OS LIMITES DA DISPONIBILIDADE DAS INFORMAÇÕES GENÉTICAS NO CONTRATO DE TRABALHO: UMA BREVE ANÁLISE JURÍDICA.
OS LIMITES DA DISPONIBILIDADE DAS INFORMAÇÕES GENÉTICAS NO CONTRATO DE TRABALHO: UMA BREVE ANÁLISE JURÍDICA.
Xxx Xxxxxxx Xxxxxx0
“Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa. Não é igual a nada. Todo ser humano é um estranho ímpar”. (Trecho de “ Igual-Desigual” de Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx)
Sumário: 1. Introdução; 2. Análise gênica laboral; 3. Direito à intimidade do trabalhador e informações genéticas; 3. Patrimônio genético humano: análise jurídica dos direitos do trabalhador; 4. Discriminação genética legítima e ilegítima nas relações trabalhistas; 5. Considerações finais; 6. Referências Bibliográficas.
RESUMO: O presente trabalho terá como escopo a análise, no direito brasileiro, da disponibilidade das informações genéticas do trabalhador no contrato laboral. Da leitura dos princípios constitucionais e das regras de proteção ao trabalhador, buscar- se-á normas que protejam o trabalhador frente ao poder diretivo do empregador nas questões atinentes às informações genéticas. Ademais, busca-se identificar as situações em que há uma legitimidade por parte do empregador no uso das informações genéticas do empregado, bem como o tratamento legal do ordenamento jurídico brasileiro quanto as questões das informações genéticas do empregado.
ABSTRACT: The following research has as an objective analyze the Brazilian Law before the availability of the worker’s genetic information in the labor contract. From the reading of constitutional principles and worker protection rules is sought standards which will secure the worker against the employer’s directive power in questions related to genetic information. Moreover, is sought to identify situations in which there is a legitimacy by the employer in the use of the worker’s genetic information as well as the legal treatment of Brazilian Law as the genetic information issues of its workers.
PALAVRAS-CHAVE: GENOMA HUMANO; RELAÇÕES DE EMPREGO; XXXXXXX XXXXXXX; DISCRIMINAÇÃO GENÉTICA; CONTRATO DE TRABALHO; INTIMIDADE GENÉTICA; RELAÇÕES DE EMPREGO.
1 Graduanda do curso de Direito da Universidade Salvador (UNIFACS). Estagiária da Procuradoria do Meio Ambiente, Patrimônio, Urbanismo e Obras do Município de Salvador (PROAPO). Monitora da disciplina de Direito Empresarial II (Societário) na Universidade Salvador (UNIFACS).
A análise gênica é figura imperiosa na contemporaneidade. Suas facetas são múltiplas, posto que perpassa pela identificação, prevenção e até mesmo cura de doenças que acometem o ser humano de forma inesperada. Entretanto, o uso da informação genética fora da estrita finalidade assistencial pode apresentar num futuro, não tão distante, problemas éticos e jurídicos de extraordinária complexidade (principalmente se pensarmos nesta associada ao suporte tecnológico)2.
Contemporaneamente, mais do que nunca, a análise das informações gênicas do seres humanos tem sido um tema cotidiano, afinal de contas, tal situação já se encontra presente em algumas relações sociais. Exemplo disso, é a relação de trabalho. Explica-se: hoje, não raras vezes, o trabalhador é submetido pelo empregador à análise genética antes ou durante o contrato de trabalho. Ante esse quadro, pode-se ter um o ponto de partida para novas discriminações no âmbito laboral.
Ora, há que se ter em mente que a finalidade de qualquer teste genético deve ser a preservação da vida e saúde do trabalhador e qualquer requerimento do empregador que seja contrária a esta premissa e fira a sua dignidade e/ou gere discriminação genética deverá ser impedida3.
O trabalhador é protagonista no contrato de trabalho, sendo inegavelmente um sujeito portador de direitos quanto as liberdades individuais e quanto a sua qualidade de trabalhador. Tal gama de direitos está prevista, basicamente, no art. 5º e art. 7º da Constituição Federal. Em razão da amplitude de tais direitos, cumpre destacar aqui, aquele que tem estreita ligação ao recorte epistemológico do presente trabalho. Trata-se do direito à intimidade do trabalhador, que guarda estreita relação com o princípio da não discriminação.
