DANIEL ORFALE GIACOMINI
XXXXXX XXXXXX XXXXXXXXX
A DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS PELOS CONSUMIDORES DESISTENTES E EXCLUÍDOS DOS CONTRATOS DE CONSÓRCIO À LUZ DA LEI 11.795/08 E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO 2010
Xxxxxx Xxxxxx
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XXXXXX XXXXXX XXXXXXXXX
A DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS PELOS CONSUMIDORES DESISTENTES E EXCLUÍDOS DOS CONTRATOS DE CONSÓRCIO À LUZ DA LEI 11.795/08 E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais – Direitos Difusos e Coletivos, sob a orientação do Professor Doutor Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx.
SÃO PAULO 2010
BANCA EXAMINADORA
Aos meus filhos Xxxx Xxxxxx e Xxxxxxx, à minha esposa Xxxxxxxx, aos pais Xxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx e aos meus irmãos Xxxxxx e Xxxxxxx, pois a verdadeira felicidade está em casa, entre as alegrias da família.
Ao meu avô Xxxxx, que não mais entre nós, sempre foi e será fonte de inspiração para a busca do conhecimento, não importando a idade.
AGRADECIMENTOS
Ao professor Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx, orientador e amigo, pela confiança, paciência até a definição do tema e ajuda nos caminhos que levaram à conclusão deste trabalho.
Ao amigo e professor Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, que acreditou em minha capacidade e ajudou-me diante das dificuldades.
Aos professores e amigos Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, pelo incentivo, oportunidades e credibilidade.
Aos amigos Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx xx Xxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx.
Aos meus alunos do Curso de Especialização em Direito das Relações de Consumo – COGEAE, da PUC/SP.
Ao Xxxxxxx Xxxx X. xx Xxxxxxx, do departamento jurídico da ABAC, pela troca de informações sobre os consórcios, que foram de grande valia para o presente trabalho.
Aos amigos do escritório Xxxxx Xxxxxxxxxx e Zilio Advogados Associados, pela convivência diária e apoio para a realização deste trabalho.
"É no embate dos contrários que se chega à
perfeita harmonia”.
(Heráclito)
XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. A devolução das quantias pagas pelos consumidores desistentes e excluídos dos contratos de consórcio à luz da Lei 11.795/08 e do Código de Defesa do Consumidor. 2010. 189f. Dissertação (Mestrado em Direito)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.
O presente estudo traz como objeto de investigação a devolução das quantias pagas pelos consumidores desistentes e excluídos do contrato de consórcio, pretendendo abordá-la e analisá-la à luz da nova legislação que regula o sistema de consórcios no Brasil, a Lei 11.795/08, e do Código de Defesa do Consumidor.
Para adentrar o tema, o trabalho traça, primeiramente, um perfil do sistema de consórcios no Brasil, com a evolução de sua história e de sua disciplina jurídica.
Com a análise do sistema de consórcios no Brasil, passa-se a discorrer sobre os fundamentos da defesa do consumidor, uma vez que, por se tratar de relação de consumo, o contrato de consórcio se submete às disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Outra abordagem alude aos contratos de consumo, sendo o contrato de consórcio um típico contrato de adesão.
Faz-se necessário, também, a análise do contrato de consórcio, com a identificação de suas partes, conceitos fundamentais e características principais, com destaque para o poder regulatório e fiscalizador do Banco Central do Brasil e a fixação das condições mínimas do contrato de consórcio constante de suas circulares.
Com esse pano de fundo, o estudo encontra subsídios para discorrer sobre a questão da devolução das quantias pagas pelos consorciados desistentes e excluídos e que, até a novel legislação, encontrava divisão na doutrina e na jurisprudência, com relevantes argumentos econômicos e de direito pelos que entendem que a mesma deveria ocorrer de maneira imediata, assim como por aqueles que entendem que a devolução dessas quantias deveria ocorrer somente após o término do grupo, devidamente corrigidas.
Passa-se, então, a análise da forma com a questão da devolução das quantias pagas aos consorciados desistentes e excluídos foi tratada pela atual legislação, onde não há mais necessidade de se aguardar o encerramento do grupo, passando estes consumidores a participarem do sorteio para receberem de volta os valores pagos.
O resultado da pesquisa aponta no sentido de que a Lei nº. 11.795/08, categorizando o funcionamento da sociedade consorcial na prevalência do interesse do grupo de consórcio sobre o interesse individual do consorciado, agiu com espírito de razoabilidade e harmonia ao definir a nova sistemática de devolução das quantias pagas aos consumidores desistentes e excluídos, submetendo sua ocorrência à contemplação em sorteio, como é próprio do sistema de consórcio, desde a sua concepção.
Palavras-chave: Consórcio. Devolução de quantias pagas. Lei 11.795/08.
Código de Defesa do Consumidor.
ABSTRACT
XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Recovery of amounts paid by consumers dropouts and excluded from the consortium contracts in light of Law 11.795/08 and the Consumer Protection Code. 2010. 189f. Dissertation (Master in Law)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.
This study aims to investigate the refund of credits to consumers that were excluded or discontinued of purchasing pool agreements, seeking to scrutinize it in light of the recent legislation that regulates purchasing pool agreements in Xxxxxx, Xxx Xx. 00000/00, as well as the Consumer Protection Code.
At first, the study draws the mechanism of purchasing pool agreements in Brazil, broaching its historical evolution and legal development.
Once the mechanism of purchasing pool agreements in Brazil is scrutinized, grounds of consumers’ defense in analyzed, once, as it deals with a consumer relation, purchasing pool agreements are also subject to the rules set forth in the Consumer Protections Code.
Another aspect of the study relates to consumer agreements, provided that purchasing pool agreements are emblematic adhesion contracts.
It is also necessary to analyze purchasing pool agreements, identifying its parties, ground concepts and main characteristics, emphasizing Brazilian Central Bank’s attribution to regulate and supervise such agreements, as well as to determine the ground conditions of purchasing pool agreements, as provided for in respective bills.
Once this scenario is drew, the ground is set to present the argumentation concerning refunding of amounts paid by consumers that were excluded or discontinued of purchasing pool agreements. Before the recent legislation, such topic caused disagreement among Court decisions and legal writers, with sound arguments, economical and legal, both to sustain that refund should occur immediately or that the refund should occur upon termination of the purchasing pool, xxxxx updated.
The actual rules concerning refund of amounts is then scrutinized, considering that according to Law No. 11795/08 there is no need to wait termination of the purchasing pool in order to refund the amounts due to consumers, as excluded and discontinued consumers take part in the raffle in order to be reimbursed immediately.
The study carried on resulted in the conclusion that Law No. 11795/08 adopted the stand that the general interest of all the individuals that take part in the purchasing pool should prevail over the interest of one single consumer. To that extent, the Law No. 11795/08 is in line with rule of reason and the principle of harmony, as it conditioned the refund of amounts to the rule of raffle, which is proper to purchasing pool mechanisms, as it was conceived.
Keywords: Purchasing pool. Refund of amounts due. Law No. 11795/08.
Consumer Protection Code.
INTRODUÇÃO 12
1. O SISTEMA DE CONSÓRCIOS NO BRASIL 15
1.1 NOÇÕES GERAIS 15
1.2 ORIGENS HISTÓRICAS 16
1.3 OS “CONSÓRCIOS” NO DIREITO BRASILEIRO 18
1.4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONSÓRCIOS DE BENS DURÁVEIS E SERVIÇOS NO BRASIL 19
1.5 EVOLUÇÃO DA DISCIPLINA JURÍDICA DO CONSÓRCIO NO BRASIL 27
2. A DEFESA DO CONSUMIDOR: PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS 36
2.1 A FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS NO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO 36
2.2 A BASE CONSTUTICIONAL DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 40
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NORTEADORES DAS RELAÇÕES DE CONSUMO 44
2.4 O MICROSSISTEMA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 54
3. OS CONTRATOS DE CONSUMO 61
3.1 NOÇÕES GERAIS DE CONTRATO 61
3.2 CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 65
3.3 PRINCÍPIOS DA TUTELA CONTRATUAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 68
3.3.1 A BOA-FÉ NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 68
3.3.2 PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA 71
3.3.3 PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO 72
3.3.4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE 74
3.3.5 PRINCIPIO DA EQUIDADE 76
3.3.6 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA 79
3.3.7 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO 80
3.4 CONTRATOS DE ADESÃO E CLÁUSULAS GERAIS CONTRATUAIS 84
4. O CONSÓRCIO E SEU CONTRATO 91
4.1 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE CONSÓRCIO 94
4.2 O CONTRATO DE CONSÓRCIO NA LEI 11.795/08 97
4.3 AS PARTES DO CONTRATO DE CONSÓRCIO 99
4.3.1 O CONSORCIADO 99
4.3.2 A ADMINISTRADORA DE GRUPOS DE CONSÓRCIO 102
4.3.2.1 A ADMINISTRAÇÃO ESPECIAL E A LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DA ADMINISTRADORA DE GRUPOS DE CONSÓRCIO 106
4.3.3 O GRUPO DE CONSÓRCIO 107
4.3 3.1 A CONSTITUIÇÃO E O ENCERRAMENTO DO GRUPO DE CONSÓRCIO108
4.3.3.2 AS ASSEMBLÉIAS REALIZADAS NO GRUPO DE CONSÓRCIO 109
4.3 3.3 AS CONTEMPLAÇÕES E OS RECURSOS DO GRUPO DE CONSÓRCIO111
4.4 O BANCO CENTRAL DO BRASIL COMO ÓRGÃO REGULAMENTADOR E FISCALIZADOR DO SISTEMA DE CONSÓRCIOS 112
4.4.1 AS CIRCULARES DO BACEN E AS CONDIÇÕES MÍNIMAS DO CONTRATO DE CONSÓRCIO 117
5. O CONTRATO DE CONSÓRCIO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 124
5.1 A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO ENTRE OS CONSORCIADOS E AS ADMINISTRADORAS DE CONSÓRCIO 125
5.2 O CONTRATO DE CONSÓRCIO DA LEI 11.795/08 À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 130
5.2.1 A DISCIPLINA DO CONTRATO DE CONSÓRCIO COMO INSTRUMENTO PLURILATERAL CELEBRADO POR ADESÃO 130
5.2.2 A PROPOSTA DE PARTICIPAÇÃO E OS PLANOS DE EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DO CONTRATO DE CONSÓRCIO 135
5.2.3 A MULTA PECUNIÁRIA NOS CONTRATOS DE CONSÓRCIO DA LEI 11.795/08 137
5.2.4 O CONTRATO DE CONSÓRCIO CONTEMPLADO COMO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL 141
6. DESISTÊNCIA E EXCLUSÃO DO GRUPO DE CONSÓRCIO: A QUESTÃO DA DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS 144
6.1 A DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS AOS CONSUMIDORES DESISTENTES E EXCLUÍDOS DOS CONTRATOS DE CONSÓRCIO ANTERIOES E NÃO ADAPTADOS À LEI 11.795/08 147
6.2 A DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS AOS CONSUMIDORES EXCLUÍDOS NA LEI 11.795/08 155
6.3 A NOVA SISTEMÁTICA DE DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS COMO INSTRUMENTO DE HARMONIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO 161
CONCLUSÃO 165
ANEXO - A APLICAÇÃO DA NOVA SISTEMÁTICA DE DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS AOS CONSUMIDORES EXCLUÍDOS PELO PODER JUDICIÁRIO 170
REFERÊNCIAS 182
INTRODUÇÃO
Em um trabalho científico que tem por escopo estudar um determinado tema, acreditamos que ao leitor devem ser apresentados sua contextualização, objetivos, justificativas e o problema que se coloca, ainda que não se tenha por escopo alcançar uma efetiva resposta ao mesmo, sem o que não é possível esperar que se possa compreender qual seria a pretensa utilidade de sua leitura.
O objetivo desde trabalho é investigar a questão da devolução das quantias pagas pelos consumidores desistentes e excluídos dos contratos de consórcios, tendo como base as disposições da Lei nº 11.795/08, que atualmente dispõe sobre o sistema de consórcios no Brasil, e do Código de Defesa do Consumidor.
Desde o início de nossos estudos sobre o Direito do Consumidor, um ponto que sempre nos levou a reflexão após a análise de situações que acabavam por gerar conflitos entre os interesses de consumidores e fornecedores, foi o de como o ordenamento jurídico poderia evoluir, a fim de resolver com razoabilidade a questão, tornando a relação mais harmônica, sem gerar mais custos aos consumidores e nem comprometer a permanência do produto ou do serviço no mercado.
Neste contexto se insere o presente trabalho que, ao discorrer sobre contratos de consórcios enquanto contratos de consumo, pretender analisar a questão da devolução das quantias pagas pelos consumidores desistentes e excluídos deste tipo de contrato.
Anteriormente à edição da atual legislação sobre o sistema de consórcios no Brasil, a devolução das quantias pagas aos consorciados desistentes e excluídos já nos despertava atenção e interesse de estudo, por apresentar relevantes argumentos econômicos e de direito pelos que entendem que a mesma deveria ocorrer de maneira imediata à desistência ou exclusão, assim como por aqueles que
entendem que a devolução dessas quantias deveria ocorrer somente após o término do grupo, devidamente corrigidas.
O artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, embora defina em seu caput que são nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em caso de resolução do contrato por inadimplência e, em seu parágrafo segundo, especificamente para os contratos do sistema de consórcios de produtos duráveis, determine que a compensação ou a restituição das parcelas quitadas devam ter descontada, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo, infelizmente, não tratou do momento da devolução das quantias pagas.
A atual legislação que dispõe sobre o sistema de consórcios no Brasil tratou da devolução das quantias pagas aos consorciados desistentes e excluídos. Para os grupos de consórcio formados na vigência da nova lei e para os grupos anteriores a ela adaptados, diferentemente do que estabelecia a legislação anterior, não há mais a necessidade de o consorciado excluído ter que aguardar o encerramento do grupo; estes consumidores passam a participar do sorteio realizado nas assembléias e, em caso de contemplação, receberem de volta os valores pagos.
Relativamente ao momento da devolução das quantias pagas aos consumidores desistentes e excluídos dos contratos de consórcio, importa debater questões tais como: a devolução de imediato das quantias pagas importa em prejuízos à administradora de grupos de consórcio ou em desequilíbrio econômico e financeiro do grupo de consórcio? É abusiva a cláusula contratual que determina a devolução das quantias pagas somente quando do término do grupo? A novel legislação, ao estabelecer que a devolução das quantias pagas dar-se-á quando da contemplação em sorteio, agiu com razoabilidade e atendeu ao princípio da Política Nacional das Relações de Consumo que visa à harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo?
Para empreender a tarefa então proposta, organizou-se o estudo em seis capítulos. O primeiro deles aborda o sistema de consórcios no Brasil, com noções
gerais, suas origens e evoluções até os dias atuais. O segundo capítulo destaca os princípios e fundamentos da defesa do consumidor. No terceiro capítulo, discorre-se sobre os contratos de consumo, com ênfase para os princípios da tutela contratual no Código de Defesa do Consumidor e para os contratos por adesão. O quarto capítulo aborda o consórcio e seu contrato, com a apresentação de conceitos e características, bem como identificação de suas partes e de seu funcionamento, além do poder normativo do Banco Central do Brasil. No quinto capítulo, analisa-se a relação entre os contratos de consórcio e o Código de Defesa do Consumidor. Por fim, o sexto capítulo ingressa no estudo da devolução das quantias pagas pelos consumidores desistentes e excluídos dos contratos de consórcio, com análise da questão antes e após o advento da Lei n. 11.795/08 e especial interesse em verificar se a nova legislação agiu com razoabilidade de forma a trazer harmonia para o sistema de consórcios no Brasil.
1. O SISTEMA DE CONSÓRCIOS NO BRASIL
1.1 NOÇÕES GERAIS
O "Dicionário Houaiss da língua portuguesa”1 diz que consórcio é o: "grupo de pessoas que assumem o compromisso formal de pagar mensalmente uma prestação para um caixa comum, destinada à compra futura de um bem (automóvel, eletrodoméstico etc.), cujas unidades serão entregues paulatinamente a cada um dos consorciados, a intervalos estipulados, mediante sorteio e/ou lance".
O sistema de consórcio, que pela união de pessoas visando à coleta de recursos que possibilitem a compra de bens aos seus integrantes, está há quase meio século no mercado de consumo nacional.
No Brasil, o consórcio viabiliza o acesso de consumidores ao mercado de consumo, mediante a captação de poupança popular, a partir do pagamento de uma contribuição mensal, garantindo aos integrantes dos grupos de consórcio a aquisição de bens e serviços.
Assim, o sistema de consórcios no Brasil representa, atualmente, o interesse de mais de três e meio milhões de consorciados2, movimentando milhões de reais e participando do Produto Interno Bruto (PIB). Isto significa que o sistema de consórcio atende os princípios gerais da ordem econômica e financeira, proporcionando meios de uma existência digna aos consumidores, mediante o acesso de bens e serviços e reduzindo as desigualdades sociais e regionais, pela criação de postos de trabalho, pela geração de impostos diretos e indiretos e pela
1 XXXXXXX, Xxxxxxx (1915-1999) e VILLAR, Xxxxx xx Xxxxx. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 2ª reimpressão com alterações. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, pág. 811.
2 3.811.422 de participantes ativos em Novembro/2009, de acordo com as estatísticas divulgadas pelo Banco Central Do Brasil através de publicação em seu site na Internet em 28/01/2010.
<xxx.xxx.xxx.xx>. Acesso em 21 mar. 2010.
exploração da atividade econômica, observando a justiça social, a valorização do trabalho humano e a defesa do consumidor.
E é neste contexto que foi redigido pelo legislador brasileiro o Art. 1º da novel legislação que dispões sobre o sistema de consórcio – Lei nº. 11.795, de 08 de outubro de 2008:
“O sistema de consórcio, instrumento de progresso social que se destina a propiciar o acesso ao consumo de bens e serviços, constituído por administradoras de consórcio e grupos de consórcio, será regulado por esta Lei.”
O consórcio tem importante participação nas vendas de bens de consumo, além de constituir-se em uma das principais fontes de financiamento de veículos e da moradia própria.
O consórcio de imóveis permite a compra de lotes urbanizados, imóveis residenciais, comerciais, novos, usados, em área urbana ou rural, além de permitir a quitação do saldo devedor de qualquer financiamento habitacional e a utilização do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Ademais, o sistema de consórcio também permite a aquisição diversificada de produtos e serviços, tais como: caminhões, tratores, aeronaves, embarcações, conjunto de bens, serviços turísticos, passagens aérea, ente outros.
Por definição constante no artigo 2º, da Lei nº. 11.795, de 08.10.2008, “Consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupos, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento”.
1.2 ORIGENS HISTÓRICAS
A etimologia do vocábulo “consórcio” indica que vem do latim “consortium” e possui o significado comum de “associação, ligação ou união”, o que traduz uma idéia de junção de pessoas ou coisas com adesão, coesão e harmonia.
Como instituto jurídico, o consórcio remonta ao Direito Romano, mais especificamente à comunhão acidental existente entre co-herdeiros (consensus) que, com a morte do pater familias, ficavam proprietários em comum, postergando a partilha, recebendo essa propriedade comum denominação de antiquum consortium ou consortium erctum non citum.3
Ainda na antiguidade, outras formas de parceria na gestão de negócios despontavam na civilização helênica e Grécia Antiga, porém, somente com o desenvolvimento do comércio, a partir da Idade Média, idealizou-se, através do banqueiro napolitano Xxxxxxx Xxxxx, uma forma rudimentar do estado consorcial, denominado tontines, que tinha como objetivo reunir “um bom número de participantes comprometidos em contribuir periodicamente com certa quantia e por um determinado período, ao final do qual os sobreviventes partilhavam a pecúnia existente, fruto das contribuições vertidas e dos ganhos hauridos com seus empréstimos, na forma de uma lump sum, ou de uma anuidade entre as partes. Os que descontinuavam a contribuição e os que faleciam antes da data aprazada eram eliminados do grupo, sem qualquer compensação para si ou para seus sucessores”4.
No direito italiano, a palavra consórcio é definida por Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx0:
“Consórcio é, de fato, uma palavra polisensa, suscetível de indicar um caso geral em que surgem, essencialmente, situações caracterizadoras do interesse compartilhado em atribuir igualmente um destino comum”.
