previamente à celebração do contrato. Desrespeitar tal obrigação acarreta ao segurador o ônus de ter tais cláusulas por nulas, e assim desobrigar o segurado, restabelecendo assim o equilíbrio contratual em que se deve pautar a relação de consumo, além da boa-fé, lealdade e honestidade das partes.
REFERÊNCIAS
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BRASÍLIA, STJ, REsp nº 684.613/SP, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxxxx, 2005. XXXXXX, Xxxxxx. Traité de Droit Maritime. França: Paris, 1928, tomo IV.
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