2 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. Genoma humano: eugenia e discriminação genética.Disponível em:
< xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxx/xxxxx/xx/xxxx_xxxxxxxxx_xx_xxxxxxxx.xxx. >. Acesso em 01 de dezembro de 2014.
3 MYSZCZUK, Xxx Xxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxx xx. Testes genéticos, eugenia e contrato do trabalho: análise à luz da declaração universal dos direitos humanos e do genoma humano e da constituição federal de 1988 (Genetic tests, eugenics and employment: analysis in light of the universal declaration of human rights and human genome and the brazilian federal constitution of 1988). Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx>. Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
Muito embora o trabalhador seja sujeito de uma gama de direitos previstos pelo Constituinte, bem como pelo legislador ordinário, verifica-se que tais direitos, não raras vezes, são mitigados ante justificativa pífia: o poder diretivo do empregador. Como bem salienta Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx0:
O art. 2º da CLT confere ao empregador o poder diretivo, o qual se manifesta através do controle, da vigilância e da fiscalização, como forma de avaliar o cumprimento da obrigação do empregado, para evitar medidas disciplinares.
Por conseguinte, ante a gama de direitos garantidos ao trabalhador e o poder diretivo do empregador, diversas questões aparecem: Quais direitos estão em jogo quando se trata de análise gênica laboral? O empregador tem direito ao acesso as informações genéticas do empregado? Caso sim, quais seriam os limites? Como se porta o ordenamento jurídico brasileiro ante esse quadro? Veja-se.
Antes de adentrar ao tema, é necessário uma breve análise do que são informações genéticas. Para tanto, faz-se imperioso lembrar um empreendimento do século XXI, que tornou mais popular a concepção sobre genética: o projeto genoma humano. Esclarece Xxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx0 que
(...) o objetivo inicial do PGH constituiu-se em elaborar um “mapeamento” dos genes das nossa espécie através da localização, posição e distanciamento dos mesmos nos cromossomos humanos, com uma acuidade cada vez mais apurada, a partir da alocação sequencial das bases nitrogenadas do DNA (...) (o DNA) é uma molécula que contém toda informação genética do indivíduo, e se encontra distribuído pelos 23 pares de cromossomos do ser humano. O genoma é o conjunto do DNA da célula de um organismo vivo, sendo idêntico em cada célula desse ser (...).
O Projeto Genoma Humano possibilitou o sequenciamento virtual do mapa genético humano, fato que deve ser aplaudido, pois, indiscutivelmente, há um caminho que pode trazer diversas benesses à prevenção e diagnóstico de doenças. Ocorre que, o avanço cientifico sobre o patrimônio genético humano pode trazer uma série de problemas éticos e jurídicos.
4 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Regulamentação das relações de Xxxxxxxx e a privacidade do trabalhador. Disponível em: < xxxx://xxxxxx.xxx00.xxx.xx/xxxxxxxxx/000000/000000/Xxx00Xxx00.xxx/0000x00x-x00x- 4d6c-a38d-08eda2dc17f1 >. Acesso em 01 de dezembro de 2014.
5 XXXXX, Xxxxx xx Xxxxxxxx. Violação a identidade, intimidade, ineditismo genético, como afronta aos direitos da personalidade do indivíduo. Disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxx/xxxxxxxx/Xxxxx/xxx_xxxxx/0000.xxx. >. Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
Ora, num outro contexto em que as técnicas da biologia molecular eram limitadas, empregadores já utilizavam alguns testes genéticos para a contratação de funcionários. Como bem lembrado por Xxxxx X.X.X., Xxxxx Xxxxx e Xxxxxx X. Filho6:
Na década de 70, bem antes do início do Projeto Genoma Humano, os negros americanos que possuíam traços genéticos para anemia falciforme eram impedidos de contratação em determinadas ocupações, embora apresentassem condições adequadas de saúde e ausência de riscos de desenvolverem a doença. (...)