Da evolução e histórico do consórcio, desde a era romana, verifica-se que é inerente ao ser humano o estabelecimento de vínculos sociais, a união de esforços, o agrupamento que, apesar de nem sempre reconhecido como instituto
3 Enciclopédia Saraiva de Direito, Comissão de Redação, 1. ed., São Paulo: Saraiva, v. 18, 1978, p. 278.
4 CAPELO, Xxxxxx Xxxxxxxxx. Benefício Proporcional Diferido na Previdência Complementar. Brasília: MPAS, Secretaria da Previdência Complementar, 2000, p.9.
5 XXXXXXXX, Xxxxxxxxxx. Xxxxxxxx e societá consortili. Milano: D.A. Giufrrè Editore, 1985, p. 2. “Consorzio é, infatti, una parola polisensa, suscettibile di indicare genericamente fattispecie nelle quali emergano in sostanza, situazioni caratterizatte da comunanza d´interessi alle quase si atribuisce um altrettanto comune destino”.
jurídico, fizeram parte da realidade como fato social, presentes nas diversas e variadas comunidades.
1.3 OS “CONSÓRCIOS” NO DIREITO BRASILEIRO
Se a palavra “consórcio” tem um conceito comum que significa união, combinação, associação, tendo várias acepções análogas, invocando sempre uma forma de junção de pessoas ou coisas com adesão, coesão e harmonia, em seu senso jurídico, a referida palavra é plurissignificativa, ou seja, se presta a mais de um sentido.
No Direito Brasileiro, o vocábulo “consórcio” se faz presente com 05 (cinco) significados diversos, quais sejam: a) consórcio de empresas; b) consórcio de bens de consumo duráveis; c) consórcio administrativo; d) consórcios públicos; e) consórcio imobiliário6:
a) consórcio de empresas, como reunião ou associação de empresas, em especial para execução de um projeto de grande porte; 7
b) consórcio de bens de consumo duráveis ou serviços, ou seja, sistema de autofinanciamento para a compra de bens de consumo duráveis – móveis ou imóveis - ou serviços, baseado na formação de grupos em que cada participante contribui, durante o número de meses combinado, com uma quantia mensal
6 Significados apresentados por Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx em sua dissertação de mestrado com o tema: “O Consórcio Imobiliário como Instrumento de Intervenção Urbanística”. PUC/SP, 2006.
7 Tais consórcios de empresas não adquirem personalidade jurídica, conforme disciplina da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76, art. 278, § 1º), mas respondem solidariamente por danos causados aos consumidores (Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, art. 28, § 3º), bem como são mencionados na Lei Geral de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666/93, arts. 9º, II e 33), na Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos (Lei 8.987/95, arts. 2º, II e III, 18, XIII, 19, 20, sendo certo que este último dispositivo permite que o consórcio de empresas, vencedor da licitação, constitua uma empresa antes da celebração do contrato, afastando a disciplina da LSA mencionada), na Lei de Concessões e Permissões de Serviços de Energia Elétrica (Lei nº 9.074/95, arts. 11 e 21), na Lei de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97, arts. 89, VI e 196, IV), na Lei de Petróleo (Lei nº 9.478/97, arts. 38, 39, 53, 56 e 60) e no novo Código Civil (Lei 10.406/02, arts. 1.097 a 1.101, que disciplinam as sociedades coligadas, uma forma de consórcios de empresas em sentido amplo, com a diferença que entre as empresas coligadas há relações de capital).
equivalente ao preço do bem a ser adquirido divido por aquele número, sendo que os bens comprados com aquele montante apurado vão sendo sorteados entre os participantes; 8
c) consórcio administrativo, como o “acordo de vontades entre duas ou mais pessoas jurídicas públicas da mesma natureza e mesmo nível de governo ou entre entidades da administração indireta para a consecução de objetivos comuns”;9
d) consórcios públicos, como pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado, formadas por dois ou mais entes da Federação para gestão associada de serviços públicos, cujas relações internas são disciplinadas por contrato de programa (art. 241, CF e Lei nº 11.107/05);
e) consórcio imobiliário, como instrumento urbanístico consistente na forma de valorização de planos de urbanização ou edificação por meio do qual o proprietário transfere ao Poder Público Municipal o seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas (art. 46, § 1º, Lei nº 10.257/01 – Estatuto da Cidade).10
1.4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONSÓRCIOS DE BENS DURÁVEIS E SERVIÇOS NO BRASIL
No Brasil, em 1900, com objetivo de aquisição comum, que sorteava mensalmente a entrega de bens, foi criado o Clube de Mercadorias, regulamentado pelo governo Xxxxxxxxx Xxxx, atingindo 120 (cento e vinte) participantes em 1917.
8 O consórcio neste sentido encontra disciplina jurídica na Lei 11.795/08, no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90, art. 53, § 2º) e em Circulares do Banco Central do Brasil.
9 DI XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito Administrativo, 17. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 296.
10 Daí porque o instrumento adquiriu o nomem juris de “consórcio imobiliário”, pois se trata de um “consórcio” no sentido etimológico do vocábulo, ou seja, encerra a idéia de junção, união ou associação, que só incide sobre bens imóveis, já que “imobiliário” diz-se dos bens que são imóveis por natureza ou por disposição de lei.
Na Alemanha, em 1936, com o mesmo objetivo, era criado o sistema alemão de cooperativa, que, semelhante à Caixa de Empréstimo e Poupança, era destinado à aquisição de veículos.
Em meados de 1950, surge o chamado tanomishi, sistema cooperativo desenvolvido no Japão, implantado no Brasil através de suas colônias de imigrantes, os quais depositavam valores que eram sorteados mensalmente entre os participantes.11
Inspirado no instituto romano de gestão de um patrimônio comum e nas experiências que evoluíram da Antiguidade à Idade Contemporânea, o primeiro grupo de consórcio no Brasil foi criado em 1962, através da iniciativa dos funcionários do Banco do Brasil que, habituados a manusear dinheiro, constituíram um grupo de 200 pessoas, para a aquisição mensal de veículos automotores, por sistema de sorteio. As prestações pagas mensalmente eram compostas de uma taxa de administração e valor suficiente para garantir a contemplação de todos os participantes dentro de um período máximo de 60 (sessenta) meses.
Numa época em que o Brasil apresentava retração em sua taxa de crescimento e aceleração inflacionária, o mecanismo de crédito isento de juros, com flexibilidade na exigência de garantias, baixas mensalidades, aliado a um ambiente festivo em que se realizam as reuniões mensais para sorteio de valores, despertou o interesse da indústria automobilística, concessionária de veículos e do mercado consumidor, de um modo geral.
Na década de 60, grande parte da produção de automóveis foi adquirida pela população através do consórcio, sendo que, em 1966, a Willys Overland do Brasil detinha 55.000 (cinqüenta e cinco mil) consorciados.
Em 1967, o consórcio já chamava a atenção de administradores inexperientes, em alguns casos, inescrupulosos no manuseio dos depósitos
11 ABAC – Associação Brasileira de Empresas de Consórcio, Consórcio – a realidade de um sonho brasileiro, 2005, p. 5.
efetuados pelos consorciados. Esse fato chamou a atenção do Poder Público que baixou o primeiro ato sobre a matéria, dirigido às instituições financeiras.
Através da Resolução nº. 67, editada pelo Banco Central em 21 de setembro de 1967, foi determinado que os administradores mantivessem os recursos dos grupos de consórcio em contas bancárias de movimentação claramente identificada e, aos bancos, impôs que as retiradas dessas contas fossem autorizadas, exclusivamente, para a compra de bens objeto desse grupo consorcial.
No final da década de 60, alguns empresários fundaram a ABAC – Associação Brasileira de Administradoras de Consórcio, e o SINAC – Sindicato Nacional das Administradoras de Consórcio, com a finalidade de proteger, organizar, moralizar e aperfeiçoar as normas e mecanismos de proteção aos consumidores, empresários, e garantir a sobrevivência do sistema de importância fundamental à ordem econômica.
Na década de 70, crescia o consumo de bens duráveis e o consórcio se desenvolveu com base no direito civil, decidindo o Governo Federal sancionar a questão através da Lei nº. 5.768, de 20.12.1971, regulamentada em 09 de agosto de 1972 pelo Decreto nº. 70.951, que não se reportava diretamente ao consórcio, mas, de forma genérica, abrangia todas as modalidades de distribuição de prêmios mediante sorteios, vale-brindes, ou concurso a título de propaganda, estabelecendo normas de proteção à poupança popular, onde se incluiu o consórcio de bens móveis de consumo duráveis.
A partir dessa Lei, o consórcio passou a ser controlado pela Secretaria da Receita Federal, órgão ligado ao Ministério da Fazenda, que estruturou a administração do segmento consorcial como empreendimento regulamento sob sua fiscalização.
Na década de 1970, o sistema de consórcio cresceu juntamente com o chamado “Milagre Econômico Brasileiro”, sendo a melhor opção de financiamento para o consumidor, sofrendo pequena retração durante a crise do petróleo. 12
Nos anos 80, o sistema de consórcio passou a vender os primeiros grupos de eletroeletrônicos e eletrodomésticos. A economia brasileira precisou se ajustar às normas impostas pelo FMI – Fundo Monetário Internacional, principalmente a contenção da demanda, ambiente favorável para o maior desenvolvimento do consórcio, como regulador de demanda, ou seja, comprometimento de renda futura com disciplinadas contemplações mensais, e, portanto, não inflacionário.
Em 1986, com o Plano Cruzado, que, em linhas gerais, introduziu no país uma nova moeda, substituindo o cruzeiro pelo cruzado, definiu regras como o congelamento de preços, o que fez com que vários setores fossem surpreendidos com preços defasados. O sucesso inicial deste plano se deu pelo controle inflacionário e conseqüente apoio popular, contribuindo para a expansão do consórcio, mas, a escassez dos produtos no mercado favoreceu o aparecimento do ágio. Nessa época, as regras estabelecidas pela Receita Federal impunham a obrigatoriedade da entrega do bem e não o fornecimento da carta de crédito, como hoje comumente acontece.
Para minimizar as conseqüências da situação, a Receita Federal impôs a proibição de oferta de lances, antecipação de parcelas vincendas, autorização para a formação de novos grupos, incluindo automóveis e motocicletas, na modalidade de preços diferenciados, e revogava a medida anterior, permitindo a ampliação da área de atuação do consórcio através de novas administradoras.
Com o Plano Cruzado II, houve aumento do IPI (imposto sobre produtos industrializados) sobre os automóveis, elevando o preço dos bens automotivos e, em conseqüência, a inadimplência dos consorciados, os quais não conseguiram absorver aumento tão repentino. Em razão do ocorrido, a Receita Federal interveio,
12 ABAC – Associação Brasileira de Empresas de Consórcio, Consórcio – a realidade de um sonho brasileiro, p. 14.
permitindo o pagamento de parte do aumento de preço autorizado e a dilação do prazo de duração dos grupos.
Em 1987, com a edição do Plano Bresser, foram impostas novas normas restritivas ao consumo. Para o consórcio, foi restrito o limite de cotas a serem vendidas pelas administradoras, na época 20.000 (vinte mil)13.
Em 1988, a Constituição Federal do Brasil promoveu inovações substanciais para o país. Com ela, o consórcio passou a ser reconhecido como forma de financiamento sobre o qual caberia à União legislar, através do artigo 22, inciso XX.
Em 1988, foi instituído o Plano Verão e Cruzado Novo, com o intuito de novamente conter a demanda de consumo, sofrendo os grupos de consórcios prazos mínimos de duração, ou seja, os grupos de prazo máximo de 60 (sessenta) meses passaram a ter duração mínima de 30 (trinta); os grupos de 50 (cinqüenta) meses tiveram os prazos mínimos estabelecidos em 25 (vinte e cinco) meses; e os de 25 (vinte e cinco) meses teriam prazo mínimo reduzido para 12 (doze) meses. Além disso, proibiu os lances e antecipações das prestações vincendas que ultrapassassem 20% do valor do bem objeto do plano de consórcio, mas, em contrapartida, estabeleceu xxxxx xxxxxx xx 00 (xxxxxx) dias para a entrega do bem após a realização da assembléia.
Em 27 de outubro de 1989, através da Portaria MF n. 190, houve a imposição dos conceitos e mecanismos informativos do consórcio num único instrumento regulamentar, criando as regras que fomentaram o crescimento do consórcio.
Em 1990, com o início do Governo Collor tendo como meta a redução da inflação, com medidas polêmicas para promover a reforma monetária, baseando-se na drástica redução da liquidez da economia, aprovando o retorno do Cruzeiro em substituição ao Cruzado Novo, o consórcio sofreu diversas interferências do
13 ABAC – Associação Brasileira de Empresas de Consórcio, Consórcio – a realidade de um sonho brasileiro, p. 16.
Ministério da Fazenda, com a suspensão da autorização para a constituição de novas administradoras e a proibição para a formação de novos grupos de automóveis, utilitários, camionetas e imóveis.
Neste cenário, em 11 de setembro de 1990, foi criado o Código de Defesa do Consumidor, o qual, no âmbito do sistema de consórcios, exigia uma nova postura frente aos consumidores, notadamente nas disposições de seu artigo 53.
Em março de 1991, o governo decidiu pela transferência do controle e regulamentação do consórcio da Receita Federal para o Banco Central do Brasil.
Em 1992, com o Plano Real começando a ser esboçado, baseado no ajuste fiscal, equilíbrio orçamentário e a criação de nova unidade de conta, a URV (unidade real de valor), com o fim de ajustar os preços, foi realizado o acordo automobilístico entre empresários, sindicato e governo, que reduziram o preço dos automóveis, reabrindo com isso as operações de consórcio que estavam paralisadas desde 1990.
No mesmo ano, houve o lançamento da carta de crédito em que o consorciado poderia escolher livremente o fornecedor do bem pretendido, tornando a administradora apenas uma prestadora de serviços.
De 1993 a 1997, o consórcio vivenciou momentos de expansão e retração acentuados, durante a estabilidade econômica ou no período de contenção da inflação.14
Em 03 de julho de 1997, foi editado pelo Banco Central do Brasil, a Circular nº. 2.766 que dispôs de novas normas para a constituição e funcionamento dos grupos de consórcio. A nova regulamentação deu maior autonomia aos
14 Aqui, esclareça-se que o consórcio, diferentemente dos financiamentos, não capta recursos no mercado financeiro, portanto não gera inflação e, ao contrário, tem efeito regulador de demanda e comprometedor de renda futura para os consorciados, servindo para adequar a produção e administrar o poder de compra da população, evitando o excesso de consumo.
contratantes e associados, como também aos envolvidos na proposta dos produtos ofertados, devendo obedecer às disposições do Código de Defesa do Consumidor.
No mesmo ano, através da Lei nº. 9.514/97, o consórcio de imóveis reconheceu a alienação fiduciária como garantia opcional à hipotecária.
Em 1998, foi liberado definitivamente o limite de prazo de duração dos grupos de consórcio, o que causou maior flexibilização do setor pela adequação do desejo do consumidor, sendo que, nesse ano, o sistema de consórcio respondeu por 1% do PIB (produto interno bruto) do país, com 2,6 milhões de consorciados. 15
No ano seguinte, em 1999, houve a maxidesvalorização da moeda brasileira em relação ao dólar, ocasionando uma retração da economia. Com o objetivo de aquecer o mercado, foi liberada a formação de grupos de veículos usados, cujos valores tiveram como referência o percentual médio entre 70% a 80% sobre o valor do automóvel zero quilômetro. Também como medida estimuladora, foi autorizada, a partir de outubro, a constituição de novas administradoras a operar no mercado, o que não acontecia desde 1995.
Em 2000 e 2001, os setores da economia cresciam apresentando taxas de expansão, apesar da crise energética, que culminou em processo de racionamento de energia elétrica no país. No período, foram liberados os planos de viagens turísticas internacionais, que estavam bloqueadas desde 1997, como também ampliou a oferta de consórcios para a aquisição de equipamentos odontológicos.
Com a internet, as administradoras passaram a vender as cotas de consórcio pela web, com valores mais baixos em função da redução dos custos de venda.
Uma série de fusões entre administradoras de consórcio iniciou-se com a imposição, pelo Banco Central do Brasil, de um critério de comercialização das cotas
15 ABAC – Associação Brasileira de Empresas de Consórcio, Consórcio – a realidade de um sonho brasileiro, p. 25.
vinculados ao valor do patrimônio líquido ou redução do limite de cotas comercializadas pelas administradoras.
Em 2002, as instituições bancárias começaram a anunciar investimentos no segmento de consórcio, mesmo ano em que o Banco Central do Brasil favoreceu o consorciado contemplado, possibilitando este, ao adquirir um bem inferior ao valor de seu crédito, utilizar até 10% da carta de crédito para pagar as despesas com o seguro, taxas de cartório ou de licenciamento.
Neste contexto, o consórcio cresce e aumenta a participação no mercado através de grandes conglomerados bancários que passam a vê-lo como outra fonte de financiamento e rentabilidade para seus negócios.
No ano seguinte, em 2003, a Caixa Econômica Federal e o Bradesco lançam planos de consórcios de imóveis com a garantia de o consorciado poder utilizar o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) para ofertar lances, o que veio a facilitar o acesso à casa própria.
Em 2004 e 2005, verificou-se a diversidade de oferta de produtos com a possibilidade dos consorciados adquirirem uma maior quantidade de bens de consumo, como também plano de consórcio para reforma de imóveis.
Nesse período, através de 03 (três) circulares, o Banco Central do Brasil impôs regras quanto à aplicação dos recursos dos consorciados, dando mais segurança e credibilidade ao sistema, passando a responsabilizar os administradores diante dos dados repassados ao Banco Central, que significa que o controlador da empresa é quem responderá legalmente.
O ano de 2004 foi encerrado com crescimento recorde de 3,4 milhões de consorciados ativos e no ano de 2005 foi verificado um aumento de 8% sobre o número de consorciados ativos16.
16 ABAC – Associação Brasileira de Empresas de Consórcio, Consórcio – a realidade de um sonho brasileiro, p. 37.
Em 08 de outubro de 2008, depois de ser aprovada no Senado Federal de na Câmara dos Deputados17, foi promulgada a Lei nº. 11.975/0818, que dispõe sobre o Sistema de Consórcio no Brasil, visando garantir maior segurança para quem investe em uma poupança para aquisição de bem, como para quem administra o negócio. Outrossim, a nova lei voltou a reafirmar o poder normativo do Banco Central do Brasil, conferindo-lhe, dentro do marco regulatório, o poder de exigir condições míninas que devem constar do contrato de participação em grupo de consórcio.
Analisando-se sua evolução histórica, pode-se afirmar que o consórcio conquistou o consumidor, que verificou no sistema a possibilidade de adquirir um bem ou serviço a custos mais baixos que os oferecidos por outras formas de financiamento que contém taxas de juros.
Hoje, inteiramente consolidado, o sistema de consórcios viabiliza a aquisição de diversos produtos que vão desde bens de produção, a caminhões, implementos agrícolas e rodoviários, ônibus, tratores, colheitadeiras, embarcações, aeronaves, computadores, antenas parabólicas, pneus, motocicletas, passando pelos eletroeletrônicos, kits de casa pré-fabricada, imóveis, construção, reformas e até serviços turísticos.
1.5 EVOLUÇÃO DA DISCIPLINA JURÍDICA DO CONSÓRCIO DE BENS DURÁVEIS NO BRASIL
Xxxxx Xxxxx Xxxxxx00 entende que a disciplina jurídica do consórcio, no Brasil, evoluiu por três diferentes etapas. Entre 1962 e 1971, vigorava a plena liberdade para qualquer pessoa estabelecer-se como administrado de consórcio. A
17 Projeto de Lei nº 533, de 2003 (nº 7.161/06 na Câmara dos Deputados), que “Dispõe sobre o Sistema de Consórcio”.
18 Promulgada em 8 de outubro de 2008, o termo inicial de vigência da lei 11.795/08 que dispõe sobre o Sistema de Consórcio, teve seu advento em 6 de fevereiro do ano corrente.
19 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Civil, 3. ed. São Paulo: Saraiva. v. 3, 2009, p. 427.
segunda etapa inicia-se em 1971 e vai até 1997. Nela, o consórcio era contrato típico exaustivamente disciplinado pela autoridade regulamentadora. Em 1997, teve início a desregulamentação precária do setor, que se consolidou apenas em 2002, inaugurando a etapa atualmente em curso. Em 2008, entrou em vigor a Lei nº. 11.795, a lei do “sistema de consórcio” (LSC), que reforçou a precariedade da desregulamentação.