Diante da situação supracitada, pode-se concluir que informações sobre os dados genéticos do trabalhador já foram utilizadas como fator de discriminação nas relações de emprego. Entretanto, hoje, com o suporte tecnológico que se tem, a disponibilidade das informações genéticas podem trazer efeitos nefastos ao indivíduo. Explica-se.
Algumas doenças genéticas podem ou não se manifestar no indivíduo durante a vida. A manifestação de determinadas doenças está vinculada não apenas às informações genéticas, mas também à fatores externos, como a exposição à determinados tipos de ambientes, bem como a rotina de hábitos saudáveis ou até mesmo uma questão de sorte. São as chamadas doenças multifatoriais, das quais fazem parte: cardiopatias congênitas, certos tipos de câncer, a diabetes mellitus, a hipertensão arterial e até mesmo a obesidade.
As informações genéticas podem ser das mais variadas. Hoje, os cientistas buscam, através da análise gênica, respostas para o que antes entendíamos como gostos pessoais do indivíduo, tal como a sexualidade. Ante a gama de possibilidades que a análise do patrimônio genético traz, faz-se imperioso traçar limites para o empregador obter tais informações, identificando, antes de tudo, os direitos que os trabalhadores tem com relação ao seu patrimônio genético. Analisemos.
3. PATRIMÔNIO GENÉTICO HUMANO: ANÁLISE JURÍDICA DOS DIREITOS DO TRABALHADOR
Ante a possibilidade atual do uso das informações genéticas do trabalhador no contrato de trabalho, é importante identificar os direitos que estão intrinsecamente ligados à tal situação fática, para que se possa definir quais instrumentos jurídicos hábeis a proteger o trabalhador casuisticamente.
6 GATTÁS, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; SEGRE, Xxxxx; FILHO, Xxxxxx Xxxxxx. Genética, biologia molecular e ética: as relações de trabalho e saúde. Ciênc. saúde coletiva v.7 n.1 Xxx Xxxxx, 0000. Disponível em:
<hhttp://xxx.xxxxxx.xx/xxx/xxx/x0x0/x00x00x0.xxx > . Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
Indiscutivelmente, o trabalhador é protagonista no contrato de trabalho, sendo inegavelmente um sujeito portador de direitos. Tal gama de direitos está prevista, basicamente, no art. 5º e art. 7º da Constituição Federal.
Em razão da amplitude de tais direitos, cumpre destacar aqui, aquele que tem estreita ligação ao recorte epistemológico do presente trabalho. Trata-se do direito à intimidade do trabalhador, um direito individual assegurado de forma erga omnes. A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, X, considera que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Como se depreende da leitura do artigo supracitado, verifica-se que a nossa Carta Política diferencia o direito à intimidade e privacidade. Muito embora haja uma verdadeira celeuma doutrinária para definir a diferenciação entre tais direitos, pode-se dizer que tal diferenciação não traz nenhuma consequência prática. Isto porque ambos fazem parte dos direitos de personalidade, mais especificamente no que concerne a integridade moral do próprio homem.
Em sendo um direitos personalíssimo, independente de qualquer diferenciação terminológica, o direito à intimidade e à privacidade terão como finalidade a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana. Tais direitos devem ser respeitados em qualquer relação em que o indivíduo esteja inserido, inclusive nas relações laborais, pois a sua inserção no processo produtivo não lhe retira o direito de personalidade, cujo exercício pressupõe liberdades civis7.
No ordenamento jurídico brasileiro, pode-se destacar três importantes contribuições legislativas que buscam tutelar a privacidade do trabalhador. São elas:
a) Lei 9.029/95, que proíbe a investigação sobre a esterilização ou gravidez da empregada. A inovação da lei trouxe uma contribuição significativa no que tange as limitações ao poder empregatício tanto na fase pré quanto na fase contratual;
b) Lei 9799/ 1999: lei que modificou os itens III, IV , V e VI do art. 373- A da CLT. Tal mudança proíbe quaisquer ingerências do empregador sobre o direito à privacidade do
7 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Regulamentação das relações de trabalho e a privacidade do trabalhador.
Conferência proferida no II Congresso de Magistrados Trabalhistas da Região Sudeste, em Ribeirão Preto
– SP, nos dias 22 e 23 de novembro de 2001. Disponível em: < xxxxxx.xxx00.xxx.xx>. Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
empregado e que visem discriminá-los em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;
c) Lei 10.224/2001: lei que tipificou o assédio sexual como crime e que, portanto, protege a intimidade e a liberdade das pessoas.
Logo é inegável o fato de que as informações genéticas podem atingir ou não o direito à intimidade/privacidade do trabalhador. Tal direito, por ser personalíssimo, ao ser ofendido, traz a possibilidade pelo trabalhador de adotar medidas judiciais de natureza individual, podendo ser cabível a indenização por dano ao patrimônio moral do trabalhador. Entretanto, como bem salienta Xxxxxx Xxxxx x Xxxxx Xxxx0, são muito escassas as hipóteses de empregados que, durante o vínculo propõem ações individuais contra seus empregadores, pois temem pela reação empresarial que certamente culminará na extinção do contrato de trabalho.
Nas palavras de Xxxxxxxx Xxxxxx Winckler, o genoma humano constitui a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana, bem como de sua inerente dignidade e diversidade. Num sentido simbólico, é patrimônio da humanidade9. Ante magnitude do que representa as informações genéticas, a busca da sua proteção jamais deverá estar atrelada a algum temor, que configuraria um óbice à sua tutela. Diante disso, é necessário um instrumento jurídico que não exponha tanto o trabalhador e que permita a tutela de tal direito.
Esclarece Xxxxxxx Xxxxxxxx que o direito à proteção do patrimônio genético humano poderá estar inserido no parágrafo 1º, II do artigo 225 da Constituição Federal10 11. Por conseguinte, para a autora, sendo a proteção do
8 NETO, Xxxxxx Xxxxx x Xxxxx. Constituição, Discriminação Genética e Relações de trabalho. Revista eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 26, abril/maio/junho de 2011. Disponível na internet em: < xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/XXXX- 26-ABRIL-2011-XXXXXX-XXXXX-X-XXXXX-XXXX.pdf> Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
9 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx. Da preservação do patrimônio genético humano à luz da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxx/xxxxx/xxxxxxxxx/0000.xxx> . Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
10 NETO, Xxxxxx Xxxxx x Xxxxx. Constituição, Discriminação Genética e Relações de trabalho. Revista eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 26, abril/maio/junho de 2011. Disponível na internet em: < xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/XXXX- 26-ABRIL-2011-XXXXXX-XXXXX-X-XXXXX-XXXX.pdf> Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
11 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...)II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
patrimônio genético um direito das presente e futuras gerações, reconhece-se a sua natureza jurídica de interesses difusos, pois:
A informação genética alcançada através de uma determinada tecnologia é um bem de interesse difuso porque o interesse em ser beneficiado pelos resultados científicos e tecnológicos é pertencente a um número indeterminado de pessoas.
Logo, em sendo interesse difuso12 possibilita que o Ministério Público tutele tal interesse, ante sua função institucional prevista no inciso III do art. 129 da Constituição Federal que dispõe:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
Ademais, traz Xxxxxx Xxxxx x Xxxxx Xxxx outras possibilidades de ação civil pública ante a discriminação genética laboral pois, para ele o uso indevido de informações constantes em exame genético ofende o direito à autodeterminação informática do trabalhador, o que atrairia a incidência do art. 127 da Constituição13, tornando o Ministério Público do Trabalho co-legitimado à iniciativa judicial. Aqui, poderá o MPT ou qualquer outro legitimado incluir na petição inicial pedido de obrigação de não-fazer, qual seja, a exigência da submissão do trabalhador à exame genético, bem como a exigência do exame14.
Portanto, conclui-se que no ordenamento jurídico pátrio é possível tutelar interesses jurídicos do trabalhador que sejam discriminados ante suas informações genéticas. Tal direito pode ser efetivado judicialmente através do manejo de uma ação trabalhista individual ou por ação civil pública, em que nesta, o Ministério Público terá legitimidade para propor ação e naquela, o próprio trabalhador. Entretanto, cumpre agora destacar quando será caracterizada a discriminação genética laboral.