No período de 1960 a 1967, surgiram as primeiras administradoras de consórcios, as quais operavam sem qualquer legislação específica. Com um crescimento desordenado e com muitos consumidores enganados por empresários que arrecadavam os valores das prestações e simplesmente desapareciam, o consórcio ficou sem qualquer crédito, o sistema foi desacreditado, não restando outra alternativa ao Governo Federal senão a sua interferência.
A primeira intervenção do Poder Público ocorreu no ano de 1967, por intermédio do Banco Central do Brasil, através da Resolução 67, de 21.09.1967. Essa resolução determinou que as instituições financeiras somente admitissem a existência de contas de depósitos vinculados a consórcios, após a verificação da idoneidade de seus administradores, a existência do contrato de consórcio que especifique: (a) garantias que o consorciado deverá apresentar por ocasião da contemplação; (b) depósito obrigatório dos recursos arrecadados dos consorciados em bancos comerciais ou caixas econômicas, cujo levantamento somente poderá ser efetuado para o atendimento dos objetivos dos consórcios; (c) proibição de recebimento do bem objeto do contrato em moeda corrente; (d) fixação das regras na hipótese de desistência e exclusão do consorciado; (e) designação do representante dos consorciados junto à administradora, a fim de fiscalizar a gestão dos valores arrecadados; (f) local onde o consorciado possa obter as informações do grupo de que é participante; (g) indicação do bem objeto do consórcio, que não poderá ser inferior a 05 (cinco) vezes o valor do salário mínimo; (i) limite do valor mínimo das prestações mensais em montante correspondente a 2% do valor do bem; (j) limite de duração do grupo de consórcio em no máximo 50 (cinqüenta) meses.
Em verdade, os contratos de consórcio passaram a ser regidos por esta Resolução e os princípios contratuais do hoje revogado Código Civil Brasileiro de 1916.
Em 1971, foi publicada a Lei nº. 5.768, que estabeleceu normas para organização e formação dos grupos de consórcios, bem como a obrigatoriedade de autorização do Ministério da Fazenda para organizar e administrar grupos de consórcio. A autorização do Ministério da Fazenda somente era fornecida aos empresários que apresentavam prova da capacidade financeira, econômica, gerencial e viabilidade econômica do plano e das formas de utilização das importâncias recebidas.
No ano seguinte, foi regulamentada a referida lei pelo Decreto 70.951, de 20.12.1971, surgindo a partir desta data, o primeiro regulamento do sistema de consórcio. As principais regras desse regulamento eram: (a) taxa de administração de no máximo 12% sobre o valor do bem objeto do contrato; (b) taxa de adesão de 1% cobrada na adesão do consorciado e compensada na taxa de administração; (c) constarão do contrato de adesão: duração do plano; percentual da contribuição mensal; contemplações por sorteio e lance; depósito dos valores arrecadados em conta vinculada com correção monetária, cujo levantamento dos valores somente poderia ser efetuado para atendimento dos objetivos do grupo; prazo máximo do grupo de 60 (sessenta) meses; número máximo de participantes – 100 (cem); permissão para a cobrança das despesas de registro dos contratos; (d) autorização para a constituição de bens móveis e imóveis.
Até 1987, em razão de contratempos como o aumento das prestações mensais, o reajuste de saldo de caixa e a dilatação dos grupos de consórcios aliada ao despreparo das administradoras para o atendimento da demanda, a intervenção no sistema pelo Poder Público foi maciça, o que não atendeu aos anseios dos consumidores e empresários do setor. Neste contexto, confiram-se as normas editadas pelo Poder Público no período: Portaria do SRF 348, de 01.07.1987, dispõe sobre poderes para autorizar ou negar autorização para formar e organizar administradora de consórcios; Portaria do MF 157, de 18.03.1988, dispõe sobre autorização de caráter especial; Portaria do MF 08, de 17.01.1989, dispõe sobre
prazos para formação de grupos de consórcio, limita o valor de lance e antecipações e dá outras providências; Instrução Normativa do SRF 037, de 26.06.1979, dispõe sobre pedidos de autorização para grupos de consórcio; Instrução Normativa do SRF de 01.07.1981 visa dirimir dúvidas sobre a exata caracterização das irregularidades verificadas na execução das operações de consórcio; Instrução Normativa do SRF 065, de 05.07.1983, estabelece normas para a formação de grupos de consórcio que objetivem a aquisição de preços diferenciados; Circular SUSEP 024, de 15.03.1972, estabelece normas para o seguro de vida em grupos de consórcio; Circular SUSEP 021, de 15.08.1986, estabelece normas para o seguro de grupos de consórcio; Ato Declaratório (Normativo) SRF/CST 07, de 06.04.1977, dispõe sobre o reajustamento de preço constante da nota fiscal após aquisição de veículo através de consórcio; Ato Declaratório (Normativo) SRF/CST 65, de 28.10.1987, dispõe sobre as aplicações financeiras realizadas pelas administradoras de consórcio; Parecer Normativo SRF/CST 01, de 06.01.1983, dispõe sobre a aquisição de bens através de consórcios, entre outras.
A partir de 1987, o Ministério da Fazenda buscou consolidar as normas do sistema de consórcio. Nesse ponto, editou a Portaria MF 330, de 23.09.1987, que consolidou as regras do consórcio e revogou uma enorme gama de normativos.
A sedimentação desta política ocorreu com a edição da Portaria MF 190, de 27.10.1990, que reformulou de forma detalhada o sistema, estabeleceu o conceito de vários institutos do consórcio, além de viabilizá-lo para reflexos econômicos financeiros de nossa economia. O grande mérito dessa Portaria consistia na possibilidade de propiciar aos consorciados um aprendizado autodidático, haja vista que foi redigida de forma clara, com uma linguagem de fácil compreensão pelos consumidores.
Em março de 1990, uma série de normativos do Poder Público interferiu no sistema, culminando com a proibição por prazo indeterminado da constituição de administradora de consórcios e a comercialização de cotas para a formação de novos grupos, a saber: Portaria MF 191, de 27.10.1989, que consolidou o plano de contas e a demonstração de recursos do consórcio; Portaria MF 028, de 05.03.1990, que consolidou as normas para formação e organização de grupos de consórcio de
bens imóveis; Portaria da MEFP, de 13.08.1990 e Portaria da MEFP 496, que vedou a concessão de autorização para novas administradoras e a constituição de novos grupos de consórcio; Resolução Bacen/CMN 1778, de 19.12.1990, que vedou por prazo indeterminado a concessão de autorização para operar com consórcios e constituições de novos grupos e a venda de cotas novas e vagas.
Em 01.03.1991, A Lei nº.8.177 transferiu a competência de fiscalização e controle do sistema de consórcios para o Banco Central do Brasil, que, como sucessor do Ministério da Fazenda, tornou-se a autoridade responsável para concessão de autorização para constituição de novas administradoras e autorização para comercialização de cotas e formação de grupos de consórcios, fixando seus limites, prazos, normas e modalidades contratuais.20
A partir de 1992, o Banco Central do Brasil passou a renormatizar o sistema, com a revogação da Resolução 1.778, de 19.12.1990, que vedou a constituição de novos grupos de consórcios e a venda de cotas novas e a edição de novas circulares no âmbito administrativo, financeiro e comercial, de interesses das empresas e dos consumidores. A Resolução Bacen 1.936, de 30.06.1992, revogou a proibição de comercializar cotas e constituir empresas de consórcios.
Nesse contexto, a Circular Bacen 2.196, de 30.06.1992, aprovou o Regulamento que disciplina a constituição e funcionamento de grupos de consórcios referenciados em automóveis, camionetas, buggies e utilitários, de produção nacional ou estrangeira.
Em 09.12.1992, a Circular Bacen 2.255 alterou o sobredito regulamento e possibilitou que as alterações introduzidas pela Circular 2.196/92, caso aprovadas pelos consorciados dos grupos já constituídos, poderiam ser aplicadas aos grupos anteriores à sua edição.
20 Lei 8.177, de 01.03.1991: Art. 33. A partir de 01.03.1991, são transferidas para o Banco Central do Brasil as atribuições previstas nos arts. 7° e 8° da Lei 5.768, de 20.12.1971, no que se refere às operações conhecidas como consórcios, fundo mútuo e outras formas associativas assemelhadas, que objetivem a aquisição de bens de qualquer natureza. Parágrafo único. A fiscalização das operações mencionadas neste artigo, inclusive a aplicação de penalidades, será exercida pelo Banco Central do Brasil.
Em 23.09.1992, o Banco Central do Brasil editou a Circular 2.230/92, estabelecendo que os dispositivos contidos no Regulamento anexo à Circular 2.196/92, passassem a disciplinar a constituição e o funcionamento dos grupos de consórcios referenciados em motocicletas e motonetas, constituídos a partir de 23.09.1992.
Em 26.05.1993, o Banco Central do Brasil, através da Circular 2.312, de 26.05.1993, regulamentou a constituição de grupos de consórcios referenciados em bilhetes de passagens aéreas.
Em 14.07.1993, a Circular Bacen 2.342 estabeleceu que as disposições contidas no regulamento anexo à Circular 2.196, de 30.06.1992, com as alterações introduzidas pela Circular 2.255, de 09.12.1992 – que disciplinam a constituição e o funcionamento dos grupos de consórcios referenciados em veículos automotores – passaram a disciplinar também aqueles referenciados em caminhões, ônibus, tratores, equipamentos rodoviários, máquinas e equipamentos agrícolas, aeronaves e embarcações, constituídos a partir de 01.08.1993.
Em 02.12.1993, a Circular 2.386 do Banco Central do Brasil aprovou o Regulamento de consórcio que disciplina a constituição e o funcionamento dos grupos de consórcios referenciados em eletrodomésticos, eletroeletrônicos, móveis, brinquedos, instrumentos musicais, bicicletas, entre outros, constituídos a partir de 03.01.1994.
Em 21.12.1993, a Circular Bacen 2.394 alterou o Regulamento anexo à Circular 2.196/92, com as modificações introduzidas pela Circular 2.255/92, que regulamentam a constituição e o funcionamento dos grupos de consórcios referenciados em caminhões, ônibus, tratores, equipamentos rodoviários, máquinas e equipamentos agrícolas, aeronaves e embarcações, automóveis, camionetas, buggies, utilitários, motocicletas e motonetas, possibilitando que as alterações introduzidas, caso aprovadas pelos integrantes dos grupos constituídos anteriormente à sua edição, poderão ser aplicadas aos citados grupos.
Em resumo, os grupos de consórcio que tenham por objetivo a entrega de automóveis, utilitários, camionetas, boggies, passagens aéreas, motocicletas, motonetas, caminhões, ônibus, tratores, equipamentos rodoviários, máquinas e equipamentos agrícolas, aeronaves e embarcações, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, móveis, brinquedos, instrumentos musicais, bicicletas, entre outros, foram todos renormatizados pelo Banco Central do Brasil.
No início do segundo semestre de 1997, o Banco Central do Brasil editou a Circular 2.766, de 03.07.1997, iniciando um processo de desregulamentação das normas e regras dos contratos de consórcio. Em outras palavras, as administradoras de consórcio passaram a ter autonomia para fixar os limites, os prazos, as taxas, números de participantes e as principais modalidades dos contratos.
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00, comentando a Circular Bacen 2.766/97, menciona que: “Embora alguns empresários considerem a referida circular um pouco tímida, não podemos negar que ela deu liberdade para que as administradoras de consórcio estipulem, através do contrato de adesão, as normas básicas de funcionamento do consórcio, principalmente com relação à forma de contemplação, à formação dos créditos, à fixação das prestações mensais e da cobrança de taxas e despesas”.
Entretanto, por outro lado, o Banco Central do Brasil estabeleceu a remessa obrigatória de informações relativas às operações de consórcios, estabelecendo que as informações prestadas pelas administradoras de consórcios devem apresentar: quantidade de grupos em andamento; cotas vendidas, contempladas e substituídas; número de participantes vivos; índice de inadimplência; taxa média de administração; bens pendentes de entrega, cujas informações devem ser consolidadas por segmento de bens.
A Circular Bacen 2.889, de 20.05.1999, estabeleceu que as informações devem ser consolidadas nos seguintes segmentos: SEGMENTO I - imóveis; SEGMENTO II - tratores, equipamentos rodoviários, máquinas e equipamentos
21 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Consórcio e Direito: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Xxx Xxx, 1998, p. 170.
agrícolas, embarcações, aeronaves, veículos automotores destinados ao transporte de carga com capacidade superior a 1.500 Kg e veículos automotores destinados ao transporte coletivo com capacidade para vinte passageiros ou mais; SEGMENTO III
- veículos automotores não incluídos no Segmento II, exceto motocicletas e motonetas; SEGMENTO IV – motocicletas e motonetas; SEGMENTO V – outros bens duráveis; SEGMENTO VI – serviços turísticos.
Neste contexto, os grupos formados antes da edição da Circular 2.766/97, poderiam ou não, aderir a este regulamento, cuja decisão deveria ser tomada na assembléia do grupo. De fato, os grupos formados antes da edição da Circular Bacen 2.766/97 eram regidos pelos seguintes regulamentos: Bens imóveis – Portarias 28/90 e 190/89 do Ministério da Fazenda; Veículos automotores – Circular Bacen 2.196/92; Eletroeletrônicos – Circular Bacen 2.386/93; Passagens aéreas – Circular Bacen 2.312/93.
Em 08.10.2008, a Lei nº.11.795 estabeleceu novas regras para o sistema de consórcios, a saber: (a) os interesses do grupo prevalecem sobre os interesses dos consorciados; (b) formação de grupos de consórcios referenciados em serviços de qualquer natureza22; (c) utilização da carta de crédito para quitação de financiamento do consumidor23; (d) maior dificuldade para restituição dos valores recebidos dos consorciados desistentes e/ou excluídos; (e) a possibilidade de execução do contrato de consórcio, entre outras novidades.
Em 03.02.2009, o Banco Central do Brasil editou as Circulares 3.432 e 3.433, estabelecendo os procedimentos a serem cumpridos para a constituição e funcionamento dos grupos de consórcio e a concessão de autorizações para o
22 XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. ABC do Consórcio: Teórica e Prática, 5. ed., Curitiba: Juruá Editora, 2009, p. 31: “A partir da vigência da Lei 11.795/08, poderão ser criados grupos de consórcios referenciados em serviços de qualquer natureza, isto é, poderão ser criados grupos de consórcio para financiar os estudos dos filhos, os cursos de pós-graduação, o pagamento de um implante dentário, a viagem dos sonhos, o pagamento de uma cirurgia plástica, entre outros serviços.”
23 XXXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, ABC do Consórcio: Teórica e Prática, p. 32: “De acordo com a Lei 11.795/08, o valor do crédito poderá ser utilizado para a quitação de um bem em nome do consorciado, ou seja, o consorciado poderá quitar o financiamento da moradia própria ou o veículo, desde que o valor da carta de crédito for suficiente para quitação do contrato.”
funcionamento da administradora de consórcio. Com efeito, referidas circulares regulamentaram a Lei nº.11.795/08, que entrou em vigor a partir de 06.02.2009.
2. A DEFESA DO CONSUMIDOR: PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS
Para melhor compreensão do tema da devolução das quantias pagas aos consumidores desistentes e excluídos dos contratos de consórcio na sistemática da Lei nº.11.795/08 e à luz do Código de Defesa do Consumidor, faz-se necessário uma abordagem sistêmica da defesa do consumidor, observando-se princípios e fundamentos consagrados na Constituição Federal e no diploma consumerista.
2.1 A FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS NO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO
Antes de darmos início à apresentação dos princípios norteadores do Direito Consumerista presentes na Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor, faz-se pertinente e indispensável conceituar o vocábulo “princípio” e analisar a sua função dentro do nosso ordenamento jurídico.
Não há uma definição exata para esta palavra. Podemos utilizar da Hermenêutica para chegarmos a um denominador comum. Partimos da idéia de que os princípios constituem um aglomerado de idéias iniciais ou básicas que servem de fundamento à formação de normas jurídicas.
Na Antiguidade, Xxxx Xxxxxxxxx00, ao conceituar princípios, coloca-os próximos ao termo “começo”, “início” e não como “regras convencionais”. É o que se depreende do seu ensinamento:
Os princípios devem ser tão claros e evidentes que o espírito humano não possa duvidar de sua verdade ao aplicar atentamente a considerá-los; por outro lado é preciso que deles dependa o conhecimento das outras coisas, de forma que eles possam ser conhecidos sem elas, mas não reciprocamente elas sem eles.
24 XXXXXXXXX, Xxxx. Carta-Prefácio dos Princípios da Filosofia. São Paulo: Xx. Xxxxxxx Xxxxxx, 0000, x. XXXX.
Para o filósofo, o princípio se assemelha a uma verdade absoluta, sendo imperiosa a sua auto-suficiência. Bem por isso, deve-se negar a qualidade de princípio a todo enunciado que se mostrar duvidoso. Admite-se, no entanto, que os princípios dependem de outros conhecimentos, de forma a servir como base de interpretação.
Nos ensinamentos de Xxxxxxx Xxxxxxx00:
“(...) princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências”.
Xxxxx Xxxxxxxxx00, a seu modo, aduz que “os princípios são as normas- chaves de todo o sistema jurídico”.
Daí porque as leis buscam seus fundamentos nos princípios regrados na sociedade. Utiliza-se dos costumes e da analogia. Em suma, compreendemos que “os princípios são valores morais, políticos e jurídicos de determinada sociedade proclamados por normas de direito, que denominamos normas principiológicas”.27
Os princípios, então, orientam e direcionam a interpretação das normas jurídicas em geral. São normas especiais que atuam como liga dentre as diversas normas componentes do sistema jurídico. Os princípios fazem com que os sem números de normas existentes no nosso ordenamento jurídico formem um conteúdo harmônico. Não fossem os princípios, os elementos (normas) do ordenamento jurídico jamais conseguiriam se interrelacionarem, a fim de formar um sistema uno e indivisível.
25 XXXXXXX, Xxxxxxx. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 6-7. 26 XXXXXXXXX, Xxxxx. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 257. 27 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxxxx. Teoria Geral do Processo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 50.
O princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito e explicito que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos horizontes do sistema jurídico e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam28.
Ao cuidar dos princípios jurídicos, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xx Xxxxx00 assim dispõe:
“(...) princípio jurídico é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”
No mesmo diapasão, Xxxx Xxxxxxx Xxxx00 destaca que “princípio jurídico não é senão uma regra jurídica particularmente importante, em virtude das conseqüências práticas que dele decorrem”.
Os princípios impõem valores fundamentais que devem ser respeitados e observados, ou seja, o conteúdo de toda e qualquer norma jurídica deve estar de acordo com os princípios jurídicos, assim como a interpretação dessas normas deve, por eles, guiar-se.
Valendo-se das lições de Dworkin e Xxxxxx, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx00 diferencia os princípios das normas e leciona que: “Os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na idéia de Direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional”.
28 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Curso de direito do consumidor: São Paulo: Saraiva, 2004, p.09.
29 BANDEIRA DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Elementos de direito administrativo. 1. ed., 3ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 230.
30 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 97.
31 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1.086.
Nos dizeres de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Nunes32:
“Embora os princípios e as normas tenham a mesma estrutura lógica, por todos os motivos já elencados, aqueles têm maior pujança axiológica do que estas. São, pois, normas especiais, que ocupam posição de destaque no mundo jurídico, orientando e condicionando a aplicação de todas as demais normas. E, conforme defendemos no início, os princípios se impõem de forma absoluta.”
Ainda que pareça abstrata e genérica a idéia de princípio, sua incidência e eficácia no plano real é plena e total, pois, como todas as normas jurídicas devem, necessariamente, respeitar princípios jurídicos, a partir do momento em que elas incidem no caso concreto, levam consigo o conteúdo nele inserido.
E não somente quando a norma atua no mundo concreto, mas, também quando há ausência de lei (leia-se lei infraconstitucional). Com efeito, ainda que não haja norma para incidir no caso concreto - quando houver lacunas na lei, portanto, o juiz utilizará para decidir o caso, dentre outros meios, os princípios gerais do direito. Dada a importância crucial do princípio jurídico, ele sempre estará incidindo num mundo real, seja na interpretação de uma norma, seja na colmatação de alguma lacuna, e sempre em primeiro plano.
Com precisão, Xxxxxxxx Xxxxxxxx Pavam33 adverte que:
“Na escala hierárquica do nosso ordenamento jurídico, os princípios ocupam posição de supremacia, uma vez que traduzem valores fundamentais e traçam diretrizes do microssistema ao qual pertencem. São, pois, a guia mestre do intérprete, de tal sorte que, ao lançar mãos das regras de interpretação, o estudioso terá que, inevitavelmente, acompanhar a direção dos princípios, sob pena de realizar uma interpretação falha, inválida e até antijurídica.”