12 Pode-se definir direitos difusos como sendo “aqueles transindividuais (metaindividuais, supraindividuais, pertencentes à uma coletividade), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo), e, cujos titulares sejam pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não havendo individuação), ligadas por circunstancias de fato, não existindo um vínculo comum de natureza jurídica” (XXXXXX XX., Xxxxxx; XXXXXX XX., Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. Vol. 4. 8ª edição: revista, ampliada e atualizada. Editora Juspodivm. P. 78)
13 “ Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. “
14 NETO, Xxxxxx Xxxxx x Xxxxx. Constituição, Discriminação Genética e Relações de trabalho. Revista eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 26, abril/maio/junho de 2011. Disponível na internet em: < xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/XXXX- 26-ABRIL-2011-XXXXXX-XXXXX-X-XXXXX-XXXX.pdf> Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
4. DISCRIMINAÇÃO GENÉTICA LEGÍTIMA E ILEGÍTIMA NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS
A discriminação genética do trabalhador, ou seja, a utilização de suas informações genéticas como fator discriminatório pode se dar nas mais diversas fases do contrato de trabalho. Por outras palavras, tal prática discriminatória, pode ocorrer na vigência da relação empregatícia (por exemplo, para fins de conceder ou não ao empregado, uma promoção ou ascensão no cargo) e, ainda, os dados genéticos podem vir a ser utilizados de forma ilícita discriminatória, até mesmo, no momento de uma decisão acerca da dispensa do trabalhador15.
Muita vezes, as práticas discriminatórias são veladas em razão do poder diretivo que a legislação confere ao empregador. Ocorre que, a discriminação não constitui a voluntas legislatoris. A legislação trabalhista confere aos empregadores a possibilidade de selecionar seus empregados com alguns critérios tal como o grau de instrução e experiência profissional anterior, mas não podem usar com o critério de seleção condições específicas como idade, sexo, cor de pele e origem étnica16. Tais critérios não podem ser utilizados pois o Estado Brasileiro repele veementemente processos discriminatórios.
O rechaço a discriminação é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito pátrio. Tal objetivo é tão fundamental para a constituição do Estado Brasileiro que o constituinte elucidou tal princípio no art. 3º, inc. IV da Constituição Federal, cominando, inclusive a possibilidade de punir o agente ativo da conduta de discriminar, conforme o art. 5º, XLI da Constituição, in verbis:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
15 XXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxx. A utilização de dados genéticos do trabalhador como fatos de discriminação das relações de emprego. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxxxxxx.xx/xxxxx.xxx/x. edu/article/viewFile/2880/2091> . Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
16 GATTÁS, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; SEGRE, Xxxxx; FILHO, Xxxxxx Xxxxxx. Genética, biologia molecular e ética: as relações de trabalho e saúde. Ciênc. saúde coletiva v.7 n.1 Xxx Xxxxx, 0000. Disponível na intrnet em: <hhttp://xxx.xxxxxx.xx/xxx/xxx/x0x0/x00x00x0.xxx > . Acesso em 06 de fevereiro de 2015.
Os verbetes acima trazem à tona o princípio da não discriminação na nossa Carta Magna. Além deste princípio, tem-se ainda o princípio da igualdade elucidado no art. 5º, caput conhecido inclusive pelos leigos, ainda que tão somente no sentido formal. Pode-se aplicar tanto o princípio da não discriminação quanto o princípio da igualdade sob o prisma laboral, conforme se extrai do art. 7º , incisos XXX, XXXI e XXXII transcritos abaixo:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;
Entretanto, muito embora haja o rechaço à desigualdade e à discriminação, é importante traçar uma análise sistemática da Constituição Federal e não apenas uma análise recortada, que pode dar ensejo à uma manipulação forense como não raras vezes presencia-se cotidianamente17. Da análise do princípio da igualdade em sua acepção material, verifica-se que o ordenamento jurídico traz “discriminações toleráveis” para que o princípio da igualdade tenha de fato efetividade. Entretanto, é importante traçar traços distintivos entre a discriminação e o princípio da igualdade material, para que não se tenha situações teratológicas no ordenamento, causando insegurança jurídica aos tutelados.
Pode-se dizer que haverá discriminação e, portanto, violação ao princípio da igualdade, todas as vezes que a utilização de um elemento discriminador mostrar-se abusiva, desnecessária, irreal18. É imprescindível, portanto, analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional19.