Logo, diante da definição e função dos princípios, concluímos que não é possível interpretar uma norma sem se pautar nos princípios jurídicos. Dos princípios surgem várias normas e preceitos. O princípio dá a idéia, a base, o caminho a ser
32 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Princípios do direito material do consumidor na Constituição Federal. Tese de livre docência. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 40.
33 PAVAM, Patrícia Caldeira. O Ministério Público e a defesa em juízo do direito individual e homogêneo do trabalhador. Dissertação (Mestrado em Direito)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001, p. 55.
percorrido pelas normas. Tendo em mira a teleologia do princípio é que se elaborarão normas condizentes com o sistema jurídico, bem como se interpretará tais normas. Ele dá o molde do ordenamento jurídico.
2.2 A BASE CONSTITUCIONAL DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor não surgiu por acaso, tampouco decorreu de um simples projeto como qualquer lei ordinária. Ele é a concretização de uma longa evolução e resultado de todos os movimentos e legislações consumeristas anteriormente ocorridos no Brasil34 e no exterior35.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxxxx Filho36, na década de 80, já havia se formado no Brasil forte conscientização jurídica quanto à necessidade de uma lei específica de defesa do consumidor, uma vez que o Código Civil de 1916, bem como as demais normas do regime privatista, não mais conseguiam lidar com situações tipicamente de massa. Essa conscientização foi levada para a Assembléia Nacional Constituinte, que acabou por optar por uma codificação de normas de consumo.
Assim, foi o constituinte originário que determinou a elaboração de uma lei para a defesa do consumidor, o que evidencia que o Código de Defesa do Consumidor, diferentemente de outras leis ordinárias em geral, tem origem
34 Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx em sua obra “Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor” (São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007) divide as fases da legislação de defesa do consumidor em: primórdios da legislação (até meados da década de 1930); primeiro estágio: legislação penal (meados da década de 1930 a 1960); segundo estágio: legislação de direito administrativo (de 1960 a 1985); e terceiro estágio: legislação de direitos difusos (1985 aos nossos dias).
35 Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx, jurista português, ao fazer uma retrospectiva histórica do consumerismo, narra que: “Na verdade, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor foi o culminar de um movimento, já que, como confessadamente dizem os autores de seu anteprojeto, ele se inspirou em outras leis advindas de outros países [...]. Por outro lado, significa o primeiro passo para a codificação, no resto do mundo, porque, na verdade, foi o primeiro Código a surgir, principalmente se atendermos à sua ambiciosa estrutura, bem como à quantidade de normas que regulamentam todas as matérias atinentes ao consumidor e onde tem lugar mesmo um conjunto de normas sancionatórias, administrativas e penais” (Da proteção penal do consumidor: o problema da (des)criminalização no incitamento ao consumo. Xxxxxxxx, 00000, p. 82).
36 CAVALIERI FILHO, Xxxxxx. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo, Editora Atlas: 2008, p. 10.
constitucional. Em outras palavras, foi o constituinte originário, portanto, que instituiu um direito subjetivo público geral a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, para que o Estado, na forma da lei, realizasse a defesa do consumidor.
De fato, após diversas constituições, apenas a atual determina a “codificação” das normas de consumo. A Constituição Federal de 1988 trouxe o arcabouço necessário para erguer-se em nosso ordenamento jurídico um microssistema de proteção às relações de consumo. Com o advento da atual ordem constitucional, erigiu-se a proteção do consumidor à categoria de direito assegurado pela Lei Maior.
São três os artigos da Constituição Federal que tratam diretamente do tema da defesa do consumidor: Art. 5º, inciso XXXII; Art. 170, inciso V; e Art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os quais passamos a analisar.
A Constituição Federal de 1988, quando cuidou dos Direitos e Garantias Fundamentais, estabeleceu, no inciso XXXII de seu artigo 5º, que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Neste contexto, importante frisar que o Estado ao qual se refere nossa Constituição Federal é traduzido pela atuação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário37. Assim, todos, na forma da lei, devem zelar pela proteção dos interesses e direitos do consumidor.
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx00 atesta que o pressuposto de existência do inc. XXXII do art. 5º da CF é de que a relação de consumo é, por definição, desigual. As partes desta relação – consumidor e fornecedor – não têm o mesmo poder e conhecimento, e por isto uma delas – o consumidor – merece proteção do Estado. A idéia da vulnerabilidade do consumidor, que é explicitada na legislação específica, já está escrita na própria Constituição Federal na exata medida em que cabe ao Estado proteger este ator vulnerável nas relações de consumo.
37 XXXXX, Xxxx Xxxxxx da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 266, Destacando-se: “Tudo somado, tem-se o relevante efeito de legitimar todas medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção prevista”.
38 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. “Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor”. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 165.
Como o inciso XXXII do art. 5º da Constituição Federal não explicita como o Estado deve promover a defesa do consumidor, encontramos no art. 170 do texto constitucional os limites desta defesa, onde ela foi incluída entre os princípios gerais da Ordem Econômica, no mesmo status dos princípios da soberania, da propriedade privada, da livre concorrência e outros.
Com efeito, tem-se a defesa do consumidor como um dos princípios da ordem econômica (inciso V do art. 170 da CF). Dentre os princípios que elegeu o constituinte como indispensáveis para alicerçar a ordem econômica, repousa a defesa do consumidor. Ou seja, qualquer atividade econômica desenvolvida no Brasil, além de fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, assegurando- se aos cidadãos uma vida digna, deverá observar e suportar os ônus decorrentes da defesa do consumidor.
É possível dizer que se encontra na Constituição Federal um óbice para o desenvolvimento de atividade econômica lesiva ao consumidor. Alçou o legislador a defesa do consumidor à categoria de garantia-base, sem a qual a atividade econômica não pode desenvolver-se dentro do campo da legalidade.
Comentando o comentar o artigo 170 da Constituição Federal sob a ótica da defesa do consumidor, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx00 afirma que: “O legislador constitucional, em 1988, optou por estabelecer que a livre iniciativa e a defesa do consumidor eram ambos, em conjunto, princípios da ordem econômica; por esta razão, tais princípios devem ser compatibilizados. Melhor dizendo: a livre iniciativa deve ser limitada (não é tão livre quanto poderia parecer!) ao fato de o consumidor não ser lesado. E cabe ao Estado, pelas mais diversas formas, prevenir e punir a ultrapassagem destes limites. É este, inclusive, o sentido do disposto no par. ún. do art. 170 da CF.”
E, com o escopo de trazer a regulamentação da questão à sede infraconstitucional, encontramos o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que trouxe a seguinte determinação: “O Congresso Nacional, dentro de
39 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. “Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor”. p. 165.
120 (cento e vinte) dias da promulgação da Constituição, elaborará Código de Defesa do Consumidor”.
A “codificação” se deu após o trabalho de uma comissão de notáveis juristas adeptos do tema. Teve seu tratamento final depois de decorridos quase 2 (dois) anos. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor foi votado e aprovado com alterações ao projeto inicial, culminando com a Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990.
A proteção do consumidor no Brasil apresenta disciplina constitucional, o que revela a magnitude da tutela jurídica. De interesse, neste ponto, excerto extraído do magistério de Xxxxxxx Xxxx Marques40:
“A Lei 8.078/90 tem clara origem constitucional (artigo 170, artigo 5º, todos da Constituição Federal de 1988-CF/88), subjetivamente direito fundamental e princípio macro, ordenador da ordem econômica do país. E igualmente lei geral principiológica em matéria de relacionamentos contratuais e de acidentes de consumo”.
Além do Art. 5º, inciso XXXII; Art. 170, inciso V; e Art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o professor Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx00 destaca que o Art. 24 tem dois incisos (V e VIII)42 relevantes na formação de um Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Contudo, aponta o professor Xxxxxxx que a Constituição Federal do Brasil foi pouco sistemática no que diz respeito à defesa do consumidor, não existindo um capítulo específico, nem um artigo específico sobre o tema, o que demonstra algum atraso do Brasil em relação a outros países, pois em constituições contemporâneas tal já ocorria.43
40 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
41 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. “Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor”. p. 162.
42 CF/88, Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) V – produção e consumo; (...) VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
43 Em sua obra “Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor”, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx cita que as Constituições Nacionais de Portugal e Espanha, por exemplo, apresentam artigos sistematizadores a respeito do assunto. No âmbito da América Latina, a Constituição Argentina, em reforma ocorrida em 19894, passou a ter um artigo extremamente organizador sobre a defesa do consumidor.
Logo, deduzimos que as diretrizes do Direito do Consumidor estão fortemente relacionadas e vinculadas aos preceitos de natureza fundamental. Assim, demonstramos a importância do Direito Constitucional ao tema em tablado, pois é dele que se realiza “o estabelecimento de poderes supremos, a distribuição da competência, a transmissão é o exercício da autoridade, a formulação dos direitos e das garantias individuais e sociais44”.
Igualmente, verifica-se, pela redação dos dispositivos constitucionais que tratam diretamente do tema da defesa do consumidor, destacada preocupação do constituinte com os denominados direitos metaindividuais, bem como com os direitos individuais pertinentes à seara consumerista. Para Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx00, cuida-se, em verdade, de diferenciada categoria de direitos voltada a um correspondente grupo de destinatários até então em situação de desproteção, tendo em vista a sua não-identificação como sujeitos necessitados de especial proteção estatal, já que questões relativas ao agora já catalogado mercado de consumo eram resolvidas em âmbito civil ou comercial.
Essas observações têm como escopo ressaltarmos alguns princípios e normas que serão abordadas adiante, e que serviram de embasamento à legislação infraconstitucional.
2.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NORTEADORES DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Como se sabe, o nosso sistema jurídico é estruturado de forma “piramidal”, hierárquica, trazendo no topo a Constituição Federal, a norma mais importante, o ponto de partida46 do ordenamento jurídico inteiro, de tal forma que é ela quem confere validade a todas as demais normas infraconstitucionais.
44 XXXXXXXXX, Xxxxx. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 22
45 XXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx e XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx. Código de Defesa do Consumidor interpretado: (doutrina e jurisprudência). 3. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 2
46 RIZZATTO XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Manual de Introdução ao Estudo do Direito, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 69.
Desta forma, resta evidente que os princípios constitucionais são ainda mais importantes do que os princípios gerais. Aliás, são verdadeiras regras-mestras dentro do sistema positivo. Eles exercem o papel de catalizadores de todas as normas constitucionais, sistematizando-as e concatenado-as, a fim de dar forma ao documento jurídico. Nenhuma interpretação será válida se conflitar com um princípio constitucional.
De grande valia é a lição de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx00:
“Os princípios constitucionais são aqueles que guardam valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que a norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa, ganha com força valorativa a espraiar-se por cima de um sem número de outras normas.”
Em nossa atual Constituição Federal, podemos vislumbrar princípios que direcionam e dão base às normas consumeristas implantadas em leis infraconstitucionais, assim como as que estão previstas no Código do Consumidor.
Precisamos começar dizendo que a Constituição Federal, cronologicamente, declara que o regime político brasileiro é o republicano do tipo federalista e o Estado brasileiro é Estado Democrático de Direito, sendo que a República brasileira tem como fundamentos: a) a soberania; b) a cidadania; c) a dignidade da pessoa humana; d) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
e) o pluralismo político (art. 1º, caput).
Do art. 3º da Carta Magna exsurgem os objetivos fundamentais da República: a) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; b) a garantia do desenvolvimento nacional; c) a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; d) a promoção do bem de todos,
47 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito Constitucional. 19 ed. rev. amp., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 143.
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Esses princípios, que estão ligados a outros relativos aos direitos e garantias fundamentais, são necessários à correta interpretação de todas as normas constitucionais, bem como daquelas instituídas no Código de Defesa do Consumidor.
Assim, exporemos, de forma sistemática, os princípios constitucionais norteadores das relações de consumo, com objetivo de darmos enfoque didático ao desempenho do presente trabalho.
Começamos dizendo que a soberania é um princípio fundamental do Estado brasileiro, que aparece no inciso I, do art. 1º. Encontra-se, também, no inciso I do art. 170 e está ligado ao art. 4º, que trata dos princípios pelos quais a República Federativa do Brasil se rege nas suas relações internacionais. A soberania de um Estado implica a sua autodeterminação com independência territorial, de modo que pode, por isso, pôr e impor normas jurídicas na órbita interna e relacionar-se com os demais Estados na ordem internacional. Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Nunes48 destaca que é muito importante realçar o aspecto da soberania, quanto mais se pretende, à guisa de implementação de uma “ordem globalizada”, impor uma série de condutas sem que o sistema constitucional o permita.
O Art. 3º da CF, que apresenta os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dita no seu inciso I o seguinte: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. O conceito de justiça espelhado no texto maior é aquele dirigido à realidade social concreta.
48 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 17.
Essa é uma das metas que o Estado Brasileiro busca constantemente alcançar ao longo de um lapso temporal indeterminado. Trata-se, portanto, de uma norma de conteúdo programático49.
Não se trata de uma abstração da norma máxima. É objetivo a ser alcançado realmente no contexto histórico atual pela República. Isto dará ao intérprete, tanto das regras constitucionais quanto das infraconstitucionais, alternativas de resolução de problemas não sé a partir dos princípios reguladores da justiça, como daqueles tradicionalmente conhecidos como equidade na aplicação de cada caso concreto.
Também como decorrência do estabelecido no inciso I do art. 3º do texto constitucional, a República brasileira tem como objetivo a construção de uma sociedade solidária. Trata-se de um dever ético que se impõe a todos os membros da sociedade, na medida em que compõem um único todo social.
Outrossim, é essencial numa relação de consumo a observância da livre contratação. O consumidor é livre para negociar com qualquer tipo de fornecedor, contanto que seja feita de forma lícita e legal. Para que tenhamos um Estado Democrático de Direito é fundamental a observância deste princípio, como também o da justeza nas relações consumeristas, onde devem ser respeitadas as obrigações de cada parte, buscando sempre evitar o desequilíbrio contratual.
Outra preocupação que devemos ter é com a segurança jurídica nas referidas relações. A teoria contratual vem observar o compromisso das partes com o justo. “Segurança e justiça passaram a ser os dois valores a serem perseguidos em plano de harmonização efetiva50”.
49 MOTTA FILHO, Xxxxxx Xxxxxxxx da et al. Direito Constitucional – concursos públicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996, p. 21.
50 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Direitos do consumidor: a busca de um ponto de equilíbrio entre as garantias do Código de Defesa do Consumidor e os princípios gerais do Direito Civil e do Direito Processual Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 0000, x. 00.
Xx xxxxx xx Xxx. 0x00, a intenção do legislador constituinte foi a de fixar a igualdade entre os indivíduos, assim como podemos observar no inciso I, que diz: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Trata-se de uma norma dirigida ao aplicador da lei e ao próprio legislador, uma vez que somente através da positivação é possível igualar os indivíduos e, dessa forma, a elaboração de toda e qualquer norma deve se basear no tratamento igual das pessoas. O princípio da igualdade proíbe, assim, que uma lei seja fonte de privilégios ou perseguições. Deva ela tratar todos de forma equânime.
O princípio da igualdade é fundamental para as normas que norteiam as relações de consumo, pois o objetivo do Código de Defesa do Consumidor é de determinar o ponto de equilíbrio entre consumidores e fornecedores, tratando os desiguais de forma desigual.
Tratar com desigualdade seria discriminar, não manter uma igualização. Uma das funções da lei é discriminar situações, e isso não fere, por si só, o princípio da igualdade. Em outras palavras, nada impede que a lei adote um critério de discriminação, desde que o mesmo seja justificado e tenha correlação lógica com o tratamento jurídico e os valores protegidos.
Em consonância com as explanações acima, temos a norma consagrada no Art. 4°, inc. III, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Desta maneira, procurou-se, de alguma forma, garantir a igualdade com a harmonia entre as pessoas envolvidas na relação consumerista. Este equilíbrio é
51 CRFB/88, Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
bastante difícil de ser operacionalizado, tendo em vista a vulnerabilidade do consumidor, respaldado na lei. Defendemos o entendimento de que a igualdade das partes deve ser absoluta, não devendo existir distinções que provocariam máculas ao direito de igualdade e, conseqüentemente, ocasionariam o desequilíbrio contratual e processual.
O princípio da igualdade é o mesmo princípio da isonomia. Referem-se à isonomia entre homens e mulheres, consumidores e fornecedores, contratantes e contratados, empregadores e empregados, entre outros, a depender da relação jurídica realizada.
Temos, também, o princípio da legalidade, elencado no inciso II do Art. 5°, que instrui: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. De início, para melhor compreensão, citaremos as informações trazidas por Xxxxxxxxx xx Xxxxxx00 em seu livro de Direito Constitucional:
“O art. 5.°, II, da Constituição Federal, preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Tal princípio busca combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional, podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei”.
Este princípio é o principal sustentáculo do Estado de Direito. Tem como alvo preceituar que somente condutas típicas, determinadas em lei, do qual se impõe sanção, submetem o agente do fato à pena cabível. Tal informação tem ligação direta com o inciso XXXIX, que informa: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Constatamos dois princípios, o da anterioridade e da reserva legal, exigindo que o preceito e a sanção estabelecidos pelo legislador precedam ao fato típico.
O movimento consumerista no Brasil foi coroado com a inclusão da defesa do consumidor na Constituição da República de 1988. Admite-se a defesa do
52 XXXXXX, Xxxxxxxxx xx. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 66.
consumidor como princípio constitucional e, mesmo, como direito fundamental. Assim está veiculado no inciso: “XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
A partir deste inciso, dá-se início à construção de um sistema normativo de competência da União, que regulará as relações de consumo. Surge, então, o Código de Defesa do Consumidor - a Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990, cuja promulgação se deve ao mandamento constitucional acima descrito.
Ainda no campo constitucional, entendemos que há um princípio geral de direito – que dá densidade normativa ao valor – e que funciona como verdadeiro fundamento para a disciplina constitucional do Direito do Consumidor: a dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana é um dos princípios que fundamenta o Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil, estampado no artigo 1º da Constituição Federal. O referido princípio é de suma importância, vez que servirá de guia para a interpretação de todos os direitos e garantias conferidos às pessoas.
Xxxxx Xxxxxx Comparato53 apresenta um conceito do que representa a dignidade para o ser humano:
“A dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita”.
A Constituição Federal de 1988 trouxe como um dos princípios fundamentais da República brasileira a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III). Entretanto, para a concretização dessa dignidade é necessário que se estabeleçam certas garantias – mínimas – e certos direitos básicos. E foi o que a Constituição
53 COMPARATO, Xxxxx Xxxxxx. A afirmação histórica dos direitos humanos, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 48.
Federal fez em seu art. 6º, assegurando a todos direitos sociais, tais como educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, proteção à maternidade, etc., o que quer dizer que, sem essas garantias mínimas, não é possível ter uma vida digna.
Ao discorrer sobre a dignidade da pessoa humana, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx00, em sua tese de livre-docência, cria a expressão “piso vital mínimo”, relacionada aos direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal, que devem ser assegurados concretamente ao indivíduo, a fim de garantir e respeitar a sua dignidade.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx00, a respeito do princípio da dignidade humana na ordem constitucional, apresenta a seguinte posição:
“(...) nossa ordem constitucional tem como fundamento básico a dignidade da pessoa humana, o que significa que todo o direito deve ser construído, seja por via legislativa, seja por concreção judicial, sobre essa noção. O preceito constitucional deve ser uma diretriz ao legislador ordinário, mas também ao operador que utilizá-lo como normativa para aplicação de regra ordinária, seja um modelo casuísta, seja uma cláusula geral”.
A Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Fátima Xxxxx Xxxxxxxx00, apresenta lição digna de nota:
“Ora, se a dignidade da pessoa humana é um valor em si mesmo, absoluto, conclui-se que nas relações de consumo, o fornecimento de produtos e serviços não pode se dar em detrimento da dignidade do homem consumidor, sobretudo de seus direitos da personalidade, como o direito à honra, a um nome sem mácula, à intimidade, à integridade física, psíquica e à imagem, entre outros. Esses direitos vêm previstos no Código de Defesa do Consumidor, em particular, nos art. 6°, inc. I, que expressa a proteção da vida, saúde e segurança do consumidor; 8° como complementação do 6°, 42, 43 e 71, que implicitamente resguardam a honra e a imagem do consumidor”.
54 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito de Antena em face do Direito Ambiental no Brasil. Tese de livre-docência. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 35.
55 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Codificação e cláusulas gerais. In: Revista Trimestral de Direito Civil
Rio de Janeiro: Padma, abr./jun. 2000, p. 2-19.
56 XXXXXXXX, Fátima Nancy. A tutela jurídica do consumidor e o respeito à dignidade da pessoa humana. In: XXXXXXX, Xxxxx; XXXXXXX XX XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx (coord.) Tratado Luso-Brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
Também de muita importância para o Direito do Consumidor, o princípio da informação está inserido no rol de direitos e garantias fundamentais, precisamente no art. 5º, XIV, da Constituição Federal, verbis: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
Além de ser um princípio constitucional, pela leitura de diversos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, nota-se a preocupação em garantir a adequada informação na relação consumerista. Na constituição Federal, o direito de informação pode ser contemplado três espécies: a) o direito de informar; b) o direito de se informar; c) o direito de ser informado. Com efeito, o direito de informar é basicamente uma prerrogativa conferida pela Carta magna; os outros dois são obrigações, e bastante relevantes para as relações de consumo.
E isto porque o dever de informação não se refere apenas ao bem oferecido – produto ou serviço. A informação também deve estar presente na relação contratual e de forma ampla. Em outras palavras, o consumidor tem o direito de ser informado de maneira clara e precisa, quanto a todas as fases da negociação, os possíveis desdobramentos, as conseqüências e os efeitos, de forma que possa manifestar sua vontade em adquirir o produto/serviço sem máculas ou ignorância de algum fator, que se tivesse conhecimento, o levaria a não contratar.
Como bem destaca Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00:
“O princípio da informação pode ser classificado como um princípio constitucional implícito extraído da interpretação sistemática – atuando em conjunto com o processo de generalização – de outros princípios constitucionais: da dignidade da pessoa humana; da livre iniciativa; da construção de uma sociedade livre, justa e solidária; da erradicação da pobreza; da redução das desigualdades sociais e regionais; da promoção do bem de todos; da proteção à vida (e à saúde); da liberdade de expressão (intelectual, artística, cientifica e comunicação); do acesso à informação; da defesa do consumidor; da livre concorrência; dos respeito aos valores éticos e sociais e da família. Não se tem dúvida, desta forma, do nível constitucional do princípio da informação nas relações de consumo.”
57 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx. O direito de informação no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Alfabeto Jurídico, 2003.
Ainda sobre os princípios constitucionais de proteção ao consumidor, o princípio da eficiência deve ser observado pela administração publica direta e indireta. O caput do art. 37 da Constituição Federal estabelece que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Nunes58 analisa que: “Se para a iniciativa privada a Constituição Federal guardou os princípios da atividade econômica, por meio dos quais o empreendedor está obrigado a assumir riscos e, pelo parâmetro da concorrência, oferecer produtos e serviços com melhor qualidade e preço mais baixo, para o serviço público o texto magno reservou a eficiência”.
A redação do caput do art. 37 é efetuada pela Emenda Constitucional nº. 19, de 4 de junho de 1998, que exatamente incluiu o termo “eficiência” na norma. Mas o inciso IV do parágrafo único do art. 175 já dispunha a obrigação de se manter serviço adequado. Assim, à obrigatoriedade da adequação do serviço público se acresceu a eficiência.
Isso significa que não basta haver adequação, nem estar à disposição das pessoas. O serviço tem de ser realmente eficiente; tem que cumprir sua finalidade na realidade concreta. O sentido de eficiência remete ao resultado: é eficiente aquilo que funciona. A eficiência é um plus necessário da adequação. O indivíduo recebe serviço público eficiente quando a necessidade para a qual este foi criado é suprida concretamente. É isso que o princípio constitucional da eficiência pretende.
Finalizando o tópico dos princípios constitucionais de proteção ao consumidor, destacamos que a publicidade como meio de aproximação do produto e do serviço ao consumidor tem guarida constitucional, ingressando como princípio que deve orientar a conduta do publicitário no que diz respeito aos limites da possibilidade de utilização desse instrumento.
58 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Consumidor. p. 60.
A Constituição Federal cuidou da publicidade do serviço público no art. 37, que regula, entre outros, o princípio da moralidade (par. 1º desse art. 37). E tratou da publicidade de produtos, práticas e serviços no capítulo da comunicação social (inciso II do par. 3º do art. 220), guardando regra especial para anúncios de bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias (par. 4º do art. 220). O inciso II do par. 3º do art. 220 estabelece que se deve contra a publicidade nociva à saúde e ao meio ambiente. A pessoa e a família, além de outras garantias, têm assegurado o respeito a valores éticos (inciso IV do art. 221).
Logo, tanto no art. 37 quanto no capítulo da comunicação social, a Carta Magna protege a ética. E para fins de publicidade em matéria de relações de consumo, o valor ético fundamental é o da verdade59. Assim sendo, o anúncio publicitário não pode faltar com a verdade daquilo que anuncia, de forma alguma, quer seja por afirmação, quer seja por omissão. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para, de maneira confusa ou ambígua, iludir o destinatário do anúncio.
Esses são os princípios constitucionais essenciais ao Direito do Consumidor, principalmente no que tange à busca de garantia da boa-fé e a harmonia nas relações de consumo.
A partir dos princípios constitucionais norteadores das relações de consumo, pode-se dizer que a proteção consagrada na Constituição do Brasil representa uma tendência mundial de tutela do cidadão na sua face mais corriqueira e que integra sua dignidade: a face de consumidor.
2.4 O MICROSSISTEMA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor é a fonte normativa infraconstitucional mais relevante para a disciplina da relação de consumo.
59 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Curso de Direito do Consumidor. p. 63.
Para Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Catta Preta Federighi60 à Lei nº. 8.078/90 foi dada a incumbência de regular o mercado, no intuito máximo de contabilizar os excessos praticados contra o consumidor e dar instrumentos para puni-los, visando garantir a sanidade de um mercado leal. Busca-se o equilíbrio real das relações de consumo, pressupondo-se a real e concreta desvantagem que o consumidor assume nestas relações.
Forte nestes objetivos, o Código de Defesa do Consumidor é considerado uma lei multidisciplinar, repositório de diretrizes e mecanismos próprios às relações de consumo. Nos termos de seu artigo 1º, é lei de ordem pública e de interesse social, ou seja, possui contorno imperativo, de caráter cogente e obrigatório, o que equivale dizer que nem as partes, nem o magistrado podem dispor de suas normas. É, portanto, instrumento apto a regular as relações entre fornecedor e consumidor, incluídos os consumidores equiparados e também atingidos pela relação de consumo.
Justificando a obrigatoriedade de uma lei de ordem pública, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx00 afirma que:
“A imperatividade absoluta de certas normas é motivada pela convicção de que determinadas relações ou estados da vida social não podem ser deixados ao arbítrio individual, o que acarretaria graves prejuízos. Existem relações humanas que pela sua grande importância são reguladas, taxativamente, em normas jurídicas, a fim de evitar que a vontade dos particulares perturbe a vida social. As normas impositivas tutelam interesses fundamentais, diretamente ligados ao bem comum, por isso é que são também chamadas de ordem pública.”
Ao tratar do Código de Defesa do Consumidor, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx afirma que este diploma legal criou um microssistema de Direito das Relações de Consumo. A idéia de que o diploma legal consumerista é um microssistema reflete a organização de seu conteúdo, bem como a sua especialidade e prevalência em
60 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Catta Preta. Algumas notas sobre a publicidade no CDC. Artigo inserido na obra coletiva “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”. Coordenação: Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx, Fabíola Meira e Xxxxxxxx Xxxxxxxx, 1. ed. São Paulo, Editora Verbatim, 2009, p. 239.
61 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de Direito Civil Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, vol. I, p. 34.
relação a qualquer outra norma que trate de uma questão de consumo, naquilo que a contrarie. Essa visão permite afirmar que o Código de Defesa do Consumidor brasileiro é uma lei principiológica.
Enquanto lei principiológica, o Código de Defesa Consumidor ingressa no sistema jurídico fazendo, como ilustra Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Nunes62, um corte horizontal, atingindo toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional.
Nas palavras de Xxxxxx Xxxx Junior63:
“O Código de Defesa do Consumidor, por outro lado, é lei principiológica. Não é analítica, mas sintética...
Optou-se por aprovar lei que contivesse preceitos gerais, que fixasse os princípios fundamentais das relações de consumo. E isto que significa ser uma lei principiológica. Todas as demais leis que se destinarem, de forma específica, a regular determinado setor das relações de consumo, deverão submeter-se aos preceitos gerais da lei principiológica, que é o Código de Defesa do Consumidor.
Assim, sobrevindo lei que regule, v. g., transporte aéreo, deve obedecer aos princípios gerais estabelecidos no CDC. [...] Destarte, o princípio de que a lei especial revoga a lei geral não se aplica ao caso em análise, porquanto o CDC não é apenas lei geral das relações de consumo, mas, sim, lei principiológica das relações de consumo.
Pensar-se o contrário é desconhecer o que significa o microssistema do Código de Defesa do Consumidor, como lei especial sobre relações de consumo e lei geral, principiológica, à qual todas as demais leis especiais setorizadas das relações de consumo, presentes e futuras, estão subordinadas.”
A respeito do microssistema protetivo das relações de consumo, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx00 assevera que:
62 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Curso de direito do consumidor: 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 66.
63 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Da proteção contratual. in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 432.
64 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Consumidores. Rubinzal – Culzoni Editores, Buenos Aires: 2006, p.
29. “[...] es um conjunto de normas imperativas que controla la licitud de lo pactado por las partes, principalmente su adecuación a los valores esenciales del ordenamiento jurídico. La autonomía privada conduce al individualismo y la fractura del orden social si no hay um mínimo de perspectiva pública sobre las acciones privadas; el orden público que examinamos obedece a este proposito. Dentro de esta cuadrícula axiológica, se refiere a princípios mínimos: la persona, sus atributos, la moral y las buenas costumbres, la libertad de comercio.”
“[...] é um conjunto de normas imperativas que controla a licitude do que é pactuado entre as partes, principalmente sua adequação a valores essenciais do ordenamento jurídico. A autonomia privada conduz ao individualismo e à ruptura da ordem social se não houver um mínimo de controle público sobre as ações privadas; a ordem pública que examinamos obedece a este propósito. Dentro deste quadro axiológico, refere-se a princípios mínimos: à pessoa e seus atributos, à moral e aos bons costumes, à liberdade de comércio.”
O microssistema do Código de Defesa do Consumidor servirá de norte não apenas para situações particulares e individualizadas, mas de toda a sociedade de consumo, em razão de o Estado ter o dever constitucional de resguardar os direitos dos consumidores, intervindo na autonomia privada.
Para Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx00:
“Certo é que se está diante de um sistema aberto, dinâmico, que acolhe a entrada de novos valores, admitindo, por exemplo, a integração do contrato pelo juiz, ex officio, de forma que a proteção do consumidor esteja assegurada.
Desse modo, amolda-se a norma aos interesses sociais surgidos com a evolução da sociedade, conquanto a idéia de sistema aberto é de evolução e integração, com a possibilidade de incidência de novos princípios. A presença de cláusulas gerais no CDC, por exemplo, atesta a existência de um sistema aberto, com mobilidade, ao contrário do sistema fechado, em que eventuais lacunas devem ser supridas dentro do próprio sistema.”
Assim, toda e qualquer relação de consumo, ainda que regida por lei posterior e especial, deverá observar os ditames ali previstos, não podendo contrariá-los, sendo considerados nulos de pleno direito.
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx00, ao falar da supremacia das leis que criam um verdadeiro sistema de proteção dos consumidores, posto que são normas principiológicas, concluiu que elas criam pautas de ação e instrumentos de interpretação do direito como um todo, o que traz um compromisso para o próprio aplicador do direito.
65 SANTOS, Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx. O marketing digital e a proteção do consumidor. 2009. 181f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 26.
66 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. A construção do direito do consumidor. Um estudo sobre as origens das leis principiológicas de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009, p. 68.
Em sua dissertação de mestrado em direito, Fabíola Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx00 elenca e aborda de forma plena os princípios trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor. São eles: (i) vulnerabilidade do consumidor; (ii) iniciativa estatal na tutela das relações de consumo; (iii) harmonização das relações de consumo; (iv) incentivo à criação de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços (v) coibição e repressão de abusos, inclusive da concorrência desleal; (vi) racionalização e melhoria dos serviços públicos; (vii) informação; (viii) veracidade; (ix) lealdade; (x) transparência; (xi) identificação; (xii) vinculação; (xiii) não-abusividade; (xiv) correção da mensagem publicitária; (xv) confiança e, (xvi) boa-fé objetiva. No referido trabalho, Xxxxxxx ressalta que os princípios deverão ser considerados como sistema único e como regramento básico da matéria, sem olvidar a característica de microssistema aberto, que autoriza a integração naquilo que não o contrarie.
Além dos princípios, o Código de Defesa do Consumidor conta com cláusulas gerais. Conforme leciona Xxxxxx Xxxx Junior68, as cláusulas gerais são princípios positivados, atuam com o intuito de dar mobilidade aos Códigos e são fonte criadora de direitos e obrigações, devendo ser aplicadas de ofício, em razão do caráter de norma de ordem pública.
Diante disso, a revogação de uma norma principiológica ou a desobediência de uma cláusula geral por outra norma jurídica, será de difícil ocorrência. Uma das observações que se faz é no sentido de que a maioria das proibições e condutas tidas como abusivas no Código de Defesa do Consumidor fazem parte de um rol apenas exemplificativo, ou seja, ainda que uma prática ou uma cláusula não esteja expressamente arrolada como abusiva, referida conduta (cláusula ou prática) será considerada ilícita em razão do caráter principiológico do Código.
67 SANTOS, Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx. O marketing digital e a proteção do consumidor. p. 31.
68 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Contratos no Código Civil. XXXXX, Xxxxxxxxxx; XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx. (coords.). In: O Novo Código Civil – Homenagem ao Professor Xxxxxx Xxxxx. São Paulo: LTr, 2006, p. 418-464.
Além de seus princípios e cláusulas gerais, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, elenca os direitos básicos do consumidor.
Xxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx Neto69 preleciona que os direitos básicos do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor são pré-requisitos da relação de consumo. São regras bilaterais pois, de um lado, geram direitos para os consumidores e, de outro, geram, em contrapartida, deveres para os fornecedores. E toda obrigação traz para o obrigado o ônus da prova do adimplemento. Assim devem ser observados os direitos do artigo sexto, direitos intocáveis, regras absolutas que não comportam relativização.
Neste contexto, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu que são direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou
69 XXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Direitos Básicos: Comentários ao artigo 6º, do CDC. Artigo inserido na obra coletiva “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”. Coordenação: Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx, Fabíola Meira e Xxxxxxxx Xxxxxxxx, 1. ed. São Paulo, Editora Verbatim, 2009, p. 62.
quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; e IX - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Para Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Catta Preta Federighi70, a defesa de interesses básicos do consumidor implica não somente reconhece-los na órbita jurídico-normativa, como fez a Constituição Federal, mas também no entendimento da gênese destes conflitos, pois é a partir dela que pode haver uma nova concepção deles, de como eles surgem no meio social.
Em tempo, ressaltamos que, conforme disposição do caput de seu artigo 7º, os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais de direito, analogia, costumes e equidade, possibilitando o que Xxxxxxx Xxxx Marques conceituou de “diálogos das fontes”.
70 FEDERIGHI, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Catta Preta. Publicidade Abusiva – incitação à violência. São Paulo: Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 1999, p. 55.
3. OS CONTRATOS DE CONSUMO
Apresentados os princípios e fundamentos da defesa do consumidor, entendemos que, para tratar da devolução das quantias pagas aos consumidores desistentes e excluídos dos contratos de consórcio, necessário se faz abordarmos, primeiramente, características e particularidades dos contratos de consumo, notadamente os contratos de adesão. A Lei nº. 11.795/08, que dispõe sobre o sistema de consórcio, toda vez que utiliza o termo contrato de participação em grupo de consórcio, o complementa com a locução adjetiva “por adesão”.
3.1 NOÇÕES GERAIS DE CONTRATO
O contrato representa uma espécie do gênero negócio jurídico, cuja formação, sinteticamente, se dá pelo concurso de vontades em torno de um mesmo objeto. Contrato é o acordo de duas ou mais pessoas com a finalidade de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos, segundo Clóvis Beviláqua71.
Contrato constitui um negócio jurídico criador de direitos para auto- regulamentação dos interesses particulares, em razão do encontro de vontade das partes. De um lado, são caracterizados pelos elementos que, convergindo entre si, o estabelecem, e de outro plano, pelo seu conteúdo, que para as partes valem como mandamentos e determinações.
Desde o direito romano até o direito moderno, o contrato sempre foi uma fonte de obrigação. Porém, naquele havia a característica da força obrigatória, presente posteriormente no direito moderno. Para os romanos, o contrato era uma espécie de convenção, cuja obrigação poderia ser exigível caso estive presente uma causa civilis, que consistia no cumprimento de certas formalidades. Assim, caso o
71 BELIVÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 10 ed., Rio de Janeiro: Xxxxxxxxx Xxxxx, v. 4, anotação ao art. 1.079.
acordo de vontades não estivesse vinculado a uma causa civil, seria considerado um pacto inexigível.
Posteriormente, os contratos perderam o formalismo romanista e, por influência dos canonistas, passaram a considerar a declaração de vontade como elemento fundamental para a formação do contrato. Esta prevalência do consensualismo sobre o formalismo é a que vigora no direito contemporâneo72.
No entanto, o contrato, instituto basilar de quase todas as relações humanas na sociedade, sempre teve como estrutura a vontade humana, visando estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes. O sujeito de direito declara sua vontade, celebrando um negócio jurídico bilateral (contrato), na busca de um fim-causa, que uma vez atingido, exaure o ato73.
Nesse sentido, destacamos a conceituação de contrato feita pela professora Xxxxx Xxxxxx Xxxxx00, para quem:
“Contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.”
O contrato cria, resguarda, modifica e extingue direitos e obrigações, uma vez que as partes estabelecem a forma de regulamentar seus interesses. Portanto, é o negócio jurídico cuja finalidade é gerar obrigações entre as partes envolvidas, sendo a vontade de ambas o fator primordial para a existência da obrigação, vinculando os contraentes à observância das condições que acordaram.
O contrato pode ser um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, sendo necessário para a sua validade a existência de requisitos subjetivos, objetivos e formais que, em nosso ordenamento jurídico atual estão previsto no artigo 104 do
72 Art. 107 do Código Civil de 2002: A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
73 XXXX XXXXXX, Xxxxxx. Código Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
74 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 10. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, v. 3, p. 22.
Código Civil: I) agente capaz; II) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e III) forma prescrita ou não defesa em lei.
Os contratos entre particulares, excluído o do trabalho, submetem-se a dois regimes distintos: cível e de tutela dos consumidores. De modo genérico, quando a relação contratual aproxima consumidor (destinatário final de produto ou serviço) de fornecedor (empresário que vende no mercado produtos ou presta serviço), aplica-se o regime consumerista; nos demais casos, ausente consumidor ou fornecedor na relação contratual, aplica-se o regime cível75.
Os contratos são, quanto à sua formação, sempre atos bilaterais, porque pressupõe a convergência de vontade de pelo menos duas pessoas. Em relação às obrigações contraídas pelas partes, dividem-se em bilaterais e unilaterais. No primeiro grupo, estão os contratos em que ambos os contraentes se obrigam (ex: compra e venda); no segundo, apenas um deles tem obrigações perante o outro (ex: mútuo).
Os contratos que se formam exclusivamente pela manifestação de vontade das partes são consensuais (ex: compra e venda). Aqueles que dependem, além disso, da entrega de coisa de uma parte para outra são os contratos reais (ex: mútuo). Os que só se constituem após a instrumentalização de acordo com a lei são os solenes.
Contratos comutativos opõem-se aos aleatórios: naqueles, os contratantes podem antecipar como será a execução do contrato (ex: compra e venda), enquanto nestes, em razão da álea característica do objeto contratado, tal antecipação é impossível.
Os contratos típicos são os disciplinados na lei; atípicos, os não disciplinados. Não basta à tipicidade do contrato mera referência em dispositivo legal, como no caso da franquia ou do fomento mercantil, que são contratos atípicos. É necessário que a ordem positiva regule os direitos e as obrigações dos
75 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de direito comercial – direito de empresa. 11. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, v. 3 (contratos; recuperação de empresas), p. 19.
contratantes (de forma cogente ou supletiva), para se revestir o contrato de tipicidade.