Diante dos fundamentos trazidos, não há o que se pensar numa discriminação genética laboral absoluta. Por oportuno é importante trazer à baila a
17 Recomenda-se aqui, para melhor entendimento sobre manipulação forense, a seguinte leitura: XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx. Legislação simbólica: sobre os riscos de manipulação ideológica do Direito. In: Geraldo Lavigne de Lemos. (Org.) . Legislação Simbólica: uma realidade constatada. Salvador: Editora dois de julho, 2012. X. 00-00
00 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx. A igualdade, o princípio da proibição da discriminação e as ações afirmativas como promoção dos direitos humanos, à luz da teoria crítica.Disponível em: < xxxxx://xxx.xxx0.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxx/xxx/000_xxxxxxxxx_xxxxx_xxxxxxxxxxx.xxx>. Acesso em 21.11.2014.
19 XXXXX,Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, p. 22
definição de discriminação genética, que pode ser entendida como toda e qualquer prática discriminatória que tem por base a codificação genética da pessoa. Como bem elucida Xxxxxx Xxxxx x Xxxxx Xxxx00, podemos distinguir dois tipos de discriminação genética, quais sejam, a discriminação legitima e a discriminação ilegítima.
Esclarece o supracitado Autor que a discriminação genética será ilegítima quando não consentida por fato da vida; quando o empregador se vale das informações da codificação genética do empregado para recusar-lhe promoção ou, ainda pior, para impedir que se dê a contratação. Por conseguinte, teremos como legítima a discriminação – e, portanto, não ofensiva ao postulado da igualdade - quando o critério distintivo eleito para desequiparar as pessoas se encontra plenamente justificado pela situação fática. Traz o autor como exemplo um empregado com o gene da leucopenia (doença que reduz a quantidade de leucócitos no sangue) e que trabalha com o benzeno. Seria legítimo ao empregador afastar das atividades tal funcionário, pois dados científicos e estatísticos comprovam, de forma objetiva, que há inegável correlação entre exposição ao benzeno e a redução dos glóbulos brancos no sangue21.
Portanto, caso a discriminação se funde em circunstância que autorize o procedimento desequiparador, não há o que se falar em ofensa aos direitos fundamentais. A discriminação subsistirá, mas será legítima, pois atende ao primado pelo princípio da igualdade em sua acepção material.
O uso das informações genéticas no meio laboral já é uma realidade. Entretanto, o sistema jurídico pátrio deve orientar as ações dos particulares para que, numa relação trabalhista, o uso de tais informações não seja nocivo ao trabalhador.
O ordenamento jurídico brasileiro não tem uma legislação específica que regule o uso das informações genéticas no mercado de trabalho. Ocorre que, por uma análise sistemática da Constituição Federal, bem como das legislações ordinárias, verifica-se que o direito do trabalhador será resguardado, havendo inclusive
20 NETO, Xxxxxx Xxxxx x Xxxxx. Constituição, Discriminação Genética e Relações de Trabalho. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 26, abril/maio/junho de 2011. Disponível na Internet: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/XXXX-00- ABRIL-2011-XXXXXX-XXXXX-X-XXXXX- XXXX.pdf>. Acesso em: 21.11.2014.
21 NETO, Xxxxxx Xxxxx x Xxxxx. Constituição, Discriminação Genética e Relações de trabalho. Revista eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 26, abril/maio/junho de 2011. Disponível na internet em: < xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxx.xxx/xxxxxxx/XXXX- 26-ABRIL-2011-MANOEL-XXXXX-X-XXXXX-XXXX.pdf> Acesso em 07 de fevereiro de 2015.
instrumentos jurídicos hábeis para tanto, a exemplo da ação trabalhista e da ação civil pública.
Contudo, muito embora o rechaço a discriminação seja um imperativo constitucional, tem-se que analisar casuisticamente se tal discriminação é pertinente ou não, para que se atenda ao princípio da igualdade em sua acepção material. Portanto, há a possibilidade de utilização das informações genéticas do trabalhador, mas apenas quando o uso de tais informações sejam no sentido de resguardar a saúde do trabalhador.
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