Apresentada uma noção geral sobre contratos e sua classificação, é importante destacar que a definição de contrato como efetivamente se conhece nos dias atuais fundamenta-se, basicamente, na sistematização alcançada pela concepção tradicional do contrato, vale dizer, uma espécie de negócio jurídico, com eficácia obrigacional, em que são pressupostos de existência a bilateralidade (ou pluralidade de partes), bem como o consenso de vontades (livre, sem vícios).
Entretanto, referido conceito sofreu alterações ao longo de novas influências que concorreram para a modificação da noção de contrato, principalmente no que se refere à substituição da concepção tradicional por uma mais social, centrada na igualdade e no equilíbrio entre as partes.
Segundo Xxxxxxx Xxxxx00, os principais fatores dessas transformações ocorridas na teoria geral do contrato são: “1º) a insatisfação de grandes extratos da população pelo desequilíbrio, entre as partes, atribuído ao princípio da igualdade formal; 2º) a modificação na técnica de vinculação por meio de uma relação jurídica; 3º) a intromissão do Estado na vida econômica. (...)”.
Em razão da evolução da sociedade ao longo do tempo, o contrato também sofreu mudanças, visando estabelecer situações mais equitativas diante da nova realidade social.
No Brasil, após o advento da Constituição Federal de 1988, o Código do Consumidor foi uma das legislações pioneiras, se não a primeira, a dar ao contrato o enfoque contemporâneo da nova teoria contratual, de modo que qualquer análise relativa às relações jurídicas negociais inseridas nesse sistema de consumo passaram a considerar, além dos princípios tradicionais do direito privado, toda a nova principiologia introduzida pela nova lei (boa-fé objetiva, função social do contrato, p. ex.).
76 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 24. ed. atualização e notas de Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 7.
Ainda, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, também as relações negociais atinentes exclusivamente ao direito privado adotam a moderna concepção contratual, bem como toda a principiologia por ela inserida no ordenamento jurídico brasileiro.
3.2 CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor trouxe profundas e significativas modificações à ordem jurídica nacional, estabelecendo um conjunto sistemático de normas, de naturezas diversificadas, mas, ligadas entre si por terem como suporte uma relação jurídica básica, caracterizada como uma relação de consumo. A nova legislação repercutiu profundamente nas diversas áreas do direito, inovando em aspectos de direito penal, administrativo, comercial, processual civil e civil, em especial.
De fato, com a evolução das relações sociais e o surgimento do consumo em massa, bem como dos conglomerados econômicos, os princípios tradicionais da nossa legislação privada já não bastavam para reger as relações humanas, sob determinados aspectos.
Os contratos, que antes eram formados por dois parceiros em pé de igualdade, através da discussão das cláusulas, conteúdo e obrigações, deram lugar à contratação em massa. Nos dizeres de Xxxxxxx Xxxx Marques77, “o comércio jurídico se despersonalizou e desmaterializou”. Na mesma obra, a autora assevera que:
“Dentre as técnicas de conclusão e disciplina dos chamados contratos de massa, destacamos, desde a quarta edição, os contratos de adesão, as condições gerais dos contratos ou as cláusulas gerais contratuais e os contratos do comércio eletrônico com os consumidores.”
77 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5ª ed. São Paulo: XX, 0000, p. 65.
Neste sentido, com a pluralidade de sujeitos, os contratos passaram a ser pré-elaborados de maneira unilateral, sendo que o consumidor passou somente a aderir ao seu conteúdo.
Além dos contratos escritos, não se pode deixar de mencionar ainda quanto à existência dos contratos orais, condutas sociais típicas78, recibos e tickets de caixas automáticas, na sociedade massificada.
As citadas condutas sociais típicas podem ser visualizadas na contratação sem diálogo, sem acordo real, ou seja, sem a presença das partes, por atos, imagens ou cliques, em que o consumidor apenas identifica o fornecedor pela marca.
Assim, o direito teve de se atualizar, cedendo às transformações sociais, a fim de controlar as conseqüências oriundas da liberdade desmedida de contratar, representada pelo princípio da autonomia da vontade.
Neste contexto, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Catta Preta Xxxxxxxxx 79 destaca que um dos poucos sistemas normativos que se pode dizer ter surgido em face dos reclamos da sociedade civil foi o Código de Defesa do Consumidor. A edição de tal diploma importa a imposição de limites ao campo volitivo das partes, o reconhecimento de uma hipossuficiência jurídica do consumidor, deslocando-se para o campo efetivo dos interesses difusos e coletivos, uma relação base que era tratada de forma indiscriminada pelo regramento do direito privado.
Neste passo, o Estado passou a iniciar uma intervenção agressiva nas relações contratuais, de forma a priorizar o interesse público sobre os interesses meramente privados, em especial dos consumidores em massa e economicamente mais fracos.
78 XXXXXX, Xxxx. Allgemeiner Teil des deutschen Bürgerlichen Rechts. Munique: Beck, 1977, p. 471
apud MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Op cit., p. 67.
79 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Catta Preta. Publicidade Abusiva – incitação à violência. São Paulo: Xxxxxx xx Xxxxxxxx, 1999, p. 53.
Sobre a importância do Código de Defesa do Consumidor na matéria contratual, se faz indispensável destacar as afirmações de Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx00:
“Todavia, em que pese a influência malévola que alguns grupos de pressão efetuaram no decorrer da aprovação do CDC, forçoso é convir que o Código é um marco importantíssimo não somente para o direito pátrio, mas também, para o mundo atual, com grande significação histórica.
Denota o enfraquecimento da autonomia privada pátria, provinda do liberalismo que, por si só, durante décadas, mostrou-se insuficiente e incapaz para limitar as deturpações do exercício do direito subjetivo – causadas por empresários – que permeavam as obrigações advindas dos contratos; consubstancia-se o novo diploma em um avanço da justiça social, dos interesses coletivos, difusos e do dirigismo contratual, necessário para a redução das dissimetrias sociais, após a percepção de que a igualdade dos contratantes nunca passou de uma ficção jurídica criada pela classe dominante.
Podemos assim dizer que a autonomia privada, criada pelo direito, foi por ele consumida e, sobre suas ruínas ergue-se o dirigismo contratual, especialmente a intervenção estatal nas relações de consumo, uma conquista presente.”
Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor retirou da legislação civil, bem como de outras áreas do direito, a regulamentação das atividades humanas relacionadas ao consumo, criando uma série de princípios e regras em que se sobressai não mais a igualdade formal das partes, mas, sim, a vulnerabilidade do consumidor, que deve ser protegido.
Quanto aos aspectos contratuais da proteção do consumidor, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx00 ensina que o Código de Defesa do Consumidor alterou a visão clássica de direito privado, que está embasado no liberalismo do século passado, para:
“a) revitalizar o princípio da intangibilidade do conteúdo do contrato, alterando sobremodo a regra milenar pelo brocardo pacta sunt servanda e enfatizar o princípio da conservação do contrato (art. 6º,
n. V); b) instituir a boa-fé como princípio basilar informador das relações de consumo (art. 4º, caput e n. III; art. 51, n. IV); c) impor ao fornecedor o dever de prestar declaração de vontade (contrato), se
80 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. Abuso do Direito no Código de Defesa do Consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 57.
81 XXXX XXXXXX. Xxxxxx. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 273-4.
tiver veiculado oferta, apresentação ou publicidade (art. 30); d) estabelecer a execução específica da oferta como regra (arts. 35, n. I, e 84, §1º), deixando a resolução em perdas e danos da obrigação de fazer inadimplida como expediente subsidiário, a critério exclusivo do consumidor (arts. 35, n. III, e 84, §1º)”.
Nota-se, assim, que o Código de Defesa do Consumidor alterou sobremaneira os princípios da autonomia da vontade, da força obrigatória e da relatividade dos contratos, criando uma verdadeira revolução doutrinária, diante da modificação de verdadeiros dogmas do direito civil, arraigados no pensamento de estudiosos do direito. Pode-se asseverar que, com a criação de mecanismos de proteção ao consumidor, ocorreu a maior transformação nas relações contratuais desde a Revolução Industrial, embora essa revolução ainda prossiga82.
3.3 PRINCÍPIOS DA TUTELA CONTRATUAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Da disciplina legal dos contratos de consumo, pode-se extrair princípios fundamentais que devem ser observados quando da análise dos contratos de consórcio. Com efeito, há que se destacar que alguns dos princípios a seguir elencados são explícitos, tais como: a boa-fé, a informação, a transparência, a equidade e a proporcionalidade das relações de consumo; outros são implícitos, tais como: as funções social e econômica das relações de consumo, sendo que a investigação destes se dá por indução, assim como pela análise axiológica dos fundamentos da ordem jurídica, os quais, interligados, visam à justiça contratual e a harmonização das relações de consumo.
3.3.1 A BOA-FÉ NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
82 BULGARELLI, Waldirio. Questões contratuais no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1991, p. 38.
Para que seja possível entender as informações que devem ser prestadas ao consumidor nos contratos, não se pode deixar de mencionar o princípio basilar que rege toda e qualquer relação de consumo, qual seja, a boa-fé.
O princípio da boa-fé sempre esteve presente na sociedade como um todo, assim como nas relações jurídicas. Muito embora o princípio da boa-fé não tivesse regramento específico, este se situava em um plano “pré-positivo”83, ou seja, possuía vigência independente da existência de uma regra positivada a respeito. Assim, o princípio em questão já se encontrava presente em diversas decisões judiciais, em que pese a existência de uma lei que o definisse.
É importante destacar que o Código Civil Brasileiro abordou referido princípio apenas em sua forma subjetiva e não objetiva, como o fez o Código de Defesa do Consumidor.
Muito embora o Código Comercial tenha trazido o princípio da boa-fé objetiva em seu art. 131, inc. I, a não utilização por parte da doutrina e do ordenamento jurídico o fez não ser lembrado. Desta forma, o Código de Defesa do Consumidor, a fim de regular referido princípio de forma objetiva, o trouxe de forma inovadora expressamente em seu corpo, para que seja aplicado de maneira primordial nas relações de consumo.
De acordo com o entendimento do professor Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx00, a localização do princípio da boa-fé no Código de Defesa do Consumidor não é muito apropriada, pois o mais prudente seria colocá-lo como cláusula geral, como na seção I do capítulo VI. Contudo, é salutar ressaltar que a boa-fé não deixa de ser um princípio geral, ainda que estampado no art. 4º, inciso III e art. 51, IV do CDC.
Como visto, o Código de Defesa do Consumidor traz a lume a boa-fé objetiva e não subjetiva, sendo que a diferença primordial entre ambas é a de que a
83 XXXXXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx. A incidência do Princípio da Boa-fé no Período Pré-negocial: Reflexões em torno de uma notícia jornalística. In: Revista de Direito do Consumidor. v.4. São Paulo, 1992, p. 145.
84 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (artigos 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000, p. 532.
primeira representa o comportamento correto e legal, enquanto a última diz respeito à falta de conhecimento ou ignorância de uma pessoa acerca de uma situação ou um direito seu.
A fim de esclarecer a diferença entre as duas espécies de boa-fé, é importante transcrever os comentários da professora Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, a respeito da boa-fé subjetiva85:
“A expressão boa-fé subjetiva denota estado de consciência, ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como intenção de lesar outrem. (...)
A boa-fé subjetiva denota, portanto, primariamente, a idéia de ignorância, de crença errônea, ainda que escusável, acerca da existência de uma situação regular, crença (e ignorância escusável), que repousam seja no próprio estado (subjetivo) da ignorância (as hipóteses de casamento putativo, da aquisição da propriedade alheia mediante usucapião), seja numa errônea aparência de certo ato (mandato aparente).”
No que tange à boa-fé objetiva, interessa destacar os ensinamentos de Xxxxxx X. Xxxxxxx xx Xxxxx00:
“A boa-fé objetiva pressupõe: 1º) existência de duas pessoas ligadas por uma determinada relação jurídica, que lhes imponha especiais deveres de conduta, de cada em relação à outra; 2º) padrões de conduta exigíveis do bom cidadão, do profissional competente, enfim, o que costuma ser traduzido pela noção de bônus pater famílias; e 3º) reunião de condições suficientes para criar na outra parte – contraparte- um estado de confiança no negócio celebrado, e só então a expectativa desta será tutelada, ou seja, considera-se a posição de ambas as partes que estão em relação.”
Diante do exposto, não se pode negar que o princípio da boa-fé objetiva, qual seja, a lealdade nas relações de consumo, por fazer parte de toda a sistemática do diploma de defesa do consumidor, deva estar presente em toda e qualquer relação tida com este, inclusive no momento da formação de um contrato.
85 XXXXXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxxx. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: XX, 0000, p. 410.
86 XXXXX, Xxxxxx X. Schmidt da. Cláusula Geral de Boa-fé nos Contratos de Consumo. Revista de Direito do Consumidor, v.17. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 155.
Aliás, tal assunto foi muito bem colocado pelo professor Xxxxxx Xxxx Junior87 ao preceituar que a boa-fé foi inserida no Código de Defesa do Consumidor como cláusula geral, que deve ser observada sempre em todas as relações jurídicas de consumo, ainda que não estejam expressamente inseridas no corpo do contrato, competindo ao magistrado a investigação se as partes por ocasião da conclusão do negócio jurídico de consumo, atenderam validamente aos preceitos da cláusula sob exame.
3.3.2 PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA
A Política Nacional das Relações de consumo conta com o princípio da transparência, expressamente previsto no supramencionado art. 4º, caput do Código de Defesa do Consumidor. Referido princípio, discorre a respeito da necessidade de clareza das informações prestadas ao consumidor.
Transparência, nos dizeres de Xxxxxxx Xxxx Marques88 significa “informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, (...) lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-negocial, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo”. Assim sendo, a intenção do legislador foi esclarecer ao consumidor o serviço ou produto adquirido em relação às suas qualidades e características, assim como quanto ao conteúdo do contrato firmado para aquisição.
Compartilhando deste mesmo entendimento, têm-se os ensinamentos de Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxxxx Guimarães89, que se reportam à Resolução 39/248 da ONU para destacar que a transparência e o dever de informar dos fornecedores já
87 XXXX XXXXXX, Xxxxxx e, et al Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997, p. 140.
88 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. p. 715.
89 GUIMARÃES, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxxx. Vícios do Produto e do Serviço, por qualidade, quantidade e insegurança. Cumprimento imperfeito do contrato. São Paulo: XX, 0000, p. 78.
estavam previstos em referida resolução, bem como assevera que servem de instrumentos a proteger a escolha livre do consumidor.
Portanto, para que o consumidor possa ter a sua livre escolha na obtenção do produto ou do serviço a ser contraído, deverá ele ter acesso a todas as informações pertinentes, lembrando que estas deverão ser totalmente transparentes.
O professor Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxxx Benjamin90 dita que “A informação deve ser correta (verdadeira), clara (de fácil entendimento), precisa (sem prolixidade), ostensiva (de fácil percepção) e em língua portuguesa”.
Assim, verifica-se claramente a inversão de papéis entre o consumidor e o fornecedor, eis que o primeiro passou a ter um direito, qual seja o de informação, ao invés de ter o dever de necessitar informar-se, sendo que, em contrapartida, o fornecedor passou a ter o dever de prestar todas as informações necessárias, devidamente claras.
O princípio da transparência em referência deverá ser visualizado em toda e qualquer manifestação contratual. Isto significa que a transparência quanto aos produtos e serviços colocados no mercado de consumo deverá existir “desde a sua publicidade, vitrines, o seu marketing em geral, suas práticas comerciais, aos contratos ou às condições gerais contratuais pré-redigidas, às informações que seus prepostos e representantes prestam etc.”91
3.3.3 PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO
90 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxxxx e, et al. Código Brasileiro defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Artigos 29 a 45. 7. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2001, p. 245.
91 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. p. 718.
Conforme destacado, o consumidor possui o direito à informação dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo, como decorrência do princípio da transparência.
De acordo com a definição descrita no Dicionário Prático da Língua Portuguesa92, informação significa: “1. Ato ou efeito de informar. 2. Notícia recebida ou comunicada; informe. 3. Conhecimento, instrução; direção;” enquanto informar significa: “1. Dar notícia, dar parecer. 2. Avisar. 3. Instruir. 4. Dar forma, feitio, configuração”.
Assim, tendo o consumidor o direito à informação, deve ele ser instruído e direcionado a respeito do produto ou serviço que está sendo adquirido pelo fornecedor que possui o dever de informar.
O princípio da informação surgiu da teoria dos vícios de consentimento, pois, da idéia de erro como falsa visão da realidade, surgiu o dever de informar aos fornecedores de bens e serviços.
O dever de informação encontra-se logo no início do Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, incisos II e III, como direito básico do consumidor, conforme transcrito a seguir:
“Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: (...) [...]
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. (...)”
A “educação” estampada no inciso II do art. 6º do CDC, nos dizeres de Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx00, diz respeito a uma educação informal, cuja
92 RIOS, Xxxxxxxx Xxxxxxx. Dicionário Prático da Língua Portuguesa. São Paulo: Difusão Cultural do Livro, 1998, p. 314.
93 FILOMENO, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx e, et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Fonte Universitária, 2000, p. 124.
responsabilidade é dos próprios fornecedores, mediante a “ciência do marketing (...) e tendo-se em conta seus aspectos éticos, procurando bem informar o consumidor sobre as características dos produtos e serviços já colocados no mercado” ou que ainda sejam colocados à disposição dos consumidores.
O direito à informação acima destacado, possui, além do escopo de possíveis riscos à saúde, a finalidade de assegurar a livre escolha do consumidor a respeito do que ele estará adquirindo, assim como a igualdade na contratação, para que não haja surpresa do consumidor posteriormente, com eventual cláusula potestativa ou abusiva.
No que tange ao inciso III do citado art. 6º, preceitua Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx00 que representa um “detalhamento” do inciso II, eis que dispõe expressamente quanto à especificidade da informação, que deverá ser apresentada ao consumidor. Para melhor compreensão, destaca-se o seguinte trecho de seus comentários:
“Trata-se, repita-se, do dever de informar bem o público consumidor sobre todas as características importantes de produtos e serviços, para que aquele possa adquirir produtos, ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles.”
Como se vê, o direito de informação do consumidor a respeito do produto ou serviço que está sendo adquirido configura como direito básico a ser aplicado em todos os contratos de consumo.
3.3.4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
A proporcionalidade aplicada nos contratos de consumo é, no entendimento de Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx00, um legado de Xxxxx Xxxxxxxxx, o qual preceituou que: “Jus est realis ac personalis hominis ad hominem proportio, quae
94 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx e, et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 138.
95 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. O Abuso do Direito no Código de Defesa do Consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 69.
servat societatem; corrupta, corrumpit”, ou seja: o direito é uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a.
O princípio em questão foi primeiramente construído pelo direito administrativo, posteriormente utilizado no direito constitucional e, atualmente, consagrado no direito do consumidor96.
De acordo com Xxxxx Xxxxxxxxx00, o princípio da proporcionalidade foi positivado no sistema constitucional, além de outros diversos dispositivos, no art. 170, caput da CF/88, que constitui a justiça social como base para a ordem econômica, na qual se subsume o princípio da proporcionalidade.
De outro lado, o §2º do art. 5º da CF/88 discorre que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, dentre eles, o princípio da proporcionalidade, caracterizado por Xxxxx Xxxxxxxxx.
Ainda com relação ao mencionado art. 170, verifica-se em seu inciso V que a defesa do consumidor “recebeu a carga constitucional da justiça social”.98Portanto, pode-se dizer que o princípio da proporcionalidade foi devidamente positivado na CF/88 e migrado para o direito do consumidor. Essa migração do princípio da proporcionalidade para as relações de consumo (inclusive os contratos) se encontra evidente na leitura do art. 4º, inciso III do CDC, que, como visto, dispõe que a harmonização dos participantes da relação de consumo se realizará de modo a “viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”.
96 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. O Abuso do Direito no Código de Defesa do Consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas. p. 69.
97 XXXXXXXXX, Xxxxx. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 395.
98 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. O Abuso do Direito no Código de Defesa do Consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas, p. 70.
Desta forma, as relações de consumo serão harmônicas, na medida em que for observado o princípio da boa-fé supramencionado e o equilíbrio dos participantes das relações de consumo, “que é a consubstanciação do princípio da boa-fé”99. Somente por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade, que poderá ser alcançada a justiça contratual e social.
O princípio da proporcionalidade é encontrado no Código de Defesa do Consumidor ainda, mediante a leitura dos seguintes dispositivos: art. 4º, caput, inciso VI; art. 6º, V; art. 28, caput; art. 32, parágrafo único; art. 39, incisos I e V; art. 42; art. 51, inciso IV, §1º, incisos II e III e §2º; art. 52, §2º, art. 53, caput e §2º, entre outros.
No entanto, neste trabalho interessa destacar a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade nos contratos de consumo. Um bom exemplo na aplicação deste princípio, em matéria contratual, são os incisos V do art. 39 e IV do art. 51, ambos do CDC. O primeiro discorre quanto à impossibilidade de exigência de vantagem manifestamente excessiva ao consumidor; e o segundo reporta-se à abusividade de cláusulas contratuais que “coloquem o consumidor em desvantagem exagerada.”
De acordo com Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx000, a conjugação dos dispositivos legais em questão, demonstra “as duas faces da proporcionalidade e (...) a necessidade de proporção entre o direito e a obrigação, entre a prestação e a contraprestação; são os dois lados da moeda do consumo, a proporção.”
3.3.5 PRINCÍPIO DA EQUIDADE
99 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. O Abuso do Direito no Código de Defesa do Consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas, p. 71.
100 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. O Abuso do Direito no Código de Defesa do Consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas. p. 73.
O princípio da equidade visa garantir o equilíbrio das relações contratuais.
De acordo com Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx000 existem duas modalidades de justiça:
“(...) a formal, que visa garantir a igualdade de tratamento às partes durante o contrato, tratando abstratamente cada caso e se preocupando com a disposição das mesmas oportunidades aos integrantes da relação. A outra é a material, norteada em obter um efetivo equilíbrio entre as prestações, ultrapassando os critérios da primeira e verificando a proporcionalidade dos sacrifícios das partes.”
Na visão clássica, a equidade era conceituada como justiça, que, nos termos de Scialoja “aquele ideal ético que existe, em estado amorfo, na consciência social, e que tende a transformar-se em direito positivo”.102
De acordo com Xxxxxxx Xxx000, a aplicação do princípio da equidade na visão moderna impõe a aplicação de três regras: tratar da mesma forma as coisas iguais e os desiguais em diferenciado; todos os elementos que constituem ou influenciam a relação analisada devem ser considerados; e existindo mais de uma solução, deve o intérprete escolher a mais humana e benevolente. A equidade passou, então, a ter uma visão mais humanitária de igualdade de tratamento.
No que tange à aplicação de equidade, esta surge para suprir eventuais lacunas ou incorreções das leis, assim como, a inexistência de lacunas propicia o tratamento dos desiguais como desiguais, na medida da desigualdade.
A positivação da equidade surgiu no CPC de 1939, em seu art. 114, tendo o mesmo Código, do ano de 1973, utilizado a equidade com redação mais restrita. Já no Código de Defesa do Consumidor, o princípio da equidade encontra-se revigorado no seu art. 7º, caput, assim como no art. 51, inciso IV, sendo importante diferenciar as concepções trazidas pelo legislador, eis que distintas.
101 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Os princípios Jurídicos como “Calibradores” Das Relações Contratuais de Consumo. Tese (Mestrado em Direito). PUC/SP, São Paulo, 2007, p. 72-73.
102 XXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxx. Direito Romano. 6. ed. Rev. e ampl. V. 1 e 2. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 94.
103 XXX, Xxxxxxx. O direito e a vida dos direitos. 3. ed. Anot. e atual. por Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx. V.1. São Paulo: XX, 0000, p. 63.
O art. 7º, caput, configura como princípio básico de todas as relações de consumo, e aplica-se de forma obrigatória. Na segunda hipótese (art. 51, inciso IV), aplicável aos contratos de consumo, o princípio da equidade possui força normativa e sancionadora, sendo que, a violação deste princípio na elaboração das cláusulas contratuais, as torna nulas de pleno direito.
Xxxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxx000 discorre a grande inovação trazida pelo CDC em relação ao princípio da equidade:
“O princípio da equidade, antes concebido com o desiderato de ‘impedir qualquer possibilidade de dissonância entre a norma de direito e sua aplicação concreta’, nas palavras de Xxxxxxxx, hoje, passados aproximadamente dez lustros da lição do jurista ítalo, foi o citado princípio positivado com força normativa - para as relações jurídicas de consumo -, não se tratando de mera possibilidade de invocação de equidade pelo juiz, mas da imposição ao magistrado de analisar se as cláusulas do contrato de consumo amoldam-se dentro de um juízo equitativo.”
Assim, o princípio da equidade deverá ser aplicado de forma obrigatória em toda e qualquer relação de consumo, não somente na hipótese da existência de lacunas.
Em matéria contratual, a equidade possui o papel de verificar se as cláusulas contratuais são compatíveis com o espírito do Código de Defesa do Consumidor, eis que a equidade é tida com força normativa e sancionadora. Assim, verifica-se o caráter peculiar da equidade nos contratos de consumo, como princípio normativo a ser analisado na configuração da abusividade das cláusulas contratuais (art. 51, IV do CDC).
Por fim, vale destacar que a equidade, como princípio geral, deverá tratar o consumidor de forma diferenciada, ante a sua vulnerabilidade ao mercado de consumo, conforme dispõe a Política Nacional das Relações de Consumo (art. 4º, inciso I do CDC).
104 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. O Abuso do Direito no Código de Defesa do Consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas. p. 78.
3.3.6 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA
A teoria da confiança surge como conseqüência da nova teoria contratual, em que os vícios de consentimento não mais terão o foco principal, embora ainda existentes, consoante se viu nas breves considerações a respeito do princípio da informação.
Assim, na dúvida entre a vontade declarada e a vontade interna, a primeira prevalecerá, conforme doutrinadores e jurisprudências mundiais, especialmente a italiana.105
O Código de Defesa do Consumidor instituiu no Brasil o princípio da confiança, o qual leva em conta a expectativa do consumidor em relação ao outro contratante. Busca-se a valorização da confiança e a da boa-fé, depositadas no parceiro contratante.
Urge destacar que o princípio da confiança representa um marco na transição do foco do indivíduo para os interesses sociais. Enquanto a teoria clássica da vontade concentrava-se na vontade errônea do indivíduo, isto é, na criação do contrato, a confiança visa, além do indivíduo, à proteção dos efeitos do contrato, por meio da concentração nos legítimos interesses e na segurança das relações.
Segundo Xxxxxxx Xxxx Marques106, o princípio da confiança instituído pelo CDC abrange dois aspectos:
“1) a proteção do consumidor da confiança no vínculo contratual, que dera origem às normas cogentes do CDC, que procuram assegurar o equilíbrio do contrato de consumo, isto é, o equilíbrio das obrigações e deveres de cada parte, através da proibição do uso de cláusulas abusivas e de uma interpretação sempre pró-consumidor; 2) a proteção da confiança na prestação contratual, que dará origem às normas cogentes do CDC, que procuram garantir ao consumidor a
105 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. p. 281.
106 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. p. 281-282.
adequação do produto ou serviço adquirido, assim como evitar riscos e prejuízos oriundos destes produtos e serviços.”
A título de exemplificação de normas do Código de Defesa do Consumidor que demonstram o princípio da confiança, destaca-se o art. 18, §6º, inciso III do CDC, em que o legislador protege as expectativas legítimas que o consumidor teria, ainda que não se trate de qualidades essenciais do produto ou de qualidades expressamente garantidas no contrato.
3.3.7 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
Como visto, o art. 170 da CF/88 prevê que a ordem econômica tem por fim assegurar a existência digna, consoante os ditames da justiça social, devendo-se observar, dentre outros princípios, o princípio da defesa do consumidor. Assim, verifica-se que a função social das atividades econômicas encontra-se devidamente positivada na Constituição Federal e atrelada ao direito das relações de consumo. Frise-se que, mesmo anteriormente à existência deste dispositivo (em 1975), o legislador já se preocupava em positivar a função social dos contratos107.
A função social do contrato surge para minimizar o princípio da autonomia da vontade, antes fonte de toda a formação contratual. A fim de trazer à tona a função social dos contratos, o Código de Defesa do Consumidor alude, em seu art. 1º, que a lei não mais terá o caráter supletivo ou interpretativo, mas, sim, cogente. Portanto, a lei passa a exercer o controle sobre a vontade de contratar das partes, com vistas ao interesse social108. Isto significa que, em que pese o consenso das partes na formação dos contratos, a nova concepção de contrato, levando-se em conta ainda os efeitos do contrato na sociedade, o que se dá por meio da aplicação da lei, de caráter limitador da vontade das partes. Os interesses sociais protegidos
107 XXXXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx. O Abuso do Direito no Código de Defesa do Consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas. p. 74.
108 Art. 1º O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos do art. 5º, inciso XXXII, art. 170, inciso V, da Constituição Federal e do art. 48 de suas Disposições Transitórias.
pela lei serão a confiança depositada no vínculo contratual, bem como as expectativas e a boa-fé das partes contratantes.
Xxxxxxx Xxxx Marques109 traz significativas lições a respeito do tema:
“É uma nova concepção de contrato no Estado social, em que a vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse social.
Haverá um intervencionismo cada vez maior do Estado nas relações contratuais, no intuito de relativizar o antigo dogma da autonomia da vontade com as novas preocupações de ordem social, com a imposição de um novo paradigma, o princípio da boa-fé objetiva. É o contrato, como instrumento à disposição dos indivíduos na sociedade de consumo, mas, assim como o direito de propriedade, agora limitado e eficazmente regulado para que alcance a sua função social.”
A inicialização da socialização do contrato deu-se com as proposições de Xxxxxxx e a jurisprudência dos interesses (Interessenjurisprudenz), assim como nas novas teorias italianas sobre negócio jurídico110.
Na doutrina civilista, a função social do contrato já se encontrava esculpida no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657/42) e foi reforçada pelo Código Civil de 2002, em seu art. 421, o qual preceitua: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”
Sob este aspecto, se faz oportuno trazer a lume o enunciado 23, aprovado na Jornada de Direito Civil111, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
109 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. p. 211.
110 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. p. 211.
111 Promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx, tendo sido publicado no site do Conselho Federal de Justiça na Internet. Disponível em: http:/xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxxxxx/.xxx; reproduzido na obra de Xxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxx. Código Civil anotado. 2. ed., São Paulo: RT. 2003.
“A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse relativo à dignidade da pessoa humana.”
Neste sentido, também corrobora Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx000, enfatizando que a função social do contrato não constitui uma meta do contrato, mas um limite da liberdade de promover a circulação de bens patrimoniais. Contudo, em sentido contrário, posiciona-se Xxxxxx Xxxxxxx Boulos113, que assevera que a função social do contrato não só limitou a autonomia da vontade, como também passou a ser o próprio fundamento e a razão de ser do contrato.
Em que pese a divergência de opiniões, o princípio da função social do contrato impõe, sem sombra de dúvidas, limites à vontade de contratar das partes, em prol da sociedade. Assim, o direito passou de ciência com rigor formal, para reconhecer a influência do social, pelo costume, moralidade, harmonia e tradição, com foco na solução de eventuais problemas.
Não se pode deixar de mencionar ainda que os contratos devam ser vistos sob a égide do fato econômico. Neste sentido, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx000 considera o contrato como uma ferramenta para o fato econômico, e esse fato econômico favorece o acesso e o intercâmbio de bens e serviços, sendo esta a razão de sua existência.
Em virtude da importância de referidos fatos econômicos para a sobrevivência ou a melhor qualidade de vida do ser humano, a relação econômica não pode se reproduzir de qualquer maneira, senão de acordo com os parâmetros estipulados socialmente.
112 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense. 2003, p. 99.
113 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. A Autonomia privada, a função social do contrato e o Novo Código Civil. In: XXXXX, Xxxxxx et al. (coord.). Aspectos controvertidos do novo Código Civil. São Paulo: XX, 0000, p. 131.
114 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Contratos Civiles e Comerciales. Buenos Aires: Ástrea. 1990, p. 106-107.
Assim, conforme este conceito, a matéria do contrato deve ser entendida como fenômeno de transferência de riquezas, no qual não cabe menção ao elemento subjetivo das partes, que é o especulativo.
Em matéria de princípios contratuais no Código de Defesa do Consumidor, vale destacar que o princípio da função social do contrato leva em consideração todos os demais princípios ora destacados. Assim sendo, os princípios da boa-fé objetiva, transparência, informação, equidade, proporcionalidade e a confiança, são aplicados em prol do fim social.
Outrossim, importante destacar que, no entendimento de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx000, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu princípios gerais de proteção que, pela sua amplitude, passaram a ser aplicados também aos contratos em geral, mesmo que não envolvam relações de consumo. Destacam-se o princípio geral da boa-fé (art. 51, IV), da obrigatoriedade da proposta (art. 51, VIII), da intangibilidade das convenções (art. 51, X, XI e XIII). No capítulo concernente às cláusulas abusivas, o referido diploma introduziu os princípios tradicionais da lesão nos contratos (art. 51, IV e §1º) e da onerosidade excessiva (art. 51, §1º, III).
Xxxxxx xx Xxxxx Venosa116 pondera que:
“os princípios tornados lei positiva pela lei de consumo devem ser aplicados, sempre que oportunos e convenientes, em todo contrato e não unicamente nas relações de consumo. Desse modo, o juiz, na aferição do caso concreto, terá sempre em mente a boa-fé dos contratantes, a abusividade de uma parte em relação à outra, a excessiva onerosidade etc., como regras gerais e cláusulas abertas de todos os contratos, pois os princípios são genéricos, mormente levando-se em conta o sentido dado pelo novo Código Civil.
Nesse diapasão, Xxxxxxx Xxxxxxxx000 justifica a incidência do conjunto de mecanismos de defesa do consumidor nas relações de direito privado em geral pela aplicação direta dos princípios constitucionais da isonomia substancial, da dignidade
115 XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Direito Civil Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 3: contratos e atos unilaterais, p. 31
116 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. II, p. 371.
117 XXXXXXXX, Xxxxxxx. As relações de consumo e a nova teoria contratual, in: Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 213.
da pessoa humana e da realização plena de sua personalidade. Aduz o referido autor que:
“o conjunto de princípios inovadores, como a proteção da boa-fé objetiva, a interpretação mais favorável, a inversão do ônus da prova diante da verossimilhança do pedido ou da hipossuficiência, tem pertinência com a preocupação constitucional da redução das desigualdades e com o efetivo exercício da cidadania. (...) Parece chegada a hora de se buscar uma definição de um conjunto de princípios ou de regras que se constituam em normas gerais a serem utilizadas não de forma isolada em um ou outro setor, mas de maneira abrangente, em consonância com as normas constitucionais, para que se possa, a partir daí, construir o que seria a nova teoria contratual.
Assim, temos que o exame de cláusula contratual não poderá se limitar ao controle de ilicitude, à verificação da conformidade da avença às normas regulamentares expressas relacionadas à matéria. A atividade interpretativa deverá, para além do juízo de ilicitude, verificar se a atividade econômica privada atende concretamente a valores constitucionais, só merecendo tutela jurídica quando a resposta for positiva. E tal critério se aplica não só às relações de consumo, mas, também, aos negócios jurídicos em geral, ao exercício do direito de propriedade, às relações familiares e ao conjunto das relações do direito civil.
Neste contexto, destacamos que vários desses princípios foram reafirmados pelo novo Código Civil, como os concernentes à boa-fé objetiva, à onerosidade excessiva, à lesão, ao enriquecimento sem causa, aproximando e harmonizando ainda mais os dois diplomas em matéria contratual.
3.4 CONTRATOS DE ADESÃO E CLÁUSULAS GERAIS CONTRATUAIS
Como já mencionado anteriormente, a Lei nº. 11.795/08, que dispõe sobre o sistema de consórcio, toda vez que utiliza o termo “contrato de participação em grupo de consórcio”, o complementa com a locução adjetiva “por adesão”. Oportuno, então, analisarmos as peculiaridades desta modalidade de contratação, aliada às cláusulas gerais contratuais.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Nunes118 identifica que o contrato de adesão é típico das sociedades de massa, construídas a partir de um modo de produção. O crescimento da sociedade de consumo, com sua produção em série, estandardizada, homogeneizada, a contratação de operários em massa, especializadíssimos, o implemento da robótica, informática etc., exigiu a utilização dos contratos-formulários, impressos com cláusulas prefixadas para regular a distribuição e venda dos produtos e serviços de massa. São contratos que acompanham a produção. Ambos – produção e contratos – são decididos unilateralmente e postos à disposição do consumidor, que só tem como alternativa, caso queira ou precise adquirir o produto ou o serviço oferecido, aderir às disposições pré-estipuladas.
O contrato de xxxxxx não tinha previsão no ordenamento jurídico brasileiro antes da promulgação do Código de Defesa do Consumidor, que estabeleceu formas diferenciadas para a análise e interpretação do instituto, bem como cláusulas gerais que o compõe.
Verificamos que o contrato de adesão foi objeto de expressa regulamentação por parte do Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 54 e parágrafos, onde não apenas se cuidou de dar-lhe a conceituação legal e de traçar- lhe o regime jurídico, como até mesmo se chegou a criar um controle prévio:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.
§ 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.
§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
118 XXXXXXXX XXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Curso de direito do consumidor: 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 614.
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx do Nascimento119 conceitua o contrato de adesão nos seguintes termos:
O contrato de adesão é aquele em que carece uma das partes da liberdade de discutir cláusulas contratuais, impostas pelo outro contratante, embora lhe reste a liberdade de aceitar ou recusar o contrato. Em outras palavras, um contratante impõe as cláusulas e o outro, impedido de discuti-las, simplesmente adere. Toda preceituação do contrato foge a seu controle, pois seu ato de consentir é ao que lhe foi imposto, não havendo potencialidade de discutir as condições do contrato.
A doutrina faz distinção entre os contratos de adesão e os contratos por adesão. Aqueles seriam formas de contratar onde o aderente não pode rejeitar as cláusulas uniformes estabelecidas de antemão, o que se dá, geralmente, com as estipulações unilaterais do poder público (v.g., cláusulas gerais para o fornecimento de energia elétrica). Seriam contratos por adesão aqueles fundados em cláusulas também estabelecidas unilateralmente pelo estipulante, mas que não seriam irrecusáveis pelo aderente: aceita-as em bloco, ou não as aceita.120
O Código de Defesa do Consumidor fundiu essas duas situações estabelecendo um conceito único de contrato de adesão. Assim, tanto as estipulações unilaterais do poder público (“aprovadas pela autoridade competente”, art. 54, caput, CDC), como as cláusulas redigidas prévia e unilateralmente por uma das partes, estão incluídas no conceito legal de contrato de adesão.
O contrato de adesão não encerra novo tipo contratual ou categoria autônoma de contrato, mas, somente, técnica de formação do contrato, que pode ser aplicada a qualquer categoria ou tipo contratual, sempre que seja buscada a rapidez na conclusão do negócio, exigência das economias de escala.
119 NASCIMENTO, Tupinambá Xxxxxx Xxxxxx do. Comentários ao Código do Consumidor. 3. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 72.
120 Nesse sentido, Xxxxxxx Xxxxx. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 128.
As leis não proíbem o contrato de adesão. O que é vedado pelas normas de proteção ao consumidor é a imposição de cláusulas abusivas e iníquas, como adverte Xxxxxxxx Xxxxxxxx Junior121 ao mencionar que: “é contra elas e não contra o contrato de adesão em si que se voltam as leis protetivas da parte vulnerável dos negócios padronizados”. Uma vez que o consumidor adere ao contrato que foi preestabelecido unilateralmente, interfere-se para verificar se o estipulante abusa de sua posição de domínio na relação.
Xxxxxx Xxxx Júnior122 leciona que os contratos de adesão são formados por cláusulas gerais contratuais, caracterizados pelos atributos de preestabelecimento do instrumento contratual, unilateralidade, uniformidade, rigidez e abstração.
Ocorre que o predisponente, ou estipulante, estabelece cláusulas gerais contratuais unilateralmente, antes mesmo de se iniciarem as tratativas contratuais, o que consubstancia o preestabelecimento do instrumento contratual, de maneira que servirá a toda gama de negócios relacionados àquela área, restando evidenciada a uniformidade.
Com relação à rigidez, verifica-se que ao consumidor não é dada a oportunidade de discutir o conteúdo do contrato, mas, tão somente aceitar os termos propostos. Por sua vez, a abstração é corroborada por meio da circulação dos formulários onde se estabelecem as cláusulas gerais contratuais.
Neste diapasão, necessário asseverar que os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor que dispunham sobre cláusulas gerais contratuais (art. 51,
§3º e 54, §5º) foram vetados. Entretanto, a doutrina majoritária defende a sua existência e pertinência na análise jurídica.123
121 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. Direitos do Consumidor. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 57.
122 XXXX XXXXXX, Xxxxxx e, et al Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 516.
123 Nesse sentido, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 516); Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 3. ed, Revista dos Tribunais, São Paulo,
A contratação em massa, na grande maioria das vezes, é levada a efeito por meio das cláusulas gerais dos contratos (CONDGs) que são as cláusulas estipuladas por um dos contratantes, antes do início das tratativas contratuais e que servirão para reger os negócios a serem entabulados.
Xxxxxxx Xxxx Marques124 leciona que “[...] as CONDG´s é a lista de cláusulas contratuais pré-elaboradas unilateralmente para um número múltiplo de contratos, a qual pode estar ou não inserida no documento contratual que um dos contraentes oferece para reger a relação contratual no momento de sua celebração”.
As cláusulas gerais contratuais se submetem a rigoroso controle, que pode ser efetivado administrativamente ou judicialmente, sendo certo que, nas palavras de Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx000, buscam proteger o consumidor dos abusos de agentes econômicos, posto que o Código de Defesa do Consumidor previu a intervenção de agentes de proteção das relações de consumo, sobretudo por meio da intervenção do Poder Judiciário.
Para que as condições gerais de contratação ganhem força obrigatória na relação contratual a ser estabelecida entre as partes, é necessária sua inclusão nos documentos escritos. Neste aspecto, Xxxxxxx Xxxx Marques126 entende que “as condições gerais dos contratos, como podemos observar, não possuem força de normas legais ou regulamentos – elas necessitam ser inseridas em um contrato para que ganhem força obrigatória em relação às partes contratantes envolvidas”.
Ressalte-se que para os consumidores que celebram contratos submetidos às condições gerais, verifica-se a primazia das cláusulas pactuadas individualmente, escritas ou não. Ou seja, as cláusulas pactuadas possuem prevalência sobre as pré-elaboradas.
2006); Xxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxx (Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa-fé. in Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v. 4, p. 9).
124 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 79.
125 XXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx. A proteção do consumidor no sistema jurídico brasileiro. in
Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v. 60, p. 14.
126 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 82
O princípio da informação, anteriormente comentado, foi efetivado por meio do estabelecido no artigo 46 do Código de Defesas do Consumidor, que estabelece a obrigatoriedade de levar ao conhecimento prévio do consumidor o conteúdo do contrato, sob pena de não obrigá-lo. Ainda, referido dispositivo determina que os instrumentos contratuais não poderão ser redigidos de maneira que dificulte a compreensão do consumidor, sob pena de não torná-lo obrigado.
Com relação à clareza e compreensão das cláusulas contratuais, o legislador buscou proteger o consumidor diante de práticas comerciais agressivas, a fim de permitir que este instrua o processo decisório e concretize a relação de consumo de maneira consciente.
Igualmente, destacamos que as cláusulas contratuais gerais inseridas em formulários de contrato de adesão que caracterizem limitação ou imposição aos direitos e deveres do consumidor deverão, necessariamente, ser redigidas em destaque, haja vista a necessidade de o consumidor se atentar para todas as implicações decorrentes do contrato de consumo, sobretudo às restritivas de direito.
Neste sentido, vale lembrar que, nos contratos de adesão, ainda que não seja dada a possibilidade de se discutir o conteúdo do contrato que foi pré e unilateralmente estabelecido pelo fornecedor, lhe será garantida a oportunidade de tomar conhecimento efetivo das cláusulas contratuais.
Interpretando-se o disposto no artigo 46 do Código de Defesa do Consumido, o contrato que não tenha sido submetido ao conhecimento prévio do consumidor, ou ainda que não contenha cláusulas contratuais gerais redigidas de maneira clara e compreensível, não obrigará o consumidor.
No sentido da proteção contratual do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor, iluminado pelo princípio da boa-fé, estabeleceu em seu artigo 47 que o contrato de consumo deverá ser interpretado de maneira mais favorável ao consumidor.
Reconhecendo que o consumidor é vulnerável, a parte mais fraca na relação (art. 4º, inc. I, CDC), o artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que aos desiguais despende-se tratamento desigual, no intuito de garantir efetividade ao princípio da isonomia, consequentemente, igualdade substancial real.
Ainda, cabe destacar que o Código Civil de 2002 manifesta-se sobre o contrato de adesão em seu artigo 423, estabelecendo que as cláusulas contratuais que ensejarem ambigüidade ou contradição deverão ser interpretadas da maneira mais favorável ao aderente.
Diante de todo esse cenário, conclui-se que o Código de Defesa do Consumidor, no que concerne à proteção contratual, é eficaz e efetivo ao garantir a tutela dos interesses do consumidor. Por intermédio da obrigatoriedade de informar previamente o consumidor e da viabilidade de interpretação contratual mais favorável à parte vulnerável da relação contratual, bem como da execução específica da manifestação de vontade do fornecedor diante de contratos preliminares e propostas de venda, o consumidor se vê resguardado de modo eficiente e perspicaz, podendo socorrer-se ao Poder Judiciário a fim de tornar inválida, ou inexistente, a relação contratual de consumo e as obrigações decorrentes, quando verificado que os requisitos inerentes à formação, validade e eficácia do contrato foram descumpridas.
4. O CONSÓRCIO E SEU CONTRATO
Atualmente, a Lei nº. 11.795, de 08.10.2008, no art. 2º, define: “Consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupos, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento.
Neste contexto, vale salientar que não é permitida a formação de consórcio de dinheiro, pois o objetivo do consórcio é a aquisição de bens móveis, imóveis e serviços de qualquer natureza.
A Circular BACEN 2.766, de 03.07.1997, em seu art. 1º, caput, dispunha que: “Consórcio é uma reunião de pessoas físicas e/ou jurídicas, em um grupo fechado, promovida pela administradora, com a finalidade de propiciar seus integrantes a aquisição de bem, conjunto de bens ou serviços turísticos por meio der autofinanciamento”.
Anteriormente, a Portaria MF 190, de 27.10.1987, no item 1.1 definia: “Consórcio é a união de diversas pessoas físicas ou jurídicas, com objetivo de formar poupança, mediante esforço comum, com a finalidade exclusiva de adquirir bens móveis duráveis, por meio de autofinanciamento.
Na doutrina, Xxxxx Xxxxxx Diniz127 define consórcio com uma forma de associação de pessoas, que através do autofinanciamento coletam recursos para adquirir bens duráveis – móveis ou imóveis - por meio de sorteios e lances, sendo que os recursos coletados pelos integrantes ficam sob a fiscalização do Banco Central.
127 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Tratado teórico e prático dos contratos, vol. 4, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, pág. 199.
Em outras palavras, Xxxxxxx Xxxxxxxx000 diz que é o agrupamento de pessoas que se reúnem com o fim de adquirir bem da mesma espécie pelo número de participantes a partir da constituição de um capital
Para Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxx000, consórcio é uma operação de captação de poupança popular entre um determinado grupo fechado de pessoas, com finalidade de aquisição de bem imóvel, conjunto de bens ou serviços de qualquer natureza. Em outras palavras, consórcio consiste na reunião de pessoas físicas ou jurídicas, organizadas em grupo, administrado por sociedade empresária, autorizada pelo Banco Central do Brasil, mediante a adesão de consumidores ao contrato de consórcio, gerando direitos e obrigações para as partes envolvidas, de forma individual, coletiva e associativa, a partir da formação de uma poupança, com origem na arrecadação mensal de recursos, com a finalidade de aquisição de bens móveis, imóveis e serviços, os quais deverão ser entregues pela administradora.
Na realidade, o grupo de consorciados pode ser administrado pelos seus próprios membros, ou como acontece sempre, por meio de uma empresa administradora contratada, cuja finalidade exclusiva é a concessão de uma carta de crédito aquisição no mercado de determinados bens de gênero e espécie ou serviços previamente definidos, sendo que o valor da contribuição dos consorciados para a formação do fundo comum é medido em função do preço de mercado dos bens ou serviços a serem adquiridos.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx000 e Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx000 defendem que o consórcio tem como natureza um contrato de cooperação ou organização entre as pessoas para compra futura de um determinado bem.
128 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Contrato de consórcio, n. 1, AJURIS, v. 40, p. 202.
129 FIGUEIREDO, Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxx. ABC do Consórcio: Teórica e Prática, p. 32.
130 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Natureza jurídica do contrato de consórcio. (...), Revista dos Tribunais, 1994, fev./2005, vl. 832.
131 CAVALCANTI, Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx. Natureza jurídica do grupo de consórcio, Repertório IOB de Jurisprudência, 16/92, p. 364.
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx000 define consórcio como a reunião de pessoas físicas ou jurídicas que se obrigam mutuamente perante regulamento coletivo, administrado por empresas autorizadas pelo Poder Público para, através de poupança popular, adquirir bens móveis, imóveis e serviços.
Em parecer realizado em 26 de fevereiro de 1998 por solicitação da Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios – ABAC, Xxxxx Xxxxxx Comparato defende que no consórcio para aquisição de bens móveis ou imóveis, as partes contribuem em dinheiro para a formação de um fundo, onde saem os recursos para a compra do bem, por meio de lances ou sorteios.
Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx000 explica que consórcio é a reunião de pessoas, que efetuam um valor ajustado, durante um determinado tempo, com o objetivo de adquirir um bem por todos os integrantes do grupo, sendo uma forma de poupança programada. Xxxxx utiliza a famosa frase do livro de Xxxxxxxxx Xxxxx, “um por todos e todos por um” para resumir objetivamente a condição dos integrantes do grupo de consórcio, que aderem a um regulamento coletivo, assumindo os mesmos direitos e contraindo obrigações com o objetivo de formar poupança para aquisição de bens através de autofinanciamento.
As pessoas chamadas de consorciados se unem para o autofinanciamento de bens, contemplados todos os meses, por sorteio ou lance, até que o último participante tenha recebido o crédito para a aquisição do bem ou serviço134. Isto quer dizer que o êxito do consórcio está na conjugação dos esforços dos consorciados que unidos num grupo fechado, se proporcionam em igual condição de compra135.
132 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Consórcio e Direito: Teoria e Prática. p. 18/19.
133 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Tudo sobre consórcio. 2. ed. São Paulo: Hermes Editora e Informação Ltda., 1988, p. 45.
134 ABAC – Associação Brasileira de Empresas de Consórcio, Consórcio – a realidade de um sonho brasileiro, p. 151.
135 ABAC – Associação Brasileira de Empresas de Consórcio, SINAC – Sindicato Nacional dos administradores de consórcio, Manual do Sistema de Consórcios, São Paulo: 1991, p. 19.
4.1 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE CONSÓRCIO
Até a entrada em vigor da Lei nº. 11.795/08, o consórcio, doutrinariamente, sempre foi considerado um contrato atípico, passando a ser típico a partir de então. Dizemos que é um contrato típico, pois as obrigações e direitos das partes se encontram disciplinadas na lei. A Lei nº. 11.795/08 define conceitos fundamentais e trata da administração, do órgão regulador e fiscalizador, do contrato de consórcio, do funcionamento do grupo e seu encerramento e das penalidades a serem aplicadas em casos de infrações a dispositivos da lei.
Além de ser um contrato típico, é também de adesão, de natureza coletiva, cujo escopo é a conjugação dos esforços individuais dos integrantes para a obtenção do objetivo comum.
As cláusulas do contrato de consórcio são dispostas de forma rígida e uniforme, características encontradas nos contratos por adesão, pois se dirigem a um grupo indeterminado de pessoas.136
Neste contexto, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx000 leciona que:
“[...] as relações entre os contratantes baseiam-se no contido no instrumento de adesão firmado pelos consorciados. Estes últimos, num formato de contratação altamente disseminado na moderna economia de massas da atualidade, manifestam sua vontade de contratar ao aderirem às cláusulas gerais estipuladas unilateralmente pela administradora. Não há outra forma, aliás, de se fechar o contrato de consórcio, tendo em vista a formação de um grupo de consorciados necessariamente com interesses comuns, o que exige a sujeição a condições contratuais rigidamente uniformes. Não há qualquer espaço para negociações individualizadas entre a administradora e um consorciado, porque isso seria por tudo incompatível com o sistema mutualista do consórcio”. Desse moído, não dispondo a ordem jurídico-positiva acerca da extensão dos direitos e obrigações das partes – em normas cogentes ou supletivas, tanto faz -, esses somente se delimitam pelo previsto no instrumento de adesão.
136 XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Curso de direito civil brasileiro, vol. 3, teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, p. 95.
137 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Civil, 3. ed., v. 3, p. 434.
Obedecendo aos preceitos e princípios do novo Código Civil, o contrato de consórcio deverá possuir objeto lícito e juridicamente possível, de forma que é vedada a contratação de consórcio para a obtenção de bens que contrariem a lógica do razoável, bem como contrariem as leis naturais. O objeto tem que tratar sobre um direito economicamente apreciável. Da análise dos requisitos, conclui-se que a fundamental característica do contrato de consórcio é o seu objeto, ou seja, o fato de ser firmado para a consecução de um fim, isto é, o seu objeto é determinado pela causa e pelo fim do consórcio constituído.
A doutrina tem se referido à causa consorcial como elemento qualificador dos contratos. No estudo da causa consorcial, estabelece-se que a causa abstrai-se do fim, em outras palavras, a causa é o seu propósito específico que se identifica com a declaração de finalidade, que deve ser exaustiva.
A partir da noção do consórcio verifica-se a identidade da causa e do fim. O consórcio é um contrato multilateral em que as partes atuam conjuntamente para alcançar objetivo comum que é a formação do fundo comum apto à aquisição e contemplação de idêntica espécie de bem para todos os integrantes do grupo. Existe reciprocidade de direitos e obrigações entre os consorciados, para que o objetivo do grupo, que é a entrega do bem, seja satisfeito a cada um de seus integrantes.
Considerando o contrato de consórcio como a estrutura jurídica das relações econômicas decorrentes da associação e dando preponderância à relação que se estabelece com o objetivo deste, prevalece o fato de que as partes, para contratarem, obrigam-se na medida dos fins econômicos que pretendem atingir.
Na qualidade de contrato coletivo, oneroso, consensual, pela adesão à proposta importando no acordo de vontades, independentemente da tradição efetiva do bem, a cuja aquisição se dirige, trata-se o consórcio de contrato de execução continuada, fundada no mutualismo, na solidariedade, ou estreita combinação, por um grupo de pessoas, de esforços ou recursos para lograr fim comum.
O consórcio é contrato misto, porque sua estrutura negocial aproveita, no todo ou em parte, a de contratos típicos, como o mandato, depósito e sociedade138. Em síntese, o consórcio tem função de concentração econômica por cooperação, de forma que, dada a importância social que tem, merece tratamento diferenciado pelo Poder Público.
Na lição de Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx:
“O contrato de consórcio é negócio jurídico plurilateral, dependendo sua formação do consenso de mais de duas vontades. Cada consorciado atua como parte autônoma, emitindo vontade própria, tal como também ocorre no contrato de sociedade” (...) “Trata-se, ainda, de contrato oneroso, do qual todos que o integram tiram proveito econômico. No que tange ao momento de sua formação, é contrato consensual, que se aperfeiçoa quando da adesão à proposta independentemente da entrega da coisa. Além disso, é contrato de execução continuada, que se projeta no futuro, pelo que em tese a ele se pode aplicar a teoria da onerosidade excessiva. Há, também, um nítido caráter coletivo, já que o objetivo comum a ser alcançado, e que é a aquisição do bem, cumprimento das obrigações de cada um dos integrantes do grupo. Neste particular, percebe-se forte aproximação com os princípios que norteiam o cooperativismo, o que, filosófica e politicamente, produz um positivo resultado, que é o fortalecimento do sentido de participação e união entre as pessoas. É evidente que a autonomia da vontade se apresenta mitigada, já que se trata de contrato por xxxxxx, o que justifica um formidável dirigismo estatal, no propósito de mantê-lo justo e equilibrado. Daí a permanente intervenção oficial na formação do contrato, impondo regras de funcionamento e fiscalização.139
O contrato de consórcio é figura jurídica autônoma perante os negócios privados, uma vez que compete somente à União legislar sobre a matéria, tendo características próprias: a) multilateral: há a dependência da comunhão de pessoas em número suficiente para a formação do fundo comum; b) consensual: aperfeiçoa no momento em que o consorciado firma a proposta de participação ao grupo consorcial a ser administrado por empresa especializada; c) oneroso: a contribuição patrimonial do consorciado para atingimento do objeto que é o bem desejado; d) comutativo: as prestações de ambas as partes são desde logo conhecidas e guardam entre si relativa equivalência de valores, contém a idéia de reciprocidade
138 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Civil, 3. ed., v. 3, p. 435.
139 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Responsabilidades Contratuais em face do ato declaratório n. 1 da SRF/MF, Xxxxxxxx em Consórcio, ABAEC, Editora Hermes, p. 35/36.
de prestações ou de obrigações, o consorciado, mensalmente, efetua pagamentos equivalentes a percentuais de um determinado bem; e) execução continuada: as mensalidades são oferecidas periodicamente pelo prazo estabelecido no contrato.
Simplesmente, trata-se de contrato associativo criado para que os participantes ou consorciados formem grupos autônomos que financiem aquisições diversas por meio de autofinanciamento coletivo. Pelo contrato consorcial, qualquer indivíduo pode integrar-se a um grupo, contribuindo com uma parcela de pagamento, tornando-se titular de cotas identificáveis e de obrigações específicas, que materializem o direito ao objetivo estrito dos componentes do grupo, correspondente à aquisição de um tipo de bem determinado.140
4.2 O CONTRATO DE CONSÓRCIO NA LEI 11.795/08
A Lei nº. 11.795/08, ao disciplinar o contrato de consórcio, atribuiu-lhe a denominação de contrato de participação em grupo de consórcio, por xxxxxx. Ele cria os vínculos obrigacionais entre os consorciados, e destes com a administradora, para proporcionar a todos igual condição de acesso ao mercado de consumo de bens ou serviços.
Precede o contrato de participação em grupo de consórcio a proposta de participação, que é o instrumento pelo qual o interessado formaliza seu pedido de participação no grupo de consórcio.
O contrato de participação em grupo de consórcio é o instrumento plurilateral de natureza associativa cujo escopo é a constituição de um fundo pecuniário para propiciar a seus integrantes a aquisição de bens ou serviços por meio de autofinanciamento.
140 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Alguns comentários sobre a nova sistemática de consórcios no Brasil,
Revista dos Tribunais, ano 86, dez. 1997, vl. 746, p. 67.
Aperfeiçoa-se o contrato na data de constituição do grupo de consórcio. Implicará o contrato na atribuição ao consorciado de uma cota de participação no grupo, numericamente identificada, nela caracterizada o bem ou serviço.
A administradora de consórcio deve figurar no contrato de participação em grupo de consórcio na qualidade de gestora dos negócios dos grupos e de mandatária de seus interesses e direitos.
No contrato de participação em grupo de consórcio é facultado estipular- se a cobrança de valor a título de antecipação de taxa de administração, destinado ao pagamento de despesas imediatas vinculadas à venda de cotas de grupo de consórcio e remuneração de representantes e corretores, devendo ser destacado do valor da taxa de administração que compõe a prestação, sendo exigível apenas no ato da assinatura do contrato e deduzido do valor total da taxa de administração durante o prazo de duração do grupo.
Igualmente, o contrato de participação em grupo de consórcio poderá prever o valor da multa e de juros moratórios a cargo do consorciado, que será destinado ao grupo e à administradora, não podendo o contrato estipular para o grupo percentual inferior a 50% (cinqüenta por cento). Também é facultada a estipulação de multa pecuniária em virtude de descumprimento da obrigação contratual, que a parte que lhe der causa pagará a outra.
No contrato de participação em grupo de consórcio devem estar previstas, de forma clara, as garantias que serão exigidas do consorciado para utilizar o crédito. As garantias iniciais em favor do grupo devem recair sobre o bem adquirido por meio do consórcio. No caso de consórcio de bem imóvel, é facultado à administradora aceitar em garantia outro imóvel de valor suficiente para assegurar o cumprimento das obrigações pecuniárias do contemplado em face do grupo. Admitem-se garantias reais ou pessoais, sem vinculação ao bem referenciado, no caso de consórcio de serviço de qualquer natureza, ou quando, na data de utilização do crédito, o bem estiver sob produção, incorporação ou situação análoga definida pelo Banco Central do Brasil. Ainda, a administradora pode exigir garantias complementares proporcionais ao valor das prestações vincendas.